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Z) Necbe ees, Lee. ee pees) A juventude de Mozart — entre dois mundos sociais Rio de Someisv} 1934, Tr Zelrew © pai de Mozart, como ja se disse, era cheio de contradicoes. Ele se via comto uma pessoa genuinamente ilustrada, € no entanto se opunha 20 Iluiminismo. Vivia acossado por culpas, depressoes e tinha uma consciéncia despética; intelectualmente, sento como regente, era muito talentoso. Tinha interesse bastante vivo por todos os mavimentos politicos a sua volta, por todas as novidades que via em suas viagens; seu horizonte mental provavelmente era mais amplo do que o da maioria de seus colegas da orquestra da corte de Salzburgo. A isto, combinava um secreto desprezo ppelos dignitirios cla pequena corte episcopal que era obrigada, sem os meios suficientes, a macaquear a pompa de uma corte grande, € portanto a pagar uma onquesira propria, sem a qual luma corte seria impensével Para quem quiser-visualizar a situagao de um talentoso cidadio ‘comum numa sociedade dominada por aristocratas de corte, nao ha nada melhor a fazer do que ler as cartas de Leopold Mozart lo © retrato vivo da posi¢io inescapavelmente subordinada de um servidor burgués em tal mundo. Como o pai de Mozart teve de viver numa daquelas cortes pequenas, quase indigentes, sentiu com particular intensidade as restrigoes que pesavam sobre pessoas de seu tipo. Certamente nao consegula esconder por completo 0 desejo de escapar a esses limites — as viagens com © filho indicam isso. E elas nto devem ter adocado o ressenti- mento de um colega ou outro por alguém que, aparentemente, acreditava-se bom demais para a situaglo que ocupava. , Tampouco as torsrnées de concerto devem ter tornado Leopold ais ios da corte de Salzburgo. Para eles, Leopold wonnide do Mozart a” mento compativel com sua posicio inferior. Ele nao tinha esco- Iha, era obrigado a se conformar a tals expecativas. E neste estilo que se dirige ao seu senhor, o arcebispo Com muita humildade implore 2 Vossa Eminéncia nao apenas me no favor especial, dar sua mais m no sentido de que a soma que ficou retida também yr maior que seja este Favor, maiores serio os esforcos no sentido dle tornar-me digno do mesmo € de pedi ‘graciosa orc me seja paga a Yossa Emini les cumprimentos Seu mais obediente LEOPOLD MOZART Vice-Kapellmeister*! A carta & datada de 8 de marco de 1769. Os Mozart hayiam pasado 0 ano anterior em Viena, para dar ao jovem Wolfgang a oportunidade de demonstrar seu virtuosismo; como resultado, © salitio do pai tina sido suspenso em abril de 1768. Ele mesmo reconhecia que isto ert inteiramente justificado, € reduzi @ viagem 2 Italia que havia planejado na Epoca. Mas como, sem divida, tinha enfrentado dificuldades financeiras em Viena, aca= ou solicitando algum pagamento atrasado. Apenas uma minima parte de seu pedido foi atendida. Leopold Mozart passava por um momento dificil. A fowrnée de concertos pela Italia com o filho 56 setia possivel se a renda excedesse as despesas. Se isto itis acontecer, 86 os deuses sabjam, Por outro lado, nto podia adiar mais a viegem: “Ou deveria eu, talve7, ficar em Salzburgo, sem nenhuma esperanga de uma sorte melhor, esperar Wolfgang crescer, deixar que nos fagam de tolos, a mim'e a meus filhos, até que eu chegue a uma idade em que nao possa mais viajar e ele chegue a uma idade ¢ aparéneia fisica que nao atraiam mais a admiracao por seus méritos?** Como se vé, ele tinh plena consciénci 0, seu vi de que, a medida tuosismo deixaria © de ser umta atragao especial nas cortes da Fi S6 tinh s puropa, S6 tisha uma possibilidade de escapar defini a corte de guir um posto para o filho numa corte diferente, maior, mais bem situada. Foi este 0 propdsito da viagem Itilia ¢ das viagens subseqiientes. s ce suas cartas Se encontram referencias recorrentes a tal plano. Anos mais ie de Mozart, que o acompa- , escreveu de Mannheim: faca fortuna em Paris rapi Nannerl possam logo vir nos encontrar A questio € sempre a mesma: como, sem afundar em dividas, financiar a procura de uma colocagio para o menino prodigio que crescia ¢ de cujo sucesso dependiam a felicidade da fan a solugao para a situacao do pai em Salzburgo, ¢ 0 proprio futuro de Mozart. A 15 de outubro de 1777, Leopold, enti em Salz- burgo, adverte o filho da seguinte maneira: Ui voct tera vantage, nada desprezvel, de nto ter d comida, bebida e outs despesas, a cespeito dis quai at cont bolsas. Agora me entenda, Tats passos so realmente de se nerese. Todos os omipimientos, vistas cokes assy so apenas incidentals © mio devem ser levad Pome ados a sto. Porgue voce tho pode perder de vi vo prneipal, que € fazer dinero Todos os seus esforgos,portnto, devem ser diidos pars galas dinhetr,e voce deve ter muito euidado em gestaro muna pe ou mao conseguitt viajar de mane honsosae tlver ate precise Fase num luger qualquer e ssn acumlar Em retrospecto, o plano de Leopolct Mozart de usat os talentos especiais do filho para encont posi¢ao apropriada para ele € um refigio para a familia nao parece ter tido grandes oportunidades de sucesso, Em todas as cortes havia uma con- coréncia acirrada dos miisicos locais por qualquer posto vago. E certo que os principes e seus conselheiros procuravam para suas orquestras, teatros € igrejas, artisias de fora, bem conhecidos ou famosos. E forrrnées de concertos pars mosttar seus talentos 57 