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CINEBIBLIOTECA EMBRAFILME ‘Volumes publieados: FILME E REALIDADE, Alberto Cavalcanti, 1976. CENOGRAFIA EB VIDA EM FOGO MORTO, Rachel Sisson, 1977. MERCADO COMUM DE CINEMA (uma proposta brasileira oos afses de expressio portuguesa e espanhola), 1977. A publicar: HUMBERTO MAURO: Sua Vida, Sua Arte, Sua Trajetéria no Cinema (Depoimentos sobre a riqueza da filmiografia maureana e sua importincia na moderna cultura brasileira) MACUNAIMA: 08 CAMINHOS DO CINEMA ‘Heloise Buarque de Holanda Karel Reisz e Gavin Millar A Técnica da Montagem Cinematografica ‘Tradugio de MARCOS MARGULIES Apresentagio de ALBERTO CAVALCANTI Prefiicio de LEANDRO TOCANTINS Em convénio com a Enrrmsa Brasieia ve Fates S.A. — Eamearnace ee civilizagao brasileira Copyright © 1968 by Focal Press Limited Capa: ‘Bovaroo (Seqiiéncia do filme Limite (1980), de Mario Peixoto.) Material ce- dido por Saulo Pereira de Bello. Diagramagio: Lfs Cavuumaux Direitos desta ediggo adquiridos, com exclusividade para o Brasil, pela EDITORA CIVILIZACAO BRASILEIRA 8.4. Rua Muniz Barreto, 91-93 IO DE JANEIRO — RJ, i que se reserva a propriedade desta tradugio. 1978 Impresso no Brasil Printed in Brazil , MINISTERIO DA EDUCAQAO E CULTURA Ministro: Senador NEY BRAGA Diretor Geral do Departamento de Assuntos Culturais Prof. MANUEL DIEGUES JONIOR EMPRESA BRASILEIRA DE FILMES S.A. — EMBRAFILME Diretor Geral: ROBERTO FIGUBIRA DE FARIAS Diretor Administrative: ANTONIO SERGIO LOUREIRO Diretor de Operagies Nao-Comereiais: LEANDRO GOES TOCANTINS 2 A Montagem-e o Filme Sonoro Generatidades “O desenvolvimento da téenica”cinematogrifiea ... consiste principalmente no desenvolvimento da montagem,” No easo exelusivo ‘to cinema mudo, esta afirmagio de Ernest Lindgren 6 uma verdade indiscutfvel. Gragas as téenieas de montagem de homens eomo Porter, Griffith e Hisenstein — e de muitos outros inovadores menores — a cinématografia deixou de ser um simples meio de gravar aconte- -cimentos reais para transformarse gradualmente num vefculo esté- tico de alta sensibilidade. A histéria do cinema mudo 6 a hist6ria, da Iuta por um maior interesse visual do cinema através de uma montagem cada vez mais sofisticada. O desejo de abordar temas intelectuais e emotivos cada vez mais eomplexos forgou os diretores ‘a experimentarem padres novos e mais sugestivos de continuidade visual e produziu, ao fim do perfodo mudo, uma “gramétiea” bas- tante desenvolvida da eonstrugéo do filme. A introdugio' do som inverteu temporariamente esse processo. ‘Durante algum tempo, todos os efeitos dramAticos passaram a derivar da tritha sonora. Enquanto os te6ricos do cinema sustentavam, por um lado, que o dilogo apenas diminufa o interesse do filme" «, por outro, que 0 som deveria ser empregado em eontraponto, ¢ nfo ‘Yer, por exemple, a parte teériea de The Film Tilt Now, de Paul Roths, cape, 1029, 32 em sincronizagio com o filme,! os realizadores de pelfeulas comer isis puseram-se avidamente a realizar (com grande filmes.cem por cento faladas. Em retrospecto, seria fécil dizer que esses filmes constitufram um passo atrés, mas isto seria ignorar as cireunstincias em que foram produzides. A maioria dos filmes mudos realizados na Ingla- terra e nos Estados Unidos na décade de 1920 empregava grande miimero de legendas extensas: era natural que os seus realizadores reecbessem com agrado o advento do som direto, (0 adjetivo direto, aplicado aos efeitos sonoros, 6 usado neste livro em sen- tido especial. Para a sua definicao, ver 0 Glossirio,) Pensando bem, nao nos parece razoavel condenar os diretores dos numerosos filmes inteiramente Zalados por terem feito mau uso do novo brinquedo; se houvessem sido produzidos alguns anos antes, os seus filmes cer~ tamente nio teriam utilizado todos os recursos que Griffith (e muito menos Eisenstein) utilizava na montagem dos filmes mudos, nem teriam merecido a ateneio da eritica séria. Contudo, os filmes eem por eento falados — isto é, os musicais ¢ as adaptacées teatrais que aependiam exclusivamente do interesse provocado pelas eang6es ¢ pelo diflogo falado, e que transformaram © filme num veiculo estético e secundério para o som —, mostraram- se insfpidos e pouco imaginativos assim que passou a novidade, Sem davida, parte do problema era que, nos primérdios da gravacao sonora, © microfone era forgado a permanecer irnével no estidi ‘uma cena que antes teria sido filmada de muitas posigées diferentes, algumas com a cimara em tomadas panorimicas oa sobre rodas, eram agora filmadas a partir de uma posi¢io fixa, Mas o ponto mais importante é que 0s realizadores dos filmes inteiramente fala- dos nao compreendiam que a representaeio de acontecimentos por meio do um fluxo de som direto, incessante e indiscriminado, nio corresponde ao modo como as coisas se possam na vida real. Assim como no nos detivemos nos primeiros anos do cinema mudo, também serd desnecessario fazer aqui eonsideragdes detalba- das quanto: 20 infeio do cinema sonore: ambos foram periodos de instabilidade e experimentagio téeniea, eujo interesse 6 agora pouco mais que académieo. Ao invés disso, procuremos utilizar a exper cia dos Gltimos vinte anos do cinema sonoro para estabelecer uma teoria eoerente sobre como o som direto pode ou nfo ser usado para reforcar o interesse de um filme, ito) os sems Ver A Statement, assinado por 8. M. Bisenstein, V. I. Padovkia e @. V. Alexandror, publicado pels primeira vez em Moseow em 1928, Film Form, Danis Dobsox, 1951. 