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AS MULHERES NEGRAS DO ORIASHE: MUSICA E NEGRITUDE NO CONTEXTO URBANO Luciana Ferreira Moura Mendonga RESUMO: O presente artigo se prope analisar alguns aspectos culturais e musicais de um bloco afro formado principal- ‘mente por mulheres negras na cidade de Sdo Paulo - 0 Bloco Afro Oriashé -, procurando discutir a relagao entre produgio musical, construgo de identidade étnica e luta anti-racista. UNITERMOS: Antropologia Urbana - Emomusicologia - Identidade Etnica - Cultura Afro-Brasileira - Movimentos de Negritude “Ser negro é ndo ser somente negro E se sentir mithies de negros Todos filhos de Oxala” (Ser Negro, Lumumba) I Introdugao* Nos tiltimos vinte anos, os movimentos de negritude, sob varias formas, tém se mul- tiplicado no Brasil. Sob as influéncias mais variadas, busca-se, a0 mesmo tempo, uma ati- vidade politica que transforme a situagdo so- cial do negro no Brasil e a retomada dos vin- culos da populacio negra com uma cultura es- pecifica ou ancorada em uma tradigao africana. Partindo deste ponto, distanciando-nos das abordagens dos estudos de folclore ¢ adotando a perspectiva da_—_etnomusicologia * Agradeso as eriticas © sugestdes do Prof. Tiago de Oliveira Pinto, de Marco Anténio de Almeida e Yara Schreiber. contemporinea, que procura analisar a musica selacionada ao grupo que a produz e seu contexto (Schramm, 1979), nossa pro- posta € relacionar alguns aspectos musicais, culturais politicos, tomando como foco um bloco afto do bairro da Bela Vista (Sao Paulo): © Oriashé. © Bloco Afro Oriashé! parece ser 0 tinico bloco afro na cidade de S4o Paulo e, su- pomos, um dos poucos no Brasil dirigido ¢ composto principalmente por mulheres negras. Além dessa constituigdo sui generis, o Oriashé 1. A pesquisa de campo junto ao bloco foi realizada entre os meses de agosto € outubro de 1992. Consistiu em entrevistas e, no caso dos ensaios © shows, observacaio direta, Cadernos de Campo, n° 3, 1993. apresenta uma proposta afirmativa de luta contra 0 preconceito racial e uma riqueza artistico-musical que incitam a reflexdo sobre a etnicidade e a criagao de formas culturais di- ferenciadas no contexto urbano. Uma das di- mensées aqui privilegiadas foi a tentativa de compreender as possibilidades de luta contra o racismo através de atividades culturais ¢ a relagio da miisica com essa Iuta, diante das formas de Juta anti-racistas comumente iden- tificadas como Movimento Negro. O Oriashé tem como forma de luta contra o preconceito a divulgacdo e valoriza- ¢40 da cultura negra, partindo das manifesta- gGes artisticas. Através de sua atuagdo, as par- ticipantes do bloco acreditam que podem fazer as pessoas entenderem o modo de ser do negro e respeitarem 0 seu modo de agir, andar, falar, cantar, deixando de considerd-lo "margi- nal" e “exético". Entendem que o preconceito pode ser resolvido' nas relagées face a face, porque sua solugdo implica substituir os este- redtipos sobre 0 negro por representacdes positivas; a dificuldade aqui torné-las gerais no conjunto da sociedade. Neste sentido, 0 grupo esta aberto para que as pessoas venham beber de sua fonte, conhecer e absorver a cul- tura negra. O Oriashé tem consciéncia de que a discriminagio pede outras estratégias de luta, ja que envolve relagdes de poder e a posi¢do de diversos grupos na sociedade. Por isso, respeita e considera necessiria a existéncia de entidades negras especificamente politicas. Considera que o seu trabalho pode despertar ‘as pessoas para a questio racial e ensiné-las a considerar a cultura negra ¢ 0 negro cm pé de igualdade com outras culturas e grupos; a0 “desfolclorizar” a cultura negra, “desfolclo- riza-se” também o grupo a ela associado. Eo que é cultura negra neste contexto? Que elementos culturais devem ser valorizados na luta contra o racismo? Jao Batista Borges Pereira (1983:101) considera que ha pelo me- nos trés concepgées de cultura negra embuti 48 das na pratica dos grupos especificos, envolvi- dos na construgio da identidade étnica. Na primeira, a cultura do negro é aquela identificada historicamente com ele; neste caso impée-se a necessidade de revalorizar esta cultura de modo a nao ser tratada pejora~ tivamente como “coisa de negro”. Na se- gunda, a cultura negra deve buscar suas origens africanas, fonte da identidade deterio- rada na didspora. Na terceira, considera-se @ predominancia do elemento cultural negro na cultura brasileira e, portanto, esta é a cultura do negro. Enquanto “tipos ideais”, estas trés concepgées comumente encontram-se mistu- radas dentro do mesmo grupo. Como veremos abaixo, isto também ocorre com 0 Oriashé; hé (re)valorizagaio de elementos his- toricamente identificados com negro, das oti- gens africanas e da cultura brasileira cm geral Gostariamos de apontar pata o fato de que quando falamos dos elementos africanos presentes na miisica do Oriashé, temos em mente que as culturas afticanas, assim como todas as culturas, passaram e passam por um processo histérico continuo de mudanga, ree- laborago e resignificagiio de sua forma e de seu contetido. Nao adotamos portanto uma perspectiva culturalista ou difusionista. Se, por vezes, os termos origem e aculturagdo (© seus derivados) aparecem no texto, devem ser entendidos como conceitos cientificos datados que transbordaram para o senso comum e aparecem na fala de nossa entrevistadas. Ressaltamos este fato porque o bloco (e a mi tincia negra em geral) possui um discurso permeado de nogdes cientificas e pseudo-ci- entificas - um “mar de simbolos” turbulento ¢, algumas vezes, traigoeiro. IL. Organizacio e Dindmica do Ori- ashé Sabado sim, sibado nfo, quem passa pela Rua Santo Anténio no fim da tarde, co- mego da noite, vé crescer um grupo de mulhe- res (as vezes, alguns homens) dangando e tocando ritmos affo, reunidas sob 0 viaduto que liga 0 Blevado Costa ¢ Silva a Radial Leste, Assim que os naipes da bateria ficam minimamente preenchidos, comega 0 ensai Curiosos juntam-se ao grupo, alguns talvez estranhando a “batucada” mesmo nos meses mais distantes do carnaval. Para 0 bloco, 0 carnaval & apenas um momento de sua visibilidade piblica, no qual muitas pessoas se agregam. Quando nao encontramos 0 bloco na tua, quase certo que tenha ido se apresentar. Nestas ocasides, 0 ensaio é substituido pelo show. Entre 0 palo, a calgada ¢ 0 Salo de Cabelereiro Orilé (n? 830 da Rua Santo An- ténio, nos fundos de um botequim, com entra- da independente) funciona o Oriashé. O Salao & uma espécie de “quartel general” do bloco: