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este mantinha com a instituiggo eclesiistica e as dovtrinas fundamentais do Catolicismo. Tenha-se presente que as relagies Igreja-Estado conheceram uma longa evolugdo, Em 27 de fevereiro de 380, 0 Imperador Teodésio I (347 — 395), junto a Flavio Graciano (359-383), assinou o Edito de Tessalénica, por meio do qual o Cristianismo se tomou a tinica religito oficial do Império ¢ se sboliram os usos pagdos (celebragio de sacrificios, jogos ¢ templos).“"Em 391 se confirmou a condenagdo do paganismo, que lentamente foi eliminado.** Os pensadores da Idade Média buscaram explicar intelectualmente tal situaga0 ¢ somente séculos mais tarde aconteceram os primeiros interrogativos consistentes. No inicio foram 0 humanismo ¢ o renascimento, os quais, mesmo nfo defendendo ainda um estado aconfessional, jé relativizavam o papel de cada credo. Seguiu-se a Reforma Protestante que submeten as igrejas reformadas ao querer dos governantes. Note-se, por exemplo, o caso da Inglaterra, onde ainda hoje 0 soberano é oficialmente o chefe da Igreja britinica (“Anglicana”), Paralelamente, entre os séculos XV ¢ XVI 5 principados feudais ~ seja catéticos que protestantes — foram gradualmente absorvidos em estados territoriais, constituidos por regides muito vastas submetidas a governos centralizados. Tais govemos se encontravam em mios de soberanos que os govemavam, apojando-se no “principio da legitima autoridade” (que chegara afirmagio do “direito divin do rei”). Com o tempo se organizaram potentes ‘méquinas burocriticas servidas de funciondtios piblicos. Pois bem, este mesmo absolutismo provocou niio poucas reapses, suscitando um desejo de liberdade, o qual desembocard em motins revolucionérios para conquisté-la. As bases filosoficas da desejada mudanga sero dadas pelo iluminismo, que pregava a confianga total na azo ¢ na “bondade natural” do homem, A critica iluminista foi profinda, negando o influxo da transcendéneia na histéria, motivo pelo qual um personagem como Voltaire rejeitard categoricamente a Providéncia divina. Além disso, partindo do pressuposto que os homens sto iguais por natureza, a autoridade se tomava uma mera convengio humana ¢ o Imperador um chefe de Estado nfo por “graga de Deus”, mas por “delegagao popular”. Alguns soberanos assimilaram a novidade, declarando-se “os primeiros servidores do povo” Em segnida, a Revolugio francesa e a formago das republicas americanas (exceto 0 > eya30 Massivo AMOROSO ET ALT, Stora: cronolagieragionoe, quadré dl sintest, p19. *[.UCiaNO MARIN, Cristanesimo. La stora, cies e confession, P12. 341 Brasil que, ainda que adotasse uma politica de inspiragHo liberal se tomar de 1822 a 1889 um império sob a dinastia dos Braganga) transformaram tais idéias em fato, A “restauragiio" pés-napolednica nfo conseguiu restabelecer os elementos essenciais do antigo regime, sem falar que os governos restauradores foram breves. Na Franga terminou em julho de 1830, com a abdicagdo de Carlos X; na Espanha durou até a morte de Femando VII em 1833 (0s liberais chamarao tal periodo de 0 “decéni infame” 1823 ~ 1833); no Reino da Sardenka, até 1848. Para os outros estados, 0 fim da restauragtio coincidiu com @ anexagfo 4 Itétia unificada; Toscana e Népoles até 1859 — 60 (segunda restauracdo depois de 1848); ¢, os Estados da Igreja, até 1870, ‘A data decisiva foi 1848, quando a sucesstio de revoltas denominadas “Primavera dos Povos” demonstraré quanto 0 pensamento coletivo tinha absorvido as idéias difundidas pelos revolucionérios, apesar de que maioria dos liberais burgueses olhasse 0 povo com desconfianca. Segundo ele, a “tirania das massas” era ‘io destrutiva quanto a tirania dos monarcas”." Ou seja, se orientava para um movimento burgués, feito para a classe burguesa, que exclula as classes populares. A derrota dos revolucionérios em muitos lugares depois da vitéria conseguida, serviu também de pano de fundo para uma nova ideologia: o socialismo dito “cientifico”. Nilo por acaso, foi exatamente em 1848 que Karl Marx (1818-1883) ¢ Friedrich Engels (1820-1895) compuseram 0 célebre Manifesto Comunista onde proclamavarn: “Um espectro ameaga a Europa: 0 espectro do comunismo”.** 16.1 — As earacteristicas do liberalism Gragas ao liberalismo, do século XIX em diante, com alguns parénteses, em. muitas das nagBes do hemisfério ocidental, 0 Estado no seré mais a casa dindstica reinante, ¢ a bandeira nacional no representard mais a coro, mas 0 povo que vive naquela cireunscrigdo nacional, O cidadio (termo cunhado pelos revolucionirios franceses em 1789), em precedéncia siiditos do principe, agora se toma siidito desta nova entidade ~ 0 Estado, ¢ este Estado, por meio de suas forgas representativas, escolhe sua Constituigao. fo triunfo da classe burguesa que nfo aceitava a derrota da Revolugfo Francesa. Havia, porém, diversos liberalismos: econémico (baseado na riqueza e na propriedade, que se opunha ao dirigismo de Estado, ¢ & 0 fundamento YJouNASHLEY SOAMESGRENVILLE, La Buropa romodelada, 1848-1878, p.5. ‘2Tosaiaso DETT- GIOVANNI Gazzint, L‘Ontocento,p. 120, 342 doutrinal do capitalismo); politico, oposto ao despotismo iluminista, se apoiava no parlamentarismo censitério; ¢ intelectual, caracterizado pela tolerdncia e pela conciliagio. Além disso, apesar de que o liberalismo fosse geralmente anticlerical, houve também um Catolicismo liberal (Lamennais, Lacordaire, Montalembert, na Franga; Balmes na Espana...) Como ideologia aplicada em forma de governo, o liberalismo permaneceu fiel as categorias. supracitadas, motivo pelo qual assumiré algumas caracteristicas precisa, Fm ambito social ele reivindicava a igualdade de todos os cidadéos diante da lei, abolindo os “privilégios de nascimento” e as distingbes de confissdo religiosa. Assim, 0s politicos liberais proclamaram a emancipagao dos caldlicos nos paises protestantes e vice-versa; porém, diga-se sibito que em algumas nagées permancceram porém vistas restrigfes. Basta recordar que até os nossos dias, os catélicos nfo podem por lei chegar ao trono ou a chefia do parlamento na Inglaterra, ¢ nos Estados Unidos, até um passado recente, a orientagio escolar era visivelmente protestante, motivo pelo qual, em 1883, o terceiro concilio plenério celebrado pelos bispos em Baltimore, decidiu de convidar os catélicos a matricularem seus filhos nas escolas da Tereia.®® No tocante ao aspecto politico, o triunfo do liberalismo transformou os soberanos remanescentes em figuras “decorativas”. Eles tomavam parte @ vistosos protocolos, mas sem possuirem mais um papel decisério de real importincia. De outra parte, foi legitimada a proposta de Montesquieu, que subdividiu o poder em trés categorias: legislativo, judiciério ¢ administrativo (ou executivo). Nenhum destes trés poderes era cxercitado pelo povo, mas funcionérios em conformidade com o querer popular: era a “soberania popular”, A autoridade nfo se encontrava mais no rei, mas nna vontade geral dos eidadéos, considerada justa por si mesma. Também aqui se Iegitimou o parecer de outro iluminista, Rousseau, segundo © qual os detentores do poder eram simples mandatarios da vontade da nagdo, Estes deviam regular-se em conformidade com ela, podendo ser destituidos a qualquer momento, Como, porémn, as vontades variam segundo cada cabesa, se estabeleceu 0 critério da maioria absoluta, O meio pritico para exereé-la era 0 suftdgio universal que, no século XIX, de universal era ainda apenas uma idéia. Nesse particular, deve-se ter presente que a burguesia reservou tal direito somente para as classes “bem situadas", por meio do qn Manta LAB0A, La Chiesa ela sua storiavol.9, p. 44 343 assim chamado voto censitério. Tratava-se de uma escotha clitista, em que @ participagto as eleig6es ficava restrita aos homens dotados de certa renda. Portanto, & ideologia liberal em relago a0 Ancien Régime era subversiva, mas no que diz respeito 40 povo, era conservadora. Acrescente-se ainda que as mulheres nio foram contempladas nesta inovagio, permanecendo fora do suftégio até 0 séeulo XX. De qualquer modo, a pactir de 1878, a legitimidade dos parlamentos eleitos foi praticamente reconhecida em quase todos os paises, exceto na Réssia, que o convocard somente em 1905, as vésperas da Revolugiio Bolchevista." No século XX, porém, o liberalismo no pode resistir ao movimento operério © as reivindicagdes da massa. Na Itélia, a inovagdo chegou gragas a Giovanni Gioliti (1842-1928) que aos 25 de maio de 1912 fez aprovar uma lei abolindo 0 censo © estabelecendo o sufrigio universal, que ainda, porém, excluia as mulheres, coisa que sera superada somente em 1945. No ano seguinte o Partido Socialista demonstrou sua forga nas cleigdes.