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Amor fogo que arde sem se ver

Amor fogo que arde sem se ver;


ferida que di e no se sente;
um contentamento descontente;
dor que desatina sem doer;
um no querer mais que bem querer;
solitrio andar por entre a gente;
nunca contentar-se de contente;
cuidar que se ganha em se perder;
querer estar preso por vontade;
servir a quem vence, o vencedor;
ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos coraes humanos amizade,
Se to contrrio a si o mesmo Amor?

Verdes so os campos
Verdes so os campos,
De cor de limo:
Assim so os olhos
Do meu corao.
Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Vero,
E eu das lembranas
Do meu corao.
Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
No no entendereis;
Isso que comeis
No so ervas, no:
So graas dos olhos
Do meu corao.

Transforma-se o amador na cousa amada


Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
No tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela est minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcanar?
Em si smente pode descansar,
Pois consigo tal alma est liada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim co"a alma minha se conforma,
Est no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como matria simples busca a forma.

Se tanta pena tenho merecida


Se tanta pena tenho merecida
Em pago de sofrer tantas durezas,
Provai, Senhora, em mim vossas cruezas,
Que aqui tendes u~a alma oferecida.
Nela experimentai, se sois servida,
Desprezos, desfavores e asperezas,
Que mores sofrimentos e firmezas
Sustentarei na guerra desta vida.
Mas contra vosso olhos quais sero?
Forado que tudo se lhe renda,
Mas porei por escudo o corao.
Porque, em to dura e spera contenda,
bem que, pois no acho defenso,
Com me meter nas lanas me defenda.
Busque Amor novas artes, novo engenho
Busque Amor novas artes, novo engenho

Pera matar-me, e novas esquivanas,


Que no pode tirar-me as esperanas,
Que mal me tirar o que eu no tenho.
Olhai de que esperanas me mantenho!
Vede que perigosas seguranas!
Que no temo contrastes nem mudanas,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, enquanto no pode haver desgosto
Onde esperana falta, l me esconde
Amor um mal, que mata e no se v,
Que dias h que na alma me tem posto
Um no sei qu, que nasce no sei onde,
Vem no sei como e di no sei porqu.

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