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CANCOES MESCLANDO OS VEICULOS Laura Mason No ano it da Revolugio (17981794), o compositor de voudevils Antoine Piis, notivel tanto por sua capacidade aparentemente ilimitada de produzir cangdes qvanto por seu instinto infalvel sobre a deco em que sopravam os ventos politi os, esreveu um hino & prensa tipogréica: (Cea par tot que chaque penste se change en sgnes de métal, (Crest par tor yo quelle et clase, ‘A son tou, dans un ore Crest par tes bas qu'elle es presée Pour doubler de fore ede prs, Cet par tes mains qu'elle ext hancée Pour ateindve tous les epi Eis uma das mais felizes parcerias entre a cangio e a impressio a servico da Revolucdo, uma parceria que ganhava ainda uma ousra dimensio pela inclusio - na 2. -E port que ca pensamento/Se transforma om inais de mctah/E por tes othos que &casificado,/ ‘Um aun, numa ordem igual por tus bragoe que ele € impreso/Pata duplicate. poder e alon/ £ por tans mios que ele ¢Iangado/Para ating a todos os expito”. [Ps “Hymne & Vinprimere", Bibliotheque historique de la Vile de Pass, #960 349.) aro apa pigina impressa ~ da data © lugar da primeira execugdo da eangio. Essa confluén- cia perfeita era no entanto caracteristica de uma fase ‘nica da Revolugio; eo “Hino 4 Prensa Tipografiea” representava apenas um dos aspectos da muhifacetada velacio fentte a cangio revoluciondria © a pigina impressa. [As cancées diferem das outras modalidades da cultura impressa da Rewotucio Francesa de dias maneiras. Em primeiro lugar, tiveram uma trajetérin de publica: cio muito diferente da dos jornais revolucionarios. Enquanto a publicasio de jor nais elevou-se dramaticamente no perfodo de 1789 a 1790 e declinow regularmente até atingir um nadir durante o TervorS, a impressio de cangbes adquiriu impeto ‘com © progresto da Revolugio, atingindo seu zénite exatamente quando os jornais ppareciam prestes a desaparecer*, Em segundo lugar, por causa de sua natuceza essencialmente oral, as can- Ges tinham uma relagio singular com a pigina impressa: eram escritas para se rem cantadas ou execitadas para outras,¢ essa sta transmissio oral tornava poss vel sua cireulagio entre of analfabetos. Durante o Antigo Regime as cangdes facil- taram a propagacio de letas eriticas que de outra forma teriam atraido a atencio dda policia, Além disso, a execugio publica faciiava que se explorassem as possibi- lidades sugestivas de uma eancio. A interacio dessas tradigges orais com a impres: so como ve‘culo eriou a dindmiea da eultara da cancao revolucionaria. Uma vex fixas através da impressio, os textos © as execugdes das cangbes se estendiam além, de seu piblico ouvinee até atingir também © piblico lecor, acrescentando assim, ‘uma outra dimensio 3 relacio sempre em mutagio entre as cangdes © a pol revolucionstia Durante a Revolucio, as prensastipogrificas continuaram a cumprir sew papel tradicional de preservar os textos das cancOes, mas uma nova relagio desenvolven se entre a cangio e a prigina impress quando se passou a preservar também as exe ceugdes. A explosio da edigio de jornais que acompanhou o inicio da Revolucio criou novas possbilidades para a representagio de objetos e atvidades 208 olhos do iiblico: cartas ao editor e colonas de anedotas eaptoravam algumas ocorréncias da rua que sem elas seriam efémeras, fundindo os jornais com a rua e o teatro em féruns nos quais as idéias nio-oficiais sobre a cultura revolucionsria podiam ser ela £2 Hii gin fre fe ai, res Universities Je Rance, 182, p96. 