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Contribuigdes de BOLIVAR LAMOUNIER. ‘ CLOVIS CAVALCANTI FABIO KONDER COMPARATO. FRANCISCO C. WEFFORT JOAQUIM DE ARRUDA FALCAO PAULO SERGIO PINHEIRO PEDRO SAMPAIO MALAN WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS Comentérios ie ALBERTO VENANCIO FILHO CELSO LAFER DAVID TRUBEK HELIO PEREIRA BICUDO LUIS J. WERNECK VIANA MARCOS COIMBRA MARIO BROCKMANN MACHADO. PAUL ISRAEL SINGER ‘ BOLIVAR LAMOUNIER FRANCISCO C. WEFFORT = MARIA VICTORIA BENEVIDES. (organizadores) - DIREITO, CIDADANIA E PARTICIPACAO 1 ACIDADANIA DOS TRABALHADORES FRANCISCO CORREA WEFFORT? ‘A atual crise brasileiza rep6e um problema clissico na hist6ria da demo- fracia moderna. Como incorporer a classe operdria a uma democracia de origem burguesa? Buscando as raizes histéricas mais distantes, isto é, a5 raftes liberais, a definiggo do problema tomaria outra for incorporar 8 cidadania es pessoas. economicamente “dependent duas perguntas cléssicas que deveriam talvez tomar um cont no Brasil de hoje, onde nem.o resentam a nitidez que podemos fs modemos. Aqui, onde quase tudo 3 definir, seria mals prudente indager: Podem os traba- Ihadores contsibuir para a conquista da democracia? Percebese facilments que a questo da cidadania dos trabalhedores + estd intimamente relacionada & questo da articulagdo entre liberdade polis ci Por isso mesmo, tem sido, entre ‘iés, uma fSrmula precéria ¢ frégil.. TE0 precérla ¢ to frdgil quanto a democracia que deveria nutrir e sustentar, Resta ver se hi esperangas de -que essa situaeo possa ser diferente no Cidadania versus desigualdade No seu issico Citizenship and. Social Class, Marshall reconheceu no interior. das democrecias modemas a existéncia de: uma tensfo perma- nente ~ uma “guerra”, diz ele em determinado momento ~ entre 0 prin- (1) Protsoradjunto do Depto, de Géncia Socials da USP; presitonte do CEDEC tt Aumocagdo Nachos! de DosGrdanglo ¢ Pema em Clonous Socal 140. — Direitos sociais e participagiio cipio de igualdade implicito no conceito de cidedania ¢ & desigualdade inerente ao sistema capitalist € sociedade de classes. (Memll, 1965, p. 92.) Nao haverd exagero em dizerse que, no caso brasileiro, a desigualdade tem vencido esta “guerra”, deixando apenas um espago minimo a expres- sfo'do principio contririo. Seja como uma aspiragdo, seja corto a antevisfo de um risco a evitar, ‘questo da ampliagfo da cidadania tem estado presente em mais de um momento’ decisivo da historia da nova repiblice. A revolugio de 1930 comejou reivindicando “representacdo e justica” e conta, entre suas medi- das iniciais, com a etiago de uma justiga eletoral e com decis6es de uma aberture do Estado para o atendimento de velhas reivindicag6es dos traba- Ihadores em favor dos diteitos sociais. A redemocratizago de 1946, que pretendeu retirar o pais dos desceminhos por onde andara a revoiugfo de 1937, iniciowse numa atmosfera-de tal euforia que ditismo de se permitir a existéncia legal, embora por 10 prazo, de uma associagfo politiga que se spresentava como ido operirio. Na crise de 1961 2 1964 a questfo da ampliagao ania ocupa um lugar central, embora obscurecido na percepgio dos protagonists na democracia , de outro pareciam sempre dispostos a arquivar nga na liberdade quando hes surgia @ oportunidade de um como atalho para a sonhada ascens£0 a0 poder. Nos ilt ‘nos volta a0 debate o tema de ampliagfo da cldadania, sempre mal tes vido em todos os é de organizagéo também ne temética geral da stado democratico de direito. smo se poderia imaginar, apenas de um problema wcional ou de mais um tema limitado ds elites, em diversas tendénciss, Ainda est ica da clatse operdria do ponto idadania. Mas, quando isto se fizor,-certamente a uma grande aspirago popular. Sobre o perfodo yumas indicagbes 880 possiveis a respeito.! Quanto como entender 0 populismo (ou populismos). Sem pelo merios pressupor ums pressfo popular no sentido da incorpo- tapfo 2 cidadania? Tomemos a interpretaglo mais critica em relago a0 construgzo de un Nio se tr de engenks particular cxpecialmente Boris Fausto, Trabalho urbana e confto social, Difel, 