ponto de encontro, telefone de contato e local ‘onde séo guardados os instrumentos e figurino. Mas como o bloco chegou a ter a configuragao que encontramos? © Bloco Afro Oriashé nasceu em 1988 de uma idéia hd muito tempo acalentada por sua presidente e principal articuladora -Val- quitia de Souza Santos, ou Kika, como ¢ co- nhecida por todos. O nome do bloco estava guardado. Quando Kika e — Penha (respectivamente presidente € tesoureira do bloco), anos antes, montaram o seu saldo de cabelereito, pensaram em varios nomes. O salio foi batizado com 0 nome de Orilé ("casa das cabegas”), O nome Oriashé ("forga que emana da cabega”) reservado para algum projeto futuro acabou se materializando no bloco e ja da alguns indicios de sua proposta: divulgagio e valorizagio da cultura negra através de uma atividade lidica, criativa, mas consciente, isto é que busca intencionalmente derrubar preconceitos, traduzir uma realidade vivida e uma histéria quase esquecida, sob a 6tica da mulher afro-brasileira, através da misica e da danga. 49 Mutheres Negras do Oriashé ‘Na formagdo das caracteristicas sono- ras e da proposta do Oriashé pesou muito 0 background de suas principais articuladoras. Através da iniciativa pessoal de Kika, o Oriashé tem como parte de sua proposta es- timular as potencialidades individuais e cole- tivas; resgatar, através de sua atividade criati- va, a meméria coletiva afto-brasileira e, mais especificamente, afro-paulista. E neste sentido que a experiéncia pessoal tem valor e peso para o trabalho do bloco. A experiéncia politica de Kika como militante do Movimento Negro Unificado (MNU, criado em 1978), por cerca de um ano, representou um impulso no sentido de buscar formas alternativas de atuag3o no campo da negritude. Kika ja levou para o MNU sua ex- periéncia cultural de cantora e bailarina for- mada pela Escola Municipal de Bailado de Sao Paulo ¢ um espirito mais aberto © ques- tionador. Logo se incompatibilizou com a ideologia do MNU, que ela classifica como “radical”. Esta radicalidade _expressou-se, primeiro, como preconceito contra negros mesti¢os ou negros de pele mais clara e, de- pois, como negativa a discussio da questo especifica da mulher negra. A efetivagaio do Oriashé ganhou impul- so com a adesio de muitas pessoas que trou- xeram forga ¢ concretude a proposta. As pri- meiras adesées foram de Girley Luiza Miran- dae Elizabeth Belisério (Beth) - a época da pesquisa, cantora e mestre de bateria respecti- vamente - que comegaram a dar substancia bateria e imprimir ao bloco uma personalidade sonora que foi sendo aprimorada a partir dos meios © conhecimentos que possuiam, e através dos percussionistas que foram com- pondo abateria ao longo desses anos. Cabe notar que Girley ¢ Beth ja chega- tam ao bloco com habilidade para o trabalho que realizariam. Girley convivia com o samba em sua casa, desde a inffncia, e saia como ista na Unidos do Peruche. Sua primeira incursio pela misica affo se deu na Banda Cadernos de Campo, n° 3, 1993. La? Depois, entrou em contato com o maestro Estevio Maia-Maia, regente do Coral Can- tafro, no qual cantou durante seis anos. Tocou percussdo também no grupo de danca afro- contempordnea Bata-Koto3, dirigido pelo bailarino baiano Pitanga. Beth nfo teve muita convivéncia com o samba. Seu aprendizado teve como ponto de partida algumas nogées de percussio passadas por Girley, a partir das quais pode desenvolver-se. Tocou percussio junto com Girley na Banda La, no Bata-Koto no Coral Cantafto. Beth ¢ Girley no passa- ram por um aprendizado formal de musica. Como dizem, aprenderam tudo “na raga”. A misica ¢ para elas, além de um grande pra- zer, fonte de seu sustento, atividade profissio- nal. Nisto diferem dos demais participantes do bloco que ndo sdo instrumentistas profissio- nais. Outros apoios fundamentais foram de amigas de Kika, que comegaram fazer a pro- dugao artistica e doaram algum dinheiro para a compra dos primeiros instrumentos, que néo diferiam dos que utilizam hoje (trataremos deste tema adiante). A partir dai, a meta era colocar o bloco na rua. © primeiro ensaio aconteceu em novembro de 1988. Nesta fase inicial, nfo havia um nume- ro de pessoas suficiente para compor a bateria e, para completi-la, foi necessario mobilizar as teias de relagdes de bairro ¢ religiosas. Gragas ao prestigio de Kika, o pai-de-santo Francisco d'Oxum, com terreiro na Bela Vista (llé Axé Iyé Oxum, a Rua Alm. Marques Ledo, 284), 2. A Banda Lé foi um grupo de canto, danga ¢ percusstio de orientagio afro-primitiva, que wtilizava instrumentos artesanais percutidos com as mos ¢ que se manteve unido durante aproximadamente seis anos, na década de 1980, na cidade de Sao Paulo, 3. O grupo de danga_afro-contemporanea Bata-Koto (tambores de guerra”) continua em atividade e seus bailarinos formam, no carnaval, 0 abre-alas do bloco Oriashé € também da escola de samba Unidos do Peruche. 50 pertencente & mesma nagio de candomblé+ (Jeje-Nagé) que Kika, mobilizou um alabé de sua casa, que reuniu amigos para reforgar a bateria do bloco. Eram pessoas sem experién- cia com a batida do sambafro (ritmo mais usado pelo bloco), mas que saiam em escola de samba. A participagdo desses alabés nao foi muito longa, mas deixou algumas marcas. Foi através deles que Beth e Girley aprenderam alguns toques de candomblé. A primeira apresemagio publica do Oriashé ocorreu no dia 1° de abril de 1989, com a lavagem da Rua 13 de maio (batizada de “Rua da Mentira”)®, atividade criada pelo bloco. O seu langamento “oficial” s6 se deu no dia 23 de setembro de 1989, em uma festa no ‘Axé Bar (Viaduto Martinho Prado, 25/29). Nos primeiros shows, como 0 bloco ainda nao ha- via formado um repertério proprio, apresen- tava, além de toques de sua primeira com- posigiio ("O Arco-fris de Winnie Mandela”), composigées do bloco Ilé Aiyé (de Salvador) ¢ da Banda Lé (ver nota 2). Aos poucos, foi sendo formado um repertério composto pelos integrantes do bloco, ao qual 0 Oriashé da pre- feréneia, Hoje, 0 bloco possui um corpo bem definido de pessoas que trabalham na sua or- ganizagdo € que atuam como percussionistas ou bailarinos, embora bastante aberto a entrada de novos membros. Na época da pesquisa os 4. “A palavra “nagao”, no candomblé, expressa_ uma modalidade de rito em que, apesar dos sincretismos, perdas ¢ adogdes que se deram no Brasil, € mesmo na Africa, (..) um tronco. lingiistico € elementos culturais de alguma etnia vieram prevalecer.” (Prandi, 1991:16). 5. Alabé é um cargo masculino de iniciados no candomblé que tém por fungio cuidar dos atabaques fou tocar ¢ cantar (Prandi, 1991:243,248). 