°* Em ambito econdmico, os liberais seguiam as doutrinas defendidas desde 0 século VILL pelo filésofo e economista escocés Adam Smith (1723 ~ 1790) e pelo londrino David Ricardo (1772 ~ 1823). Adam Smith se tomou célebre a causa de sua obra A riqueza das Nagées, publicada em 9 de margo de 1776, Este escrito fez com que ele passasse a ser considerado o fundador da economia politica liberal. Com seguranea se pode dizer que 0 pensamento destes autores, com diversas interpretag6es, foi habilmente utilizado para encorajar, estimular ¢ legitimar a ago dos empresitios, fomnecendo &s suas ambigdes e insensibilidade social, uma base “cientifica” que se pretendia estar acima da discusstio. Nesta perspectiva, grande relevancia se dava A defesa da propriedade privada, vista como um direito natural do individuo, contra as ingeréncias de outros individuos e do Estado. Tal valorizagio do individuo, porém, deixava de lado o social, a exemplo da atitude assumida pela “Escola de Manchester”, nome dado ao movimento politico e econdmico surgido na Inglaterra na primeira metade do século XIX. Assumindo o pensamento de Adam ‘Smith, Richard Cobden (1804-1865) e John Bright (1811-1889), os membros de tal “escola” tiveram um notivel sucesso entre 1846 ¢ 1849, quando conseguiram obter & supresstio da taxa eduaneira sobre a importagdo dos cereais.“* ‘*jcumASHLEY SoaMESGRENVILLE, La Europa remodelada, 1848-1878, p. 5. “Suma Savio, La diaspora axionista Dalla resstenza alla nacita del Partito radicale,p. 172, “*ynLEREDO PARETO, Berts politiques, p-36. 344 Para além das inevitveis crticas, resta 0 fato que o liberalismo vitocentista conseguiu difundir com sucesso seus prineipios, que eram substancialmente quatro - Individualismo: 0 bem comum € a soma dos bens individuais ¢ cada um contribui aumentando simplesmente a fortuna prépria, Sao dissolvidas todas as antigas corporagées, proibidas as associagdes profissionais © 0s contratos coletivos de trabalho. - Auséncia estatal: toda intervengao do Estado € considerada ilicita porque viola a liberdade individual, dado que cada um é 0 melhor juiz em causa propria e prove melhor ao seu interesse sem presses externas. - Amoralismo econémico: as leis econdmicas exprimem relagSes necessérias de causa ¢ efeito; nfo se pode falar de “Justo” e “injusto” porque a sorte dos assalariados faz parte do jogo da oferta e da procura. = Livre concorréncia: coluna central do sistema liberal, defendia a idéia que os produtores eram desligados de todo vinculo, e livres para impor os custos do mercado, coisa que faziam & custa dos proprios opetirios, obrigados a salirios de fome & horérios de trabalho que chegavam a 16 horas dirias. Porém, tal comportamento no era condenado pelos defensores do liberalismo clissico, que, em nome da citada ideologia, nao hesitavam em defender a supressio do movimento sindical.*" 16.2 Os regimes de inspiragao liberal e a Igreja © Estado liberal tinha pretensio de estabelecer seu controle em todos os Ambitos da vida social, sem poupar a Igreja. A instituigio cclesidstica teve de se defender também porque foi atingida em diversos campos, especialmente naqueles relativos ao matriménio, a familia e a educagdo. Nao por acaso, Pio IX, no Syllabus errorum, citou certas medidas do liberalismo entre os erros modemnos: 19. A Iggeja ilo 6 wma verdadeica e perfita sociedade, completamente live, o no ispde de seus proprios e permancntes direitos, a ela conferides pelo seu fundador divino, mas toca 20 poder eivil definirquais slo os direitos da Igreja, os imites dentro os quas ea pode exeretar estes mesmos direitos 20, A potestade eclesiéstica nto deve exercitar a propria autoridade sem a permiss8o © 0 consenso do governo civil “CE, CAFRMELO CALABRO, Liberalismo, democracta, socialismo, L'tinerario di Carlo Rosselli, p. 3. 345, 39, © Estado, como origem e fonte de todas os direitos, goza de um direito tal, que no & circunserta por nenhum eonfim.®* Paralelamente, houve uma transformagao do conceito de diteito ¢ de justica, motivo pelo qual o século XIX se tomou 0 século dos juristas, que eram demasiado propensos a confundir justiga com legalidade. Habituou-se a no se perguntar se os govemos tivessem o direito de emanar tais disposigdes; bastava que elas restassem no ambito da Constituigéo e fossem votadas pela maioria do parlamento. Neste Ambito se encontram as leis de supressio de religiosos e a expulsdo de tantos clérigos de certos paises. Por isso, mesmo que a Igreja ndo tivesse um programa politico, para fazer respeitar 0s proprios direitos, os catélicos tiveram que descer em campo, alé mesmo formando agregaydes politicas, depois desenvolvidas em partidos. Quando os estados cram hostis, a Tgreja se tomnou oposigo. O nacionalismo olhava a Igreja com suspeita, guuase como se fosse uma poténcia inimiga. A atividade eclesiéstica era julgada como ‘uma ingerénoia externa e, como consequléncia, lesiva ao interesse nacional. Além disso, como se viu em precedéncia, pelo fato da ideologia liberal conceber o Estado como constituido por individuos e ndo por grupos, a autoridade era tida como um simples contrato que existia porque 0 individuo, desenvolvendo 0 mais possivel os proprios interesses econdmicos, promovesse o maior proveito. Isso exigia que a economia se desenvolvesse segundo leis préprias ¢ que fosse excluida qualquer intervengio ou planificagao estatal. Portanto, depois de ter triunfado em muitos paises a partir de 1830, 0 liberalismo instituiré governos constitucionais com liberdades pliblicas, liberdade de ensino, de consciéneia ¢ de religiéo, mas, ao mesmo tempo, 4 nfo se baseava no nascimento, mas no dinheiro e na consagrard a desigualdade, que instrugao. ‘Assim articulados, os governos nao sentiam a necessidade de se apelar a Deus sequer para fundamentar a prépria autoridade e nem de uma [greja como ‘instrumento” para levar a populagao a autoridade constituida. les se consideravam incompetentes em matéria religiosa e interpretavam a religio como uma questo “individual ¢ privada”. Nao se reconhecia, portanto, uma confissfio determinada para proteger ou financiar, portanto (em linha de maxima), havia separagio entre a Tgreja 0 Estado, ainda que esta nfo tena sido introduzida sibito, em todo Tugar e do mesmo modo. Na praxis, continuon a experiéncia das concordatas ¢ das ingeréncias “*rienveacn DENZINGER, Enchiridion Symbolorum, p. 1033-1035. 346 indébitas:com efeito, a proclamada “incompeténcia” do Estado em matéria religiosa (entendida como uma questo nfo sua) se traduziu freqientemente numa atitude negativa ¢ restritiva para com a Igreja, negando-lhe 0 direito & plena expresso comunitiria, [ss0 gerou varios conflitos entre muitos estados com seus episcopados. O fato é compreensivel: os govemos liberais, que to gratuitamente se declaravam respeitosos de todas as opinides ¢ defensores da liberdade, com igual desenvoltura fixavam os limites desta mesma liberdade quando se tratava do clero. Na prética eles consideravam inaceitavel que os bispos falassem de temas nilo estritamente religiosos, isto é, deviam restringir suas palavras a argumentos que dizia respeito apenas & relagdo alma-Deus. A ideologia era clara: a prédica da Igreja devia ser circunscrita a ‘um intimismo sem projego externa. Por isso, geralmente se negava aos sacerdotes direitos reconhecidos a todos os cidadios, pelos simples fato que pertencessem & hierarquia eclesidstica.