33 Ao diseutir o emprego do som rios primeiros filmes falados, Lindgren disse: =. s vantage dt sinronizagGo era guawe aula. Un filne mudo pode most um eachorro latind;,ereoentar som Oo lntido contribu, sem ida, or o reaiane de cons, mas nio nov tranmnito coisa algems quo 36 aio 8 Béstemos antes, ¢-mndaacrescenta Ae gunlidades expretetan ds ingem’ ets fcatiws © rs Gen cho ainda. Bt6 menno 0) log cr, lan very fxpregedo para exprimir por palavras 0 que os filmes podtam exprinir Igual” este ten om siuples ages A iongeas en pes fesiow gue mova « Porta da Tea a0 filo exlpado no se forma mais expressin we gerescontarmo: Es fpulsvrans ‘Poohase dag pare fore © ago vole munca mal. 8 bem posse! Guey neste caso, a imagem mde eeje mela, © no menos, expressive. Estas observagies eram uma eritica ao emprego generalizado do som diroto em fodas as imagens e, como tal, temos que coneordar ‘com clas. No entanto, como condenagéo geral do uso do som direto em si, pareeem-nos categéricas demais. 1B verdade que ambas as verses — muda ¢ falada — ds cena ao pai que expulse o filho exprimem o mesmo fato; mas dizer que ‘uma causa mais ou menos impressio que a outra € fazer uma comps- ragfo insensata. Admitindo-se que se atribua ao pai uma frase menos violenta que a de Lindgren, o fato de que o ouvimos dizer algume coisa torna a cena mais realista. A versio silenciosa, expressa pele mimica do pai, pode “impressionar” tanto quanto a outra, mas num plano diferente de realismo. A ‘inica coisa que podemos compara % a qualidade da direco e do desempenho, ou o contexto da cena dentro do filme. O fato de que uma empregs o som e a outra deixa de fazé-lo serve apenas para situd-las dentro de duas conveng5er artisticas diferentes; nfo hé como discutir os seus mérites relatives. (© caso do cio latindo poderia igualmente levar a conclustes cerréneas. £ claro que o som do latido no nos fornece qualquer dado novo, mas isto de modo algum significa que ele “nada acrescents is qualidades expressivas da imagem”. Dependendo da qualidade do som empregado e do eontexto geral do latido no resto da trilhe sonora, ele poderia conferir & imagem uma variedade de significados emocionais no obrigatoriamente inerentes & imagem em si. (O exem- plo extrafdo de Odd Man Out, citado na pégina 270, ilustra este pon- to.) Hm ambos as easos, 0 som nfo apenas reforca o realismo da apresentagio, como acentua 0 efeito dramético. ‘Além disto, 0 emprego do som direto provocou uma trans- formagio fundamental na arte da narragéo einematogréfies. O em- Lindgren, Erueat: The Art of the Bim, Allen & Unwin, 1948, p. 99. prego do som e do diflogo sincronizados com a imagem permitia fs diretores uma economia de expresso muito maior que nos filmes mudos. A natureza de um lugar ou de uma pessoa pode ser transmi- tida de modo muito mais direto, porque atinge 0 espectador em ‘termos mais semelhantes aos da vida cotidiane. Uma frase de dilogo pode transmitir uma quantidade de informagées que o diretor do cinema mudo 86 podia exprimir nama legenda on pela insergio de uma cena inoportuna, visualmente auto-explicativa. Detalhes nio- esseneiais podem ser expressos com economia mediante alusdes no dié- Jogo ou na trilhg sonora, O diretor de um filme sonoro tem maior Wberdade para distribuir & sua vontade a énfase dramética, uma ‘vez que provavelmente no perderé tempo com eenas ineficazes do ponto de vista dramético, embora necessérias para a compreensio da estéria. Enquanto Griffith — em The Birth of ¢ Nation, por exemplo — muitas vezes precisava eomegar os seus filmes com longas eenas, de pouea atrasio dramética, a tim de criar o ambiente, 0 diretor de um filme sonoro pode definir 0 carter dos intérpretes a cena com alguns planos ¢ diélogos bem escolhides. (Vemos isto sobretudo em cenas de transigio: o realizador de filmes mudos nor- ‘malmente usava uma legenda e uma longa cena ambiental quando ‘transferia a agéo de um local para outro; hoje, uma simples alusio no dislogo ¢ bastante para que se consiga, sem esforgo, uma transi semelhante.) Sdo estas, portanto, as’duas alteragGes prineipais introdusidas pelo som: maior economia dos meios de narragio, que permitiu uma complexidade cada vez maior da narrativa dos filmes sonoros; ¢ uum alto grau de realismo na apresentacSo, que passou a sor 0 