6.0 dia 13 de maio (data da aboligao da escravatura) pode ser chamado de “dia da mentira” (e, por extensto, a mia de “rua da mentira”) porque varios grupos de militincia negra interpretam a assinatura da Lei Aurea no como uma data a ser comemorada, no como o dia da “liberdade”, mas como marco do estabelecimento de novas formas de dominagdo e sujeicao social seus componentes eram em nimero de vinte ¢ seis, entre cantores, mUisicos bailarinos, além, de pessoas que cuidavam da administragio ¢ produgéo do bloco. Esta organizagao ¢ fundamental para promover a sua conti- nuidade: hd um esquema permanente de shows, de remuneragéo dos integrantes do bloco por participago em shows, de manuten- Go dos instrumentos ¢ figurinos, de criagao de temas e composigées. Além disso, o Oriashé vem buscando adquirir um perfil profissional, produzindo uma fita de demonstragao de re- pertério e partindo, quem sabe, para a con- quista do primeiro disco. bloco ja foi considerado entidade de utilidade publica pela Prefeitura do Municipio de Sao Paulo, mas ainda esta lutando junto & iniciativa privada e aos poderes piiblicos por um espago proprio no Bixiga. Até porque 0 bloco tem procurado expandir suas atividades ¢ deu inicio a esta expansio realizando um trabalho com mulheres: um grupo de auto- ajuda, com assessoria técnica do Geledés - Instituto da Mulher Negra. Para 0 Oriashé, conseguir um espago proprio ndo é apenas uma questo de garantir a infra-estrutura necessaria para a expansio de suas atividades. E, também, uma questo simbélica. E importante estruturar sua sede no Bixiga, pois este bairro foi historicamente ocupado por negros - além dos italianos. Na visio de Kika, hoje os negros retormam ao bairro (em um impulso que ela classifica como tipicamente afticano) “buscando sua raiz no espaco fisico, 0 seu elo de ligagdo com a energia negra, com seu axé". Até a militincia politica negra articulou-se no bairro no final da década de 1970. No periodo imperial, o Bixiga foi sede do Quilombo da Saracura que, segundo Kika, apesar de extinto, encontra-se revivido na escola de samba Vai-Vai, vista como simbolo de resisténcia cultural negra. 51 Mulheres Negras do Oriashé III. Aspectos Sonoros e Visuais Desde a fundagio do bloco, ndo houve alteragées significativas com relagdo & quanti- dade ¢ qualidade dos instrumentos utilizados: trabalham com instrumentos da marca Gope para fanfarra e escola de samba. Nao dispen- sam um reforgo de napa sobre os instrumentos, 0 que aumenta a durabilidade. Atualmente, utilizam baquetas produzidas na Vai-Vai. O mergulho do bloco na sonoridade afro ndo foi acompanhado pela substitui¢do de instrumentos produzidos em série por outros manufaturados segundo os principios cons- trativos tradicionais africanos, apesar de seus membros terem acumulado algum conheci- mento sobre essas técnicas. As condigdes de armazenamento pouco favordveis (em um dos cémodos do Orilé) e a facilidade de substituigao ¢ de transporte tal- vez, justifiquem esta op¢do, pois os instrumen- tos quebram muito. No periodo da pesquisa, o bloco possuia os seguintes instrumentos: um treme-terra, dois surdos, tés contra-surdos, trés caixas brancas, treze tamborins e dois Tepiniques. A disposigdo dos instrumentos nos shows costuma ser a seguinte: a mestre de ba- teria, a frente, comanda a bateria com seu re- pinique; na primeira linha, os tamborins, dis- ostos em trés ou quatro colunas; em seguida, as caixas brancas; ao fundo, os surdos ¢ con- tra-surdos. Além disso uma bailarino evolui livremente, por vezes, tocando um chequeré?, A cantora tem livre transito no primeiro plano do palco ¢ utiliza sempre microfone, sendo a voz 0 iinico elemento amplificado nos shows do Oriashé. Nao ha outros elementos instru- mentais além dos jd citados. 7. Chequer é um instrumento constituido de uma cabaga envolla por uma rede de sisal ou cordao trangado, intercalada por sementes (chamadas “olho de cabra"), Beth e Girley aprenderam a construi-lo em oficinas de instrumentos dirigidas por Lumumba. Cadernos de Campo, n° 3, 1993, A mestre de bateria, que esté sempre com 0 repinique ¢ de costas para o piiblico, “puxa” 0 toque a ser executado. Mas a sua relagéo com o conjunto de percussionistas & complementada pelo contato visual, como na relagdo regente/orquestra. Depois que 0 pa- dro ritmico se estabelece, o repinique fica li- vre para inameras improvisagdes. Isto acontece também com os instrumentos graves (surdo e contra-surdo), que dividem a fungio de mar- cago, que ndo é rigida © muda de pega para peca, com pique € repique, por exemplo. As caixas brancas, com seu som mais continuo ¢ vibrante, preenchem a harmonia. Os tamborins repetem a batida basica do repinique. As vari- agbes (“cortadas” e “dobradas”) so usuais freqilentes, bem como a alternancia de fungdes entre os naipes. Os componentes do bloco véem isto como caracteristica do sambatio ¢ do bloco, em oposigiio as escolas de samba, onde a liberdade de improvisagao é bem me- nor. A batida do Oriashé foi sendo formada a partir do samba paulistano, dos toques de candomblé ¢ da batida dos blocos baianos®; Girley e Beth citam ainda outras influéncias, como do maracatu e dos toques de capoeira que aprenderam com Moa do Catend8?. 0 samba era o ritmo com o qual tinham maior intimidade, mas nao chegaram a tocar samba no bloco porque queriam experimentar coisas novas. © primeiro ritmo que comecaram a to- car foi 0 ijexa!9 ; originalmente percutido em 8. Consideram 0 bloco Ilé Aiyé de Salvador a influéncia baiana mais forte sobre o Oriashé, sobretudo quanto a forma criativa € a0 encaminhamento ritmico que da as suas composicées. 9. Moa do Catende, percussionista ¢ compositor baiano com grande insergio no “mundo afro”, foi um dos fundadores do Afoxé Badaué de Salvador. A este respeito, ver Risério (1981:60-66) 10. © ijexé € 0 Ginico dos toques provenientes do candomblé utiliza do nas cangdes do Oriashé Apresentamos, a titulo de ilustragio, a marcagio basica do ijexa, conforme a a notagfo de Angel Luhning (1990:120). 0 *." significa pausa e o “x”, batida. 