°° 16.2.1 ~ A atitude dos estados liberais em relagio a Igreja. Partindo do pressuposto que bastava a permissio da Constituicio ¢ a aprovagdio da maioria do parlamento, os govetnos liberais ndo hesitavam em confiscar os bens eclesiisticos, suprimir ordens religiosas, expulsando os regulares nfo gratos dos seus préprios paises e punindo atos exclusivamente pastorais em nome da lei. Os pressupostos teéricos sobre os quais se movia o liberalismo no tocante & religido eram 0 seguintes: sociedade ¢ a autoridade tinham uma origem puramente humana; a unidade politica se fundava sé na identidade de interesse politico; eolocou de lado o conceito de “religiio de Estado” ¢ afirmou o principio da tolerdncia ¢ portanto, a plena liberdade de conscigneia; e as leis nfo tinham mais em consideragio 0 ordenamento candnico, isto é, nfo reconheviam as leis candnicas da Igreja; os eclesidsticos deixaram de ter privilégios ou condigdes especiais (fus for); se introduziu 0 casamento civil € 0 divorcio; ¢ eniim, a total secularizagao do Estado. Isso explica a tentativa dos estados de deterem # exclusividade da instrugio da Juventude. Nos livros escolares eram inculeadas, também nos mais pequeninos, as idéias de unidade nacional e de liberdade, se vangloriava da poténcia da propria patria, seu esplendor ¢ sua gléria, geralmente com declaragées assaz discutiveis "Juan Mania Lanoa, La Chiesa ela modernita, vo. 1, p. 84, 347 ‘Adotando tal comportamento, para muitos governos a Teteja aparecia como um cobsticulo, uma poténcia inimiga. Sua atividade era julgada como uma ingeréncia externa e indébita, Diversos estados declararam que concluir tratados com Roma se ‘constituia numa humilhagao nacional. Por isso, as medidas anticlericais se sucediam, concentrando-se sobretudo em cinco aspectos: a)Expropriacdo do patrimonio eclesidstico: atuado para limitar a extensio do patriménio eclesifstico, motivado por aludidas exigéncias de modemizacio do Estado.Dessa expropriagio tirarem proveito os latifindidrios da nobreza e a bburguesia. Para a Igreja o aspecto positivo fot o fim das vocages interessadas, b) Supressito das ordens religiasas: atuada em diversos modos, entre os quais, fa negagiio de reconhecimento da personalidade juridica das ordens ¢ a conseqtlente ‘expulsio dos regulares de suas casas, com a proibiglio da vida comum; com a proibiggo dos votos religiosos ¢ da recepedo de novos novigos. Geralmente estas medidas nfo duravam muito tempo. ©) Matriménio civil e divércio: 0 divércio foi instituido por primeira vez na Franga por legisladores da revolugo e, em 1803, foi mais bem disciplinado pelo eédigo civil napolednico que o admitiu, além que por culpa de um dos cdnjuges, também por mito consenso. Depois os franceses 0 levaréo também em outras nagéies. Abolido em 1815, o divércio sera gradualmente reintroduzido pelos governos liberais junto do casamento civil 4) Laicicagdo da escola: 0 problema foi muito sentido na Bélgica, na Franga & no México. Geralmente era aplicado em trés fases: supressdo do ensino religioso nas escolus; ab-rogaso de toda subvengao estatal A escola confessional; supressio pura e simples do ensino ndo estatal ©) Aboligto das antigas imunidades eclesiésticas: como 0 foro privilegiado, abolido pela revolugio francesa, foi reintroduzido quase em todo lugar. Os a governos liberais vetardo todas estas imunidades. © movimento democritico procurou superar os limites do liberalismo © a primeira vitéria foi a conquista do suftégio universal, obtida na Franga em 1848 (excluindo ainda as mulheres), ¢ em seguida, pouco a pouco, na maior parte dos paises. Nasceu assim a democracia parlamentar baseada na existéncia dos partidos politicos, que com o tempo se tomario partidos de massa (inicio do século XX). Outras frentes de uta sero aquela em favor do ensino (piblico, gratuito ¢ 348 obrigatério), a difusio da informagao (a imprensa), a igualdade de oportunidades nas fung6es militares e tributérias e outras mais. 16.2.2 —A persistente desconfianga reciproca entre liberais e catélicos No século XIX um abismo ideolégico separava ¢ mundo catélico dos militantes liberais. Entre outras coisas, os liberais fizeram do principio da “tolerancia” ¢ da “liberdade de conseiéncia” suas bandeiras. A Tereja, ao contrério, convicta de ser portadora de uma verdade divina revelada por meio de Cristo, nfo aceitava compromissos com tudo aquilo que considerava fossem erros. Da sua parte, os liberais pregavam que a verdade devia ser procurada livremente, sendo impossivel que alguém errasse se tivesse as condigdes de buseé-la sem impedimentos. A instituigio eclesidstica nao podia partilhar deste ponto de viste: se a verdade fora revelada, e a Igreja fora institutda por Cristo como sus legftima transmissora, 0 clero com toda a autoridade a administrava. Dai que os equivocos € as ineompreensbes recfprocas impediam uma anilise serena da opiniéo contréria, ¢ os mal-entendidos s6 cresciam. Um exemplo: a idéia gue um cat6lico pudesse explicar os fundamentos de sua fé em doutrinas bem estudadas, parecia ser para os libetais como uma coisa sem sentido, ou a titima das extravagéncias. Tudo isso produziu um paradoxo: ditos liberais, do momento em que estavam convencidos que as idéias dos eatslicos fossem contrétias & liberdade, defendiam a idéia que os seguidores do Catolicismo no deviam ter 0 mesmo direito de defender suas idéias, direito que eles tanto reclamavarn para si. Nao menos complicada era a discussdo em capo econdmico. Os liberais, desejosos de aumentar 0s préprios lucros, criticavam a grande quantidade de dias festivos, hostilizando até mesmo o repouso dominical; os catélicos condenavam a usura e pregavam o principio do justo lucro, do justo prego ¢ do justo salirio. Para os liberais, o principio era aquela da liberdade econdmica (evolugdo do proverbio “a cada um segundo seu talento”), enquanto a Igreja argumentava que a justiga devia reger as agGes humanas, e que nil era possivel ter liberdade em questdes vitais. Como conseqiiéneia, os padres criticavam aberlamente a to louvada “liberdade de contrato’ defesa naquela époce, porque viam em tal instrumento a possibilidade de vida ou de © j940 Camti.o De OLIVEIRA TORRES, Histdria des idéiasreligiosas no Brasil, p. 105 ~ 108. 349 morte sobre o servo por parte do empregador. Nenhuma das partes cede, ¢ nfo houve enhum acordo. Além disso, a0 interno da Igreja ainda prevalecia 0 modelo de “eristandade”, uma concepgio que tinha suas raizes da canonfstica medieval. Tendo como ponte de referéneia este modelo eclesial, em 1871 a revista Civilta Cattolica, 0 comentar as escolhas do liberalismo, afirmou: (© liberalismo induz a sociedade ao paganismo, rompendo aqueles lagos com que lige a Religido de Cristo e destruindo a obra que a Idade Média criou, reunindo irmanando juntos os povos sob o estandarte da cruz, 20 apelo desta grande e imensa reunito: CCristandade, ...] 0 lberalismo no seu Direito Piblico Eclesiético, proctams o grande principio da separasio da Tgreja do Estado, principio que tiraniza a Igreja, que a abandona em pleno poder de seus inimigos, que # sbandona ao poder de seus inimigos, que provoca confusio das conseitneias, ¢ & motivo de funesta desordem, de imoralidade e de desventura soci 0 liberalismo como conseqiéncia desta cisdo, visa secularizar tudo, ¢ tudo faz absorver na situagio do estado revolucionsio,* ‘A madanga de perspectiva aconteceré somente com 0 Coneilio Ecuménico Vaticano II que colocou no lugar da Tgreja “sociedade”, a Igreja “mistério”. O conceito de Igreja sociedade permaneceu, mas associado a0 conceito de “comunthiio”. Nesse sentido, a Constituigo Pastoral Gaudium et Spes (a. 36), aprovada em 7 de dezembro de 196Safirmou que as realidades temporais tém uma pr6pria autonomia, apesar de ter confirmado que as coisas criadas dependem de Deus.