LMP, p 320 A canta de Mozart de 22 de fevere 1778: Late. p.489 mn um dos meios comuns de se procurar uma colocagio. Mas, precisimente aguilo que tornava Mozart tao admirado em suas ‘viagens, 0 fato de set lo jovem, contava contra ele quando se posto permanente. Leopold Mozart, ao que 1 das condicoes tratava de achar nfo tinha um julgamento muito rea necessérias para o sucesso do filho. (Os membros da sociedade de corte européia 0s principes, se aborreciam com facilidade. Ti que algumas vezes cumpriam conscienciosamente, outras, no. Mas nao se tratava de obrigagdes no sentido de um trabalho Para cles, tal trabalho era, em si mesmo, ut a das ordens inferiores, ie., da burguesia ¢ da massa jopular. Enqquanto classe ociosa, a aristocracia de corte exigia lum programa completo de entretenimentos. Estes inclufam pe- ras € concertos dos miisicos empregados na corte exibigdes de virtuost itinerantes — ou de um menino prodigio. A arte virtuosa de Mozart, acima de tudo seu poder de improvisacio, era uma atragho entre muitas, no variado programa de entrete~ nimentos — sem diivida, uma grande atracao. Sempre que se deixava a audiéncia espantada e deliciada com sua violinista e organista sensi de rendas herdadas, principalmente © rendimento de estabele- da familia, ou estipéndios de cargos na corte, te, a miisiea portanto um casiter distinto, do que assume em sociedades nas mente todos ganham a vida mediante um trabalho rofissional regular. O consenso dos poderosos ditava 0 gosto como jai se disse, no existia primariamente pam exptessar ou evocar os sentimentos pessonis, as tristezas e \s alegrias das pessoas individualmente. Sua funcio prinniria er agradar aos senhores ¢ senhoras elegantes cla classe dominante. © que niio quer dizer que nela nao estivessem presentes as lades a que nos referimos com termos como ‘seriedade” oul “profundidade”, simplesmente, que cla tinha de se ndaptar a0 modo de vida dos grupos estabelecidos. Estava mais im padrio social, ao que chamamos de ide de individvalizagio do padiae era mais 90 Mozart oe Festrita do que no caso da musica’ para as classes trabalhadoras € ocupacionais, Nos efrculos de corte havia muitos amantes da musica. Mas grande publico da corte queria, acima de tudo, se divertir; queria jedade. Aré mesmo 0 poder de atragdo de Mozart se dissolvi aps algumas semanas, a sen ‘como em Napoles ou Paris. Muito embora algumas pessoas, aqui © ali, continuassem a ser gentis com o prodigio e sua familia, a grande maioria de conhecidos rapidamente perdia o interesse pelas apresentagdes. Acrescia-se a dificuldade de que, em tais viagens, 0 pai de Mozart também estava procurando uma colo- cagdo pessoal. E normalmente, quando se sabia disso, os inte resses locais se mobilizavam contra ele Até onde se pode averiguar, nem o jovem Mozart, nem o pai tinham uma idéia clara deste aspecto estrutural da sociedade de corte. Nunca estiveram preparados para tal, e constantemente se surpreendiam pelo fato da rara capacidade artistica de uma Pessoa to jovem ser recebida com crescente indiferenca caso se demorassem mais do que algumas semanas em qualquer lugar, ou o visitassem uma segunda vez em breve espaco de tempo. £ dificil censurar Leopold Mozart por apostar tudo em uma tnica carta que, se examinada mais de perto, nio oferecia muitas chances; na verdade, ele nao tinha nenhuma outra carta na mao, Empenhou toda a sua capacidade treinando 0 filho para a tarefa de brilhar diante da sociedade de corte, primeiro como um virtuose, depois como compositor. Assumiu todos os outros deveres e compromissos. Era o empresirio do filho, 0 respon- sdvel pela organizacio de seus concertos. Pagava 08 custos das Viagens e tratava dos complexos problemas cimbiais nas nume~ rosas fronteiras territoriais, Até Mozart finalmente se tornar in- dependente e se casar, por volta dos 25 anos, praticamente todas as suas questoes financeiras passavam pelas mios do pai cluindo a publicacio de suas composigoes. A 6 de outubro de 1775, Leopold Mozart escreveu da seguinte maneira para J. G. I. Breitkopf, em Leipzi decidi h4 algum tempo mandar imprimir algumas das composigées de meu filho, gostaria que ne dissesse, tio logo fosse possivel, se Ihe interessaria publ las, quais scjam, sinfonias, quartetes, tries, sonatas para violino ET TA juvennde de Mzan of ino ou cravo."8 O € violoncelo, ¢ mesmo sonatas solo para v 0 editor agradecey pela gentil oferta que le Faia em nor filho, mas declinou, dads os tempos difice : ea eae pode ter sido conveniente para o jovem Mozart — ele 56 se interessava por sua miisica, Mas esta dependéncia era uma faca de dois gumes. Quando seu pai se viu impossibi- litado de acompanhé-lo na grande sournée pelas cortes alemas ¢ depois a Paris, mandow a esposa em seu lugar, explicando a ‘Wolfgang que no podia confiar nele para operacdes de chmbio de dinheiro e que ada entendia de empacotar coisas ‘Um pequeno episddio ilustra bem as relagdes entre os pais & filho, Mozart e a mie estavam prestes 2 deixar Munique; mais ‘uma vez, suas esperangas de uma colocacao tinham dado em nada, Nao havia vagas na corte do Eleitor. Antes de parti, Mozart escreve uma longa carta ao pai. Desapontado com 0 fracasso pergunia, ene ovtras coisas, se nio deveriatentar um contrato para uma Opera, uma scrittuira, em Napoles. Fra bein conhecido por 14, argumenta; um amigo Ihe dissera que se comentava em