52 atabaques © agog6, foi transposto para os ins- trumentos de samba. Girley mostrou como se pode tocar num s6 instrumento, alternando as fungdes de grave ¢ agudo, as marcagdes que no candom- blé so usualmente feitas por instrumentos diferentes. De fato, este é um procedimento comum no bloco: 0 amalgama de ritmos. A identificagao dos ritmos do candomblé, como tocados pelo bloco, pode se tornar dificil por- que sio freqiientes as improvisagdes e desdo- bramentos sobre os padres ritmicos estabele- cidos na bateria, Os toques de candomblé so utilizados quase sempre como vinhetas. Beth e Girley procuram enfatizar que esses toques sio utilizados somente em sua esséncia (ritmo basico) e que os elementos ritmicos de fungao ritual so deixados de lado. Um toque deno- minado agueré ou quebra-prato de Iansfi apa- receria, a principio € segundo a elaboragao simbélica dos membros do bloco sobre sua pritica, na abertura e no fechamento das apre- sentagdes, marcando a entrada e saida das “mulheres guerreiras do Oriashé”, A adogao de um toque caracteristico para marcar a pas- sagem do grupo e chamar o “seu povo” é um procedimento comum as escolas de samba e a0 bloco. A escolha de um toque relacionado ao orixé Ians& produz uma associagdo da per- sonalidade do orixé e de seus filhos como “espirito” do bloco; também é uma entre as referéncias aos orixds associados @ pessoa de Kika!! (filha de Iansa e Bessém)!2, Entre- Instrumento _ Marcagio A) AgORS — XXXXAKXX B)RUMpH —X.xXKK. XX. 1, De todas as pessoas que participam do Oriashé, Kika é a tinica que tem vinculos mais profundos com o candomblé: ¢ ebémi, isto é, possui status de senioridade sacerdotal, Entretanto, no aspira tomar-se mae-de- santo. 12. A respeito dos orixas “de cabega” de Kika, oferecemos esta breve caracterizagao, Oid ou lansd & senhora dos ventos ¢ das tempestades, dona do raio € das almas dos mortos (eguns), principal esposa de tanto, pelo que pudemos perceber, o agueré de lans& nao ¢ usado obrigatoriamente na aber- tura e fechamento dos shows. Beth foi arranjando os toques de can- domblé para os instrumentos do bloco ¢ intro- duzindo variagdes que, algumas vezes, nao fazem parte da marcagdo original dos ritmos; um exemplo declarado disto é 0 agueré de Tans& com tempero de reggae. Os toques pro- venientes do candomblé que integram o elenco de ritmos utilizados pelo Oriashé, segundo a nomenclatura adotada pelo bloco, s4o, além do agueré de Tansf, os seguintes: apanijé, aluja e agueré de Oxéssi!3. E interessante notar que Beth utilizou, no momento em que estava tocando 0 apanijé para nés, o proprio nome do toque e a saudag&o (Atofd!) para o orixa ao qual o toque diz respeito (Omolu ou Obaluaié) como método mneménico de aprendizado ¢ reprodugdo do toque. Kubik (1979:14-15) concebe essas formas de verbalizagao de um padrio ritmico como uma forma de notago oral. © trabalho ritmico do bloco pode ser caracterizado como um trabalho alquimico de depurago a partir de sonoridades afro-brasi- leiras. Kika, Beth e Girley enfatizam 0 papel da meméria e (re)criagio individuais como veiculos ou meios, dos quais a meméria cole- tiva se vale para se manifestar no presente, € 0 fato de que o toque feminino (proibido no candomblé) faz a diferenga. Procuram lapi- dar continuamente os seus toques e dar-lhes um cardter tipicamente paulista. Ha uma sepa- ragto nitida entre os toques utilizados em can- ges, que sio principalmente 0 sambatto, 0 Xango; ¢ associada também a sensualidade ¢ a forga ‘guerreira, Oxumaré - invocado no jeje como Bessém ou a cobra Dé - é 0 deus do arco-iris, transportador de égua (mediador) entre 0 céu ¢ a terra (Prandi, 191:127- 129). Os orixds associados a Kika formecem os simbolos basicos para a constituiggo do emblema do bloco, como veremos a seguir 13. Luhning (1990) e Pinto (1992) analisam 0s toques de candomblé em seu contexto ritual especitico. 53 Mulheres Negras do Oriashé ijexd e 0 sambareggae, e os toques percutidos ‘como se fossem pegas auténomas, que sdo os toques do candomblé. O ritmo que mais marca o bloco e que é utilizado na maioria das can- ges € 0 sambafro. Kika chama a batida do bloco de sampafro e faz. questao de diferencié- la, em seu discurso, do samba e do sambafto, ressaltando as diferengas regionais. Girley ¢ Beth também véem a batida do sambafto que © Oriashé faz como diferenciada do sambafto tocado pelos blocos de Salvador. Consideram que 0 sambaffo tocado pelo Hlé Aiyé, por exemplo, tem como maior influéncia o samba de roda. Este ponto mereceria uma pesquisa comparativa entre blocos paulistas ¢ baianos, que fica aqui como sugestio para trabalho futuro. As cangdes apresentam uma linha me- lédica bastante simples, contrastando com a variabilidade dentro de cada padrdo ritmico. Poucas tém tonalidade definida ¢ as possibi dades de mudanga de tom no meio da cangdo sto comuns, até mesmo pela auséncia de ins- trumentos harménicos. Estas alteragdes de tonalidade no sao vistas como desafinagio ou como sair do tom, e ocorrem para acomodar a voz 4 melodia. Ha um uso freqiente de repeti- gdes de notas para “encaixar” a letra na me- lodia, conforme a necessidade de veicular mais mensagens. AS letras so bastante criativas for- mam uma unidade integrada com as melodias. Tém um estilo bem coloquial, no “pique” da fala e do didlogo. As repetigdes de silabas sto freqiientes ¢ tém, geralmente, a fungao de in- tegrar partes diferentes da cancdio. Do ponto de vista da eficdcia da mensagem, as cangdes captam a atengao do publico e so facilmente assimiladas com o suporte do ritmo. A maior parte das cang@es trabalha com repetigdes de estrofes € de versos. A utilizagao de palavras iorubanas ou de outras origens afticanas e de nomes de orixas nem sempre & acompanhada por um conhecimento do significado desses contetidos por parte dos componentes do Cadernos de Campo, n° 3, 1993. bloco, ¢ imaginamos que para o piiblico seja ainda mais dificil de compreender. Em todo caso, expressam um vinculo com a tradigéo africana, Quanto a temética, podemos perceber de imediato seu vinculo com a proposta do bloco. As letras das cangdes tratam de valor zar a “raga negra” através de sua cultura, de seus heréis ¢ de suas lutas, em especial as lu- tas de libertagio dos negros no Brasil, no Ca~ ribe e dos paises africanos. A partir de 1992, as composiges comegaram a dar uma énfase maior & questo feminina do que nas compo- sigdes anteriores, marcadas pela tematica das lutas negras ¢ da exaltagao do proprio bloco. A partir de 1990, 0 bloco procurou definir para © trabalho de composigao, com a assessoria de pessoas de fora do bloco, uma temdtica privilegiada em cada ano. Esta assessoria ¢ dada por pessoas ligadas & miisica ou mili- tancia “negras”. O impacto visual de uma apresentagio do Oriashé é quase tio grande quanto o im- pacto sonoro. A marca afro-brasileira estd também nas roupas e no movimento dos cor- pos dos integrantes do bloco. O figurino é bas- tante simples. A bateria