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PHAOS - 2005, (=p. 276 INCORPORAGAO DE UM MITO OVIDIANO (METAMORFOSES V1 412-674) A PHILOMENA DE CHRETIEN DE TROYES Matheus Trevizam (EL/UNICAMP) RESUME, Dans cet article, nous faisons une analyse comparative entre la Philomele ovidienne (Metamorphoses VI 412-674) tla Philomena du poéte medieval Chrétien de Troyes. Par Mabordage de la question des genres ltérares et du sens de V'action de Térée aux deux auteurs, on essaye d'esquissr les spécficités de chaque texte Mots-clés: genres hitéraires; construction de personnages; traduction, INTRODUCAO Aversio de Chrétien de Troyes do epis6dio mitico de Filomela, oriundo, como se sabe, do antigo fabulario grego e trabalhado por Ovidio em ‘Metamorfoses VI 412-674, permite-nos compreender de forma privilegiada alguns aspectos relacionados aos mados de apropriagio da cultura antiga nos finais do século XII. Com efeito, em conformidade com a pratica medieval de adogao do velho mundo latino como uma das bases essenciais a sua caracterizagio,' observa-se, quanto a “tradugdo” a que nos reportamos, um 1. Cf, Auerbach, Erich, Introducao aos estudos lterdrios. Tadugio de José Paulo Paes, io Paulo: Cullix, 1995p. 107: A maioria dos eruditos do século XIX acreditou que a tradigdo antiga exteve morta durante a Idade Média e que 6 foi resusctade na época da ‘Renascenga, Mais recentemente, importantes pesquisa levadas 2 cabo por enuiloseuropeus ‘enorte americanos abalaram profundamente essa concepeao. A tradisio antiga ndo deixou Jamais de exercerinfluencia na Buropa; foi muito vigorosa durante a Idade Media, embora 128 ~ PHLAOS, 2005 cesforgo pontualmente mensurével de incorporar a cultura literéria antiga @ valores e perspectivas de uma época diversa. Neste artigo, buscaremos estabelecer algumas diferengas de consttuicio postica entre os textos em questo (Philomela/ Philomena), especialmente vinculadas & questo dos géneros literérios e, aspecto a esse relacionivel, do significado da violencia cometida por Tereu contra a cunhada. No primeiro caso, como esperamos demonstrar, 0 relativo “hibridismo” de géneros ‘encontrado na versio ovidiana cede espago a algo sem correspondentes exatos na Philomena aribuida a Chrétien de Troyes, resultando num texto aculturado a0 universo das letras francesas da época do tradutor; no segundo, a propria Vinculacio posterior de Tereu a um tipo fiecional que néo se identifica mais com uma certa inversio do comportamento convencional dos amantes no ‘quadro da elegia erdtica romana permite-nos, no tocante a sua face de infrator ‘ou criminoso, buscar compreendé-lo pela contraposigao de suas atitudes a certos valores particulares ao século XII. ANALISE DA PHILOMELA OVIDIANA: A definicéo exata do estatuto genérico das Metamorfoses de Ovidio & algo sujeito a controvérsias: a ousada iniciativa do poeta de narrar pelo viés iitico os fatos da historia do mundo desde suas origens até a apoteose de ‘César, sem precedentes diretos nas literaturas antigas, contribui para as, hesitagoes dos eriticos.? Afinal, sabemos que havia na épica greco-latina relativa unidade de agio, isto 6,08 textos, de extensio considerivel e compostos em heximetros como ‘a5 Metamorfoses, tratavam até seu desfecho dos feitos realizados num dado momento por um heréi ou um grupo de heréis (caso do que se verifica ‘regitentemente inconsciente. Fi com o material legado pela civilzaedo antiga que a Idade ‘Media construin e desenvolveu suas instituigdesreigiosas, politica ejuridicas, sua oso, ‘sua arte e sua literatura 2. Ck. Gaillard, Jacques; Martin, René. Les genres litéraires a Rome. Paris: Nathan, ‘Scodel, 1992, p. 49: Tout cela faitil une épopée? Certes le merveillewx y coule 4 pleins bords et Ton retrouve un grand nombre de syjets et de personages traditionnels de la liaérature épique. Néantmoins, comme lenote a juste titeJM. Frécau,'un des spéciaites francais d'Ovide, ‘les ‘Metamorphoses’ ne sont pas soumisessrciement aux lois da gente épique waditionnel, surtout par manque dune action unitair.. Force est de convenir qu slagitd une épopée singulizre qui reste & deine” (TEsprtet humour chez Ovide", 1972 240), Aust es a-ton parfoisqualifiées d"épopée ‘ui generis” (M. von Albrechd; on