Napoles que ninguém tocava como Mozart. Tinha entio 21 anos, € nesta carta de 11 de outubro de 1777 expressa sentimentos caracterfsticos de seu afeto © sua atitude em relagio a0 pai Ponto esrevera cara pra Nipoes quando quser, mss quo mas edo melhor Primets, no entano, gostria de ter a opiito do eno um deseo inexprinsel de eocierer our pe. um pros antes gve fea de fail Musas cosas pets sconteet Sie. Porem, pense que deve ace, Se neste meio tep2 P20 onsegutr nenhuna tndicaga, 9 bion, eno poso Vola’ pars Talia Ainda tort meus 100 ducicos ganidas no caravaly © um Yer que tei cqngeste pan Niels, cebu poids de todos Os ugpes Aledo, come apa bem sabe, Meas ope bull Saute ah, a prinaver, vero © ouno, que sempre © po cocrever para wena ese ocupar, Nao ganar muito, € verdad, tims, ce qualquer forma, € sempre alguna cola; e Warme do ml honra & ced > do que se eu desse cem concertos na Alemanha. E sempre fico mais Feliz quando tenho algo para compat, POrd¥s, 38 LE, 7.265 59, p90. ssa € minha Gnica delicia e pateao. E se conseguir tiver esperancas de me estabelecer em excelente recomendagao, valos. a vontade, Porque, para mim, basta uma Gpera, basta sentar num teatro, o1 wando 08 instrumentos — ah, logo fico fora de Enquanto Mozart assim divagava, a mie se ocupava co} laboriosa tarefa de fazer as bagagens. Teve apenas tempo ¢ forgas rescentar Um pés-escrito a carta do filho: “E eu estou © que © suor escorre pelo meu rosto, apenas com o trabalho de empacotar. O diabo cartegue todas as viagens. Seria capaz de trocar os pés pelas maos, de tio cansada que estou. Adio. Beijo vocés dois, um milhao de vezes..."*1 AAs informagdes no passam uma imagem da figura da mae Wo clara quanto a do pai. Aqui temos uma visto de relance — um instantineo. Enquanto isso, 0 pai est sentaco impaciente- mente em Salzburgo, comegando novas carts antes mesmo de Feceber a resposta da ultima, Sofre, censura ¢ adverte: “Mas, por Deus, se vocés ficaram tanto tempo, quase trés semanas, em nhar um tostdo, estdo mesmo Aprova a idéia do filho escrever ja pensado nisso ha muito tempo."“' E, outia vez, a 15 de outubro: "0 que voce escreveu a respeito da épera em Napoles é tam minha idéia." : Podemos ver a cena diante de nossos olhos: 4 mae fazendo as malas, o pai — preocupado com o reves € com as pressdes financeiras ~ ineapaz de deixé-lo ir. Somente na musica permitia 40 filho alguma independéncia, Dependia, em muito, do jov fazer a opgao certa do caminho a seguir. E Mozart vivia no meio se podia confiar em seus planos. E quando tes, Fle suger pode miesmio ter negado o fate, mas podemos constatar que, pata ele, 0 Filho rianca que precisava ser guiada E 0 filo aceitava: obedecerei »bém continba al em tudo, que dos 21 ssmo que contint is fel Aquela c sobre simi empre fico m: logo fico for a existéncia social de Mozart, toda a suia paixio ¢ intensidade se concentravam em ouvir compor misica, Eta sua "tnica delicia ¢ paixdo”. Isto pode parecer um tanto surpreendente num jovem que entio tinha, e continuaria a ter no futuro, um interesse vivo pelas mulheres, Talvez ele tivesse menos desaponta- mentos com a miisica, Pouco antes de morrer, quando sua situagao jd era desesperadora, escreve: “Ainda estou trabalhando, porque sinte que compor me cansa menos do que descansar.’** Desde 1777 — como constatamos pela mesma carta — Mozart if brineava cor lguns anos mais tarde, Em seu destpontamento com as tentativas fracassadas de conseguir uma renda razoavelmente segura através de uma co- coma possibilidade de ganhar a vida mais ou menos como um “artista |, acreditava Vemos um jovem com um t Todos os seus esforcos estto voltados part ar avés dt composi¢io, 68 Carta de se Mesheime: 0. ci p pro cle 1791 4 3 = Movart jovem, j havia produzido oito operas, trés das quais (Miridate, Ascanio in Alba ¢ Lucio Silla) tinham sido apresentadas e bas. tante aplaudidas na Itilia. Sebe que pode fazer mais e melhor, este € 0 seu desejo. Mas tem de viver, de ganhar dinheiro, # quando viaja pela Europa a procura de um emprego, se defronta com um muro impenetrivel, em Viena, Munique, Augsburgo, Mannheim, Paris ¢ outros lugares por onde passa. O problema claramente nao era falta de reconhecimento pela abrangéncia de seu talento, Mas um homem tao jovem aspirar a realizagbes t0 extraordindrias parecia, se lemos nas entrelinhas de suas cartas, assustar as pessoas responsiveis pela distribuiclo de cargos. Por seu comportamento pessoal, sua concentrag2o monoma: niaca em sua arte, por sua maneira de lidar com as pessoas, lozart realmente ndo se ajustava & socicdade atistocritica de corte, Uma comparacio com outros membros da pequena guesia que tinham conseguido ser admitidos naquela sociedade torna mais evidentes as suas dificuldades, Comparemos com Rousseau, por exemplo. Ainda muito jovem, fugiu da pequena burguesia de Genebra, onde nascera. Na Franca, uma nobre bem mais velha que cle tomou-o sob sua protego; tornou-se sua amante ¢ ajudou o jovem suigo, um tanto rude, a civilizar-se nas maneiras da corte. Um ano em Veneza e a freqiientagao dos salons dos financistas em Paris moldaram-no ainda mais na mesmna direcao. Nos salons parisienses, as pessoas estavarn dis- Postas a oferecer uma chance aos talentos dbvios, desde que seus donos nao as aborrecessem e que se curvassem aos padrées de sentimento © comportamento daqueles circulos. Enquanto eseritor, Rousseau foi