se apresenta com tecidos de algodao coloridos, com padraes de inspiragdo africana, amarrados de forma seme- Ihante a um sarongue, complementados por turbante e pés descalgos, “ligados na energia da terra”. O. bailarino aparece algumas vezes coberto de palha, como o orixé Obaluaié. As bailarinas usam sempre saias longas de cintura baixa, ressaltando os movimentos dos quadris, e um pedago de tecido amarrado como bustier. Cada uma veste uma cor diferente, preferéncialmente cores fortes, ¢ na saia esté estampado em preto o emblema do bloco, que possui um significado especial. emblema do Oriashé, além de apare- cer nas roupas, é utilizado nos materiais im- pressos do bloco, como folhetos e cartazes de divulgagao de atividades. E composto por uma mascara guerreira feminina, representando 54 ans, ¢ por uma dupla representagio de Oxumaré, antropomorfizada e na figura da co- bra Da - que come o seu proprio rabo. A cobra forma um cfrculo que representa o ciclo da vida, 0 nascimento, a morte, a renovacao, ilustrando a busca, por parte das mulheres do Oriashé, de uma nova compreensdo de si mesmas no mundo e da questiio mais geral do racismo, As idéias novas surgem da critica e da destruigao simbélica das antigas nogdes € convicgdes. ‘A danga mereceria comentario deta- Ihados, que nos absteremos de fazer. Somente a titulo de indicacao, 0 sambafro & dangado de uma forma especifica, com movimentos soltos de brago - facil reconhecer e dificil descrever.’ TV. Relagées Simbélicas, Relagoes de Poder O que diferencia um bloco afro de ou- tro tipo de bloco? Esta foi uma das perguntas que surgiu de nossa investigacio de campo, pois a denominagio afro parece dirigida para fora, para deixar marcado 0 vineulo do grupo com a negritude. Perguntamos entdo as nossas entrevistadas 0 que entendiam por afro. Na visio de Beth e Girley, 0 trabalho afro nao é s6 guardar a tradigGo, mas também enriquecé-la com a vivéncia atual. Na carac- terizagtio do bloco como afro, como “coisa de raiz”, consideram o papel de Lumumba muito importante: ele & 0 “bruxo nativo” do bloco. Lumumba entende de todos os “babados” da construgo de instrumentos, faz surdos de tronco de arvore e peles de animais e conhece 0 mitos associados ao seu oficio. Ele teve um papel bastante importante, sobretudo no inicio do Oriashé, quando ajudou a moldar o estilo musical do bloco, que tem no repertério varias misicas de sua autoria ou co-autoria. Com momentos de maior ou menor proximidade, ele est sempre passando suas idéias sobre a ‘questéio racial e seu conhecimento da historia e tradigdes africanas para as “meninas”. Kika concebe 0 afro como todo tipo de manifestagio advinda da meméria ancestral africana, principalmente para quem descende de pessoas “arrancadas” da Africa. Por conse- guinte, toda manifestagfo artistico-cultural que tenha esta perspectiva pode ser qualifi- cada como afro. Citou-nos, dentro disso, as varias formas de conceber 0 afro ¢ sua opi- niio/gosto pessoal com relagdo a esses estilos, Existe 0 afro que parte da memoria primitiva, ao qual Kika dirige varias criticas, como, por exemplo, a utilizagio do nu em danga; diz preferir uma adaptagdo mais condi- zente com a cultura brasileira 4 nudez exposta. Esta critica ndo tem nenhum veio moralista e € direcionada A questo da cultura africana no contexto da diaspora, onde 0 nu adquire outro significado. A heranca cultural afticana é reelaborada simbolicamente no tempo e no espago. Segundo ela, “um trabalho de africani- dade deveria ser uma criagdo com base nas raizes africanas endo uma absoreaio de outras raizes aculturadas”. Ha aqui dois problemas imbrica- dos: 1) o da origem ou diversas etnias africa- nas das quais se extrai esta raiz; 2) da recria- 40 sobre essas culturas negro-afticanas que ocorre na diaspora No Brasil, no campo musical, Kika considera 0 samba ¢ 0 sambafro como desen- volvimentos musicais dentro da musica afro, que diferem do reggae jamaicano ou do spiritual norte-americano tanto pelas diferen- gas de raiz africana como pelo contexto hist6- rico-cultural nos quais se desenvolveram. Para Kika, nao faz muito sentido no Brasil, hoje, a absor¢do de elementos de africanidade j4 “aculturados” como, por exemplo, 0 reggae. A evolugao da bateria das escolas de samba deu- se num processo continuo de recriagdo a partir de elementos culturais afticanos, que gerou uma resignificagao desses elementos. “O que 0 Oriashé faz”, diz. ela, “também é uma evolugéo 55 Mulheres Negras do Oriashé dessa ramificagéo africana, uma adaptagéo da raiz”. Na definigao de Lumumba, afro € toda manifestago que busca conscientemente in- corporar 4 experiéncia presente as tradigdes africanas e retrabalh-las num novo contexto. Ao frisar 0 cardter consciente ou intencional da manipulagio dessa “heranga cultural”, Lumumba nos leva de volta 4 questdo de por- que alguns grupos que incorporam elementos de afticanidade se auto-denominam afro ¢ ou- tros nao. Para compreender melhor a diferenga entre 0 cardter marcado ou nao marcado do afro, ou a diferenga entre blocos afro e escolas de samba, podemos langar mo dos conceitos de cultura resistente, resistencia cultural cultura de resisténcia, como revistos por Joao Baptista Borges Pereira (1984). Esses concei- tos aparecem tanto no discurso académico quanto no discurso militante ¢ diferenciam-se na medida em que representa formas diver- sas de ver a relagto entre cultura e grupo es- pecifico dentro do contexto social mais amplo. Em uma interpretagdo culturalista, os elementos de cultura negra - entendida como cultura que resiste ao processo de aculturagao - se incorporariam & “colcha de retalhos” da cultura brasileira como “sobrevivéncias” (Cf. Borges Pereira, 1984). Embora tenham sur- gido em momentos diferentes, escolas de samba e blocos afro nasceram vinculados a um grupo populacional especifico e ligados as tradigdes € formas culturais africanas, reelabo- radas no contexto particular brasileiro; isto os aproxima, Porém, o aparecimento das escolas de samba, historicamente anterior ao dos blo- cos, néo esteve exposto ao discurso militante de afirmagio da identidade étnica, que pro- cura transformar © discurso da cultura que resiste em discurso de cultura de resistencia do grupo. As escolas de samba nutriram-se dos ideais de integragao social ¢ cultural; até mesmo como resultado do seu processo de resisténcia e do tipo de interagdo que tiveram com os grupos de poder, as escolas de samba, Cadernos de Campo, n° 3, 1993. bem como outros elementos de cultura negra, foram paulatinamente