“ 16.2.3 ~ A politica separatista A impossibilidade de “enquadrar” 0 clero, apesar das medidas adotadas por tantos governos para limitar sua ago, aliada ao desprezo pela religido enquanto tal, levaré a afirmagio de outro fendmeno: o “separatismo”.A origem da tendéncia separatista apareceu sob 0 influxo das idéias de Locke, Rousseau ¢ Willians. A religifo passa a ser concebida como uma realidade puramente privada, objeto ao maximo de um acordo entre individuos que possam constituir uma associagao (igreja), que nfo é, porém, soberana, e deve se mover no ambito do Estado, IA. 1, "Scuole clerical e scuole liberal, in: La civil cattoliea, vol. TV, p. 4. rfemvnich DENZINGER, Enchiridion Symbolarn,p. 1645-1647, 350 © separatismo assumira trés formas distintas, sendo a primeira 0 “separatismo puro”, que teve como exemplo mais conhecido a Constituigto Federal dos Estados Unidos promulgada em 1787, Nela, além de afirmar a laicidade do Estado, dispensava todos 0s politicos de qualquer juramento religioso. Como conseqiiéncia, a jovem nagdo nfo tinha nenhuma religiao oficial, mas igualdade de direitos civis e politicos. Nenhuma ajuda era dada pelo Estado a nenhuma confissio; 0 Estado no se intrometia em nenhuma confissio religiosa, € eram reconhecides 0s matriménios segundo os virios ritos. Isso evidenciou algumas realidades novas, entre as quais @ nomeagao dos bispos ~ fato inédito — em que a Santa Sé escolherd livremente, depois de ter consultado 0 clero. Outros aspectos, porém, entraram em conflito com a legislagto candnica. Ou seja, a Igreja era livre para se organizar segundo a propria tegislagto intema, mas n&o era reconhecida como organizagao de direito publico. ‘Assim, nas suas relagdes externas, para gozar das gatantias do dircito civil, foi forgada 1 se organizar segundo os srustees corporation (associagtes de figis ~ que tinham grande poder). A solugio apareceu em 25de agosto de 1863, no estado de New York, com a lei que reconheceu 0 “trust” formado pelo bispo, mais 0 vigétio geral, 0 paroco, dois leigos escolhidos por eles por um ano. Estes nomeavam os parocos, os vice- parocos, podiam remové-los, dividir as paréquias; mas s6 o bispo tinha o poder de rolificar as nomeagGes. No fundo, a hierarquia manteve o controle. Os Estados Unidos adotaram tal arranjo juridico tomando em consideragéo a forma organizativa congregacional das _confissSes protestantes, majoritérias mo seu territério (presbiterianos, puritanos, batistas), que nfo tinham um sistema hierdrquico centralizado, ¢ somente muito mais tarde tal sistema foi contornado.** ‘Uma segunda forma de separatism foi aquela “mista”, que constituiu 0 caso mais conhecido e que se encontra na Constituigo belga de 1831, a qual estabeleceu a erdade de culto ¢ de ensino € 0 matriménio civil. Fla nao impedia a livre correspondéncia entre Roma ¢ os bispos ¢ concedia um salirio ao clero como ‘compensagio pelos bens expropriados pela Revolugao francesa. Neste sistema houve uma retomada da vida religiosa, a0 lado do increment das escolas catélicas, culminado com o reconhecimento da universidade catélica de Malines em 8 de cp, FEDERICO Mani, Ruthen! negli Stati Uniti: Santa Sede e mobilité umana ta Owtocento ¢ Novecento, p, 121-128, 351 novembro de 1834.Esta universidade foi logo suprimida para ser reinstalada em_ Louvain no dia 1° de dezembro de 1835. “hostil”, cujos casos Houve, porém, uma terceira forma de separatismo, aquel mais clamorosos foi a Franga da época revolucionéria © do periodo persecutério ‘conduzido por Emile Combes entre 1903 ¢ 1903. Hostil foi também o laicismo Jimposto em Portugal: depois da queda da monarquia em 1910, por meio da lei de 20de abril de 1911; ¢ 0 México, entre 1914 e 1920 durante 0 governo de Vemustiano Carranza (1859-1920), mas também sob 0s governos sucessivos. (0 caso da Ilia foi ambfguo, variando de misto a hostil. Ou seja, de uma parte havia a laicidade “oficial”, mas doutra, o Estado impunha limitagées & ago do clero © dos religiosos. Além disso, os magons infiltrados na politica adotavam um comportamento anticlerical ostensivo. Um exemplo disso foi o artigo publicado pela Rivista della Massoneria atiana em 1872: 0 sodalicio magGnico na Ilia combateu tenazmente e, quase debelou com 2s armas da rai, a parte degenerada ¢ apodrecida do Cristanismo, e muito cooperou para cortar as tunhas sengrentos da imunda harpia, que da maior e gloriosa cidade do mundo tina feito viveiro de superstigéo e bastigo contra todo humana eiviizaedo; fagamos sim que da Cidade Eterna nossa luz se difinda pelo universo, que © mundo admire com canto © negro e aviltado jesus, olive gigante poder da magonaria.* Sobre a esta base, nfo ha porque se admirar ante 0 fato que, em relago & situagdo da Itlia, tenha dito o politico e filésofo Giuseppe Ferrari (1811-1876): “A frase ‘Igreja livre num Estado livre’ é uma piada politica. Sim, vés ndo acreditais & pomposa liberdade que prometeis ao Pontifice, sorris e alguém vos leva a sério. Nao ‘me negareis que o Pontifice seja sob a dominagizo do Reino da Italia”. e ultramontanos do século XIX ‘A catolicidade européia, depois dos problemas sofridos ao tempo da Revolugdo francesa ¢ do perfodo napolednico, mais que retomar ao Ancien Régime, © onenzo OenAGHT ET ALi, Dizionario di doterina sociale della Chiesa: science soctali e magistero, ps. ‘LORENZO ORNAGHLET ALit, Disionario di dotrina sociale della Chiesa: science sociall e magistero, 669. Bexassino VioLIONE, Libera chiesa in libero stato?: il Risorgimento e i cattlick: uno scontro epocale, p.5: 352 desejava o restabelecimento da res publica crista da Idade Média, encontrando depois © apoio de grande parte do romantismo, que exatamente naquele periodo ia as. abstratas redescobrindo ¢ valorizando @ idade medieval, em contraposi iconoclastias iluministas.” Este Catolicismo colocado na defensiva encontrou dificuldade em relacionar- se com as liberdades modemas ¢ © imperante pluralismo ideolégico ¢ politico de entéo. Porém, uma altenativa surgiu exatamente ao intemo dos figis ultramontanos, apesar de que tenha sempre permanecido minoritéria: 0 assim chamado “Catolicismo liberal", Seus seguidores, na maior parte dos casos limitados a alguns cfrculos intelectuais, queriam a sociedade integralmente orista e ao mesmo tempo a liberdade da Igreja, subordinada 20 Papa. Vale dizer: seu objetivo principal era aquele de buscar a “coneiliagio entre a f6 tradicional ¢ as liberdades modemas proclamadas pela Reyolugo Francesas”. Os prinefpais representantes desta tendéncia foram franceses italianos. Mas, dado que eles constataram de niio poder atingir o fim da restaurag4o uma alianga com o Ancien Regime ¢ com os tronos que se atinham a Igreja de Estado ¢ a0 galicanismo (os Bourbons da Franga) se voltaram para os ‘povos”, que em amplos extratos sociais ainda eram crédulos. Além disso, uma das causas determinantes do Catolicismo liberal foi a experiéncia pritica de paises em que a Igreja Catélica se colocou ao lado dos “povos oprimidos” e estreitamente ligada & causa da liberdade, a exemplo da Irlanda e da Polénia, Em suma, os cat6licos liberais ‘no foram os precursores do sucessivo protestantismo liberal. Eles nfo desejavam ‘uma evolugdo em campo dogmético ou cedimentos na disciplina eclesidstica ou ainda ‘uma relativizagiio das normas morais cristis. Melhor dizendo, o ideal deles consistia no unit a propria crenga a grandeza cristi e a dignidade do homem.“* Esse movimento coincidiu com as agitagdes dos catélicos irlandeses contra a ‘opressdio protestante britinica. Uma via diplomtica foi procurada em 1814, quando o Cardeal Ercole Consalvi, Secretirio de Estado de Pio VII, teve um encontro em Londres com 0 Primeiro Ministro Castlereagh, em que procurou obter para os GURLAUME DE BERTIER DE SAUVIONY ET ALD, Nueva historia de la Iglesia, vol. 4, p. 350 iCyanies E. O'NEILL - JOaQuiNn MaxlA DoMINGUtz, Diccionario histérico de ta Compania de esis: biogréfco-tematico, vol. 2, P1326. SepRUNELLA CASALIN, Nei limiti del compasso:Locke ¢ le origini della cultura politica © costtuzionale americana, p. 137. §° Ct Baicirte BASDEVANT-GAUDEMET, Storia dellEwropa moderna: secoll XVEXIX, p27, ANTONY J PAREDES, Los indios de las Estados Unidos Anglosajones, p. 252. 