objetivo, da maioria dos cineastas do periodo sonoro. Nos melhores filmes mudos,a tendéneia era aperfeigoar um estilo que atingisse o especta- dor através de varias sugestdes indiretas, peculiares ao vefeulo eine- matogréfico — composigdes visuais exageradas, ofeitos de montagom ‘evoratives, artificios simbéliens, ete. O filme sonoro, porém, atinge © espectador de modo mais direto, em termas mais préximos da vida real. Quiindo hoje assistimos a um filme mudo, notamos imediata- ‘mente essa mudanea fundamental do modo de tratar o assanto, Em filmes como Intolerance, Bronenosets Potiomkin (O Encouragado Potemkin), Das Cabinet des Dr. Caligari (0 Gabinete do Dr. Cali- gari) — para citarmos trés exemplas bem diferentes — perecbemos ‘que os diretores construfram efeitos visuais algo exagerados: apelam demasiadamente aos olhos do espectador a fim de se expressarem totalmente com o finieo meio de que dispunham. Sente-se ali uma convencao artistica que, incapaz de utilizar o clemento sonore, € forgada a exagerar ¢ falsear o nivel de atracio visual. Dizer que 35 ssa mesma necessidade de imagens altamente expressivas fornava og filmes’ mudos superiores aos sonoros ou, 20 contrario, afirmar que 2 incapacidade de empregar o scm reduzia o cinema mudo a gma série de aproximagies inadequadas, € deixar de pereeber ‘forga de ambos os meios de expresso. Os filmes mudos e os sonoros ‘ stuam em dois planos diferentes de representagéo realista: nio hé somo comparar os seus méritos relatives; podemos apenas reconhecer- hhes as diferengas. Somente em termos gerais poderfamos diseutir 0 grau relative Je stengio que cada um doles exige ou deveria exigir da platéia. Filmes come The Informer, de Ford, Ladri di Biciclette, de de Sica, oa alguns dos filmes de Carné anteriores 3 guerra, evidenciam todos ama admirével economia no uso do didlogo, da qual resultam obras axeclentes, Mas nfio so deve concluir dai que a frugalidade do dis- ‘ogo deva ser necessariamente um requisito indispensivel de todo som filme. Qualguer teoria que condene filmes como The Little Foxes, Citizen Kane oa as primeiras comédias dos Irmios Marx 6, 4e inicio, suspeita. & mais importante salientar que, embora esses ‘mes fagam amplo uso do didlogo, impressionam sobretudo pela imagem: The Little Fozes e Citizen Kane estio entre os filmes visual- mente mais interessantes até hoje realizados em Hollywood; 2 con- tribuigdo visual das sobraneelhas de Groucho Marx as suas piadas incalenlavel, e Harpo jamais pronuncia uma palavra, De nada verviria fazer'uma avaliseio quantitativa entre o apelo visual e 0 ypelo anditivo. O que se deve ter em vista nao ¢ tanto o equilibrio Taantitativo entre som e imagem, mas a insisténcia sobre uma énfase ssencialmente visual. Quem Monta um Filme? ‘Todos conhecem hoje os principios fundamentais de montagem jesenvolvides pelo cinema mudo. Primeiros plancs, retrospectos, usées, tomadas panorémicas e sobre rodas sio de uso corrente em ‘ados os estidios. Esses artificios fazem parte dos reeursos accitos or todos os cineastas: o modo exato como sio usados atualmente vode variar em relago 20 cinema mudo, mas a sua utilidade dra- nétiea ainda € esseneialmente a mesma. O som e outras inovagies téenicas trouxeram algumas transfor- ages de menor importéneia: o controle do volume e da rapides la tritha sonora pode, até certo ponto, ajudar a determinar o ritmo lo filme que, no tempo do cinema mudo, dependia inteiramente da wreqiiéncia com que 0 cortavam oz planos; a passagem do tempo, 6 antes indicada por legendas, pode agora ser sugerida no diélogo; e, ‘a um nivel mais rotineiro, certos recursos como a montagem alter- nada de planos de paisagens com planos do interior de um trem, para indicar que este se move, jé no so necessérios, porque es idéia pode ser expressa em um 86 plano por meio. da tela transpa- renite, Estas e muitas outras pequenas difereneas téenicas surgiram — todas, porém, de natireze essencialmente pritiea. As modificagSes mais importantes da técnica da montagem resultaram da aeentuada mudanes de estilo que se seguiu ao-advento do som, Uma caracteristica notével das duas iltimas, décadas de roduefo cinematogréfica tem sido uma énfase muito maior sobre © realismo, que influiu fortemente na prétien contemporinea da montagem. Certos efeitos usados comumente no cinema mudo, mas que hoje pareeem prejudicar o realismo da apresentagio, cafram em desgraca: 0s planos em fris, tio freqtientemente usados para con- centrar a atengio do espectador sobre determinado detalhe, estio agora fora de moda porque constituem um efeito pictérico artificial: ‘0 uso de mésearas, adotado por Griffith, foi quase inteiramente aban- donado por também nao ser natural; retrospeetos répides e. instan- taneos, como os de Griffith em The Birth of o Nation, raramente so usados porque tendem a parecer enxertados de maneira arbitré- ia, Seria temerdrio afirmar