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ECONOMIA

Marcello Casal Jr/ABr

Em rota de
recuperação
Indicadores apontam que a economia brasileira está
começando a entrar nos trilhos, depois do baque da crise
internacional agravado pelos juros altos

48 Desenvolvimento julho de 2009


A
gora não há mais dúvida: o Brasil ças públicas, de choque de oferta nem de crescimento no quarto trimestre do ano
está saindo da crise. Há “vários balanço de pagamentos. “Pela primeira passado e no primeiro trimestre deste ano,
sinais de que a economia brasi- vez, temos uma crise tipicamente keyne- independentemente de existir a crise”, dis-
leira superou o pior da crise e se siana na economia brasileira. Isso ocorre se. “A política de elevação de juros faz efei-
encontra em fase de recuperação”, afirmou em função da maturidade da economia to, e não só sobre o lado nominal, sobre a
João Sicsú, diretor de Estudos Macroeco- brasileira, que não tem mais as fragili- inflação. Para ela fazer efeito sobre o lado
nômicos do Ipea, ao divulgar a Carta de dades que impediam que taxas de inves- nominal, sobre a inflação, antes ela tem
Conjuntura de junho. E nenhum sinal em timento pudessem crescer e acelerar o que fazer efeito sobre o lado real, sobre a
sentido contrário. A trajetória de recupe- crescimento”, disse Roberto Messenberg, taxa de crescimento. Então, se a taxa de
ração, reforçou ele, está bastante clara em coordenador do Grupo de Análise e Pre- juros foi elevada, era esperado que tivésse-
todas as variáveis: a indústria começa a re- visões do Ipea. mos desaceleração independentemente da
compor os estoques, o que leva ao proces- crise”, explicou.
so de recuperação da atividade produtiva, “A queda do PIB no quarto A preocupação central, agora, é com o
e também está contratando mais trabalha- crescimento econômico, diz Messenberg.
dores: há dois meses, o saldo dos empre-
trimestre e primeiro trimestre Para ele, a retomada do crescimento no
gos formais é positivo no setor. é resultante do impacto da setor industrial está limitada pela aprecia-
“A queda de estoque foi, em grande crise econômica e financeira ção cambial. “O setor que está puxando de
parte, responsável pela queda do PIB no fato a economia para baixo é a indústria.
quarto trimestre do ano passado e no pri-
internacional, mas ela Essa crise é uma crise da indústria e está
meiro trimestre deste ano”, afirmou Sicsú. também é resultado da ligada à taxa real de câmbio da economia”,
Ao adotar a estratégia de reduzir a produ-
política monetária que foi afirmou. A apreciação cambial, entretanto,
ção e atender a demanda com os estoques, decorre da saúde das finanças brasileiras,
a indústria teria contribuído para reduzir implementada pelo Banco com dívida e balanço de pagamentos ad-
a atividade econômica. Mas esses estoques Central no início do ano ministrados. Mas essa apreciação deixa
estão se esgotando, o que vai levar a indús- o setor industrial “com sua rentabilidade
tria a produzir.
passado, quando a taxa de
deprimida”. Para ele, o governo terá que
Os últimos dados indicam também juros foi elevada” desmontar a “armadilha” do câmbio para
que a indústria está iniciando um movi- João Sicsú dar lucratividade à indústria e assegurar o
mento de aumento do uso de sua capaci- diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea retorno dos investimentos.
dade instalada. Com relação aos outros fatores, a Carta
Outro indicador favorável, segundo Para Sicsú, a recessão no Brasil foi agra- de Conjuntura destaca que o governo vem
Sicsú, é a estabilização da taxa de desem- vada pela política monetária do Banco tomando medidas de política monetária
prego, com leve queda de 9% para 8,8%, en- Central, que aumentou as taxas de juros a para aumentar a liquidez da economia e
tre março e maio, de acordo com o IBGE, e partir de abril de 2008. “A queda do PIB também reduziu taxa básica de juros em
também a trajetória crescente de geração de no quarto trimestre e primeiro trimestre é 4,5 pontos percentuais desde o início do
postos de trabalho no setor formal do mer- resultante do impacto da crise econômica ano. A redução dos juros, afirma o docu-
cado. Em maio foram criado 132 mil novos e financeira internacional, mas ela tam- mento, vai afetar positivamente as expec-
empregos, de acordo com o Cadastro Geral bém é resultado da política monetária que tativas, melhorando a confiança dos con-
de Empregados e Desempregados do Mi- foi implementada pelo Banco Central no sumidores e a demanda por crédito.
nistério do Trabalho e Emprego. início do ano passado, quando a taxa de A dúvida é saber como ficam os inves-
“O que precisamos agora é pensar como juros foi elevada”, afirmou. A estimativa é timentos, que reagem mais lentamente à
acelerar essa recuperação”, comentou que os efeitos de aumento da taxa de juros queda dos juros. Além disso, a indústria
Sicsú. A questão é definir o ritmo dessa re- ocorram entre seis e nove meses depois, deve expandir a produção com o aumen-
tomada, que deve resultar em crescimento ou seja, o impacto da elevação dos juros to do uso da capacidade instalada, já que
do PIB de 2009, porém menor do que a a partir de abril seria sentido no final de opera com ociosidade. Assim, ela adia os
previsão de 1,5% a 2,5%, feita no início do 2008 e início de 2009. novos investimentos. No primeiro trimes-
ano pelo Ipea. A previsão será revista para A Carta de Conjuntura atribui três tre deste ano, os investimentos em forma-
baixo, porque embutia estimativa de cres- causas à crise: restrição no crédito inter- ção bruta de capital fixo caíram 14% em
cimento do PIB no primeiro trimestre. nacional, acumulação indesejada de esto- relação ao último trimestre de 2008. “En-
que pela indústria e os efeitos da política tre os componentes da absorção interna, o
Conceito - A atual crise pegou o Brasil em monetária, que, de qualquer forma, leva- investimento é o mais sensível aos ciclos
situação bem diferente das vezes ante- ria à desaceleração da economia. “Já era econômicos” e também o mais volátil, afir-
riores. Desta vez, a crise não é de finan- esperada uma desaceleração do ritmo de ma o documento.