368 governo, Foi 0 caso do metodista Presidente Ulysses Simpson Grant (1822-1885) que, em 1875, interveio contra a ajuda 5 instituigSes ligadas A Igreja CatdlicaEntretanto, apesar de tudo, 0 Catolicismo continuou # aumentar no pais ¢, em 1892, 0 nimero dos estadunidenses que declaravam sua pertenga a f€ catélica atingiu a cifra record de 8.647.221 pessoas. O salto foi deveras espetacular: se em 1784 se podia contar um catdlico para cada 100 habitantes do pais, no final do séeulo XIX havia um 1 para eada 8.%Por isso, no comego do século XX, numa populagdo de 76 milhdes de habitantes, 12 milhdes eram catéticos. Ou seja, a Igreja estadunidense era jé uma instituigio madura. Assim, em conformidade a estes dados, em 20 de agosto de 1908 Pio X publicou « Constituigao Sapienti Consiglio, em forga da qual a Igreja no pais deixou de depender da Propaganda Fide,™ (©' )aNTELE FIORENTINO - MATTEO SANFILIPPO, Le relazini tra Stati Uniti eStalia ne! period di Roma pte, p. 91. Feeoentco MAR, 1 Ruthent negli Stati Unit: Santa Sede e mobltd wmana tra Ottocento Novecento, p38. *]uqN MaRlA LAvOa, La Chiesa e la moderns, vol. 1, p-259. 369 XVII - OS PAPAS DO SECULO XIX, OS ESTADOS DA IGREJA E AS INOVAGOES DO PONTIFICADO DE PIO 1X © Congresso de Viena restaurou os Estados da Igreja, mas, tanto a atitude pastoral dos Romanos Pontifices quanto as medidas pastorais por eles adotadas, nfo ficaram imunes as necessidades do tempo, como se pode verificar: a) Pio VIL (1800 ~ 1823): Bamaba Chiaromonti (1742 ~ 1823), beneditino, docente de teologia, abade do mosteiro de Cesena, bispo de Tivoli (1782) e Cardeal (1785) foi sepultado em So Pedro, Eleito Papa em 1800 em Veneza, depois de varias peripécias sob 0 governo de Napoletio Bonaparte, conseguiu retorar definitivamente a Roma em 1815. Pio VII procurou de todos 0s modos colocar 0s catélicos em guarda contra as, josa dos fi sociedades secretas, em particular a carbondria, e promoveu a vida rel por meio das missées populares. Hesitou, porém, em reconhecer a independéncia das :epiiblicas hispano-americanas a causa da pressfio de Fernando VI da Espana, e tudo fez para recuperar o Estado da Igreja, no qual promoveu importantes medidas administrativas, como a aboligdo da tortura.” b) Leone XII (1823 — 1829): Annibale Della Genga, nascido de nobre familia em Spoleto aos 22 de agosto de 1760, foi secretétio de Pio VI, bispo e mincio em Colénia (1795) € na Holanda, Sua eleigao ao papado em 1823 foi uma vitéria dos cardeais “zelosos” (ou “intransigentes”, segundo os criticos). Com a enciclica programitioa Ubi primum @ de maio de 1824) Leo XII colocou em evidéncias as linhas-guia do seu programa de governo. Entre 0s pontos principais confitmava a obrigagiio de residéncia dos bispos, a necessidade de um clero virtuoso e preparado e também 0 dever de lutar contra as teorias que ameagavam a fé € os scus prinefpios. Entre tais teorias figuravam as seitas, a tolerdineia (do liberalismo) e 0 indiferentismo, Oportunamente se propunha uma estreita unio entre o trono ¢ 0 altar (“Os principes seculares quanto & autoridade da Igreja, defendam a propria causa”), O Papa levou a cabo uma vaste obra de restaurago, intervindo na economia € na escola. A organizagiio do Estado Pontificio se iniciou a partir do motu proprio de 5 de outubro de 1824, que se propos a reotdenar a administragdo, a organizagio territorial ¢ a estrutura judiciéria, Foi um retrocesso em relagio ao seu predecessor. Ou seja, 08 Jeigos tiveram de abandonar os postos politicos aos quais tinham sido com dificuldade admitidos; favoreceu os nobres, suprimiu as instituigdes de tendéncia liberal GaN MARITATI-RAFFAELE IARIA, Apostolo della misericordia. La vita di Giovanni Mut, p. 20. 370 (tribunais, e6digo civil, procedimento judicidtio e outros) ¢ se lutou contra a liberdade ée imprensa, Dado que tal reforma nao produziu os efeitos de recquilibrio descjados, se procedeu a uma ulterior simplificagao da estrutura estatal com a reforma de 21 de dezembro de 1827. Além disso, para melhorar a eficiéncia ¢ a moralidade da purocracia estatal tinha sido varada em janeiro de 1826 a “Congregagao da jlancia”. Bem preparado intelectualmente, Leto XII queria reeuperar 0 que a revolugdo e a secularizagio tinham destruido. Por isso, em 1824 ele devalveu 0 Colégio Romano aos jesuitas e, no dia 27 de maio daquele mesmo ano, com a bula Quod’ hoe ineunte saeculo convocou 0 tinico jubileu celebrado no séeulo XIX. Em 25 de janeiro de 1825, emanou a enciclica Ad plurimasconvidando os bispos para uma coleta de ofertas junto aos figis para a reconstrugao da basilica de So Paulo destruida ‘por um ineéndio dois anos antes. Mas, deste pontificado, 0 ponto forte foi deveras 0 espirito de restauragiio, ainda que os resultados tenham sido pouco satisfatorios. Digno de nota invés, foram as mudangas em favor dos catélicos acontecida na Gra- Bretanha, Em margo de 1829, 0 parlamento aprovou 0 Roman Catholic Relief Act (Ato de Libertagdo da Igreja Catélica Romana), em que, depois de séculos de perseguigdo, foi concedido aos catélicas direitos eleitorais ativos passivas € a possibilidade de serem admitidos aos postos estatais, Manteve-se, contudo, a ‘proibigtio dos conventos e a presenca de religiosos. O rei George IV de Hannover (1762-1830) nutria declarada averstio pelos catélicos, mas aprovou dita lei no dia 13 de abril seguinte. Entretanto, a situago dos irlandeses continuou penosa, Ente outras coisas, eles ainda estavam sem direito de propriedade territorial (todas concentradas nas miios dos protestantes), além de serem obrigados a pagar um imposto ao clero reformado.* ©) Pio VIII (1829 — 1830): Francesco Saverio Castiglioni nasceu em Cingoli, nas Marcasem20 de novembro de 1761, de nobre familia, Jurista ¢ canonista (Bolonha), bispo de Montalto de Ancona (1800), foi feito Cardeal em 1816 (escolha de Consalvi). Era um “zeloso”, e governou a Igreja num momento em que os novos movimentos nacionais revoluciondrios atravessavam a Europa (Bélgica, Polonia © Trlanda). Reconheceu o rei burgués Luis Felipe 1 da Franga logo apés a revolugio de 1830, mas, na questo das novas repiiblicas hispano-americanas se mostrou inclinado 0 legitimismo.Durante seu pontificado se verificou 0 crescimento da Tgreja nos 8;y4N MARIA LaBOA, La Chiesa ela modermita, vol. 1, p-20-26, a7 Estados Unidos. Foi um Pontifice de transigio ¢ a verdadeira virada aconteceré sob seu sucessor~ Gregorio XVI. 4) Gregorio XVI (1831 — 1846): Bartolomeo Alberto Cappellari (religioso: Mauro) fi prefeito de Propaganda Fide a0 tempo de Pio VII. Bleito depois num conclave de dois meses, como nao era bispo, teve de ser ordenado para tal ministério, Dois dias depois de sua eleigo eclodiram sublevagdes liberais na Emilia, Romana, Marcas ¢ parcialmente na Umbria, Em dificuldade, 0 novo Papa pediu & Austria de intervie. O pedido foi aceito e as rebeliées momentaneamente sufocadas. Porém, com a retirada das tropas austriacas aconteceram outros tumultos, ¢ a Austria ¢ Franga intervieram de novo. Em todos estes pequenos episidios, 0 principal colaborador de Gregorio XVI foi o Cazdeal Luigi Lambruschini, ex-bamabita e ex-areebispo de Génova de 1819 a 1827, nomeado em 1836 secretério de Estado."”"As insurreigdes no Estado da Tgreja, de qualquer modo, eram um problema erénico ¢ foi exatamente a causa de tais sublevages que Greg6rio XVI teve de retardar por dois anos a enciclica programética Mirari vos, de 15 de agosto de 1832, cujo objetivo era sobretudo do tipo defensivo € curativo, Via em modo negative muitas das idéias politicas de seu tempo, razio pela qual dizia: “Sumamente angustiados por tanto azedume dos tempos, em que ela fa Jgreja] se encontra em existir. Com toda verdade poderlamos dizer que esta é a hora da potestade das trevas para catar, como 0 trigo, os filhos da eleteao”. Assim pensando, ele instara com os bispos para cumprir todo esforeo para extirpar tanto mal: “Nossa obrigacdo é realmente alcar a voz e tentar todo meio, para que nem o javati da selva devaste a vinha, nem os lobos vorazes venham e fagam massacre no rebanho”. Pediu entao aos prelados diocesanos de vigiarem e de Tutarem contra toda tentativa de dividir cada igreja da Sé Apostéliea. Recomendou a observancia das leis civis ¢ a obediéncia a avtoria mesma (cuja potestade & sacra). Para ele as fontes do ‘mal eram entio duas; 1) a liberdade de imprensa, que divulgava todo tipo de escrito; 2) 0 indiferentismo religioso, “aquela perversa opinido que por frauduilenta obra dos Incrédulos se dilatou por toda parte, segundo a qual em qualquer profissdo de fé se possa conseguir a eterna salvagdo da alma, se os costumes se conformam é norma do reto e do honesto”. © indiferentismo era também “a contaminadissima fonte” que Tevava a crer “que se deva admitir e garantir a cada um a liberdade de *paoLo PETRUZZL, Chiesa e socith cvileal Concilio Vaticano I, nota 1, p-37. 