1976. Diveitossociaise paticipagéo — 141 populismo, que 0 qualifica como um processo de manipulago de “massas| de manobra”, um ersatz de pasticipagio democritica. Ainda assim, seria necessério admitir que-houvesse de balxo uma pressdo no sentido da par~ ticipagfo para que a manipulagdo e, portanto, contrafagdo da parti- cipaglo, pudessem existir? Parte significativa de uma hist6ria social e politica da classe operdria deveria contribuir para 0 reconhecimento, como faz Bendix a propésito da Europa, de que “as massas recentemente politizades protestam contra 4 sua cidadania de segunda classe, reivindicando o diteito de participagdo em termos de igualdade na comumidade politica do Estado:Nagfo.> A histésia da classe operdria brasileia expressa, de fato, 0 que o mesmo autor ‘Ao invés de democratizar-se o corporativismo sindical com os influ- Xos democrdticos que se acham nas rafzes dos direitos socials, 6 bem pro- vével que estes tenham sido, pelo contrétio, con omo sugere a nogéo de “‘idadania regulads’ ‘momento da nossa‘hist6rla politica, os direitos sociais podem ser didos, na falta de uma organizagfo sindical live, tanto como dite ums ampla parcela. da cidadania quanto como uma protegfo. especial Protecfo petomnal que, 2 exemplo da Lei dos Pobres, na Inglaterra, conce- dia-se “nfo como uma parte integral dos direitos do cidado, mas como uma alternativa a estes”, Uma alterativa que se deixa aguelesque nfo podiam ser cidadios e precisamente porque ndo o exam (Marshall, 1965, p88). ‘As formalidades da lei — [Em parte por razGes reals, que tém a ver com a industralizagao ma qual o Estado desempenha um papel de relevo, em parte por razdes ideo- liégicas, que tém a ver com o congelamento:do liberalismo em formas ul pastadas, 0 Estado, que a partir dos anos 30 consti6i os seus aparatos mo- demos enquanto Estado Nacional, haveria de aparecer para muitos, sendo para a niaiotia, como um fator de progresso ¢ de igualdade. A emergéncia ‘das “massas populazes urbanas, o° desenvolvimento industrial e 0 cresci- ‘mento das cidades ocorriam ém conjungo com um processo de construgdo do Estado e de ampliabo de suas bases sociais. * Neste contexto, ao qual se deve acrescentar e expectativa de um desenvolvimento econémico que deveria se tomar cada vez mais nacionel © autOnomo, 0 autoritarismo inerente ao corporativismo brasileiro tendia 4 ser minimizado ou simplesmiente igniorado-no periodo de 1946 a 1964. Algo do-que Dahrendorf diz. 2 respeito da preeminéncie do Estado na Alemanha de Weimar poderia Yaler também para 0 Brasil no. periodo democratico: “o edificio (a sociedade) se abria para a parte estatal da vida”. Se 0 nosso liberalismo s6 sabia mostrar a sua face mais conserva- dora, se a esquerda endava apartada dos trabalhadores, se 0 Estado — ‘onde os populistas desempenhavam um papel decisivo — caminhava numa diregdo de progresso de igualdade, por que preocuparse com um corpo- tativismo que, embora regressivo em sua inspitacao inicial, acabava consti- 148 — Direltos sociais¢ participagto twindose'num fator de ago de um Estado modemizador? Como diz Dah- tendosf do movimento operério alernéo anterior @ 1933, seria, possivel dizer que também o brasileiro foi levado a reproduzir 0 seu proprio con- texto de origem, contribuindo pare consolidar instituigdes “que atuam radicalmente contra a sua finalidade consciente ¢ manifeste,"é criagio de uma democracia”. Seo movimento operério slemfo reproduzia “os valores da aristocracia dominente prussiana, embore em certo sentido, contra ela mesma”, o brasileiro reproduzia os valores do Estado em forma efo, embora se manifestaste, 3s vezes, contra este oit aquele grupo que detinha 0 controle politico dé Estado (Dehrendorf, 1971, p. 243 & 246). Na esquerds, uma das conseqiénctas dessa mentalidade era que a lei sindical passava a ser vista como irrelevante, pura forma. Visfo equivo- cada que era reforcade pela realidade de um corporativismo que nunca funcionou, pelo menos trumento de mobilizacdo dos trabalhar dores, a sus pureza in al legal. Para esses efeit esteve sempre na dependéncia da agfo das chamedas lelas” que, formades