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(GRANDES NOMES DO PENSAMENTO. BRASILEIRO Sergio Buarque de Holanda Visio do Paraiso Os Motivos Edénicos no Descobrimento e Golonizagao do Brasil Sob licenga de iB Cory © 200 Pte Disko be bone a npr Fab Maoh S.A tors ene Ay pn ae cto Conn © Ane hag arta dling elas, "Sov ma eins bo, Pan ony 93 ane Ne ‘ado os dros esa, Neha pre desta ob peer ep argtath oo tate dence fr por ne mess perm ‘reat corset da Pub” i J Puta de Bes othe de Masha Seda Editor rains SA Ena ara fac pla Etor rns expiants pra coho ‘Gander Nemes do Penne maida Fla de Salo Coorenaso: Puta Projo gc e capt Etre Doin Guin de ftare: Aono Amol Prado radio otra Eators ana Vine Revso: Fabiana i Avr eee Nessnre d Sika Neto PonLFOLI cms: pfehsuol come ~ Internet: ww otha som be ‘a (11) 28-168 mat steel com be Apresentagao A Folha de 8.Paulo apresenta a seus leitores, com exclu- sividade, a colegio Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro. [ela estdo reunidos alguns dos mals importantes autores e obras clissicas da histéria e da eoonomia, da sociologia e da Iteratura, ‘que permitem redescobriro pais e toda a riqueza e complexidade da cultura brasileira. As voltas com a comemoragio dos S00 anos ddo Descobrimento, 0 leitor vai entender como e por que o Brasil 6 tomnou o que & Os livros foram eseritos em diferentes épocas e tratam de Tongos periodos da histéria brasileira, desde antes do Descobri ‘mento até o séeulo 20, Bes analisam a formagio do pats e de sex ‘ovo, os confltos que atravessaram a histria e os que ainda atin- ‘gem a sociedade brasileira. Buscam entender as caracteristicas das relagGes socials e racials e as razGes do atraso econdmico & politico do pats. Cada volume da série conta com um guia de letura escrito especialmente para esta colegto, que inclul um resumo das idéias do autor, sua biografia e uma eronologia basics Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro ¢ uma coleglo preciosa ¢ indispensdvel. E uma contribuigio a0 entendimento feral do Brasil através de trabalhos abrangentes ¢ vigorosos que no querem iudir o leitor a respeito do pafs que a todo momento ele esta ajudando a construir. Sumario Nota primeira edigto vill Preficio a segunda edigio 1x 1 Experiénelae fantasia 1 IL Terras inedgnitas vp IIT ~ Pegas e pedras 8 1V-0 “outro Peru" 83 V = Um mito luso-brastlett0 wns 133 VI- As atenuagdes plausiveis 161 ‘VU ~ Paraiso perdido... 183 VIll— Visio do paraiso 22 1X ~Voltando a Matusalém 301 X= O mundo sem mal as. I~ nom sbi aestus 9 ‘Il ~ América Portuguesa e Indias de Castela 383 Biblogratia 407 Indice remissivo 423 ‘Anexo. 439 Cia de letra a3 1m setembro de 1958 imprimira-se o presente estudo em ti rragem limiaa, fora de coméreio e com 0 cardter de tese ‘untwersitdria. Depois de nova distribuigdo da matéria em cxpt- tulos, de corregdes ¢ de ampliagées do texto, esta segunda im- press, destinadaa um piiblico menos exfguo, constitu, de fato, fa primeira edigto de Visto do Paraiso. ‘Nao posso deivar de exprimir cana minha dfeida de gra ida a José Olympioe a seus colaboraclores pelo interesse amigo ‘com que tomaram a seu cargo as duas impressBes sucessivas. Sto Paulo, julho de 1959, ranciarsaneestarUnas AON mt a oN Ride ao ‘MP Aid es ats ‘RES Ar Cord is de So at, ‘I-Dowuneetn tress pr trae Came de io Pl Uliana sora: TMCRS stra Colnago Forays do Bos GSP Regu Geld Car de oP TITS = Revs do ns tre Gegrioe Bs. ISP Reis drt trie v Gnas be Sh Pal Prefacio A segunda cdigao ‘etomando para nova edigao este livro, que sal agora bastante ‘aumentado, julguel que uma explieaglo preliminar ajudaria ‘a desfazer enganos de interpretagno surgidos desde que fol publicado pela primeira vez. A outra mancira de se evitar tals fenganos estaria em procurar redisteibuir a matéria segundo eritrio aparentemente mais racional, de sorte, por exemplo, que (0 7 capitulo eo §, que tratam sobretudo da formaglo dos mo- tivos edénicos, precedessem aqueles onde se consideram os seus, reflexos no deseobrimento, conquista e exploragio dos mundos (ra, além de importar em refazerse praticamente toda a obra, o que estaria hoje acima de minha eapacidade, se- ‘melhante solugio teria o inconveniente de deixar relegado a ‘um segundo plano aquilo que pretende ser o alvo dominante no presente estudo. Nao se quis, com efeito, mostrar 0 processo de elaboragao, a0 longo dos séculos, de um mito venerando, sentlo na medida em que, com o descobrimento da Amérie Pareceu ele ganhar mais Corpo até ir projetar-se no ritmo da Historia, Nem se teve em mira explorar todas as virtwalldades. dessa espécie de secularizagao de um tema sobrenatural, © que levaram certo autor a perguntar ultimamente se os motivos edénicos nfo poderiam dar margem a uma ampla teoria, onde toda a Histéria encontraria sua explicagio. A visio do Parafso,, esereve ainda o mesmo autor, foi principalmente responsdvel pela grande énfase atribufda na époea do Renascimento 2 ‘atureza como norma dos padrées est6ticos, dos padres éticos, € morais, do comportamento dos homens, de sua