372 consciéncia”."Tomado por estes sentimentos, Gregorio XVI nfo avaliou a necessidade de renovago da Igreja, mas, também teve gestos corajosos ¢ imirantes. Entre estes, figura 0 reconhecimento das novas nag6es independentes da América Hispiiniea, cuja emancipagao o Imperador Fernando VII (1784 ~ 1833) recusou de aceitar até a morte. Outra decisio de grande relevancia foi aquela que tomou, aos 3 de dezembro de 1839, por meio do Breve Jn supremo aposiolatus, por meio do qual, apelando para a lei divina, condenon 0 trafico dos escraves. Deu também grande impulso a obra missionéria, tendo erigido, em 1842, 0 Vicariato “Apostélico da GuinéSuperior ¢ Inferior ¢ de Serra Leoa para a Aftica Ocidental.’" 17.10 fim do poder temporal pontificio Desde Gregério 1 (S40 — 604), conhecido também como Gregério Magno, movidos pelas circunstancias, os papas tinha desenvolvide fungdes temporais; de direito, porém, os Estados da Tgreja (ou Estados Pontificios) surgiram no séeulo VIIL ‘Tudo teve inicio em 6 de janeiro de 754, quando Pepino o Breve (714-768), pai de Carlos Magno, e Papa Estevao II (714-757) se encontraram em Ponthion, na Franga, ‘onde concordaram que 0 soberano franco teria apoiado a Santa Sé contra os lombardos. Em seguida as tratativas se deslocaram para Kiersy (cidade hoje situada no norte da Pol6nia), onde o acordo foi aperfeigoado nos detalhes. Consistia nas seguintes decisdes: a Pepino seria concedida a coroa de rei dos francos bem como a posse do titulo de patricio dos romanos, 0 qual, em troca, se empenharia em combater 0 rei dos lombardos Astolfo. Pepino saiu vitorioso e doou a0 Pontifice os territérios a Itélia certro-meridional, inclusa a atual Romenha. Dita doagdo foi renovada por Carlos Magno em 774 a Adriano I (700-795), sucessor de Estevao TI, ¢ confirmada por Ludavica 0 Pio com o Pactwn Ludoviciarun de817." Esta possessio territorial era vista como indispensével para que o Romano Pontifice pudesse exercitar livremente seu ministério universal, motive pelo qual, além das razées politicas, os papas defendiam sua conservago sobretudo por motivos religiosos. Como se viu, Napoledo aboliu os territérios papais que, porém, foram GREGORIO XVI, “Miati vos”, in: Enchirdion delle Enceliche, vol, .29, 33, 39-40, 41 *iceiso CostaNrint, “Gregorio XVI e Ie mission”, in: Gregorio XVI = Miscellanea Historiae Ponificiae, vol. XIV, p-21 ygicHAEL F. PELDKAMP, La diplomasia ponifici: da Silvestre I a Giovanni Paolo It: un profilo, p. 28, 323 restabelecidos pelo Congresso de Viena em 1815. Mas, nflo houve paz, porque eclodiram sublevages em 1831-32 ¢ em 1843-45, reprimidas com a ajuda das tropas austriacas ¢ francesas, Uma das causas destes movimentos revolucionarios eram a exclusio dos leigos das funedes administratives, coisa que gerava grande descontentamento, ¢ que foi desfrutada pelas sociedades secretas. Nesse meio tempo ra peninsula italiana alguns catélicos pensavam a uma confederagao de estados ou a um Gnico estado confederado, sob a lideranga militar do rei da Sardenha, e ao Papa seria atribuida uma espécie de presidéncia honoritia. Os unionistas piemonteses a0 conirério, nutriam outros objetivos: aboligao de todas as dinastias exceto aquela Savoia e supressio do poder temporal do Papa, para formar um estado italiano unitério sob 0 comando do Piemonte, Os catblicos das diferentes regi6es italianas se fencontraram em agudos conflitos de conscigncia: se tratava de decidir entre a fidelidade ao Papa ¢ o amor pela nagéio. ‘A cleigdo do Cardeal Giovanni Mastai Ferretti (1792 ~ 1878), bispo de imola, no dia 1°de junho de 1846, depois de apenas quatro escrutinios do conclave, foi vista pelos catélicos reformadores como um evento de bom auspicio, ainda que também ele fosse um papa restanrador. O neo-eleito adotou o nome de Pio IX, ¢ seu pontificado durou 31 anos, sendo o mais longo de toda a historia da Igreja (depois daquele de S¥o Pedro, segundo a Tradig&o). ‘A pessoa do Pontifice, segundo autores como R. Aubert ¢ Giacomo Martina, teria softido de trés limites: o primeito, teria sido uma excessiva emotividade, queo Ievava a se decidir depois de ter escutado 0 iltimo parecer, mesmo se deu reais provas de uma grande firmeza toda vez que considerava que estivessem em jogo os verdadeiros interesses da Igreja. Isso, segundo os autores supracitados, derivava do fato que ele tinha softido quando jovem de graves distirbios nervosos, superados somente depois da ordenagao, ainda que continuasse a ceder aos primeiros impulsos, seguidos de posteriores reconsideragses. O segundo limite teria sido sua formagio intelectual pouco profunda, como acontecia com a maior parte dos eclesidsticos jtalianos de sua geragiio, coisa parcialmente compensada pela arguicia do seu bom senso, mas muitas vezes o impedia de se dar conta da relatividade de algumas teses sobre as quais devia se pronunciar, tendendo a ver nas convulsdes politicos do tempo somente um novo episédio da luta de Deus contra Satands, ao invés de tentar uma anilise técnica realista. Enfim, como terceiro limite, ele se encontrou circundado por homens de confianga, cujo zelo ¢ fidelidade nao compensavam a tendéncia a ver as 374 coisas como uma intransiggncia de teéricos sem algum contato com a mentalidade contempordnea.”® Fsteja claro que esta € uma das tantas interpretagdes a respeito da pessoa de Pio IX, também porque, néo se pode negar que teve reconheciios méritos, entre os quais a criago de uma nova hierarquia catdlica inglesa em 1850 e daquela holandesa em 1853, além de no conjunto erigir 29 arcebispados e 132 dioceses na Tgreja universal, Entretanto, foram as atormentadas relagdes entre 0 Estado Pontificio ¢ a Itdlia unificada que ocuparam grande parte de sua gestdo pontificia Inicialmente, 0 pontificado de Pio IX foi caracterizado por uma atitude reformadora, Assim, em 16 de julho de 1846, trinta dias apds sua eleigo, com um dito de perdi, cle concedeu uma anistia para os delitos politicos, & qual se seguiram outras medidas inovadoras. De qualquer modo, aos habitantes dos Estados da Igreja no bastava mais a benevoléncia de Pontifice iluminado, desejosa como estava de mudangas reais ¢ estiveis. Por isso, ele concedeu, entre o fim de 1847 e marco de 1848, que fosse promulgada uma Constituigo bastante avengada para a mentalidade da época, a qual, entre outras coisas, previa a eleigHo de uma assembléia formada por representantes leigos. Ao mesmo tempo, fez também alguma concessio sobre a liberdade de imprensa (12 de margo de 1847), aboliu algumas das limitagSes impostas aos judeus, modemizou os métodos de cultivagao ¢ introduziv a iluminaso nas ruas de Roma. Além disso, aos 22 de agosto de 1846, havia institufdo também uma ‘comissiio para projetar quatro Tinhas fertovidrias. Esta iltima decisto foi deveras uma grande novidade porque, em precedéncia, Gregério XVI ndo o tinha permitido, para acautelar-se da possibilidade que isso regalasse ao povo outro possivel espago de sublevagao.”