por iniciative da esquerda, a exei Unidede InterSindical ¢ do Pacto de Unidade ¢ Agéo, catos ou federagSes € até mesmo, como no caso do Cor Trabathadores, confederagbes. Por serem organizagbes de c co verticalista da organizagdo corpo- ora legals, como um meio de reforma do corporativismo . Merecia 0 mesmo tipo. de const deragz0 6 Decreto 9070, de margo de 1946, um decreto antigreve e anti- constitucional anterior 4 Constituigéo de setembro de 1946 e porque contririo ao direito de greve estabelecido nesta Carta, Como 3s areves, apesar Ge tudo, ovortiem, entendiase que prevalecia o direito de greve que 0 decreto antigreve fora derrogado “na pritica”. Raciocfnios semelhantes, todos iendeites & desconhecer a relevancia politica da lei ainda ocorrem hoje. Em muitos meios se entende que a atual lei de greve ia sido derrogada “na pritica”. Como teriam sido derrogedos 6s dispositivos que embasam a politica salarial, Afinal, tem ‘ovorrido greves ¢ algumas delas tém obtido aumentos que vEo além dos pereentusis oficiais. passaram Este tipo de atitude que ignora.o plano proptiamente juridico- institucional da politica, tem contribuido para tornar ainda mais a conquista da cidadania dos trabalhadores, tanto no plano sindical como no plano politico-partidério. Antes de 1964 s6 excopcionalmente se per- cebia que estas suoessivas derrogagdes “na prética” de leis resultavam tento da capacidade dos trabslhadores para. conquister direitos como de capacidade dos grupos dominantes para definiz-0 quadro das aliangas politicas nas quais as forcas populares se encontravam. Dependia da caps- Direitos sociais e participagao ~ 149 para recusar-se @ reconhecer, em Iei mentos, Ao perderse de viste a relevincia politica da lei, perdiese de vista também o fato de que a liberdade do-movimento operério era, em boa parte, devida a tolerdncie interessada dos de cima, Bastaria, como de fato veio ¢ ocorrer depois de 1964, que « mobilizacfo dos trabalhadores fosse_ considerada inconveniente para que a sua liberdade desaparecesse sob os efeitos de uma estrutura legal que antes consideroue como sim plesmente formal eportanto, inelevante, Este tipo de-gtitude tinha como pressuposto nfo apenas uth quadro e otimismo em relagfo a0 Estado mas também uma concepeto “socio- logiste” do poder que nBo deixeve lugar para o reconhecimento do*plano™ institucional, em particular no plano das instituigdes de representagfo, © poder ~ ¢ por extensto tode politica — era entendido, nas linhas de ‘uma concepefo: da democracia direta, como expresso imediata do inte- testes sotiais ¢ econdmicos. Na verdade, o Estado dos anos 30 até meados dos anos 60 era muito mais prestigiado por sua eficécla, real ov imagi- narla, no plano econdmico e social, do que pelo que posta ter significado de ampliaglo de direitos e, portanto, de crescimento dos espegos de liber- dade na sociedade. Concebiase « democracia nfo como construgdo que eva passar por um aprimoramento institucional progressivo que recolba as formas de participagdo emergentes na sociedade, mas como democracia de mobilizagdo cujo ponto de chegada s6 poderia ser o Estedo:na sua for- entre 0 ideal da democracia direta e um autor 0 de Estado poderie encontrar a sua alavance de tris do petfodo democrético serviu, paradoxal- stnicas entre as revindicagbes de igualdade social acho transformadora, ‘mente, para alargar e de liberdade politice. Por uma democracia progressiva Finalmente, duns palavras de esperanga. Os acontecimgntos de 1964 ‘tomaram possivel uma ampla revisto do passado. Para muitos dos liberais que antes de 1964 pediam um golpe de Estado pars “arfumar a case”, 0 ‘movimento que pos abaixo.o populismo acabou sendo uma "joumée des dupes”. Sabe-se hoje, depois de 15 anos, que este foi o perfodo de maior autoritarismo estatal de que tem noticia a histéria republicana. Embora Vitoriosos em-1964, muitos liberais foram logo a seguir marginalizados, outros renunciarern-ow foram levados & rentincia ¢ 08 poticos que tiveram que calar as suas convicgtes. Se o- que pretendiam ‘rasleiros antes de. 1964 era a defesa da liberdade, é de se supor tos deles puderam