Você está na página 1de 1

Na fase dos porqus Senhora, pode tirar os culos? Por que veio no mdico?...

Tira o pano pra eu ver o nen, moa! um menino? Ele t com fome?... Me, olha o beb na televiso! igual a esse!... Um grito gratuito. A sala atravessada aos pulos. O cumprimento a cada um dos que estavam por perto com um boa tarde e um aperto de mo. Deixa eu sentar aqui, moo. Deixa! - o rapaz, sem irritao, levantou-se na mesma hora. Risos condescendentes de alguns. Olhares de reprovao de outros, entre eles o da me. Shhhhhhh! Leooooooni, vem pra c! - e sentou-se e levantou-se diversas vezes, passando por vrias cadeiras distribudas na sala de espera do consultrio, acompanhando-o e tentando controlar a energia do garoto. Um senhor de idade, que no o conhecia, chamou-o para perto. Foi surpreendido com um abrao apertado e comeou a conversar com o pequeno, tratando-o respeitosamente, respondendo pacientemente s inmeras perguntas, fossem elas engraadas, inspiradoras ou inconvenientes. A me suspirou de alvio. A agitao deu lugar calmaria e vez por outra algum espichava os olhos para observar a conversa fluente do menino, baixando-os logo em seguida, bem devagar, com um ligeiro balanado de cabea, um sorriso bobo no rosto e a lembrana de outra criana, tambm de cinco ou seis anos, tambm na fase dos porqus. At a chamada para o atendimento, Leoni e o senhor conversaram por quase meia hora. A me pegou-o pela mo e sumiram atravs da porta de vidro que dava acesso ao corredor interno. Enquanto o observava, a expresso do idoso era de puro deleite, de quem teve a oportunidade de renovar-se a partir da leveza e do olhar desarmado e curioso daquele menino sobre o mundo. Tambm me lembrei de algum. Entre o desconcerto e o deslumbre, no h como ficar inerte ao crivo de perguntas de um pequeno questionador no auge dos seus cinco anos. A seriedade com que pergunta no deixa dvidas de que para ele cada resposta uma descoberta importante. As afirmaes que faz so intrigantes. No importa o que diz, mas diz com a firmeza de quem ainda no se preocupa com o erro, com o ridculo, com a verdade, com o julgamento dos outros. Tudo se torna muito simples e aquilo que era to familiar, para o que olhvamos maquinalmente, ganha outra cor. A surpresa das questes nos tira do automtico. Diante de um pequeno de cinco anos, abaixe-se. Ajoelhe-se, sente no cho ou coloque-o no colo, mas fique numa altura que possa olh-lo nos olhos. Tente responder ao que lhe perguntar, faa perguntas, oua atentamente. Ele ir lhe fazer refletir sobre coisas que nunca pensou antes. Quem sabe no lhe faa uma grande revelao? O pequeno de quem lembrei me contou um segredo: era agente secreto. Falava com tanta desenvoltura... como eu iria duvidar?

Você também pode gostar