organizagao social ¢ politica’. ‘Sem querer pOr em tela de jufzo 0s argumentos em que se funda a hipétese, devo salientar que este livro tem ambigoes ‘menos especulativas e pretensbes mais comedidas. O que nele se tencioniou mostrar é até onde, em torno da imagem do Bden, tal como se achou difundida na era dos deseobrimentos ‘maritimos, se podem onganizar num esquema atamente fecundo muitos dos fatores que presidiram a ocupagio pelo europeu do Novo Mundo, mas em particular da América Hispfiniea,¢ ainda assim enquanto abrangessem e de certa forma explicassem © nosso passado brasileiro. Em tais condigdes bem poderia servit estudo semelhante como introdugio 2 abordagem de alguns fundamentos remotos da prépria Historia do Brasil, ¢ de outro — lem que ni se tocou nestas paginas ~, como contribuigio para a boa inteligencta de aspectos de nossa formagao nacional ainda atuantes nos dias de hoe. Sabe-se que para os tedlogos da Idade Média nao repre- sentaya o Paraiso Terreal apenas um mundo intangivel, incor: 1p6reo, perdido no comego dos tempos, nem simplesmente algu- ‘ma fantasia vagamente piedosa, ¢ sim uma realidade ainda presente em sitio recOndito, mas porventura acessivel. Debuxado por numerosos cartégrafos, alineadamente buscado pelos vigjantes e peregrinos, pareceu descortinar-se, enfim, 208 primeiros contatos dos brancos com o novo continente. Mesmo ‘quando no se mostrou ao aleance de olhos mortais, como parece mostrar-se a Crist6vio Colombo, o fato & que esteve continuamente na imaginagio de navegadores, exploradores e ppovoadores do hemisfério ooidental, Dennciam-no as primeiras narrativas de Viagem, os primeiros tratados desoritivos, onde a todo instante se reitera aquela mesma t6pica das visdes do Paraiso que, iaugurada desde o IV séeulo num poema latino atribuido, erradamente segundo muitos, a Lactdncio, e mais tarde desenvolvida por Santo Isidoro de Sevilha,aleangara, sem sofrer mudanga, notavel longevidade. ‘Nao admira se, em contraste com o antigo cendrio fami liar de paisagens decrépitas e homens afanosos, sempre a de- bater-se contra uma éspera pobreza, a primavera incessante das terras recém-descobertas devesse surgit a0s seus primeiros visitantes como uma e6pia do den. Enquanto no Velho Mundo anatureza avaramente regateava suas divas, repartindo-as por lestagbes e 56 beneficiando os previdentes, os diligentes, os pacientes, no parafso americano ela se entregava de imediato ‘em sua plenitude, sem a dura necessidade ~ sinal de imperfeigao eee de ter de apelar para o trabalho dos homens. Como nos pri- ‘meiros dias da Criaglo, twdo aqui era dom de Deus, nfo era ‘obra do arador, do ceifador ou do molto. ‘Desa espécie de iusto original, que pode canonizar a cobiga e banir o labor continuado ¢ monétono, haveriam de partilhar indiferentemente os povoadores de toda a nossa ‘América Hispinica, usitanos, no menos do que castelhanos, ‘embora a sedugio do maravilhoso parecesse atenuar-se entre faqueles por uma aceitagdo mais sossegada, quase fatalista, da realidade plaus(vel. Marcando tio vivamente os comegos da expansio das nagoes ibéricas no continente, era inevitével, nao bstante, que o mesmo tema paradisfaco chegasse a imprimir tragos comuns ¢ duradouros 2 colonizagio das varias regides ‘correspondentes & atual América Latina. E no val exagero no dlizerse que cla também se teré projetado a sua maneira sobre a historia daquelas partes do Novo Mundo povoadas inicialmente por anglo-saxdes: sugere-o qualquer retrospecto da literatura Teeente, mas Jf numerosa, dedicada ao assunto. ‘Nao eabe aqui, sendo sucintamente, um tal retrospecto, Para comegar lembrarel duas tentativas esbogadas com o fim dese investigarem alguns do mitos nacionais dos EUA, onde se podem discernir varlantes modernas do tema paradisiaco. Em ‘uma, a de Henry Nash Smith, professor em Berkeley, descreve- se entre as representagbes coletivas que mais claramente dominaram a Histérla norte-americana no século passado a {imagem popular de uma sociedade agearia a dilatar-se sobre as terras virgens do Oeste para as converter finalmente em um eendrio quase edénico. Nesse tema, 0 mito do “jardim do ‘mundo”, como 0 denomina Smith, efeixam-se virias metitoras ‘expressivas das nogdes de feoundidade, maturaglo, erescimento ‘edo ditoso mister rural, simbolizado numa figura de lavrador smunido de sua arma suprema, que 6 0 sacrossanto arado. ‘Na segunda tentativa, a de R.W.B, Lewis, de Princeton’, borda-se outro mito que, embora sem aleangar a popularidade do anterior, fol deiberadamente forjado, no periodo de 1820 a 1860 mais ou menos, entre alguns pensadores eeseritores, para definir a imagem ideal do homem americano, que é aqui apresentado como um individuo desatado da Histéria, despojado de ancestralidade, estreme das manchas nefastas que Ihe poderiam legar familia e raga, e onde uma geragio afeita A leitura da Biblia via facilmente a encarnagio do primeiro homem, de ‘Ado, antes do Pecado. Ou melhor, dado quea verdadeira historia

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