Desenvolvimento julho de 2009 49


Previdência Social: Receita em crescimento

O
resultado da arrecadação a manter a atividade do comércio e, em pelo governo. “É importante continuar
previdenciária destoa do consequência, o emprego e agora já há com essa política anticíclica. Mas nós
quadro de crise da economia sinais de recuperação do emprego. “No vamos ter novos paradigmas. O pró-
brasileira: registrou recor- Brasil nós temos uma recuperação gra- prio presidente do Ipea (Marcio Po-
de de arrecadação líquida em maio dativa da confiança empresarial. Claro chmann), numa reunião interna que
de 2009, atingindo R$ 14,4 bilhões, que os setores que dependem da eco- nós tivemos, assinalou com bastante
8% acima do arrecadado em maio do nomia internacional ainda estão um propriedade que estamos caminhando
ano passado, e o maior valor mensal pouco cautelosos, mas nós já temos para uma nova constelação, novos pa-
desde 1995, excetuados os meses de sinais da recuperação na China, sinais radigmas tecnológicos vão ser utiliza-
dezembro, informa o Ministério da de recuperação lenta nos Estados Uni- dos, novos setores estarão emergindo
Previdência Social. Em cinco meses, dos”, pondera o secretário. Até mesmo e vão liderar o crescimento e o desen-
o crescimento foi de 5,8%. “A minha o processo de falência da General Mo- volvimento econômico”, conta. Nessa
hipótese é que a folha salarial, como tors e da Chrysler aponta para uma sa- nova fase, não serão mais os setores
base para as contribuições que finan- ída coordenada. tradicionais os grandes geradores de
ciam a Previdência Social, é muito “O setor automotivo inteiro está emprego.
mais estável do que o faturamento ou sendo reestruturado. Isso vai afetar de Na crise, a Previdência Social foi um
qualquer outra base de incidência”, alguma forma o futuro da indústria dos instrumentos de política anticíclica
diz Helmut Schwarzer, secretário de automobilística no Brasil. Vai haver do governo, que reajustou o valor dos
Políticas de Previdência Social. Na consequência na GM no Brasil, no benefícios e do salário mínimo, que
crise, o faturamento é mais volátil. tipo de produto que vai ser oferecido, também serve de piso para aposentado-
“A primeira variável que a crise nas inovações tecnológicas”, afirma. rias e pensões. Schwarzer lembra que o
impacta é nos pedidos das empresas e É um processo de ajuste, com a eco- pagamento de benefícios, com reajuste,
aí o faturamento diminui”, afirma. No nomia reagindo às medidas adotadas se enquadra na visão keynesiana segui-
primeiro período de crise, a empresa da pelo Brasil. “Nós não deixamos de
Antônio Cruz/ABr
reduz hora extra, recorre a banco de reajustar os benefícios por causa da cri-
horas e férias coletivas de forma a evi- se, alguns países deixaram de reajustar,
tar a dispensa de trabalhadores quali- nós não deixamos de fazer o reajuste do
ficados. “A dispensa só vai acontecer salário mínimo, alguns países deixaram
quando tiver a clareza de que a crise de fazer”, relata.
vai durar”, supõe. E normalmente os Embora tenha aumentado a arre-
empresários dispensam primeiro os cadação, nos primeiros meses da cri-
menos qualificados, com salários mais se houve um período de estagnação.
baixos. “No caso da arrecadação da Com isso, a previsão de equilíbrio
Previdência Social, embora nós tenha- entre despesas e receitas previdenciá-
mos um grande número de pessoas rias na área urbana em 2009 não será
com remuneração na faixa de um ou alcançada. Ficou para 2010 ou 2011,
dois salários mínimos, as faixas sala- segundo ele. As perspectivas, porém,
riais mais elevadas são responsáveis não são das piores: “Nós estamos ten-
por maior proporção da nossa arreca- do uma formalização importante das
dação”, explica Schwarzer. pequenas e microempresas em função
Além disso, o ajuste do mercado da legislação do Simples Nacional.
de trabalho no Brasil não foi tão forte Provavelmente isso vai resultar numa
quanto o ocorrido em outros países. diminuição da renúncia previdenciá-
Ou seja, o consumo doméstico ajudou Schwarzer: contribuições estáveis ria”, comenta.

50 Desenvolvimento julho de 2009

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