Você está na página 1de 13

A passagem do feudalismo para

o capitalismo do ponto de vista


jurídico-político

Professor Dr. Alessandro de Melo


Depto. De Educação - UEPG
Aspectos gerais do modo de produção
feudal
• Período: século IX ao XIV aproximadamente (em alguns países Europeus até o
século XIX);
• Sociedade “estática”, com pouco dinamismo social;
• Poucas possibilidades de mobilidade social. Sociedade baseada em estamentos
fechados;
• De produção eminentemente agrária no início, mas que desenvolve, com os
séculos, uma produção artesanal baseada em ferramentas manuais;
• Baixa intensidade de trocas econômicas;
• Igreja como aparelho ideológico fundamental para a reprodução da sociedade. A
ideia da vontade de Deus era a forma de legitimar o regime.
Santo Agostinho e os inícios do feudalismo
• 354-430. Viveu o período da queda do Império Romano. Nasceu onde hoje é Argélia.
• Sua inspiração está em Paulo de Tarso, especialmente na Epístola aos Romanos. Ver:
https://www.bible.com/pt/bible/129/ROM.13.NVI.
• A explicação social no medievo em Santo Agostinho, centralizou-se na vontade divina, e
não nas ações e vontades humanas, como era em Platão e Aristóteles (tradição grega);
• A cidade de Deus, de Santo Agostinho, se opunha e dominava a cidade terrestre. Nesta,
a Igreja era a representante divina.
“Está escrito: o justo vive da fé, porque, como ainda não vemos nosso bem, é preciso que o
busquemos pela fé. O próprio bem-viver não o obtemos com nossas próprias forças, se
quem nos deu a fé, que nos leva a crer em nossa debilidade, não nos auxilia a crer em
nossa debilidade, não nos auxilia a crer e a suplicar.” (SANTO AGOSTINHO, A cidade de
Deus. Petrópolis, Vozes, 2001, Parte II, p. 388 apud Mascaro, 2022, p. 28).
Santo Tomás de Aquino e os estertores do
medievo
• 1225-1274. Viveu o período final do medievo. Nasceu na Itália;
• O período já era de maior dinamismo econômico, social e político;
• Seu pensamento é influenciado pelos árabes e judeus, que trouxeram a herança de
Aristóteles, abalando as bases agostinianas;
• Com isso traz elementos da vontade humana para a explicação social. Os homens se
salvam não somente pela fé, mas por suas obras, dizia ele;
• Além do governo de Deus, há também o governo dos homens sobre suas ações;
• Politicamente dá um salto em relação a Agostinho: “Deve-se dizer que o homem só é
obrigado a obedecer aos príncipes seculares na medida requerida pela justiça. Assim,
quando os chefes não possuírem um mandato justo, mas usurpado, ou quando os
preceitos deles forem injustos, os súditos não têm nenhuma obrigação de lhes
obedecer, a não ser talvez por acidente, para evitar um escândalo ou um perigo” (Suma
Teológica. São Paulo: Loyola, 2005, v. VI, p. 567 apud Mascaro, 2022, p. 31)
Direito feudal/medieval
• Características:
• Valorização das relações pessoais;
• A terra como valor de uso, dada pela tradição;
• Ausência de concepções abstratas de Estado, poder, cidadania etc.;
• As fontes do Direito eram o Rei e a Igreja;
• Sua aplicação não era generalizada, mas local, fragmentado como o era o poder
político. O direito canônico da Igreja Católica tinha vigência mais abrangente;
• Geralmente era um Direito oral, não codificado, baseado nos costumes e nas
tradições;
• Quanto ao trabalho, os servos eram constituídos sob obrigações perante o
senhor, dentre elas a corveia é a mais conhecida, que são trabalhos que os servos
realizavam em favor exclusivamente dos senhores.
Direito feudal/medieval

Salienta-se o fato de que o Direito Feudal cumpriu seu papel por séculos,
que era o de auxiliar na reprodução do modo de produção feudal.

Fazia isto deixando às claras as relações pessoais de dominação e os papeis


sociais de cada sujeito (nobre, cavaleiro, sacerdotes, servos etc.). Ou seja, o
Direito Feudal não escondia as relações de dominação correspondentes.

Destaca-se que é este o objetivo de todo e qualquer sistema de Direito!