que esses processos jamais: voltaréo a ser empregados; atualmente, porém, esto em desuso porque desviam 2 atengio para a téenica e perturbam a ilusio de realidade. Outros problemas mais eomplexos, como o planejamento e a mon- ‘tagem da continuidade do argumento, mudaram consideravelmente apés 0 advento do som, porque j4 no 6 necessirio mosizar tudo visualmente. Em The Birth of a Nation, por exemplo, hé uma cena em que uma mie promete ao filho, que esta ferido no hospital. e, mais tarde, serd levado a eonselho de guerra, intereeder por ele junto ao presidente Lincoln. Do plano da mie no hospital, Griffith corta para um plano de Lincoln em seu gabinete de trabalho e, em seguida, apés uma legenda explicativa, corta novamente para o hospitsi, A insergdo € necesséria para que o espectador perceba o que os dois ersonagens esto dizendo, e € uma mancira muito mais elegante de fazé-lo do que o simples uso de uma legenda. £ claro que, num filme sonore, essa montagem explicativa € desnecesséria, pois as palavras da mae seriam ouvidas. ‘Talver cheguemos 2 uma comparagio detalhada entre a monta- gem de filmes mudos ¢ sonoros se analisarmios sob quatro aspectos diferentes todo o eonjunto de problemas que constituem a montagem. 37 A Ordem dos Planos No tempo do cinema mudo, diretor ¢ montador (que eram geral- vente a mesma pessoa) tinham muita liberdade de acio. O ‘nico stor que determinava a ordem dos planos ere o desejo de obter a ontinuidade visual mais satisfatéria, ‘Muitas vezes, somente na sala de montagem 6 que grande parte o material filmado encontrava o seu lugar apropriado dentro do iquema final da eontinuidade. Dizse que Griffith realizou muitas @ suas cenas “de improviso”, filmando uma metragem suficiento- vente grande que lhe permitisse fazer experiéneias no momento da ontagem. Eisenstein era muito mais minueioso eom os seus roteiros, ‘as também dependia bastante da fase da montagem para ajustar reorganizar o material filmado. Por outro lado, os diretores alemies como Carl Mayer, por exemplo) tendiam a trabalhar com roteiros mito menos maledyeis; o fato, porém, é que, no cinema mudo, era ossivel — tanto eriativa eomo economicamente — deixar que até temo as linhas gerais da continuidade se definissem depois de ter- ‘nada a filmagem. O veieulo cinematogréfico era extremamente exivel, pois néo havia motivo fisico algum que impedisse eortar de ualquer assunto para qualquer outro: & possivel até que Hisenstein, ‘or exemplo, tenha realizado na sala de montagem lgumas de suas velhores justaposigies. ‘Nos filmes sonoros, essa liberdade de reagrupar os planos ¢ fazer cperiéncias com eles na sala de corte diminuiu consideravelmente: 2 parte, porque o som sineronizado “amarra” a imagem e, em parte, orquie o custo de producéo da filmagem sonora é téo alto que nor- ‘almente 6 impossivel consumir muita metragem em planos que Go chegario a ser utilizados. Muitas vezes, 0 didlogo transmite infor- tagdes essenciais quanto ao enredo, que s6 podem ser apresentadas entro de um eontexto especffieo e, portanto, a imagem que o acom- fanha fica “amarrada” desde o momento da filmagem. Isto no ter dizer — como sugerem alguns autores — que a montagem o filme sonoro seja menos complexa ou expressiva que no tempo do ‘nema mudo, Significa, isto sim, que a ordem final dos planos, nas cqiiéneias que empregam som direto, deve ser plancjada com dior antecedéncia, Neste sentido, a responsabilidade pela montagem assou do montador para o roteirista. Bscolha da Posigio da Cémara: Bnfase © emprego de planos de conjunto, planos médios e primeiros anos para diferentes graus de énfase continua praticamente 0 8 Griffith o-utilizon pela primeize vez. Nos filmes de hoje, o roteirista getalmente indica a posigio da edmara que'con- sidera a mais adequada; mesmo que nio 0 faca, 0 dirctor deve ter uma idéia bastante clara das posigdes que sero utilizadas na seqiién- cia montada. Uma cena que reguer varias posig6es diferentes da cdmara 6 geraimente filmada por inteiro de eada uma das posigées diferentes; depois, 0 montador agrups os diferentes planos da ma- neira que achar mais conveniente, Este nfo 6, porém, 0 procedimento ‘eal: se 0 divetor nao sabe exatamente como ser a montagem final, qualquer cena, por mais metragem que se filme, dificilmente eausaré © efeito exato, que s6 pode ser obtide pela filmagem planejada. Durag&o dos Planos No filme mudo, o grau de tensio de um trecho era, em grande arte, determinado pelo ritmo dos cortes. Griffith alterava eonstan- temente 0 andamento dos seus filmes para transmitir (e controlar) as mudangas de tensio dramética; o elfmax era quase sempre uma segtiénoia de montagem rapidamente alternada, geralmente uma per- seguigGo. Hisenstein desenvolven uma teoria extremamente compli cada quanto & duragio dos planos, que talvez possa ser melhor per- eebida nas bruscas mudangas de ritmo da seqfiéncia da eseadaria de