5. A vertgnos: produc de eae eurprenseie, pore canciones manaequtay, respons ‘eis por ase un ego dy cage ett em 1780179, gratcament hava despareido ext 198. pores tes em Consent irs, Hy of aod ls Rei frase Pais, Imprinerie Naina, 904, De sus elo pcs a anne entre HD] 170, sess eases que apareimem jorais on le cngiesmonsrgns & enn groselra bend noe dos exten aleinem que rm cnfeaadamente hose & Rewlio ora ras. possi tes dl Jew} press teidal em if tho | 189 a quand rele pe | dene todas} | omg pd call bere ted ome = 5 Tame Aa rete boradas © publicamence discutidas, As cangdes e 0 camto, parte dessa experiencia das ras, estavam entre os tpicos abordados pelos jornais Jornais que traziam a descricio da execugio de certas cangdes ~ 0 que ocor- eu com freqiiéncia e detalhes variveis durante toda a Revolucio ~ estendiam 23 possibildades que sugeriam essas cancies para um piblico maior, além dos ouvin tes de mua, Mas descrever a execucio de uma cangio, tanto quanto imprimir «sua letra, nio era um ato neutro; era uma maneira de expressar opiniges sobre a nasi reza, 0 desenvolvimento ¢ os objetivos da Revoluo, Tampouico era um meio de ex: presi estitico: da mesma forma que a naturcaa das exectides das cancées € o con- terido de seus textos, as condicbes do relato das execugies e da edigdo dos textos acravessaram mutas mudancas durante a Revolugao, Apesar de seu profundo impacto nas relagaes politica, a tomada da Basttha ‘em 1789 nia marcou o inicio da cancio revolucioniria. Ente julho de 1789 e jie Jho de 1790, as cangées que o povo cantava eram basicamente as mesmas da Anti {g0 Regime ~ apenas seus assuntos haviam mudado, As cangGes populares eseritas eit 1789 - “compostas" mediante a colocacio de versos novos em melodias ji bem co hecidas ~ celebravam eventos dignos de nota e depois perdiam a popularidade quando o evento ia ficando no passado, Algumas cangées mais elbas, consideradas relevantes para os acontecimentos correntes, eram também revvidas e cocadas, o antadas, em celebragSes ¢ reunides populares variadas’ As canes eram impressas ‘sem regularidade ~ em uns poucos jornais ou em meinefolhas baratas e livretos de seis ou doze piginas que todos os vendedores de canges no século XVII tinkam ~ © 56 uns poucos jornais descreviam momentos em que 0 povo canava, usalmente dentro do contexto da noticia sobre um determinado acontecimento. Ainda que todas as eangBes escrtas em 1789 celebrassem a Revolucio, os poucos jornalistas € politicos que prestayam alguna atengio a0 assunto consideravam o cintico popular ‘uma atividade geralmente suspeita, O abade Fauchet afirmava que, “enquanto os partidos da velhiaordem e dos usos antigos se divertem com cancoes, epigramas € cainias, os amigos da Constituipio e des habitos que sio adequados a um povo libertado produzem textos que sfo sérios, austeros e justos™. Camille Desmoulis, 4. Em nom poquens pe emia, teria em 1785, € feces 2 uma mulher do mercado ens casio sobre a oma Basha qua meses 3p concen ecusvlenaent, tn se oe loner, “La Bal, git isi? (i On sei tut ex 4 préset” (A Bsa a & wma eaten Taos som ta se to agora", Gast de Pr 30 de wren de 1789, nue eas hava 3 ia de pert "Oa penton étze mee qui sn de a fmie™ Onde se pe ‘tar moc que no eo de sa fans”), enced em hour dali se doef de Pars #4 caco popular "Vie Hen IV que fata com o inno de emiart Las XV 30s ane, Ade Bache, no fra de ass. 19 desi de 108 Reroute ture HYMNE A LIMPRIMERIE, PAR LE CITOYEN PIIS, Chand & Ia section des Tuileries, le Acad 30 Pluvisse. — Air ta Vauteile de POficier de Fortene Crssr sur Vautel de ta Pattie Sora fale pi “Les bienfaits de cer Art divin? Saeed SA ree toe Pour fixer ta création 5 5M o Mais dire