assimiladas a cultura nacional. A transformagio dos simbolos de ne- gritude em simbolos nacionais - caso do samba = nfo se relaciona prioritariamente com a ori- ginalidade dos simbolos ou de sua capacidade de distinguir 0 Brasil de outros paises. Consti- tui-se antes como instrumento eficaz de domi- nagdo, que opera na ocultagao da situagaio de dominagao racial e tora mais dificil denuncid-la. “Quando se convertem simbolos de fronteiras étnicas em simbolos que afirmam os limites da nacionalidade, converte-se 0 que era originalmente perigoso em algo ‘limpo', ‘seguro’ e ‘domesticado.” (Fry, 1977). A cultura negra, marcada pela ambiguidade de ser cultura de um grupo étnico e cultura nacional, esti pre- sente de forma universal na cultura brasileira, enredando facilmente o senso comum na ilusdo de que o negro participa em pé de igualdade de todas as instincias da sociedade. Dai, entendemos porque a atitude adotada pela mi- litancia negra de marcar as fronteiras entre a cultura negra e a cultura brasileira, criando lagos étnicos de solidariedade e retragando os elos entre a cultura e 0 grupo étnico que pro- duz e vive esta cultura, ¢ uma operagio fun- damental e, também, porque essa operagiio en- contra tantas dificuldades na sua realiza- gio (Cf. Borges Pereira, 1983). ‘A afirmagio e explicitagao do afro pelos blocos, neste contexto, poderia ser entendida como uma tentativa de resistir & transformagao de um universo simbélico liga- do a.um grupo étnico em simbolos nacionais, que representa, através da afirmagio das dife- rengas, a criacio de um discurso de etnicidade com potencial politico para envolver os seus membros na uta anti-racista, e, conseqiiente- mente, na luta pela ampliagio de sua cidadania. Os blocos carnavalescos que nao se denominam afro raramente vinculam-se a este compromisso de perpetuago da cultura negra e transformacio dos esteredtipos que 56 recaem sobre esta ¢ sobre os negros em geral. Mais que uma questo de puro formalismo, a afirmagao do cardter afro dos blocos permite converter o discurso racial com bases pseudo- bioldgicas em discurso de afirmagao da iden- tidade étnica, através dos vinculos culturais que a expressam. As questdes ligadas & cultura negra ou afro esto ainda entre aquelas questées que fracionam os movimentos de luta anti-racista. O que se chama Movimento Negro hoje ¢ uma pluralidade de grupos que embora tenham o objetivo comum de lutar contra 0 pre conceito € a discriminagao raciais, fazem-no segundo concepgdes diversas da questo racial no Brasil e através de instrumentos de luta varia- dos. O MNU inaugurou uma forma de mili- tancia negra no Brasil, com forte inspiragao norte-americana, procurando marcar as fron- teiras entre negros e brancos e definir 0 negro brasileiro como etnia. Entretanto, 0 MNU dei- xou de ser para os militantes negros um refe- rencial obrigatério para se tomar uma entre outras entidades que disputam a legitimidade de representar 0 negro. ‘A questo de considerar entidades ne- gras que atuam no campo da cultura como en- tidades de Movimento Negro ainda é contro- versa; as proprias entidades negras encontram- se divididas quanto a esta questo. Geralmente, as entidades politicas véem os grupos culturais como espago de aglutinagio e organizacao do negro, aos quais deve-se levar a politizagio. Na visio de Kika, hoje cada um faz um tipo de militancia: 0 Oriashé, na cultura; outros, como algumas entidades politicas, ligam-se a partidos; outros ainda, fazem sua militancia através do candomblé. Referindo-se a0 MNU, Kika definiu 0 tipo de politica que nao quer fazer: uma poli- tica radical contra 0 racismo. Segundo ela, ‘uma politica radical ¢ aquela que coloca negros contra negros (os negros “azules”, “puros”, contra os mestigos ou negros “tinta fraca”). Ao dar esta definigao, falou-nos também da ineficdcia desse tipo de politica no Brasil, que se liga & forte miscigenagao ¢ a ideologia que Ihe dé embasamento - assimilacionista e integracionista. O Movimento Negro sofre ‘com as contradigdes relativas a esta questio porque, ao mesmo tempo que se considera movimento de maioria populacional (e para tanto tem que englobar os mestigos), reproduz as distingdes que a sociedade brasileira estabelece entre os diversos “matizes” de negros. Kika considera que a melhor forma de lutar contra a discriminago racial € mostrar a cultura negra em sua forga e integridade: “mostrar tudo aquilo que eu tenho para que voc® passe a me respeitar, assim como ontras culturas ‘ou racas passaram a ser respeitadas através da cultura, porque os outros passaram a conhecé- Ja”, Em suma: mostrar 0 valor da cultura negra sem folclorizagao, de forma séria, mas sem radicalismos - esta é a proposta do Oriashé. 0 respeito no meio negro nao foi to facilmente conquistado. A resisténcia ao bloco ia desde a proposta, jA que poucos créem que se possa derrubar 0 preconceito ¢ “conscientizar” a po- pulago negra através da cultura, até o fato de ser um grupo dirigido por mulheres. Em Sao Paulo, a proposta do Oriashé adquire um carter especial por dois motivos: primeiro, porque Sao Paulo tem a fama de ser © ttimulo de tudo 0 que é lidico e criativo C’tiimulo do samba”, por exemplo); segundo, exalta-se apenas o negro e a cultura negra dos estados onde este ¢ maioria populacional (como a Bahia e 0 Maranhao), deixando de lado o fato de que a presenga negra, sobretudo em termos culturais, é geral no Brasil. Em al- guns estados, essa presenga fisica e cultural foi abafada ou suplantada pelas clivagens sociais, soterrando toda uma histéria. O Oriashé se propde a resgatar a cultura negra que “esd debaixo das pedras, a histéria ea cultura do negro urbano do estado de Sao Paulo” Uma critica aguda é dirigida contra aqueles que usam e deturpam a cultura negra e 37 Mulheres Negras do Oriashé ganham dinheiro as custas disso. Os exem- plos s80 nossos velhos conhecidos: Sargenteli “suas mulatas”, e a associagdo poderes pi- blicos/escolas de samba ou blocos afro (com referéncia ao Rio de Janeiro e 4 Bahia, respec- tivamente). O iiltimo exemplo merece maiores comentarios porque inclui jogos de poder ¢ negociagSes bastante interessantes. Kika considera uma vergonha 0 que acontece na Bahia. Quem esti no poder ganha dinheiro, transformando os bens simbélicos da populgao negra (a musica dos blocos, o candomblé, etc.) em atrativos para o turismo, enquanto os ne- gros passam fome. Para ela, 0 povo negro ainda é muito inocente para lidar com a mani- pulago de seus bens culturais, e uma das ex- plicagdes para isso ¢ a caréncia de