um dos primeiros representantes de um movimento alternativo ditigido contra os padides dominantes de sua sociedade, Pode-se duvidar que suas obras tivessem sido aceitas nos circulos cortesios se ele nao fosse pessoalmente conhecido. No convivio social, tinha uma cera “polide2". Sem ela, seria muito improvavel 0 éxito com suas obras, que defen- diam a rejeigd0 a esta polidez prezavam as virtudes de um ". Sem esta resso- mente stias obras teriam sido européia do modo que mais tarde aceitas na tradi aconteceu ‘Com Mozart foi diferente, Sua obra era profundamente influen- ciada pelo padrio de composicao musical prevalecente Fiona de Nota = lade aristocritiea ¢ de corte de seu tefnpo — muito embora, cere: Gino. ele uveose amplindo singulatrnene tal gadvdcr Tinha o habito de dizer francamente o Qe Sentia e pensiva, sem se preocupar muito cor ra COME seria recebido. O hhabito de manter-se reservado no trato social Para evitar qualquer trangimento, a arte da diplomacia cotidiana, a intuigao do efeito das palavras ou gestos sobre 0 interlocutor e que era parte inseparavel do discurso social entte a5 pessOas da corte, quase tudo faltava inteiramente a Mozart. Podia até disfarcar scus sentimentos, algamas vezes se valeu de umas pequenas mentiras a vida, mas tudo sem muita habilidade. Sentia-se mais a vontade com pessoas em cuja companhia pudesse Se descontrair. Em figumas fases de seu desenvolvimento sentiu a neces quase compulsiva de dizer as coisas rudes Ou obscenas que the vinh a cabeca — uma necessidade que Sera discutida mais le. Como a arte das relacoes sociais praticadas e exigidas nos iculos dominantes era fundament : ara Mozart, ele nunca se sentit em casa no fepugnante para Mozart, ele nunca 5 : erate arbtocrtco. Claramente eontinsou uum ould trindo em relagao a tal mundo um antagonismo crescente e uma revolta que se manifestaram, por exemplo, na escolha da sen sacional comédia parisiense de Beaumarchais, 4s bodas de Figa- rr, como libreto de uma de suas 6peras, ou. no notavelmente anti-aristocratico Don Giovanni velmente tinha algiima pericia em tratar pold Mozart provavelmente tink shoe a & dificil seus superiores sociais da arecer um igual nestes 2 ee erfno es fare ras tarde apenas €om filo, Sus sual mio era fic enores € mais pobres do Império Germanico, era costume deixar bastante clara, para is pessoas socialmente inferiores, 2 Sua posicao subordinada, © Igo dessa atitude talvez tenha Na hierarquia de Salzburgo, os Mozirt Ocupavam um. relativamente baixo ¢, sem divida, eram freqiientes as ocasibes fem que 5 faziam sentlo. Nas cortes maiores, no entanto, 08 aristocrat © NO estrangeito, particu- Tanmente nas cortes mnisica la tt seu pai parecem ter recebico muitas vezes un; Mozart nao pecturbada por quaisquer diferencas de nivel social. Leopold Mozart, com toda a familia, ficou numa posicao claramente neéinoda em Salzburgo, devido aos triunfos do filho, que eram nbém seus proprios ti tar tais petigos era tudo, znienos simples A contradict entre a crescente fama de Mozart no mundo em geral € sua posigao de inferioridade na propria terra natal pode set vista com uma pequena cena que © pai narra numa carta. A pera de Mozart La finta giardiniera foi encenada em Munique. Apés a premiere, 0 principe-bispo de Salzburgo, conde Colloredo, empregador de Leopold e Wolfgang Mozart, foi 4 cone bavara e teve o constrangimento de “ouvir a Spera ser elogiada por toda a familia do Eleitor e por todos os nobres.” O conde Colloredo, que estava acostumado a tratar seu vice-regente € o filho de maneita muito superior, como servigais, ficou pouco a vontade neste coro de congratulacées €, segundo Leopold Mozart, a impressao que causou foi desagradavel. Era, como se pode ver, uma posicio falsa, que provocou ressenti- mento de ambas as partes Embora o pai tenha sido capaz de se adaptar as manciras sociais aristocraticas, o filho jamais o conseguiu a content facil entender tambem este trago de Mozart se levarmos €m conta sua educacao tigorosa, devido a qual por muito tempo foi incapaz de proteger a si mesmo. Algo de seus protestos contra © pai provavelmente encontrou uma expressio deslocada em sua revolta contra a ordem dominante de seu tempo, A qual Leopold Mozart mais ou menos se submetia. Por muitos anos os contatos de Mozart com outras pessoas em suas fournées de concertos foram arranjados ¢ controlados pelo pai, A confiar nas cartas, que a principal ¢ muitas vezes nica fonte, parece que por volta dos 15 anos Mozart passou Por uma mudanga peculiar, que seria de se esperar naquela idade, mas que, sob muitos aspectos, tomou um caminho ines- perido. A limitagao dos contatos humanos Aqueles mediados pelo pai claramente contribuit: para um certo isolamento, para 66 18 de janeiro de 1775; LMR p.266 a vile de Sezer ” Ai uma crescente dependéncia de sua propria imaginagio. A 2 de novembro de 1771 ele escreve de Milio: “Hoje ha uma apresen. facto da 6pera de Hasse, mas como Papa nao quer sair, eu 20 posso ir. Felizmente conheco quase todas as arias de cor, de modo que posso vé-la e ouvila em casa, na minha cabeca.’