antene de ta maluance’) 2 Seo ee 0 Plere-naineugusn de is, Hin & Pras Titer, (17081704. Bbaque Nana, Dept sent de nin © Hin Ps Toga de Ps & ema rao vvids da pcr bem sce cate scan € 0: veils impress 3 serve da Rel [etm 8 Gives ‘menos rigida quanto a0 cariter ideal do revolucionitio e que eventualmente se di vertia com os eantadores de as, nfo os achava confisveis. Adverta aos seus Ieito- es que a musa da cangio, “que adora tanto o champanhe’, era a que mais Sacilmen- te se deixava corromper pela arstocracia’. Naturalmente, contimavase a cantar nas ‘ras imperturbavelmente. E entio, em meados de 1790, um aspecto do cantar po- pular sofieu uma protunda transformacio, com reflexos na impressio, Durante as duas primeiras semanas de julho de 1790 milhares de parisienses se apresentaram como voluntarios para ajuday a preparar o Champ de Mars para a primeira /teda federagio. Enquanto trabalhavam, eles cantavam, e todas 25 noticias concordavam em que preferiam cantar “uma nova cangio chamada Garllon national Todos cantavam a0 mesmo tempo ¢2 in, irs, ¢ira™ “Ga ira" era uma cangio extremamente simples, pelo que as pessoas precisae vam guardar apenas a melodia e o refrio, “Ah! gaia, ca ia, cara", para continar sendo o “ea ira". Os vetsos podiam ser alterados, e o eratn com grande freqiiéncia, As verses impressas da cangio de 1790 eram esperangosas quanto ao futuro da Re volugio e procuravam a conciliagio ene as classes sociais, AN air, er, ei Rejoin nous fe bon temps viene Les ges de ale a te Pare chante lia Havia outras versdes da cangdo, todavia, que nia eram impressas; tampoueo eran to conciliarias. A Glronique de Paris, 20 descrever 0 trabalho no Champ de Mars, screscentava: ‘Nao potlemos registrar as cancées que estavam sendo entoadas... basta Azer que no perdoavam os aristocratas"". © Mercure de France, menos disereto, aft ‘ava secamente: “O reftdo da maiotia das eancBes era gira, enfonuen os arstcra- as, morte aas aristoraas!"* Durante os dois anos seguintes o “ca ira” foi a cancio emblemética das varias festas da Revolucio, destacando-se das eaneSes ¢ hibitos de cantar tradicionais, que mantiveram também seu lugar na cultura revolueionatia, A adogio e duvadoura Popularidade do “ca ira” indicavam um afastumento da tradicio de divas mancitas 1 Minds de Fert de et. 8 Gano de 790) | Chong de Pi 9 de ju de 100 8. “Geis € una rae coon que gia, rum md, no 10, “OW acinar io dar cet io dar cent/Regfemraas ue obo tempo tl chet genes do mcr ane lescnd/Agra poder eee alla” urna dea Halen (1750) ) 11. Clie de ers 10 de ub de 1790 12. Mora dee th de 17%), pp 81.216 Revuucio oes CHANSON SUR LA PRISE DES INVALIDES ET DE LA BASTILLE —— A Mon Parent M, MOREAU pe SAINT-MERRY, Préfident des 300 Eleéteuss de Paris. ‘Dir: Dania Cabane ofene Be. Lnenré qui mis chee, ‘Cenc fas phas que le jours Toi que mon ceeur préfere ‘Au bonheur ée amour ‘Ma Mufe ‘offre un Temple,” Citton cel radieux Ex coreff. & contemple ‘Tes Frangois gloriewx. er iertejemCeorge de Calves de TEs, Cane ale «Tae ds lis de Basi, (17S). The [New Yrk Publ Library, Rive Books and hanwsrps Din, Talla Colleton. ‘Or reelciniroe eatin aante a tain poplar de xreer ows ess pa eas Bem cone ‘hae finde comemorr cvetos igus de nots [eat oa isc et avo, 14d ale 1799, 170, Rate iotégve Nationale, Departement es Imprimés. ("Cs ies fos primcra cng reoaconiri s tanienderspopslrdade efemers dha ccs qe Celeron eventos emetic. Toros uth mod de demonitar adie & Revol ao noo ge tae (eat a 12) 6 arocato tumess importantes. Por ndo ter desaparecido poucas semanas depois do festival nacional de 14 de julho de 1790, “ca