Odessa. Entretanto, qualquer que fosse @ teoria, a duracio dos Planos era determinada exelusivamente pelo seu eonteddo visual. No filme sonoro, isto j4 no acontece. Dando & imagem uma duragio eujo ponto de referéncia é a trilha sonora, o montador pode obter toda uma série de efeitos nio necessariamente inerentes & imagem ou ao som. Com © diflogo, pode freqiientemente transferir parte das palavras de um ator em’um plano para outro plano que mostre-a reacio a essas palavras; pode retardar reagées ou advertir sobre o que vai acontecer; pode jogar com o som e com a imagem Paralelamente, ou utilizé-los em contraponto. Estes aspectos detalhados da duragio dos planos ficam geral- mente a cargo do montador do filme e do montador do som. Muitas vyezes, os efeitos dependem de pequenos ajustes, dificilmente previ- siveis antes da filmagem — e esses ajustes constituem um dos maio- Fes problemas para o montador contemporineo. 39 Apresentagio: Fluéneia Bmbora possamos comparar o processo de cortar de um plano ‘para outro com as sGbitas mudangas de atengio que nos ocorrem diariamente, isto no signifiea que qualquer corte passaré automa- ticamente desperesbido, Na maioria dos filmes mudos, perecbemos nrumerosas transigGes bruseas; em muitos dos filmes de Griffith, ‘notamos uma constante mudanga do angulo da eimara, ¢ s6 um es- pectador experimentado e adaptado pode accitar sem irritacio essas stibitas quebras de continuidade. Longe de procurar uma série de imagens que se sucedessem com naturalidade, isenstein procurava_ dcliberadamente explorar 0 choque resultante da juncio de dois pla- nos quaisquer. Em contraposigio, devemos dizer que os cineastas ‘alemaes do fim da década de 1920, empregando uma t6eniea de filmagem muito mais fluida, fizeram muitas vezes tentativas deli- beradas de obter uma continnidade fluente. (Talvex Pabst tenha sido um dos primeiros realizadores cinematogrificos a basear a du- rragio dos planos em movimentos espeefficos dentro do filme, numa. tentativa de fazer com que as transig6es passassem 0 mais possivel desperecbidas.) ‘Dada a énfase do cinema sonoro no realismo de apresentacio, 6 problema de obter-se uma sucesso fluente de imagens é hoje mui fo mais erucial. Cortes brascos e pereeptiveis tendem a desviar a atencio do espectador para a técnica e, portanto, a destruir a sua flusio de estar assistindo-a uma aco continua. De fato, uma das prineipais preocupagées do montador moderno 6 a construgio de ‘uma eontinuidade. fiuente. Convém salientar, mais uma ver, que este agrapamento das diversas fangSes — que, no seu eonjunto, constituem 0 processo da montagem — nfo eorresponde de modo algum a quatro fases da producio, nem mesmo a quatro diferentes processos criativos. Con- ‘tudo, serve para indiear como a responsabilidade pelos problemas ‘prineipais da montagem foram transferidos do montador para 0 To- teirista e para o diretor, e como os novos problemas surgidos des- de 0 advento do som eontinuam sob a responsabilidade do montador. ‘Damos a seguir um trecho extraido de um moderno roteiro de fil- jmagem, lado a Iedo com a divisio em planos da seqiiéneia termina- da, montads apés a produgio, Comparando-se as duas colunas, po- ‘emos ver como a responsabilidade 6 dividida entre 0 roteirista, © diretor ¢ 0 montador num filme eontempordnco. 40 36 MPP. Daliow. [BRIGHTON ROCK Trecho do Roteiro de Fitmagem e 30 Bolo N* 7 do Fine ‘Pinkie Brown (Richard Attenborough), ehefe de uma quadrilha de marzinais,. ‘Jou tcatando salar Spicer (Wyle Watson), quate provas iaelnaating SPS, aes those ante Pikic come Bpled to erpsndon PSs, Sas 0 planes "e tanto Pinks como Spee? blo ce ink porta, pens que Spr morres aah omg vee Pais coende como afvgde Prt Harsout Willams), quande Dallow (William Hartel), mene da gud SEP Bates cate ao quar eee cee ROTEIRO DE FILMAGEM ROTEIRO Dé SEQUEN. Mev. Pen Cra TemtrNaDA 34 PM aa porta ‘A porta ‘sabre e Dallow entra Dati: (© que hé com Sper? ‘A cémara faz uma panordmica, 20- Guindow até o pé da cama © om ‘fuadrando Pinko n0 plan. Pikes (03 homens de Collosi 6 pegs: am, Quase me matam também. Datow: Dattow: Pegaram... como? Spicer esté Pegaramano? Ba o wi 9 no quarts dele agora mesmo. Ba mesmo oe 35 MPP. Pinkie, 1. MPP. Pinkie, de costas 7,00 ‘Otha apavorado pars Dallow e er para’ a cimara. Vira 9 ea gues lentamente da cama. Bega no direrdo da clara. Dallow: (cont) —no quarto dele. Pinkie: ‘Voos ext imaginando coisas, Dallow: Eston disendo que cle ests no ‘quarto dele J. Diretor: John Boulting. Montador. Peter Grahem-Scott. Roteiro de films gem e prolugio: Roy Houlting, Ascociated British Film Corporation, 1947. at ‘ROTEIRO DE FILMAGEU ROTEIRO Dé SEQDEN. wet. Pen. ROTEIRO DE FILMAGEUM ROTEIRO Dé SEQUEN. wet. Mes. cia TemiinaDa Gra TeEMINADA 31 MPP. Pinkie. 