™ Entretanto, 0 mito do Papa liberal durou somente de junho de 1846 a abril de 1848, Uma aparente confirmago do suposto “liberalismo” papal aconteceu em 10 de fevereiro de 1848, quando Pio IX publicou uma proclamago aos romanos que terminava com as palavras “Bendiz, grande Deus, a ltalia".”*A opiniao publica deu ‘uma interpretago politica a citagtio, concebendo-a como uma chamada do Pontifice ‘20s italianos em favor da unidade, ou como um incitamento & guerra contra os Habsburgos. Mas, quando Carlos Alberto de Savoia (1798-1849), soberano do reino Se eae ee 7's TerANO ToMASsIN, Storia avventurasa della Rvolusione romana: repubblicani liberate papalin! nella Roma del '48,p. 499, Sardo-Piemontés, em margo de 1848 declarou guerra a Austria, Pio IX teve de esclarecer sa posigio. Por isso, em 29 de abril seguinte, numa alocugo, nfo aceitou de participar da guerra em curso, porque tal coisa era inconcilidvel com seus deveres Ge chefe da Iereja universal. Criou-se assim um novo fosso entre a Itélia do risorgimento € 0 papado.”° ‘Também no interior do Estado da Igreja a situagdo politica tinha tomado um. vviés inesperado, Vale dizer: « exeaplo de todos os regimes politicos onde funciona uum parlamento, os ministros queriam decidir verdadeiramente as questGes intemnas ¢ externas, reduzindo o Papa a um soberano constitucional que reina e nfo governa. Pio IX nomeou entéo como primeiro ministto Pellegrino Rossi (1787 — 1848), ex- embaixador da Franga junto & Santa Sé, 0 qual procurou restabelecer a ordem ¢ 2 autoridade do Pontifice. Em 15 de novembro de 1848, porém, 0 ministro morrew apunhalado sobre as escadas do Palicio da Chancelaria. Sentindo-se assediado © ameagado no palécio do Quirinal, depois de dias de hesitagao, na tarde de 24 daquele ‘mesmo més, o Papa decidiu de abandonar a cidade de Roma, fugindo disfargado para Gacta, no reino de Napoles. Em Roma uma assembléia constituinte, empossada aos 5 de fevereiro de 1849, sob 0 comando de certa maioria mazziniana, proclamou a repiblica no dia 9 seguinte. Apés isso, em 29 de margo, um triunvirato assumiu © poder. Dele faziam parte Carlo Armellini (1777-1863), Giuseppe Mazzini (1805- 1872) e Aurélio Saffi (1819-1890). Uma nova constituigdo foi imposta em 3 de julho e declarou decaido o poder temporal do Papa, tolhicio ao clero a ditego das escolas € confiscados os bens eclesidsticos. Os piemonteses foram porém derrotados na guerra contra a Austria, e es tropas francesas, respondendo ao apelo papal, ocuparam Roma. ‘A assim chamada Repiblica Romana caiu em 4 de julho de 1849 e, a soberania de Pio 1X, depois de 17 meses de auséneia, foi restaurada, © Papa voltou para sua sede no dia 12 de abril de 1850 e, o episédio liquidou as tendéncias liberais da Caria Romana, Por isso, com inflexibilidade foi restabelecido um regime absolutista e se procedew ‘com a mesma decisio contra aqueles tinham tomado parte a revolugao.”” Aparentemente a ordem pareceu estar restabelecida, mas um novo monarea do reino Sardo-Piemontés, Vitor Emanuel II (1849 ~ 1878), coroado depois que Carlos Alberto abdicou em 23 de margo de 1849, ¢ 0 primciro ministro, Camillo Benso, CE, AWWA MARIA Soul! MORETTI- FRANCESCA BOITAN!, I Castellani e Voreficeria archeologica italiana, p.9. MCE AcHmc# Coren, Verso [alla unit: viggglo di un giurista tra cronaca e storia, p. 46-47, 376 Conde de Cavour (1852 — 1861), comegaram a percorrer também na politica interna as vias do anticlericalismo. O slogan de Cavour “Igreja livre num Estado livre” escondia outras intengées, mas nfo Ihe faltava a asticia politica e assim, com bem estudada calma, ele procurou apoios extemos, A oportunidade surgiu quando Franca ¢ Inglaterra pediram ajuda para a guerra que conduziam na Criméia, Contra © parecer de muitos, Cavour concordou (10 de janeiro de 1855), e assim, ainda que os piemonteses que partiram para a guerra tenham sido s6 15.000, no final do conilito ele obteve que o reino Sardo-Piemontés patticipasse das negociagBes com notivel prestigio, Em 1857 as relagdes com a Austria chegaram & ruptura total, € foram estabelecidas relagSes seeretas com os fianceses, do que resultou 0 tratado confidencial de alianga, selado em 26-28 de janeiro de 1859, No dia 21 de abril, a Austria, sabendo da mobilizagao militar do Piemonte, enviow um ultimatum com a ordem de desarmamento, ¢, em 28 declarou guerra. Era tudo 0 que Cavour desejava: com a ajuda francesa, os austriacos foram batidos nas batalhas de Magenta (04-06- 1859) e Solfetino (24-06-1859). Porém, no armisticio de Villafranca, em Verona, assinado entre o rei da Franga, da Austria e do Piemonte em 11 de julho de 1859, na auséncia do Conde de Cavour, somente a Lombardia foi cedida ao Piemonte, enquanto 0 Véneto continuou sob a dominagao austriaca. Diante disso, Cavour se emit. © sentimento unititio cresceu também na Italia central ¢ os soberanos da Toscana (Leopoldo II de Habsburgo-Lorena), Parma (Luisa Maria de Bourbon, duquesa regente, ¢ 0 filho, o Duque Roberto I) e Médena (Francisco V de Habsburgo- Este) fugiram, enquanto nas legagdes pontificias, aos 12 de junho de 1859, o Cardeal legado, Giuseppe Milesi Pironi Ferretti (1817-1873), abandonou Bolonha. No dia seguinte também os outros legados tiveram a mesma sorte, assinalando 0 fim do plurissecular dominio pontificio acima dos Apeninos. Em margo de 1860, Toscana, Parma ¢ Médena realizaram plebiscitos em favor da unifieaglo com o Piemonte, criando novo reino do norte da Itélia. Ainda em 1860, Giuseppe Garibaldi(1807 ~ 1882), que atuava sob ordens dos Savoia, conquistou também a Sicilia e Napoles, obrigando 0 rei Francisco II de Bourbon (1836-1894) a ir para 0 exilio. Contemporaneamente, as tropas piemontesas derrotaram 0 exército pontificio comandado pelo francés Christophe-Louis-Leén Juchault de Lamoricitre (1806 ~ Lucy RIALL, I Risorgimento, Storia e imerpretazioni, p31 37 1865) na batalha de Castelfidardo (18 de setembro de 1860), tolhendo aos Estados da Igreja também as Marcas ¢ a Umbria. Ao Papa restou somente Roma € 0 Licio, ¢ também aqui devia ser protegido por uma guamigao francesa, Cavour tinha sido csainado para reassumir © encargo de primeiro ministro © 0 Reino da Itélia foi proclamado em 17 de margo de 1861. Sua capital foi transferida de Turim para Florenga naquele mesmo ano, Junto ¢ dita proclamagao, os unionistas declararam que Roma era a capital “necessiria” do novo estado. Restava, porém, 0 Véncto; mas, cos a uma alianga feita com a Prissia, em 1866, com a derrota dos austriacos, também aquela regido foi incorporada ¢ assim, de 13 de junho em diante, todas as cidades do Véneto passaram a fazer parte do reino da Itdlia.”*Mais tarde também ‘Trento e Trieste teriam tido igual destino, Os unitaristas nfio se tinham esquecido de Roma e a oportunidad de conquisté-Ia apareceu algum tempo depois, quando o Imperador da Franga foi forgado a retirar suas tropas dos Estados da Tgreja. Napoledo Ill, a causa dos sentimentos catélicos dos franceses, tinha decidido de socorrer a Santa Sé ¢ as tropas da Franga conseguiram derrotar dois assaltos dos unionistas em 1862 e em 1867. Porém, a0 ceclodir 4 guerra finnco-prussiana, 0 exército franeés foi chamado de novo em patria, deixando definitivamente Roma em julho de 1870. A Franga foi derrotada em Sedan no dia 2 de setembro daquele mesmo ano e, em 4 seguinte, 0 governo italiano sse ao poder temporal. Prometia, apresentou ao Papa um ultimatum para que renunci ‘porém a “autonomia espiritual” do Pontifice em troca de Roma, Pio IX, obviamente, nilo aceitou e, em 12 de setembro sucessivo, as tropas piemontesas penetraram nos Estados da Igreja. Chegado 0 dia 20, o 39° regimento de infantaria, junto 20 34° dos bersaglieri, sob 0 comando do general Raffele Cadorna (1815 ~ 1897) entraram na brecha da Porta Pia e ocuparam a fea urbana, Para Iegitimar sua conquista, em 2 de outubro sucessivo os conquistadores realizaram um plebiscito que confirmou a anexago do Lacio e de Roma.” ‘Considerando, porém, as cireunstincias em que isso aconteceu, 0 resultados de tal vvotagio sempre suscitaram muitos interrogativos, Havia entiio. 