® Mozart tinha enti dezesseis anos, Nio podia ir a 6pera, sequer sair de casa, se 0 pai nao fosse junto. Enfrenta o isolamento que esta vida constantemente protegida Ihe provocava, recolhendo-se em sua fantasia musical. Ouve, na cabera, a Opera a que nao pode comparecer. Durante sua estada em Milo escreveu, principalmente, a serenata teatrale Ascanio in Alba, que foi apresentada em 17 de outubro para celebrar o casamento do arquiduque Ferdinando. Intimeras vezes foi levantada a questao de uma nomeagio — 0 que era provavelmente mais importante para Leopold Mozart do que qualquer outra coisa. Mas sua tentativa de usar a 6pera:a fim de conseguir um emprego para o filho em Milo fracassou. Naturalmente, Leopold nao podia suspeitar que a imperatriz. Maria "Teresa havia advertido expressamente 0 arquiduque para nao tomar a seu servico pessoas tio desnecessirias quanto 0 jovem compositor de Salzburgo: "Se the agrada, claro que nao vou the impedir. © que quero dizer € que vocé nao deve se sobrecanegar com gente desnecessiria (...) B que deprecia 0 ‘servigo da corte estas pessoas viajarem pelo mundo inteiro, como indigentes.”5 im ano depois, pai ¢ Filho estavam de volta a Mildo, desta ver para aceitar a oferta de uma scritiuta é assim aumentar a reputacio da jovem mestre como compositor de Gperas. Mozart tinha muito trabalho a fazer em Lucio Silla, sua nova opera seria. Estava sob muita pressio ¢ com a cabega cheia de mdsica, Todos ‘05 outros pensamentos foram banidos de sua mente: “Ainda tenho quatorze nmeros para comport € entio acabo, Mas, na verdade, 0 trio ¢ 0 dueto contam por quatro. E impossfvel para mim escrever muito, porque nao tenho novidades e, além nem sei 0 que escrevo, pois nao consigo pensar em nada que ST MLE p.205 ta da imperatriz de L2 de dezembro de 1771: Mozart Die De setnes Lebens, p.124 8 Mozart hilo seja minha Spera e corto 0 tisco de ‘escrever nao as palavras, mas wma aria inteira."®? Também nesta viagem parecia haver a possibilidade de um emprego, desta vez na corte de Florenca. No dia da estréia de Lucio Silla (26 de dezembro de 1772) Leopold Mozart mandou uma copia da pa com uma carta para 0 arquiduque Leo- poldo, da Toscana; no comeco de 1773 escreveu de novo, Provavelmente por nao ter recebido resposta. A 6pera foi um sucesso junto ao publico milanés, sendo apresentada varias vezes; mas, novamente, nada de colocagio. E dificil saber até que ponto os repetidos sucessos de sua miisica € os igualmente Fepetidos teveses quanto A sua colocagio afetavam Mozart Lucio Silla foi a tltima 6pera de Mozart para 0 paiblico italiano. Precisou fazer um enorme esforco pat € provavel- mente recebeu alguma ajuda de compositores it tes; havia se safdo methor um ano antes, com Ascanto in Alba, Uma amostra de seus esforcos pode ser percebida nos pequenos pOs-escritos que acrescentava as cartas do pai para a mae e a irmi, que permaneceram em Salzburgo durante as duas viagens. Ele proprio escrevia quase que exclusivamente para a irma. Suas cartas dao a impressio de que suas energias estavam tao inten- samente concentradas em sua obra musical que o restante de sua vida ficara vazio. N4o conseguia pensar no que escrever para casa porque, na verdade, nao vivia nenhuma outra expe- riéncia. Porque nao tinha nada para dizer, inventava hist6rias cO- engracadas © absurdas."* Elas surgem mais a0 menos a0 mesmo tempo que sua predilecdo por expressties escatolégicas com inten¢des humoristicas. As cartas passam a.impressio de que quando tinha quatorze anos Mozart ainda gostava da vida especialmente em Napoles. Porém, um ou dois anos depois, quando o periodo de laténcia j havia passado (e, sem vida, também por causa da infrutifera procura de colocacdo, que pode tet afetado o filho basicamente atiavés de seu frustrado ai), 0s conflitos de uma fase anterior parecem irtomper outra ver. As historias que Mozart conta a inma, por falta de outras micas 69 Carta de 5 de dezembro de 1772 LMF, p.219, 70 Como as sbagay deg stories inglesas fem! inglés no original alemicl A juwentide tte Mozart novidades, sao muito caracteristicas do sentimento semiconscien- te de vazio e de falta de sentido que obviamente o dominava © seftio “eu nao sei de nada, o pai ja disse tudo" fala por si , da estada em Milo em 1771 ibém estou hem Como agora acabei meu tempo para escrever cartas. Mas iio tenho ienho nenhuma a 5 safram na Lote novidade, exceto que 08 atimeros 35, 59, 60, 61, 62 sairam n , assim, se eu tivesse estes ntimeros nés terfamos ganho. Mas como nao compramos nenhum bilhete, nao perdemos nem ganhamos, mas demos boas sisadas das pessoas que comprara trabalho, tenho nada para dizer, porque Papa jf contou tudo. Na (© adolescente Mozart fazia piadas com as pessoas que perdiam ou ganhavam. Esta espécie de humor um tanto espectral, que aumentou com tempo, encontra-se, claramente, em relacto com um forte sentimento de que a vida o estava preterindo © que ele era incapaz de ganhar ou perder porque, na verdade, nem sequer tinha jogado. ‘Um ano depois, um segundo exemplo do mesmo tipo, que continua a aparecer na correspondéncia. Langa alguma luz sobre cesta infelicidade meio oculta, uma forma curiosa do sentimento de que, “na verdade, nunea acontece nada”: E isto me faz lembrar. Voce ouviu falar do que aconteceu aqui? Vou contar. Hoje saimos da casa do conde Firmiano para irmos para casa, ¢ quando chegamos 4 nossa rua, abrimos a porta de casa, € ‘© que voce acha que fizemos? Ora, nds entramos. Passe bem, meu pulmaozinho, Beijo para voce, meu figado, e sou, como sempre, digno frater irmto Wolfgang, Por favor, por hi wm inseto me mordendo, Venha me cogar Nesse perfodo, Mozart mostra uma tendéncia cada vez maior a se fazer de palhacg. Nas cattas carinhosas e brincalhonas que trocavam quando, na juventude, estavam longe um do outro, sua \s vezes chamava-o de “bufto”. Ele se intitu- ou “pobre idiota”. De fato, Mozart ria era inade- JL 26 ce ouirulvo de 1771: LM, 9.203-204. 