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Hilda Hilst

Aflio
Aflio de ser eu e no ser outra. Aflio de no ser, amor, aquela Que muitas filhas te deu, casou donzela E noite se prepara e se adivinha Objeto de amor, atenta e bela. Aflio de no ser a grande ilha Que te retm e no te desespera. (A noite como fera se avizinha) Aflio de ser gua em meio terra E ter a face conturbada e mvel. E a um s tempo mltipla e imvel No saber se se ausenta ou se te espera. Aflio de te amar, se te comove. E sendo gua, amor, querer ser terra.

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Hilda Hilst

Da Morte
Que j no sei Se te pensar foi gesto Para ainda mais ferir Minha prpria mgoa. Por que, pergunto, estando viva Devo eu morrer? Por que, se s morte, Deves me perseguir? Aquieta-te, afunda-te Morre, pequenina, Escuramente Dentro do meu sofrer.

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Hilda Hilst

Poesia I
(Em: tempo - morte)
As grandes escadas Da minha alma. gua. Como te chamas? Tempo. Vivida antes Revestida de laca Minha alma tosca Se desfazendo. Como te chamas? Tempo. guas corroendo Caras, corao Todas as cordas do sentimento. Como te chamas? Tempo. Irreconhecvel Me procuro lenta Nos teus escuros. Como te chamas, breu?

Corroendo

Tempo.

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Hilda Hilst

Poesia XXII
No me procures ali Onde os vivos visitam Os chamados mortos. Procura-me Dentro das grandes guas Nas praas Num fogo corao Entre cavalos, ces, Nos arrozais, no arroio Ou junto aos pssaros Ou espelhada Num outro algum, Subindo um duro caminho Pedra, semente, sal Passos da vida. Procura-me ali. Viva.

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Hilda Hilst Poema III de cantares do sem nome e de partidas

Isso de mim que anseia despedida (para perpetuar o que est sendo) no tem nome de amor. Nem celeste ou terreno. Isso de mim marulhoso e tenro. Danarino tambm. Isso de mim novo. Como quem come o que nada contm. A impossvel oquido de um ovo. Como se um tigre reversivo, veemente de seu avesso cantasse mansamente. No tem nome de amor. Nem se parece a mim. Como pode ser isso? Ser tenro, marulhoso danarino e novo, ter nome de ningum e preferir ausncia e desconforto para guardar no eterno o corao do outro.

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