167.548 cidadgos inseritos nas listas eleitorais, dos quais votaram 135.188. Segundo a versio oficial, "GABRIELE DE ROSA ET ALLL, II Vescove Giovanni Antonio Farina ¢ Il suo istituto nel'ottocento veneto, p. 333, RENATO BALDUZZIT ALi, Storia dell Europa moderna: secolt XVI-XIX, p. 266. 378 cles deram 144.681 votos favordveis ¢ apenas 1.507 contrérios, Além disso, naquele mesmo 2 de outubro 0 governo italiano se estabeleceu na cidade.” © Papa nao se resignou ao status quo e se fechou no Vaticano rejeitando toda e qualquer tratativa. Nao se tratava de um comportamento gratuito, porque em todo o proceso de unificagao © governo italiano se mostrara hostil, ¢ suas medidas unilaterais nfo favoreciam uma acomodagto, Entre as decisées que eausaram polémica se encontra aquela de 1848, quando 0 governo do Piemonte concedeu a emancipago dos valdenses e dosjuclens, enquanto que ao mesmo tempo expulsava 03 Jesuitas do tervitério piemontés, da Ligtria e da Sardenha, Fo proibida também a vida comum de seus membros. Era, porém, somente um sintoma de medidas sucessivas mais drésticas, insituidas para enquadrar a Igreja sob 0 controle do Estado ¢ diminuir sua influéncia na sociedade, Os exemplos mais clamorosos foram os seguintes: ) 1850: Lei [de Giuseppe] Siccardi, que eboliram 0 foro eclesidstico. Depois da aprovagéo do parlamento, o rei Vitor Emanuel 11 a assinou em 9 de abril daquele mesmo ano, b) 25 de maio de 1855: Lei Cavour- [Urbano] Rattazzi decretando a supressto de nuitas ordens religiosas, de numerosos entes eclesiésticos e 0 confisco dos bens eclesidsticos. O objetivo foi diminuir a influéncia da Igreja ¢ melhorar a situagdo do balango piblico, Foram atingidas 35 ordens religiosas “sem finalidade social”.” 17.2 -O anticlericalismo institucional da Itélia unificada (© Reino da Italia assumiu um cariter claramente hostil & Igreja ainda antes da conguista de Roma. Isso ficou explicito no dia 1° de janeiro de 1866, quandoentrou em vigor 0 novo Cédigo Civil da Iulia, o qual desconhecia todos os efeitos juridicos '0s0, mantendo como tinica forma valida aquela civil. Depois, aos 7 de julho de 1866houve a lei de supressio de todas as ordens religiosas, a qual se seguiu, em 15 de agosto de 1867, # lei de expropriagtio das propriedades eclestasticas. Esta tltima impos a supressdo de muitas instituigées da Tgreja, 0 confisco de 30% dos outros bens residuais dos entes remanescente, salvo pardquias, residéncias episcopais, edificios de culto e seminarios, em titulos de estado, aos 5% sujeitos & desvalorizagio inevitavel. Como conseqiiéncia o clero foi reduzido a uma pobreza. Em seguida, com *euies PécoUT, I lunge rsorgimento,p. 188 eB uornre BASDEVANT-GAUDEME,L'alivo Piemonte e ala nelle di Urbano Rataszp, 208, 379) a lei n.°5097, de 27 de maio de 1869, foi ab-rogada a isengdo dos clérigos do servico militar.” Depois da queda de Roma a situagio teve outros desenvolvimentos negativos. Ou melhor, no mesmo dia em que os bersagiteri entraram pela brecha da Porta Pia ~ 20 de setembro de 1870 -, o primeiro civil a chegar atrés deles foi o valdense Luigi Ciari, que trazia consigo um carrinho cheio de Biblicas protestantes, arrastado por um cio chamado “Pio IX"."*Foi win sinal premonitério dos abusos que se seguiriam, também porque 0 governo italiano cedo deixou entender que a eélebre maxima de Cavour de uma “Igreja livre num Estado livre” nfo ia além da retérica. Tanto & verdade que na Camara dos Deputados, Pasquale Stanislao Mancini (1817-1888), sem ‘meios termos, 20s 28 de janeiro de 1871, afirmou que deixar a Igreja livre significava conceder pleno poder ao Papa sobre o clero nacional e portanto, sobre © pove italiano. tituigdio de um novo regalismo, com a desculpa de um “salutar Por isso, pediu a i * contraaquilo que ele chamava de “despotismo teocritico”. Estas foram palavras textuais suas: © apelo de abuso a qual objetivo tendia sendo a ito? [...] Se ousa propor de deixar ao arbitrio do Pontifice a escolha dos bispos © dos ministros © digntiios, conferindo-Ihe tum poder ¢ um dirito exorbitante, que nunca existiram. (..] Quanto & forma, nas relages com o Pontifice, © Rei poderi continar a exercitar os seus direitos de nomeagto « apresentagdo dos bispos e heneficiadas, do qual se encontra investdo e leitimamente em posse. [..] De outra feta, de um sistema de tal natureza no deveria @ Ciria Romana de modo neahum obscures.” Niio cra possivel em todo caso, ignorar o clima de insatisfagso que atravessava © pais, motivo pelo qual 0 govemo procurou paliativos como a aprovaso unilateral no parlamento, aos 13 de maio de 1871, da lei n.° 214, conhecida come Lei das “garantias”, cujo texto definitivo foi redigide por Ruggero Borghi (1826 — 1895). Dita fei era composta por 19 artigos, agrupados em duas partes: a primeira tinha a ver com condigdo da Santa Sé na Itélia; a segunda, com a condigfo da Igreja na Itdlia. Pra assegurada ao Pontifice a inviolabilidade, as honras de soberano (art.3) ¢ uma dotagio 78 ANGELO MANFREDI - GIACOMO MARTINA, Vescowi, Clero E Cura Pastorale: Studi sulla diocesi di Parma alla fine dell’ Ouocento, p. 89. ‘igfassimo VIGUIONE, Libera chiesa in Ubevo stato?: il Risorgimento € i cattolil: uno scontro epocale,p. 156. TEPASQUALE STANISLAO MANCIN, Discorsi Parlamentari sulla Questione Romana (1864-1870), p. 265.270. 380 anual de 3.255.000 liras (art), iguais a soma inscrita no balango do Estado Pontificio ‘i época da ocupagio de Roma."“Ao Romano Pontifice se reconhecia também o uso, no a propriedade, dos palécios pontificios (Vaticano, Latro e Castel Gandolfo), exceto © Quirinal, tomando residéncia do rei da Itilia, Tais iméveis restavam isentos de taxas ¢ da expropriago para péblica utilidade (art.5), além de gozarem de extraterritorialidade (art. 7 © 8). Era, a mesmo tempo, conferida ao Papa plena liberdade de exercer seu ministério espiritual (art. 9 ss) e 0 Estado renunciava a toda ingeréncia na vida da igreja. Este tltimo dispositive, obviamente, jamais foi observado ¢, além de nfo reconhecer 0s religiosos, 0 texto mesmo da lei mantinha o exeguatur e 0 placer para a destinagao dos bens eclesiisticos @ provisto dos beneficios maiores e menores (excecdo feita a Roma e as dioceses suburbicérias - art 16), como dos bispos ¢ das pardquias (art.14 ss)."" © Papa, dois dias apés a aprovagiio da “Lei das garantias” com a enciclica Ubi rnosarcano (15-5-1871) a rejeitou € condenou, declarando-se prisioneiro no Vaticano. As palavras de Pio IX em tal documento eram veementes: habito do governo subalpine conjugar a perene e torpe hipocrisia com o immprudente esprezo para com Nossa dignidade e autoridade pontficia, Nos fatos demonstra de nfo ter em nenuma conta Nossos protestas, pedides, censuras; por isso, sem dar algum peso 5, nfo desistiv do solicitar e 0 juizo por Nés expresso a cerea das citslas “garanta promover 0 debate ¢ o extme delas junto as supremas ordens do reino, coma se tratasse de coisa séria. [..] Estando assim as coisas, como mais vezes declaramos ¢ denuneiamos, Nés, sem culpa de f& violada obrigada por juremento, nfo podemos aderir ‘a nenhuma coneiligo que qualquer modo diminua Nossos direitos. A atitude do Pontifice nao foi casual, porque 0 anticlericalismo desenfreado de enfio nfo podia que suscitar desconfianga, Tanto ¢ verdade que as medidas persecutérias se seguiam num modo espantoso, Indicativa, neste sentido, foi a lei assinada por Vitor Fmanuel II em 1872 confiscando 476 casus religiosas, com a conseguinte dispersio de 12,669 regulares.”"A causa de tais medidas, os mosteiros, inclusive Monte Cassino, foram declarados propriedade do Estado.Depois, em 1873, foram suprimidas igualmente todas as faculdades de teologia nas universidades;a 7GioRGIO CANDELORO, Storia dellhalia moderna: Il Fascismo e le sue guerre, p. 243, SNGIUSEPPE DALLA TORRE, Studi in onore di Giovanni Giacobbe, tomo 1, p. (49. tp,6 EX, “Ubi Nos ereano”, in:Bnchiridion delle Encicliche, ol, p. 385-581, Tasso VIGLIONE, Libera chiesa Jn libero stato?: il Risorgimento et cattlicl: uno scontra

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