72. Miao, 18 de dezemibro de 1772: LMF, 221. © texo acim fol eieto por ozs com nas aternadustentsiverieas Ineui também um desenho as Zé once se pode perceber, parece mastric um coraga0 ein chamas, envolio, ‘en fumisa, talver indicando 0 desejo de comer para casa e para a inna 100 ‘Mozart quado ao papel de palhago, o arlequim clissico que dava cam- balhows na frente do publico mas que tinha o coracao ferido porque sua mulher amava outro. Na verdade, cle era um espirito identificado com o de Petrushka, cuja amada € levada pelo Mouro, uma espécie de Pierrot Lunaire. Ao tentar descrever Mozart, esbarramos imediatamente com as contradicoes de sua personalidade. Ele € 0 eriador de uma misica que é sublime, pura, imaculada a sua maneira. Sua misica tem uma qualidade eminentemente catirtica, e parece ascender sobre todas as regides animais do ser humano. Bla testemunha clara- mente uma capacidade de sublimagio altamente desenvolvida Mas, 20 mesmo tempo, Mozart era capaz de fazer piadas que, aos ouvidos de getacdes posteriores, parecem extremamente grosseiras. Até onde se pode perceber, parecem ter uma refe- réncia diretamente sexual apenas em relacao a mulheres com quem ele dormia ou queria dormir, quanto ao mais, representam uma transgressao libidinal de tabus verbais em torno da zona anal e, algumas vezes, oral. Muitos desses exemplos aparecem, nas cartas de Mozart; especialmente notavcis sob este aspecto Slo as “Basle-Briefe” — cartas para a prima Basle, escritas com 21 ou 22 anos que (Se quisermos colocar desta maneira) sio produto de uma puberdade atrasada” Sem diivida, ele nao bancava © palhago apenas em suas cartas, Alguns bidgrafos recentes julgam que a propensaio de Mozart a fazer piadas anais, que ocotrem principalmente, mas nao exclusivamente, num determinado periodo de sua vida, consti- tuem algo anormal. Isto € nao the fazer justica. Hoje em dia, tais Palhacadas so desprezadas entre pessoas educadas, cuja sensi- bilidade ofendem. Mas vé-las, no caso de Mozart, puramente como uma aberragio pessoal, é julgar 0 comportamento ¢ os sentimentos de alguém que viveu em outros tempos como se fosse nosso contempordneo, © passar por cima dos diferentes Padres que operavam naquele tempo. re faa maicr pare destas cartes, muito eave publicou uma delas para crculagio resiita, Mandou un exer plar da edigao para Freud, comentando 0 curioso “infaniiimo” do autor, Ch. Fildesheimer, op. cit, p-109 led. bras + p93] j A pvennide de Mozart sot Numa carta de 7 de novembro de 1777 para o pai, Mozart acrescentou, no envelope, o seguinte pos-escrito referente a feitura de alvos para uma competicao de tiro. Gilowski Kathed), fr: v: Geilisch, b: von Reffner, fe: v: Heffner, fr: +. Schidenhoven, h: Geschwendlner, h: Sandner todos que sto tiortos. Quanto 40s alvos, se n2o for tarde demais, € i380 o que eu gostaria. Um homem pequeno de cabelos louros, inclinado © com 4 bunda de fora. Da boca saem as palavras: “Bom apetite para a refeigao”, © ouito bomem esté de botas ¢ esporas coin um casaco vermelho © uma peruca da moda, Deve ser de estatura medi deve estar lambendo 6 cu do outro homem. Da boca dele saem as palavras “Oh, no hé nada melhor." £ isso, por favor. Se nao for desta ver, de outra vez Nao ha divida de que estas palavras mostram a direcho da fantasia de Mozart, Mas 0 fato de um filho poder dar ao pai tais instrucdes sem qualquer mostra de constrangimento, € pedirlhe que mande fazer alvos deste tipo para o que provavelmente deveria ser uma competicao publica de tiro, mostra também que hhavia espaco de sobra para fantasias coprofilas em seu circulo social. Nessa sociedadle havia menos necessidade de escondé-las das vistas do piiblico, ¢ portanto de reprimi-las da consciéncia, do que nas sociedades industriais do século XX. Sem diivida as estruturas de personalidade individual tambem tinham seu papel no uso aparentemente compulsivo que Mozart fazia de expressoes e imagens anais (e algumas vezes orais) Pode-se supor que conflitos infantis parcialmente ligados a edu- cacao higiénica na infincia ressurgiam na puberdade, Podem também ser uma expresso indireta de agressao contra 0 pai, € Portanto, mais amplamente, contra a ordem estabelecida, a que tinha sido negada qualquer expressio diteta Os sentimentos agréssivos em relacio 2 classe dominante de sua época estavam presentes em Mozart, ¢ formavam um traco niuito forte da estrutura de sua personalidade — isto pode ser ‘observado em toda a sua carreira posterior. © orgulho, a aversio rastejat", sobre os quais escreve 20 pai, sao uma prova disto Sua recusa persistente 2 usar o titulo nobi ‘0 que Ihe foi confericlo pelo Papa — 20 contritio de Gluck que, com a forga 74 LMR, p35758. de uma distincao papal menor, intitulou-se “Cavaleiro von Gluck” por toda a vida — é um sintoma de nao-identificagao com © establishment aristocratico. Sem cuivida, tratava-se de uma atitude ambivalente, Como jé se disse, ela acompanhava um forte desejo de ser reconhecido ¢ aceito como igual pelos citculos cortesios aristocraticos — muito embora pela fora de suas conquistas como misico, nao pelo