espaco para mostré-los aos outros. O uso da cultura acaba servindo aos propésitos de sustentar uma minoria no poder. Porém, Oriashé também se vale de recursos comuns aos blocos afro e aos afoxés, como registrar-se junto Prefeitura Munici- pal como entidade de utilidade publica, objeti- vando conseguir um espago para sua sede. Nos perguntamos, na verdade, se 0 Oriashé tam- bém nao caminha no “fio da navalha” que & a negociagio com os grupos de poder da socie- dade, correndo 0 risco de ser cooptado por esses grupos. A comparagiio entre Sao Paulo e Bahia pode iluminar diversos aspectos das relagdes entre o “mundo negro” ¢ o contexto socio-cul- tural brasileiro. Ao tratar do proceso de “teafricanizagio” do carnaval baiano a partir da década de 1970, com o ressurgimento dos afoxés ¢ 0 aparecimento e proliferagao dos blocos afro, Risério (1981) fornece-nos uma. visto policromtica da relacao entre os blocos, © Movimento Negro e 0 poder local, assim como sobre as caracteristicas culturais especi- ficas da Bahia que fazem um forte contraste com as caracteristicas paulistas La o peso dos lideres religiosos, artis tas e intelectuais, diretamente vinculados a Cadernos de Campo, n° 3, 1993. comunidade negra local, é bem maior que 0 peso dos politicos. Risério (1981:21) considera os artistas e intelectuais verdadeiros “formadores da consciéncia e sensibilidade baia- nas”, definindo a Bahia como “uma regio es- sencialmente cultural”. Talvez isto explique porque a proliferaglo de blocos affo e afoxés na Bahia antecedeu a formagio de uma mili- tancia politica negra, Em S80 Paulo, 0 peso da légica do trabalho e da formacao de uma militancia de esquerda com poder mobilizador relativamente grande parece ter incentivado a articulagdo de uma militéncia politica negra com capacidade de ditar um modelo de atua- 40 para as entidades politicas negras no Bra- sil, mas também parece ter permitido uma certa desqualificagao da atividade dos grupos culturais como militancia negra. ‘Apesar das diferengas regionais, po- demos ressaltar alguns aspectos comuns entre Sao Paulo ¢ Bahia, generalizdveis para todo 0 Brasil. As entidades politicas negras ¢ os grupos culturais (sobretudo escolas de samba e blocos afro) alimentam uma espécie de dis- cordancia mitua: as primeiras por considera- rem-se mais “sérias” que as segundas; as se- gundas por considerarem que os militantes politicos falam muito e fazem pouco, nunca conseguindo arregimentar a grande “massa” que se liga aos grupos culturais. A afirmacao da negritude por todos os tipos de grupo tem enfrentado dois problemas que, entre outros, dificultam a organizagdo da populagio negra: “a acusacio de racismo ¢ a diluigdo do. sentimento de negritude numa sociedade racialmente despola- rizada” (Risério, 1981:74-75), O Oriashé pro- cura se esquivar do primeiro problema admi- tindo entre seus membros pessoas nao-negras € produzindo um discurso racial onde os confli- tos devem ser resolvidos no contato entre brancos © negros; a solugio para o segundo problema & afirmar a negritude em cada gesto, em cada palavra e em cada toque emi- tido pelo bloco. 58 V. Conclusiio Segundo a perspectiva que define a etnomusicologia como estudo da miisica de todos os grupos culturais, relacionada a seus produtores e consumidores no seu contexto social especifico (Schramm, 1979:01), resta- nos definir, depois de perscrutar diversos as- pectos musicais e organizativos do Oriashé, além de suas redes de relagdes no “mundo negro”, quais os limites do grupo cultural a que pertence. Sera que o Oriashé pode ser to- mado como participante de uma identidade étnica abrangente e relativamente auténoma, formada a partir das relagdes sociais no con- texto urbano? Vimos que o Oriashé comparti- Jha elementos culturais e modelos de rela- ges sociais com outros grupos especificos negros. Como explicar a forga do apelo a iden- tidade étnica no contexto_histérico-social brasileiro, caracterizado por um proceso de formagao ¢ desenvolvimento de um racismo velado, embora operante? Este proceso com- poe-se de diversos fatores, como: a condigio homogeneizadora da escravidao, que propiciou © surgimento de novas distingdes sociais, en- cobrindo as distingdes étnicas africanas; a mestigagem e as formas no segregativas de dominagdo racial, que diluiram a relagio imediata entre a aparéncia fisica, a origem ‘geogréfica ¢ o acervo cultural. Para responder- mos apropriadamente essas questdes devemos passar pelas definigdes de etnicidade © de grupo étnico. Segundo a definigao mais utilizada nos estudos atuais'4, grupo étnico é toda coletivi- dade em uma sociedade mais ampla que tenha uma origem comum, real ou suposta, uma 14, Sobre os conceitos de etnicidade, identidade e grupo etnico © seus desenvolvimentos - pasando pelas concepgdes racialistas e culturalistas até a concepgio atual - ver Agier (1991b:6-12), Cameiro da Cunha (1986:97-108), Barth (1969:9-38) e Schramm (1979:4- 8). historia compartilhada e a valorizagao de um ou mais elementos simbélicos comuns, Ha du- as questdes relacionadas na definigao de grupo étnico: 1) © que marca ou identifica o grupo; 2) quem identifica o grupo étnico. As duas questées acima formam o né central da questo da etnicidade, que no pode ser definida por diferengas culturais no nivel da forma ou dos elementos culturais per- tencentes a um determinado grupo. Privilegi- ando 0 critério da adscrigao, isto é, o de consi- derat-se e ser considerado pelos outros como grupo éinico, podemos compreender a conti- nuidade dos grupos apesar das transformagées de tragos ¢ conteiidos culturais. A etnicidade relaciona-se, entdo, as fronteiras estabelecidas na articulagao das diferencas no contato entre grupos ¢ no uso dos simbolos percebidos como culturais, ou aos quais os membros do grupo ¢ os “de fora” atribuem significado cultural. E assim que a cultura se transforma em cultura de contraste: marcas culturais que identificam © grupo étnico e que so consequéncia e nao precondigio de sua identificagdo. Mesmo persistindo tragos culturais, estes mudam de significado no novo contexto. Além disso, 0 grupo étnico nao é s6 um grupo definido cultu- ralmente, mas é também um grupo de interes- ses € um grupo politico, com vinculos tanto instrumentais como afetivos. As caracteristi- cas culturais sinalizam fronteiras que so cri- adas na dicotomia entre as definigdes de “eu” € “outro”, dentro de um proceso complexo de interagéio dentro do grupo, entre grupos do mesmo tipo, entre grupo e a sociedade como um todo. Agier explicita elementos