Algumas considerações iniciais sobre o
Direito capitalista
• Iniciamos com as características que foram sendo dadas ao modo de produção
capitalista:

• Estado centralizado, com território delimitado sob as ordens de um poder unificado;


• Poder terreno, não mais pautado nas tradições religiosas e na Igreja Católica;
• Relações de produção que passaram a desenvolver-se sobre o artesanato medieval, com a
constituição posterior do proletariado industrial, comercial e agrário. Consequente
universalização da mercadoria (tudo se torna mercadoria, até a força de trabalho);
• Sistemas de representação: primeiro subordinado ao poder central do rei (absolutismo), e,
posteriormente, por meio da representação popular, após as revoluções burguesas;
• Constituição de sistemas nacionais de educação, para a formação da cidadania.
Algumas considerações iniciais sobre o
Direito capitalista
• Características do Direito capitalista em geral:
• É necessariamente sistemático: deve abranger todas as possibilidades, sem entrar em
contradição ou possibilitar concorrência entre Direitos;
• Regular formalmente as relações de produção capitalistas: define proprietários e suas
propriedades (dos meios de produção ou da força de trabalho), o direito que lhes cabe de
usar a propriedade que detém, o direito de alienar bem como o direito de adquirir uma
propriedade;
• Diferente do Direito feudal, o Direito capitalista não alude diretamente às formas de
dominação/exploração, mas abstrai as relações de produção capitalistas. Não trata dos
conteúdos, mas das formas das relações;
• É universal, pois faz abstração dos indivíduos: todos são circunscritos no Direito, ou seja,
todos são sujeitos de direitos, e porque tudo é mercadoria.
SINTETIZANDO:
SISTEMÁTICO, ABSTRATO, FORMAL E UNIVERSAL
Direito entre o aparelho repressor e o
aparelho jurídico-político
• Excepcionalmente o Estado se vale do Código Penal e do aparelho
repressor para fazer valer o Direito;
• No entanto, o mais comum é sua atuação em abstrato, ou seja, sem que esta
atuação apareça concretamente. Neste caso, o Direito regulamenta o
funcionamento das relações de produção capitalistas (ideologia jurídico-política);
• Esta ação ideológica age no inconsciente e determina a forma de relacionamento
dos sujeitos com a vida em sociedade. Vejamos um exemplo na canção:
https://www.letras.mus.br/belchior/44461/;
• Ou seja, o Direito é um aparelho ideológico de estado (Althusser). Não age
diretamente na produção, mas garante seu funcionamento a partir do aparelho
de Estado.
Algumas considerações iniciais sobre o
Direito capitalista
• Vamos ver mais um exemplo da eficácia do Direito:

“O Direito reconhece a todos os homens, sujeitos jurídicos iguais, o direito de


propriedade. Mas nenhum artigo reconhece o fato de que alguns sujeitos (os
capitalistas) sejam proprietários dos meios de produção, e outros (os proletários)
desprovidos de qualquer meio de produção. Esse conteúdo (as relações de
produção) está, portanto, ausente do Direito que, ao mesmo tempo, o garante”
(Althusser, 2017, p. 81).
Algumas considerações iniciais sobre o
Direito capitalista
• Para finalizar: o sujeito de direito
• A formalização, universalização e abstração do Direito tem como uma das funções
interpelar ideologicamente os indivíduos como sujeitos de direito;
• A interpelação fornece aos sujeitos seus papeis sociais, fazendo-os internalizarem estas
relações;
• A internalização mais importante é a da igualdade formal, e que as leis são para todos e
todas;
• O sujeito de direito é livre para comprar e vender suas propriedades. Portanto, os sujeitos
de direito são interpelados como proprietários;
• Por meio de seus direitos e deveres, os sujeitos de direito se assujeitam às normas e regras
de funcionamento da produção capitalista, de modo voluntário, ou seja, livre.
Referências
ALTHUSSER, L. Sobre a reprodução. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 2017.
MASCARO, A.L. Sociologia do Direito. São Paulo: Gen; Atlas, 2022.
MELO, A. Crítica da ideologia humanista em educação: contribuições do
marxismo althusseriano. São Paulo: Pimenta Cultural, 2022.
SILVEIRA, M.C.D. da. Direito feudal: o que é isso? Sedep. Disponível em:
https://www.sedep.com.br/artigos/direito-feudal-o-que-e-isso/#:~:text=Enten
de%2Dse%20por%20Direito%20Feudal,se%20por%20todo%20o%20Ocide
nte
.
Primeiro resumo:
ALTHUSSER, L. Sobre a reprodução. 2.ed. Petrópolis: Vozes,
2017. p. 79-92.

Você também pode gostar