y a Iméme vu “une parodie de "épopée” (René Pichon); et Simone Viaire, dans sa these tres originale consacrée a “PTmage eta pensée dans les ‘Métamorphoses", note avec finesse, p. ‘40, que “le merveillewx ovidien échappe aux mots parce quil n'apparient 3 aucune categorie linéraire. Les ‘Metamorphoses’ relevent ala fos de lépopée, du conte populate, «du récit édifantet— pourquoi pas? C'est au moins vrai pour Pépisode de Dédsle et pour un certain climat pseudo-scientfique — de la ltérature anticipation.” PHAOS, 205 120 tipicamente nos poemas homéricos, na Eneida virgiliana ou nas Argonduticas de Apolonio de Rodes), sem o desvio desse eixo compositivo para a dispersio. essa maneira, apesar de préximo do modelo épico convencional pelo tipo métrico empregado, pelo uso de recursos expressivos como o simile & mesmo pela tematica eventualmente encontrada, Ovidio abre espago para a experimentacio criativa ao compérlas de acordo com principios caros a sua forma peculiar de didlogo com a tradigao literdria.' Isso permite pensar este texto ovidiano como uma espécie de composigio cujas matrizes épica radicalmente transformadas pela mudanca e incluso de elementos, no mai se deixam reconhecer de forma pura, isentas de fatores inusitados em obras tipologicamente mais ortodoxas da Antigiiidade. episédio mitico de que nos ocupamos nesta anélise constitui um segmento de todo auténomo ou “destacével” do contexto maior das Metamorfoses:nele se resolve, como é sabido, o impasse resultante do estupro, ‘e mutilagio de Filomela por seu cunhado, o rei Tereu da Tracia.* Tem-se, além disso, que o que se poderia considerar como épico {no sentido usual da palavra nos estudos literarios) na narrativa ovidiana é acrescido de certas particularidades, entre as quais interessa-nos destacar a moldagem de Tereu, a partir dum dado momento, como o avesso do amante elegiaco, No tocante aos aspectos épicos do trecho ovidiano, parece-nos iti mencionar abertura do episédio (v. 412-420), em que, rememorando a pratica homérica de elaboracio de catélogos,’ 0 autor cita Varios nomes de cidades, 3, Uma das pritias mais caracteristias da obra deste poeta sio as experimentagde covolvendo a fuga & ortodoxia dos generor da literatura antiga. Assim, eitando alguns exemplos, o autor fande nas Heroes recursos oriundos do imaginirio elegiaco (havendo “obsessio" das amantes-autoras que se identifiam com 0“eu-postico” pel lamento amoros0) com certasexquemas compenitivosafine aos exercicosexcolaes das suasariae, nos Amores, procede critica e ronicamente em relacio ao legado do tipo de poesia amorosa ctado; na ‘Ars amatoria,alimentacse macigamente de temas elegiacos para preencher a estrotara idatica do poema; por fim, nas Metamorfosese nos Fasog cra textos que decsivamente esafiam pelo inusitade as tentaivas “axonémicas” dor erudios “4 Exceto 0 tema da compreensio do Universo como algo em constante mutasso, pode-se dizer, no hi um flo tematic inintereuptoa uni todas as numnerosas lendasratadas ras Metamorfoses, Portanto, produise no poems um grau de fagmentagio narrativa, mpensivel numa Eneida ou numa Odisséia, por exemplo. et. Arist6teles; Horacio; Longino, A poéticaclissica. Tadugio de Jaime Bruna, itrodugdo de Roberto de Oliveira Brando, ‘Sto Paulo: Culteix, 1981: VIIT2 Homero, assim como é superior em tudo mais parece ler ‘sto muito bem também iso, se pelo conhecimento da arte, sja pelo seu genio; escrevendo 42 “Odissia", ndo narrow tudo quanto aconteceu ao heréi, por exomplo, 0 ferimento do Paraaso, simulacdo de loucura quando se arregimentava a op, falos dos quas wocoméncia de um néo acarretava a necesidade ou probabildade do outro, mas compés a “Odissia" fem tomo duma ago nica, como a entendemos, e assim também a “Ilada”) 5. No canto 1] da Hada homériea mse, como ¢ tabido, a célebre passagem de cenumeragio das naus gregas vindas a Tia [cf 0 seguinte kagmento de Homero. Hiada ‘Tradugto de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro, Si Paulo: Ediouro, 2002: Aos moradores dda Focida, Epistrofoe Esquédio trouxeram,/ de Io filhos, magninimo,enetos de Naubolo sgrande;/ de Cipariso também, de Pitt, regio pedregosa/ Crisa divina e de Daulide,

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