importantes, presentes nas teorias sobre etnicidade. A etni- cidade apresenta-se como um significante dis- ponivel, ao qual nao corresponde nenhum con- tetido predeterminado, remetendo a_um’ uni- verso de priticas, instituigdes e representa- des que nao € somente o da cultura, das classes sociais e das ragas. Aponta para a no- go de totalidade - tao cara & antropologia - ¢ 59 Mulheres Negras do Oriashé busca de totalidade por parte dos grupos em proceso de (re)construgaio de sua identidade, integrando o ser individual e 0 sujeito coleti- vo. A antropologia da etnicidade ou das iden- tidades, nesta perspectiva, deveria ser a critica da antropologia dos sujeitos individuais e coletivos, onde o proprio conhecimento antro- pologico entra como fonte a partir da qual os sujeitos elaboram sua identidade. A cidade é um operador da etnicidade pois impde conta- tos, classificagdes e necessidade de se iden- tificar frente aos outros. Os tragos fisicos, sociais e culturais so transformados em em- blemas que marcam as fronteiras simbdlicas entre etnias € grupos de status, organizando 0 uso do espago urbano (Agier, 1991b:06-07). Ao analisar © significado dos movi- mentos de identificagdo com a negritude no contexto urbano de Salvador, Agier (1991) coloca o problema fundamental de todos os grupos negros na definigdo de sua identidade: “como formar um sistema simbélico de contraste numa sociedade culturalmente mestiga, permitindo a identificago de sujeitos ja definidos como objeto de racismo”, Esses grupos reinventam a etnicidade, transformando as representagdes de si (primeiramente invertendo os valores, atribuidos aos _mesmos termos), produto das relagdes raciais, ja definidas pelo racismo de “outro”. Nesse texto, Agier pretende mostrar também como os negros ¢ mestigos, apesar de sua inferioridade social, esto engajados no movimento'de mobilidade social e como na luta por status p3em em evidéncia as Tepresentagdes racistas; suas premissas ¢ conclusdes so generalisiveis para a situagao sécio-tacial paulista. Tenta compreender a eficdcia de um sistema simbélico cujo carter étnico remete a uma pluralidade de tradigdes culturais afticanas e mestigas, mas sobretudo a uma unidade tedrica ou posta como meta e como auto-imagem do grupo, presente ¢ politica, atravessando as diversas versdes do discurso negro Cadernos de Campo, n* 3, 1993, Esse discurso ¢ os movimentos sociais que os produzem ganham forca no Brasil a partir da década de 1970 e, na década de 1980, vemos uma enorme proliferag%io de grupos e diversificagao de formas de identificagao com a negritude, Contribuiram para esta prolifera- do 0 contexto de abertura politica e o grande fluxo de informagées sobre 0 Movimento Ne- gro norte-americano e os movimentos de liber- 2tagao dos paises africanos. © MNU tomou-se um simbolo desse momento ¢ o ponto a partir do qual a discussio sobre as relagdes raciais no Brasil, produzida pelos préprios sujeitos em um meio nao académico e voltado para a agdo, se espraiou, Embora nao intencional- mente, 0 MNU reforgou 0 processo de cria- do de um ambiente favordvel a proliferagao tanto de grupos politicos negros como de outras formas de reivindicagao da negritude. No inicio desse processo, a primeira estratégia de oposig’o ao racismo foi a simples inversio dos valores simbélicos atribuidos ao negro, que transformou-se de bandido em herdi. Este tipo de discurso, que coloca o negro como a methor das “racas” da humanidade, ainda se encontra presente e atrai para 0 Movimento Negro a acusagio de ra- ccismo as avessas. Vemos este tipo de discurso como parte do processo de auto-identificagao ¢ de retomada da dignidade do negro diante dos processos de dominagdo social e cultural, mas também como discurso a ser superado. O proprio Movimento Negro tem caminhado neste sentido na medida em que procura abandonar a definicio pseudo-bioldgica de negro, caminhando para uma definigao de énfase cultural, procurando englobar os mestigos como parte do “nds negros”. Além disso, comega a perceber o quanto um discurso de exclusdo esbarra no “mito da democracia racial” ¢ tende a tornar mais dificil a adesfio de amplos setores negros e mesticos ao Movimento A forga do apelo a identidade pode ser atribuida a uma dupla percepgdio. A presenga 60 generalizada da cultura negra na cultura brasi- leira e um modo de vida com algumas carac- teristicas em comum so percebidos pelos negros como base do que comumente se chama “comunidade negra”. Em segundo lu- gar, a discussio da situago do racismo chama a aten¢do do negro para a Sua condigio de excluido da cidadania plena. E é a partir dessa percepgao que uma identidade cultural negra genérica ganha um potencial politico ¢ a pos- sibilidade de se tomar uma identidade étnica abrangente, articulando novos elementos, re- valorizando as “origens” e estabelecendo no- vas énfases na cultura do grupo. A construgao e generalizagio da identidade negra, funda- mental para o estabelecimento de novas bases para as relagdes raciais no Brasil, depende de um trabalho lento e dindmico que tem sido promovido pelas entidades negras de diversos matizes, que envolve ¢ é até mesmo alimen- tado pelas divergéncias-internas “comunidade negra”. Podemos considerar 0 Oriashé como um dos grupos engajados na formagio da identidade negra. J4 informado por todas as discussdes analisadas acima e consciente das ambiguidades na definigdo de quem é negro no Brasil, procura se articular em torno de um discurso e uma pratica inclusivos. A constru- ¢4o de um sistema simbélico de contraste por parte do grupo procura integrar 0 discurso da cultura brasileira como cultura negra, e que nao seria a mesma sem a sua influéncia com a rectiagfio de elementos afticanos nesse novo contexto, Na musica do bloco, principal elemento de contato do grupo com os “de fora” e arma fundamental na valorizagio da cultura negra perante negros ¢ n&o-negros, este aspecto do sistema simbélico em construgdo é patente, contribuindo de modo substancial para os movimentos anti-racistas na medida em que leva a populagfio negra, de forma sutil € lidica, o discurso de identificagao com a negritude, ‘Mulheres Negras do Oriashé Bibliografia AGIER, Michel 1991a “Ethnopolitique: racisme, status et movement noir A Bahia”. Salvador, (mimeo). 1991b “Introdugdo”. Cantos e Taques - Etografias do Espaco Negro na Bahia. Caderno CRH (Suplemento), Salvador. BARTH, Fredrik (ed.) 1969 Ethnic Groups and Boundaries. The social organization of culture difference. 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