ira” transcendeu a popularidade efémera caracteristica da maioria das cangBes populares. E, ainda que tenha surgido no concexto da pre- patagio para o festival, nao era cantado para celebrar um acontecimento expeciti- 0, mas para demonsttar posigdes e attudes politicas em relacie & Revolugio, (Os sevolucionsrios consideravam o cantar do “a ira” um sinal de f no pro- _gresso da Revolucio ¢ de hostlidade em relagio a um cleo e aristoeracia recali- trantes: “Um homem [..] estava cantando a cangio a ira, a ia, gra na sa toja quando outro homem, um antigo nobre, passou pela porta, achou que era um it sulto ¢ foi dar queixa formalmente & municipalidade"®, Os monatquistas, por sua vex, interpretavam-na como um sinal de um compromista popular cego com os de- ‘agogosi "Ga MA: refrio trivial com que os fansticos de uma liberdade mal oviei= {ada ensurdeceram um povo ignoramte, que o repete mecanicamente™. E as duas panes consideravamao 0 aferidor do progresso, ou da reeuo, da Revoluco. © que € especialmente importante nesse contexto 6 que letra do “en ira” ermaneceu quase radicalmente um elemento da cultura oral. Tanto revolucion’- Flos quanto monarquistas atibufam a essa cangio wma importincia singular ~ como fica claro pelo mada como diseutiam e relatavam as execugdes. A letra no entanto cera raramente impress, e quase nunca apatecia mas coletineas de cangdes revolt cionérias. Essa transmissio predominantemente oral da “ga ira” dava A cangio ua flexibildade ideot6gica e t6pica que era essencial na sua continua popularidade dw ante os anos iniciais da Revolugao. A auséncia em impresso de uma versio defini ‘iva da letra tornava a canedo mais adaptivel is cireunstincias radicalmente utuan- tes em gue era cantada®, A maioria dos jornais, anto revolucionsios quanto monarguistas, que noticia ‘vam sobre o "ea ia" estavam interessados apenas no fato de estar sendo cantado. As segdes de anedotas de alguns jornais revohicionstios informavam a execucio do “ca ira" em aiguma revise especifca, quantas veres havia sido cantado © a reacio do pliblico. Os jornais monarquistas reclamavam das repetidas exeeugdes da cancio, on jiuravam que ninguém mais a cancava, ¢ imprimiam raivosas parddias. E aqueles jor nis (a maioria) que mao tinham interesse em detalhar a earreira de wma cangio popular reconteciam a importineia do “ga ira” x0 usta como um simbolo de um 1%, Gwin de Pa 5 de none de 170 1. Disa ies “A Trop: an 9d apne liber (1752), 15, Avverser partie posteiormente ind a“ ro fora experangon cons 20 ‘onto, expres as crescents tenses sore pte a Reo, Ye, pr exempo, A CCom’ga vse Ladeé [1717,(ibiotkique Nasional, Ye 5707) om » versio de" ea wo ea soi pti ano TE (2179), conjunto de opinides vevolucionarias ~ consideradas tanto nobres quanto ridiewlas, dependendo da porigia palitiea do jornal As noticias dos jornas sobre as execucBes do "ea ira" refletiam as atiudes pre- dominantes em retacio is cangdes populares e a wma visio particular da Revoluszo, ‘86 uma meiazia de jornais descreva essas execucdes, porque poucos estavam in. teressados nas cancdes populares, Ainda que alguns editores reconhecessem a in portincia do “ca ira" ao descrever ocasionalmente suas execucées, esse reconheci ‘mento ficava apenas implicito. A propria descrigio sere uma visio biniia da Re- volugio: ou se é a favor ou se & contra a Revolugio, ott se canta “ga ira” ow no se canta, Ainda que o “ga ira” da tradigao oral abrangesse concepcies varveis da Re volucio, a cultura impressa tendia a simpliiear os conflitos, Entretanto, mesmo sea do poucas¢ simplificadas, as noticias dos jormas