aprender que as disténcias em que se achavam em 1964 180 — Direitos sociais e participagio ‘em relagdo aos movimentos populares e as revindicagGes socials nfo foram de nenhuma valia para a defese da democracia, setvindo, pelo contrétio, para pavimentar 0 caminho do autoritarismo. ‘0s que foram dezrotados em 1964, pelo menos uma boa parte deles, tém hoje dianie de si a imagem mais completa de Estado que pode produ- zir a histéria brasileira, Um Estado que resume em si toda'¢ soma de poder ‘que foi retirando de sociedade civil 20 longo de décadas, desde as oligar- © Guias dos anos 30 até 0 movimento operitio dos anos 50 e 60. E tratase, como parece dbvio, de um Estado diretemente ligado aos grandes inte- resses e eficaz promotor'de im processo de desenvolvimento que aumenta 4s desigualéades soviais 20 invés de dim E de se spor que muitos tenham aprendido que os caminhos da igualdade parecem depender muito ‘mais da organizagfo autOnoma da sociedade civil e da construpfo da demo: cracia do que de qualquer processo de centralizacéo ulterior do poder do Estado. Bo ponto de vista politico @ situago que vivernos hoje pode nfo ser fo decisiva para o desenvolvimento da democracia no pais quanto o perfodo dos ano: 30 foi decisivo para o desenvolvimento do Estado ¢ para a industrielizagto, Naquela época os temas relativos a liberdade poll: tendiam a asiociarse 20 privatismo oligérquico ¢ os temas socials ssociarse a contralizdgio do Estado. Hoje ¢ razoavel supor que 0 cresci- mento do Estado tere esgotado todas as suas virtualidades igualitérias, Se 6 sssim, © processo de “democratizaeso por via autoritéria” estd pro ximo do vigotamento. Resta, portanto, so desenvolvimento social politico brasileiro, a alternative de uma democratizagto progressiva de sociedade e do Estado, B na perspectiva de uma democracia progressiva, capaz do, aprimorar seus recursos institucionais de representagto ¢ de patticipaglo, a definigio- da verdadeira cidadania dos trebalhadores é um ‘pasto decisivo que comega com a implentago, através da reform sindical, de um sindicalismo livre, condigdo fundamental para a livre participagdo dos trabalhadores na politica. COMENTARIOS _ DAVID TRUBEK* Por falta de tempo = somente ontem recebiotrabsiho do Prof. Weffort — ‘fo pude esiudar e preparar um texto propriamente de comentérios sobre sus contribuiggo. Resolvi entfo nfo comentar este trabalho nem falar Sobre o tema dos direitos sindiais, pols nada tenho a acrescentr 4 expo. siglo do autor, Prefiro falar de azquiteture, porque este assunto eu conhe- > g0 melhor que Diteito do trabalho. Alberto Vendncio levantou um pro- bloms evocando o simbolo arquitetural da Praga dot 3 Poderes, em Bras E esta imagem me dé uma série de idéics que ou gostaria de expor 0 iz Alberto Vengncio, a Praga 6 o simbolo de um governo ‘os moldes de um liberaismo clésico, que ele diz estar superado, Cons. derando, talvez, a historia recente do. Estado brasileiro, seit melhor dizer praga de poder ¢ nfo de 3. Mas, nfo queremos erat o monue mento do estado autoritrio; queremos um simboto daquilo que desejamos para 0 futuro, Se surgir outro Oscar Niemeyer hoje, querendo evar um lo exquitetnico para.o futuro — sobre « Consttuigfo, 0 Di- reito brasileiro —, como ele idealizaria. uma praga ov qualquer ovtra obra simbélica?-O Niemejer tove, como Alberto Vendneio nos lembrot, © texto de Montesquieu ~ 0 espinito das les como fonte do simnbolismo ftgutetnico que ele exclu Nfo ext um texto septate pra quiteto do futuro ¢ talvez estejamos aqui para préparar desi texto 0 explo dasha leis Bales O arqueto terete Frank Lloyd Wright chamou a arquitetura de “inGsica'‘congelada” © eu gosto de dizer que Direito € a teoria social congelada. Mas onde std 2 teorla para esse diteito novo, eso direito do futuro? Jé suged que talvez estejamos aqui buscando essa teoria. Nfo existe um limo chamado ‘0 espfrito das futuras leis brasleiras”, nem Montesquieu pare escrever este lio, Acredito, mesmo, que. para tal texto jamais exitird escrtor, (7) Advogado, Professor na Universidade de Wisconsi (EVA),

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