2. PMG. Pinkie © Dalow 00 5 ‘Sons de yeston de slguém que Eaquanto se ore a vor Pinklo levaniaae lentamente “dso prince plawo bdiita: ~ fntra no quarto. A porta range de Seer, » porta abrose ama, sa pela porta slcanga © Plakle ates 0 quarto So, com ‘9 vento; Ga seguide, © ol eputece, recwsndo na Sreelons A ekutts, om posorine - Jars 4 divin «| cinare uremso” tials" pasos “qeando diveplg da cdmare segelds ‘Se depois om exvinho, gos at Leguco om ponorenice a6 Spicer come a Tent, falando hake Spee fo patatan, A porta do quarto de 2 ports aaprees. Same td en opens de ‘Speer: (Sora de eens) lo Para 9 or Law ‘Vou dar 0 fora, Pinkie. rangilda levemente.ofmara ex Bates velho, detain @ form, Pinkie para sem (i parads. Dinkle camiha ua 4 reso da edimara. 88 PM, Fora do quarto de Spicer. 3. Patamar da exeads, fo- 550 Pinkie entra om quodro, vindo por a do quarto de Pinkie. tris da ofmara, ¢ fica sooutando, A cdmare ext6. ae frente juma das mdoe’apoiada ao cori para a porta do quarto de ‘De repente, estremece so on Pinkie, 0 corrimlo 2 eq ‘om poqueno rufdo proveniente a porta do quarto de Spe > quarto. A mio segura forte- eer & dir. Plakle sal pala i pre Eston velho demais para estas coisas En os fou velho demais, 2 nin- gud quer saber de velhos. Vou procurar o meu primo em Nottingham — na An fora Azul, Posso fear 16 © tempo que quiser. Vooé oder me encontrar 1, se Spicer sal recuando até o pate amar. Pinkle segueo do porte, Snip o coriados que fo move vi porta, pra dapa didge Frey, Pa tieinae Piat'cie pons etuidecwete’ pas's Elvrite, depts tyma, catar porte do quarto be Spier fare a fort extreaberta: Ets. 4 pyr rarior do carey 6 Ribmatpemnce fone 4; 2M Inter to quar 00 Henao as sombraye gree aa S¢ PMS, Prove: Gam Port Quando atnge 9 wabrel $8 ¢ fiaieko que Plakie Spiers Boi pores aati fies reine 0G srt, sing bom-vin mets eo abl tata 5. Como no plano 3. Pi 2500 a Pike Eis mtn oar 0 ote indo, atts de ck Pome 6. GP. Pinkie, olhando 090 ¢ ‘ameagadoramente. Siu cml; cope feo part aneguranar do aor : ee cat quate. cer. 1, QP. Spicer, spaverado, 90 ne “Apavorado, observa os cthos ¢ as sibs para. bao, na aire” Se pera 8 ‘ime etre Jentamente no ‘nics Go Siste, nlicmdameate, (0 €0 coring, eerheeetaamn) 41 GP. Puke 8. GP, Pinkie (como no 0,60 4 ara Bet sae ae flo eee a i Be sn soe para o corrinio, som mover 4 cdmora. faz wma lento sanordmica pore @ copuer 42 GP. Spicer. caer 4a, abaizo do nivel do ear aa svamente. indo, at6 que 8 porta eax rgue as mios, defensivaments, treaberta. do quarto de Spi- 43. GP, Pinkie cer & vista através dos ba- Dirige o olhar para o corrimgo. Tndstres no contro do gua- , Ear eee eet ao. 44 GP, Corrina, 9. PP. Fenda no corrimis. 00. 4 Pinkie: (fora de cena) Pinkie: (fora do cons, 45 GP. Pinkie, 10, Pinkie (como no pla- 030 11 Entio wood esté vivo! ao quarto de Spicer) ‘Tendo decidido © que vai fazer, 0 8)- Batfo’ voed exté. vivo, Pinkie muda de exprendo. Ergue os olhos para fitar sper! ‘pleer do frente. Spicer: (fora do cana) Spicer: (fora de cena) LU. GP. Spicer (como no 030 9 Consegui ‘escapar, Pinkie! Consegui escapar, Pinkie! ‘Plano 1), apavorado. 44 6 ‘ROTEIRO DE FILMAGEM 4 a 49 50 a 6 UP. Pinkie © Spicer. Pinkie ctnde on dodose ofere Pinkie: ‘deus, Spicer. Spin Atmorcds allviad, i credo © alegre no memo tempo, Sitende u mi timc” GP. Pes de Pinkie, Pinkie recus @ pé eaquerdo e, em ‘seguida, dé um violento posteps na cancla de Spicer (permas de ‘um manequim). GP. Spicer. © rosto contoreido de dor, ele se Incline tvolenteriamient para @ rents. GP. Piakie, A cabege ¢ os ombros de Spleer inclinamae pare a frente, na di oqo de Pinkie, entrando em qua. Gro. Pinkie Ievanta a mlo c= (querda e 0 empurra violentamex. {e-de encontro 20 corriméo. GP. esto de Spicer. Ocepa todo a tela, Abre a boca fe grite, es olhos arregalados. Com (© empurrio, o resto rocu MPP. Corrindo, de éagule boizo. Spicer eai polo comimgo quebra- oe, na queda, passa frente & od. BOTEIRO DA SEQUEN- Mit. Pen. (IA TEEMINADA Spicer: ‘Nio fara nada, Pinkie? 432. MPP. Pinklo e Spicer. ‘Vése Dallow 20 fondo, en- ‘re 8 dois, palitends os dentes. Pinkio orgue a mio aiette pare spercar info de Spicer Pinkie Por 5», Spicert ‘Sito, segura orga 8 mo de Spicer Pinkie ‘dens, 18, PP. Pemas de Spicer ¢ de Piakiey do joeho pe a balxo, O pe euerdo do Pinko. deste uu. eite postapé na canela ds Spt 14. GP. Spicer sbre a bo- 2 e solta um grito de dor. 15. Fitmagem pare cima, para um JEP. Pinkie, vis. to de dngule baizo. O cor po de Spicer inclinase pa- Fa a frente, entrando m0 quodro, Pinkie empurre ‘iolentamente contra o cor mio. 16. GP. Spicer, eaindo pa- ix tris. Longo’ gomido de dor (que se prolonga até plano 20). 11. Fitmagem para cima, kaa diregte do cortimio. 0 dorso de Spicer arrebenta ‘8 fends do corrimio, ¢ ele fal do conta. 