aceleraram ¢ ampliaram a difusio dessa nova modalidade da cangéo através da celebragio de suas prticas locas e po- pplares, Nao eram somente os parisienses que cantavam o “ca ira", mas também os hnabitantes de cidades distantes, de Lyon e aé de Londres, A cangdo popular era um aspecto da cultura revolucionsria que hvia ganko sua vor pics, mesmo que essa vor fleasse em surdina, Com o advento de uma nova cane revohucionsria em 1792 (a “Matselhesa") ‘€ a umgéneia de lutar uma guerra e criar uma cidadania republicana, una mudanca explicia na opiniio acerea da cancio popular ocorreu. ssa mudanea foi acompa ‘hada por um deslocamento no modo como as cangies eram tratadas, com a én. se passando da execugio para o texto, e na relagio das cangies com a cultura im- press, d medida que a quantidade de eancies revolucionrias que estvam sendo publieadas comegaram a disparar vertiginosamente Com a preparacio da Franca para a crise prolongada da guerra estrangeira na primavera de 1792, um dos problemas levantados era a questao de quais cangées se- ‘iam apropriadss para acompanhar os exércitos da Revolcio. Em Pasis, ato a Cironique de Pars quanto 0 Gourver €e Gorsa comecaram a discutit 0 assunco mesmo antes da declaragio formal de guerra. Quando a declaracio de guerra chegou até Strasbourg no fim de abril, 0 prefeito Dietich levantou a mesma questio: acredita va que as cangGes populares como 0 “a ira” e *Carmagnole” fcavam bem abaixo da tarefa de levar os soldadosfranceses &vitéria, Tendo ouvido a preocupacio do pre- feito, Ronger de Lisle foi para casa © naquela noite escrevew a “Marsellesa"®, A "Marselhesa" era ¢ & uma cancio singularmente poderosa, Durante os pri- meiros anos da Repliblica tanto sua exeengio quanto seu texto eram considerados ignalmente importantes, Inicialmente, no entanto, apenas 0 texto despertou powica 18 Chip Pi de ati de 152; Cari do 8 prow 7 24 27 dal e192, 17. Miche Viele, "La Masi’ em Pee Nora fe), Li ier de i, 8 as, Pr Calin 1984, La iui Pere, Hymn cana etapa “h Marae’ evotclo funn entusiasmo em Paris. Publicada em dois jornais, a cangio havia sido executada no banquete no fim de julho sem provocar grandes comentitios™. Mas quando as to pas de Marselha cliegaram em Pars, em 80 de julho de 1792, trouxeram uma emo= cionante forma de cantar a cangio e centenas de soldados que a conheciam © estayam ansiosos para ensin‘la, No final de agosto a Chronique de Paris informava: “Em todos os teatros se fazem pedidos para: Allons enfants de la Patrx A letra & de Monsieur Rouger [sid. [..] [A melodia] tem um eariter ao mesmo tempo comovente ¢ bélico, Os voluntérias de Marselha rosxeram com eles a eancio, (m) Cantam-na com grande efeito, eo momento em que, saeudindo seus chaps e suas espadas, bradam todos juntos: Awe arwes, Citeyens! arrepia a espinha de qualquer um”, Lf pela metade de outubro © mesmo jornal informava que a *sir fédéral et révolutionnaire gx ira” tinha sido totalmente substtuida pela “Marselhess"™, Cantar a "Marselhesa", como fora com 0 “a ira", tornowse um sinal de uni- dade e de adesio a Revolueo. Mas 2 nova canclo era tida em mais alta estima pe fos revolucionarios cultos a iia de vé-la acompanhando os exércitos da Franga que jam para a guerra evoeava imagens dos gregos e dos antigos gauleses investindo ar smados para a batalla, com cangSes em ses labios" A*Marselhesa” impunha também maior respeto porque era, claramente, uma cancio mais formal. Enquanto as noticias de exeeuicio do “ea ira” sempre deixavan fem aberto 0 que exatamente havia sido cantado, a Tetra da “Marselhesa” esta fir- memente estabelecida; pelo