titulo. E como tal reconhecimento the | negadlo desde as suas primeiras tentativas de conseguir uma colocacao, Mozart certamnente tinha sentimentos muito negatives a respeito da sociedade dominante, Nao é improvavel que tal agressiio reprimida irrompesse em suas referéncias verbais as fungdes animais. No contexto de sua vida, seria bem compreen- sivel. Mas, dito isto, devemos acrescentar de imediato que um julgamento sobre a coprofilia verbal de Mozart necessariamente se equivocaria se aplicasse os padres atuais de civilizacao, vendo implicitamente nosso préprio padrao de sensibilidade como universal, valido para toda a humanidade, ¢ nao como algo que se desenvolveu. Para fazer justiga & tendéneia de Mozart, precisamos ter uma idéia clara do processo civilizador 20 longo do qual o padrio social de comportamento e de sentimento muda de maneira especifica. Na sociedade de Mozart, na fase do processo social civilizador em que viveu, 0 tabu quanto a0 uso das palayras chocantes que encontramos em suas cartas no era nem de perto tao estrito e rigido quanto em nossos dias, Alus6es claras aos excrementos eram parte das diversdes normais fa convivéncia entre 0s jovens —¢ provavelmente também entre ‘os mais velhos — com quem ele se relacionava. Nao eram de maneira alguma proibidas, ou, no maximo, recebiam uma proi- bigdo tio leve que as zombarias coletivas quanto ao tabu pro- vocavam muita algazarra entre os jovens da época. Dois outros exemplos podem esclarecer a diferenca entre os costumes daquela epoca e 05 da nossa, Entre as telaces mais fntimas de Mozart em Salzburgo havia uma amiga de sua irmd, chamada Rosalie Joly. Era filha do pasteleito da corte ¢ servia ‘como criada de qua:to no palicio do conde Ares; Leopold Mozart menciona-a numa carta de 13 de agosto de 1763 como “Sra Rosalie Joly, criada de quarto de Sua Exceléncia a condessa de ‘Arco.""* © jovem Mozart era muito seu amigo: Escreviam umn Para © outro versos ocasionals. Um destes poemas, que Rosalie A juvenile de Mozart 103 Joly escreveu para o dia onomistico de Mozart ¢ que foi anexado a uma carta do pai dele para a mae da uma amostra do padrio de sensibilidade no Mozart — pelo menos entre os javens, mas 2 mais velha. Wolfgang, meu querido amigo, hoje é teu dia onom: F portanio te desejo, me 10 Muito querido ‘Tudo 0 que possas desejar, tudo © que mereces. Feliz sempre has de ser, € nunca seris picado pelos besouros, ‘Que a Fortuna que até agora te mostrou apenas a bunda da Fortuna Seja duplamente gentil contigo, naquele lugar muito distante Este € 0 desefo de meu coragao, lo verdade quanto eu estar viva E fosse isso possivel, lhe daria mais que desejos, Por isso dize A tua mae, por favor, a quem eu respeito tanto, ‘Que a amo sempre ¢ sempre anseio por ve Possa ela manter sua gentileza e amizade por mi Por todo o tempo em que tiver uma rachadura no taseiro. Fica com satide, querido amigo, na alegria e na diversio E toca, de vez em quando, um pequeno dueto de peidos. tico Rosalie Joly” Estas referéncias & anatomia da mae de Mozart e a um pequeno dueto de peidos podem ser particularmente ofensivas para os padrées atuais de sentimento, Mas foram feitas aqui muito cla- ramente, sem a menor intengio de quebrar um tabu. Nao se trata de uma piada oriunda de uma mente reprimida. Outra passagem de um pés-escrito de Mozart a uma carta da mie para o pai, em 14 de novembro de 1777, deixa claro como. a “sujeira” verbal era um elemento de comportamento descon- traido entre os jovens ¢ mesmo entre os mais velhos: Ev, Johannes Chrisostomus Amadeus Wolfgangus Sigismundus Mo me declaro culpado, ¢ confesso que ontem e anteontem cutras ocasides) no volte! para casa antes da meia-noite; ¢ que das dez horas até 2 mencionada hora, na casa de Cannabich © na presenca © companhia do mencionaco Cannabich, esposa, filha, 0 tesoureiro, Ramm e Lang, eu, com muita 5 1 paz. %6 II, p80. aa Mozart frequencia, sem qualquer iiculdade, mas com muita faci perpete rma, sendo cls, além div, poccarlas pues ol ej Sobre assuntos tai como mort, cagar ¢ amber s banda eit também em pensamentor,prlavrs mas em obras, No canta tutto tera me comport de mane ao fopla se noes cele Conhecids pelo nome Je Lisl (isabetha Canvabie, nao Weae muta dso, Conesso todos estes meus pecados & wansgressces da fundo do corgao, na esperanga de ter de confesh los mutas vezes, 0 fimemente resolvo contiuar na vida pecaminoss que comes Dest mane inp pea sage seo a Se onsegi se no, para i do mesmo, porque 6 jogo vl prosseguit de qualquer forma.” yes Desde jovem Mozart sabia cxatamente onde tais piadas eram permitidas © onde no eram; sabia que eram permitidas ¢ apre- ciadas entre os pequenos burgueses empregados das cortes, o que incluia os misicos (e mesmo ai apenas entre amigos préxi- mos), mas que eram completamente fora de lugar nos circulos mais altos.78 Como ja se mencionou, desde a infincia Mozart movia-se em dois mundos sociais — o circulo nao-cortesio de seus pais, que hoje em dia poderia ser referido pela expresso um pouco imprépria de “pequenos burgueses”, € o dos aristo- cratas ca corte, que ainda se sentiam muito seguros de seu proprio poder nas regides alema e italiana, a despeito dos relampagos distantes e dos primeiros trovées da Revoluglo Fran- cesa A divisdo em sua existéncia social também se fazia sentir na estrutura de sua personalidade. Toda a atividade musicil de