Você está na página 1de 1

QUE SE CUMPRE AOS POUCOS

Desprende-se de mim esse gesto que se cumpre aos poucos. Feito tarde que
se despede da luz, assim, num processo de anoitecer, morrendo tarde,
nascendo noite, mudando de roupa, cobrindo-se de crepsculos e estrelas.

Desprende-se de mim esse gesto que se cumpre aos poucos. Forma serena de
morrer vivendo, confundindo os verbos e os tempos, assim feito poema que se
sacramenta na pele antes de se tornar palavra, alquimia que s os sofridos
podem realizar.

Desprende-se de mim esse gesto que se cumpre aos poucos. Amor amado que
no calado corao adormeceu, virou ventura de ser silncio em meio ao p,
feito criado que, ao lado da cama, espera c!egar o dia em que dei"ar# de ser
mudo.

Desprende-se de mim esse gesto que se cumpre aos poucos. Adornado
encalo que, em meio a flores, denuncia o crime, passagem noturna de um
poeta errante, embriagado de palavras tontas, turvas rotas do sentimento
!umano.

Desprende-se de mim esse gesto que se cumpre aos poucos. $sse e"istir
sentido, cotidiano, sem feriados, acomodando-se em calend#rios, em que a
!istria resolveu ser nmeros, antes de ser passado.

Desprende-se de mim esse gesto que se cumpre aos poucos. $sse poema de
adeus que a Deus pertence, essa reunio de palavras que ao c%u reclama,
essa agonia liter#ria que se descreve o gozo do poeta de ser gesto e palavra ao
mesmo tempo.
Desprende-se de mim esse gesto que se cumpre aos poucos. $sse gesto que
realizo aos poucos, de c!egar ao fim de meu poema.

Do &ivro' ($&), F#bio de. Tempo: saudades e esquecimento - o cotidiano
como lugar de revelao. *o +aulo: +aulinas, ,--.. p./,0.

Você também pode gostar