menos sessenta edigSes diferentes da "Marsellest” fo: am publicadas entre 1792 ¢ 1704, contra dove edigdes do "ea ira”, Embora se fi zessem parddias ¢ se acrescentassem eventualmente novos versos, sels versos (depois sete) Indiscutivelmente definiam a “Marselhesa". Tal formalidade reduzia as poss bilidades de invencio™, mas também criava uma unidade através da cangio que al- cangava toda a nacio: os parisiensessabiam que cantayam as mesmas palavras que 08 Soldados franceses levavam para @ front, ‘As caneées foram recrutadas para outta tarefa neste mesmo periodo — a de criar uma eidadania republicana, Nesee comtexto as anges foram empregadas para 18, Yoel, “La Manele’, Cur, 28 de aio de 188 19, Gsige de Pars 29 de agst de 192 20, fon 19 de obo de 172 2. Yee, porexempl, Chung de Posi 29 de tab de 198 Chad Meni, Pass, Che te, ano (1788794) 22 Pine, Hin aon, ean para ia” © para “Maca” 28, Enorn sj fl ington evan cxntomente came psd, Moana com texto fme- meu esabeledido como ena, pelo menus 250 pris da “Marthe foram ers dante & Rovluo, Nee poo ms sano de una cet pndinem pena, ea de H, Fad, "Le Tour de bie et ari, Divine i 877905, 1985. ae uma variedade de fins: ifn os prinefpios republicanos e sa moral, comemorar ‘os “mirtires da Revolugio" ~ ais como Jean-Paul Marat, Michel Lepelletier e Joseph. Barra = e celebrar a déude € a existincia do Ser Supremo. O emprego de cancées para moldar uma cidadania republicana era ativamente debatido em nivel nacional, © prefeito de uma das provincia escreven a Convengao Nacional pata observar que © plano de Lepelletier para a educagio nacional negligenciara © ensino de misica, através do qual a RepOblica poderia tera esperanca de romper a jugo dos padres & dos hibitos supersticiosos". © compositor de eancées jacobino Thomas Rousseau instou a Convengéo a investir em deresseis mil cépias de uma de sas canes por aque “o powo canta mais do que Ié"®. A Convengio também tomava iniiatvas, pedi {do 20 paiblico que compusesse cangdes em celebracio dos mintires adolescentes da Revolugdo, Barra e Vala, ¢ subvencionando os esfrgas da Instiato Nacional de Mi sica para produsir los de cangies e de hinos®: Gonsiderando o interesse maior que se passara a ter nos possiveis wos das cangGes ¢ sia nova respeitabilidade, no surpreende que mais ¢ mais eancies exti= vessem sentlo composts. Das cerca de 199 cangées revolucionstias em 1791”, che- Jgourse em torno de 305 em 1792, 504 em 1793 701 em 1794, Mas apesar de a (quantidade de cangdes ter aumentado, outros aspectos de sua cultura entraram em declinia, [Ao mestno tempo em que os jornais se tornavam mas dispostos a publicar tex: tos de cangies, cada vex menos estavam inclinados a publica informagées sobre @ pritica de cantilos. Noticias sobre execuges nio chegaram a desaparecer dos jor nals (quase todas as cancbes publicadas inclufam wma nota sobre quando e onde ha viam tido sua primeira execucZo), mas se tornaram visvelmente menos detalhadss, As execugdes também se tornaram mais orgenizadas. Cantar em teats continuot sen ‘do uma prtica usual, mas os informes publicados tendiam a enfatizar a exectigo em assemblélas secionais. As execugées em festivas ou eelebragdes populares recebiam sais énfase, em detrimento do cantar espontineo nas ruas, Esses informes de exe ‘cugdes mais organizadas eram acompanbados por esforgos de elevar o status da cane io, As cangdes publicadas costamavam agora ser inttulacas mais formalmente como “hino” ou “ode” do que como cangées, mesmo quando nio passavam dle composicies simplesmence criadas com a aposicéo de novas letras em melodias populares 24 Arches Novionles (AN), F17 10Me, 70 2 AN, FIT 100.85, 26 Fale de Rplie, 9am s00 (27 de jo de 794}, AN, AFIS, 15,1965. 