Mozart, toda a sua formacao de instrumentista tuose e de compositor foram modeladas pelo padriio musical das sociedades de corte hegeménicas da Europa. Sua obra foi, em grande parte, caracterizada pela sintonia com os circulos aristocraticos-corte- ‘sos, ndo apenas através da adaptagio consciente, deliberada, em seu trabalho para imperadores, reis e outros patronos, mas 7 Uh 937, 78 Num conteito diferente, analise al dle anal! al diferenga como um gradiente forma- ince whole, ct Nien Fa, tun Herta Deon, Na ene Faas i 19 unt 20 fabrhubdon, or. pos Mtoe ‘Schréter, Frankfust am Main, 1989, p38-44. se ae tsar A pusenuude de ofozart 105 também através do involuntétio ajustamento de sua consciéncia artistica a tal tradicio musical. Esta vinculagio de sua consciéncia dew-the latitude suficiente para desenvolver a tradicao da corte de um modo inteiramente-pessoal, sem sequer romper seus limites. E assim, através da imaginacao individual, ele levou-a, em muitos casos, muito além da compreensto da audiéncia aristocratica de corte. ‘Ao mesmo tempo, em sua estrutura de personalidade, espe- cialmente no que se referia as relacdes sociais, continuow sendo um hotem da pequena burguesia — “pequena burgues! ‘em nosso sentido, mas no do tempo de Mozart, quando as ‘pessoas enfrentavam seus semelhantes muito mais disetamente, no que diz respeito gostar ou nao gostar. Seu descortés habitus social se colocava numa relacao paradoxal com sua obra, E este paradoxo, sem diivida alguma, contribuiu consideravelmente para scu fracasso social — assim como para a triunfal marcha de sua musica depois que morreu. Parece haver boas razdes para se supor que as relagdes de Mozart com as mulheres cram condicionadas por tal existéncia em dois mundos sociais diferentes. Por um lado, ele vivia em muita intimidade com mulheres como a mic, a imma ¢ as amigas da inma, para quem piadas grossciras.envolvendo contato fisico — dentro de certos limites — estavam entre 08 jogos ersticos juvenis normais ¢ permitidos. Os limites eram estritos. E de se duvidar que a idéia de dormir juntos antes do casamento ocorresse no circulo social do jovem Mozart, quanto mais a pritica, Quando a irma se casou, Mozart mandou-lhe um pequeno poema, sério, | falava crua ¢ diretamente: “Voce vai aprender agora 5 do que antes era meio escondido de voce. AS coisas podem nfo andar sempre muito tranquilas, Os homens as vezes sto mal-humorados. Mas lembre-se: eles mandam de dia, ¢ as mu- theres, de noite."”” 1 parte estas mulheres, desde muito cedo Mozart teve contato ‘com mulheres de um tipo bem diferente, os membros femininos ia nobreza da core. Nio se pode deixar de imaginar o que teria PD Cara de 18 de agosto de 1784: 11, p321 ee Mozart acontecido se, quando jovem ou adolescente, uma dessas expe rientes senhoras da corte o tivesse tomado sob sua protecio, dando-Ihe acesso a uma ligagio que na verdade ele nunca teves tais relagbes eram muito comuns, como se pode ver no caso de Rousseau. Mas, para Mozart, havia 0 duplo obstéculo da super. visio do pai e de sua consciéncia. Ele sempre foi muito suscetivel ao que se pode chamar de aura da feminilidade, Dizia-se que cle se apaixonou, uma a uma, por todas as suas alunas.*” Muitas, se niio a maioria, vinham de circulos nobres, especialmente no Periodo vienense. Eram inatingiveis para ele. Seu anseio, seus desejos em relagao a clas ccitamente esto na ditecao que chamamos de “erética. Sonhava com elas, ¢ nao é improvavel que um sopro do encanto € elegincia dessas mocas passasse Para sua misica, bem como um eco de sua melancolia por essa inatingibilidade © por sua indignacao com o destino. Seus contatos com as mulheres de sua propria classe algumas vezes — talvez ndo muito freqiientemente — deram origem, antes do casamento, a relagdes em que o aspecto exético era superado pelo elemento sexual ou inteiramente eclipsado por ele. Um pouco dos diferentes papéis que estes dois tipos femi- nines desempenhavam na vida de Mozan pode ser visto nas Cartas que escreveu a representantes de ambos os tipos’ Escolho como exemplos uma carta para Aloisia Weber, irma de sua futura esposa, e que mais tarde se tomnou uma grande cantora de épera, € outra para a prima, que provavelmente foi sua primeira aman. tes Querida amiga! Espero que esteja com excelente satide — peco-lhe gue tome muito cuidado com ela — porque boa saiide € 2 melhor coisa do mundo. Gragas a Deus, estou muito bem, no que diz espeito 2 minha sade, porque trato dela, Mas minha mente aao descansa — no enquanto eu nio souber (e que conforto sera) que Seus méritos receberam a justa recompensa, No entanto, minha OP. cit, 9.276 led. bras, p.226) 81_Nota do Organizador O manuscrito se interrompe neste pon tears citicas aqui sio de uma colepac de fot ica or Blas. Nea nto aparece neahuma outre arti Ge 13.de novembra de 1777 foi também copiacia da colecdo “Bisle-Driefe", mas existem virias cGpias da de 23 de dezembro de 1778, Os extratos foram selecionades pelo ofganicador 4 uvennice de Mozart 107 Ser Seiae pser ers de novo ela de oo Siu cit ag tac sna for anes hy i 10. Na esperanca de ter noticias suas muito em. senso gee WA MOZART ® ees i Ihe garantir, mas o abade ‘ tempo, senfio eu cago. Se vocé for, esta alta ¢ podcrosa aes votre sincere W:A" a St jinal Ge jlo de 1778: MR, 582.5, B 3Ge dezento de 1778 me, peas

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