18. PP. Lampade a gis. Ne queda, 0. corpo que" bra a Mmpads, que deiza cccapar um jetd de chamas, 340 030 0 2 Pry a ROTEIRO DA SEQUBN- ew. To ROTEIRO DE FILMAGEM (CLA TERMINADA 52 PC de cine do potomarfissando’ 19. Fimagem pore ben) 1 S conclon fot bach ataves pov cio de eaegs Se Pi $0 area, Rotate G cane te Lie O'cnge ae Sie, Spice Crentyim) ck Womele ind fT ne etiam ntg 20: Andar-térco: filed 030 14 ‘a brecha e olha para baixo. Fil- ped aon fassore podeum, Shain or Gna isu eh Soe fede Gent Bulk ck ese om ga ins cabo aur en GE; doguade ise a. Bate trecho de Brighton Rock 6 digno de nota por dois motivos. Em primeiro Ingar, uma seqiiGneia enjo efeito depende muito da montagem. Em segundo lugar, o roteiro € muito semelhante & seqilén- cia terminada, o que demonstra ser possivel planejar em grande par- te 0s efeitos da. montagem antes da filmagem. A escolha das posigdes da cimara e a ordem dos planos foram mantidas quase inalterades. ‘As modificagdes que chegaram a ser feitas sio interessantes porque csclarecem as fangies relativas do roteirista, do diretor e do mionta- dor. (f claro que, na prética, roteirista, diretor e montador podem ser a mesma pessoa: as fungées de cada um deles sio examinadas aqui separadamente apenas para indiear o trabalho realizado antes, durante e depois da filmagem, isto é, no roteiro, no “set” ¢ na sala de montagem.) ‘Honve algumas pequenas alteragées na ordem dos planos, sem- pre que o diretor e o montador achavam ser possfvel melhorar @ con- ‘timnidade do roteiro. A cena 36 foi inteiramente suprimide, provavel mente porque era mais importante mostrar a reagio'de Pinkie & not cia surpreendente de Dallow do que mostrar Dallow — que é apenas, ‘a pessoa que traz a notfeia — pronunciando as suas palavras. Do mesmo modo, o plano 20 foi introduzido para reforear o efeito pre- ‘visto no roteiro. Estas e outras modifieagies foram introduzidas da- ante a filmagem e na sala de corte, mas no passam, essencialmente, de minécias. ‘Todas as alteragSes mais importantes da eontintidade visaram 2 fluéncia da spresentagSo. Foram introduzidas nos pontos em que, por um motivo ou outro, a continuidade do roteiro eriou difieuldades materiais. A insergio do plano de Prewitt (4) foi quase certamente uma necessidade surgida durante a filmagem. Os planos 3 ¢ & poderi- ‘am ter sido usados como uma tomada continua, ¢ 2 intengio prova~ ‘velmente era esta; no entanto, por algum motivo, o final da tomads a do plano 3 nao era satisfatério (ou o infefo da tomada do plano 5 era insatisfatério, ou ambos), ¢ foi preciso ligar as duas tomadas por ‘um corte para o plano 4. Notese também que, no plano 3, a posigii da cdmara 6 oposta Aquela prevista na cena 38 do roteiro. As razdes, neste caso, si0"um ‘ponco mais eomplexas. Imediatamente apés 0 plano 5, utiliza-se uma série de grandes planos répidos; seguindo-se a um plano extrema- mente longo (0 plano 5 mede 25 metros), causam um efeito surpre- endente, Ora, se fosse seguida a ordem das cenas do roteiro, teria sido necessério cortor para um plano do dorso de Spicer de encon- tro a0 corriméo quebrado,.o que teria diminuido consideravelmente © impacto da répida sneesso dos grandes platios. Além disto, a Jenta panorémiea de edmara transfere a atengio para a pérta do quarto de Spicer: ouvem-se vozes vindas ld de dentro, e o lento mo- vyimento da eimaré reforea a atmosfera de expectativa, Finalmen- te, @ posigéo da ciara utilizada permitin ao direior mostrar Dal- ow, que observa com indiferenca 0 incidente — detalhe euje van- tagem dramética & dbvia. ‘Uma vez que freqiientemente 6 necessério escrever o roteiro de filmagem antes de eonhecidos os detalhes finais da constracio dos cendrios, podem surgir durante a filmagém eertes dificuldades ma- teriais que o roteirista no pode.prever. Um exemplo disto & a cena 48 do xoteiro. A pancrémiea do plano 9 seria fisicamente impossi- vel se a edmara fosse colocada na diregio indicada no roteiro, Pereeberemos principal diferenca entre o roteiro de filma- gem ¢.a seqiiéncig terminada se examinarmos a terecira coltuna, que indiea a metragem de cada plano. Vé-se claramente como o elemento de duragéo dos planos pode dar vida ao material inerte filmado. A ‘velocidade com que os planos se sucedem ¢ a variagio de rapide do corte, ambas determinadas em fltima instincia na sala de corte, eonstituem a verdadeira base da eficicia da ema. Observa-se isto claramente nesta seqiiéneia: dois periodas len- tos de expectativa contrastam com duas rajadas de planos extrema- mente répidos. O plano 5, por exemplo, permancce propositalmente por muito tempo na tela: precedendo a série de grandes plans eur- ‘46s ineisivos (6 a 12), que apresentam 0 conflito'entre os dois ho- mens, reforga consideravelmente o feito dos mesmos. Além disto, o plano 12, relatiyamente longo, proporeiona um breve perodo.de trégua — ‘um momento de falsa seguranca para Spicer — que, de repenté, dé lugar ao ‘corte frencticamente répido da queda. B evidente que este contraste foi planejado, em parte, durante a filmagem, pois o plano £2 foi feito intencionalmente lento: o gesto de Pinkie & propositalmente vagaroso, e