27 Pine, Hye hms He 2% Teo no quer der que cages exponen dss ee acaado,Enora os ests de is tuk ean sid interop nites eaten continua aapatce et aro > edo ot eps de pica qe ronda eran de Paris ja AN, 7 SHES) Fe I Seine 27, w aro bee LA CONSTITUTION © FRANCAISE, ET LES DROITS DE L'HOMME, CHANSON PATRIOTIQUE, ‘nas Vive Heo 1 Rexvoxs iommage ‘A non Reprcsentans Aleut coucige, ‘ns gus lus alow Leas grand outage Vivra dane tous ls to Lthomme ert né libre; Tous soe égzux en droits Tous peuvent suivee LLeurspenchane & leurs choi, Mais doivece vivre Sous Tempite dee los, 4A Consus Paces ew Dis Home ~ Une Cano Pai, {78%}. The New York Palie Library, ate Boks snd Manuscripts Dion, Tleyand Collection, angie conn ext que apreents & Constiiioe a Declare do Ditto do Home eran empre- ‘pas pars emi iene priaipo replies de cid pra pobico samp pose feo 183). 0 Enquanto os informes sobre o cantar em piiblico se tornavam mais formas, as cangdes de oposigio ¢ a sua execuga0 ~ igual 20s jornais de oposicio ~ sumiam da vista do piblico. CangOes monarquistas ¢ antijacobinas, antes abundantes, agora s6 se encontravam nos dossiés compilades para o Tribunal Revolucionitio e para o Comité de Seguranga Geral. E no entanto, nesse mesmo periodo, homens e mulhe- tes franceses estavam produsindo cancées numa quantidade jamais superada por ‘qualquer outro momento da Revolucio. ssa proiferagio de cangdes resultou em grande parte da eriagio durante os dois primeiros anos da Repiblica de um espectio de novas possbilidades para pre- servar e propagandear can¢des ~ muitas delas como parte los esforgos para levar avante a guerra e para criar uma cidadania coerente ¢ uniforme. Os compositores tepublicanos de cangoes ido mais dependiam dos canaistradicionais dos livreiros © na decisio de publicar uma can- ‘0 era 0 lucro. As prensas tipogrficas a servigo das vitis assembléias seccionais & los comités da Comven¢ao Nacional estaam agora também a disposigio. As eancies {que nijo eram impresses podiam ainda ser preservadas nos procévuerhaux das secs da Convencio Nacional, bem como nos arquivos da Comité de Insirugao Pablica, Apelos peridicos langados pela Convencio em favor de novas cangdes encorajavan 08 cidadios franceses a apresentar stas composicdes; a publicagio (ou a cancessio de uma meneio honrosa) dessas cancBes sugere que outros citétios estavam send aplicados, em vex do sucesso comervial. A crenga popular em tas eritérios, que eenfatizavam pattiotismo em detrimento do talento, pode ser avaliea pelas nume- rosas crtas que recebiam a Convencio e o Comité de Instrusio Pablica, Christophe {fis mando uma nota junto com seus versos (“miisica a ser composta”) que expli cava: “Envio em homenagem 3 Convencio Nacional minia pobre ventaiva de cele bbrar nossosirmaos em armas que pereceram defendenclo o navio le Vengeur. Apenas lexprimi o que sentia © aqui patviaismo substitu talento; & o quanto basta para con seguir a estima indulgente de homens justos que sabem distinguir as intengBes das Inteis loragdes da histéria"® Esa proliferagio de textos de cangaes e a restricio das possibilidades de des tigdes impress das execugdes das cancies surgitam de uma concepeio diferente {da cancio popular e das preocupagdes dominantes da nagio francesa durante os primeiros dois anos € meio da Repiblica. A qualidade e 0 sucesso da “Marselhesa” ajudaram a melhorar a imagem da eangio popular. Mas o projeto republicano de

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