Dallow & vis- ‘to no fundo, seguindo os aeontecimentos com um fingide ar de té- 48 io, Depois disto, o. grupo de planos répidos, cada um dos quais niede cerea de trinta centimetros, eonstitui uma stbita e dramética ‘passagem Dara a agio. y Analisando novamerite a maneira pela qual esta seqiiéneia foi coneebida ¢ montada, vemos que o mérito da montagem eabe no so- mente ao montador, mas também ao roteirista © ao diretor. As prin- cipais decisées dé montagem, eomo a ordem aproximada dos planos € 0 primeiro. planejamento ‘das posigdes da edmara, foram feitas no roteiro por. tentativas. As decisdes quanto a duracio dos planos ea fluéneia foram deixadas para a sala de corte e, quando necessé- rio, prevaleceram sobre o planejamento, anterior. claro que esta- mos deserevendo 0 provesso da maneira mais simples possfvel: no se pode afirmar categoricamente que o roteirista tenha sido respon- savel por determinado detalhe eo diretor ou o montador por outro — mas, de um modo geral, é este o processo — 0 que demonstra que ‘2 montagem.comega muito antes que o filme sonoro chegue 3 sala de corte. A Contribuigéo da Montage A divisio'da responsabilidade pela montagem de um filme va- rie forgosamente de uma equipe para outra. Um roteitisia experien: te, eapaz de visualizar efeitos derivados da montagem, pode assumir a maior-parte da responsabilidade; um diretor experimentado in- sistiré em tomar as suas préprias decistes. Se roteirista ¢ diretor no estiverem seguros quanto contimuidade exata, a maior res- ponsabilidade caberé go montador. Dependendo das tradigbes da in- iistria cinematogrética como um todo ou do estidio em particular, da personalidade e da capacidade dos vérios téenicos, o esquema exato variaré de um filme para outro. Nos estidios britanieos, o diretor geralmente é a figura-chave a produgio, Colabora no roteiro de filmagem e supervisiona a mon- tagem. A responsabilidade pela continnidade final de um filme ca: be'a ele e ao montador. Eni Hollywood, acontece. geralmente 0 opos- to, Normalmente, os roteiristas prepatam os zroteiros muito mais Actalhadamente, ¢-deixam ao diretor o papel relativamente seeundé- io de seguir as instrugdes neles eontidas, Além disto, nos Estados Unidos, 0 produtor geralmente cuida muito mais da parte-eriativa da produgio que na Inglaterra. 0 produtor norte-amerieano quase sempre supervisiona a montagem do filme — uma fase da produ- 0 que, na maioria dos estidios de’ Hollywood, no & tida. como fangio do diretor. 49. Exdste apenas mela AGzin de diretores em Hollywood que podem filma como devejam e excroom algum coatrole sobre a montegem ... Durante ts ‘thos, tentames orgenizar uma Associagio de. Diretores, © as Gaicas exigéncias ‘Que fasiamos era que os Drodatores concodesaem nos dirctores dae semanne fa preparagio’ de filmes classe "A", uma semana na preperacio de filmes ‘lasso *B", ¢ a mera supervisio do’pvimelro eopite do filme. +... Queriazoe apenas gue o dirvtor tiverse a oportunidade de ler o roteiro que val dicigi « iontar 0 filme em soa primeira forma 9 fin do estddie. Foram Recession trés anos de Tutn constante para cousegulr- ‘mos uma poquena parte destas veivindieagSee. ....Diria que ltenta por conto ‘Sos diretores de hoje filmam fuas eenss extaimoaie do modo come 20 Ihos 0 rs, com qualquer modificagio, ¢ que noventa por conto dolos ago tim voz stiva ‘Gm Felagio go azgumento oa’ montagem. £ realmente oma situagio Tamenté- ‘el, quando se considera que o cinema € supostamente © veiculo do diretor.t antes de apreseats-lo & cher Embora a carta de Capra desereva circunstincias que jé nio sio inteiramente exatas, a situa¢do nao parece ter melhorado muito. Contestando o que ele diz, 6 preciso lembrar que alguns dos princi- pais diretores de Hollywood conseguiram eontornar essa situagdo ‘aparentemente irremediével: Preston Sturges e John Huston es- ‘erevem e dirigem os seus filmes; Chaplin escreve, produz e ditige; Ford é geralmente o seu proprio produtor; Orson Welles teve 0 con- ‘role absoluto de Citicen Kane. O éxito dos filmes realizados por esses diretores parece indicar définitivamente aquilo que o mero bom senso nos diz: a montagem (quer planejada no roteiro antes 4a filmagem, quer supervisionada apés a filmagem na sala de corte) a diregio: devem sor realizadas, ou pelo menos controladas, por uma = pessoa. ‘Mas quem seria o responsivel ideal pelo roteiro? Certos dire- tores, como vimos, aleancam os seus melhores éxitos com roteiros ‘préprios. (Isto no significa nesessariamente — como no ceso de Sturges — que 0 diretor deva inventar o seu proprio argumento: ele pode apenas ajudar na elaboragio do roteiro de filmagem, ou simplesmente supervisioné-la.) Thorold Dickinson defendeu com ve- eméncia essa modalidade de trabalho eomo sendo a ‘iniea possivel* Mas isto nio se aplica forgosamente a todos os diretores, Diz-se que John Ford dirige os seus filmes (The Grapes of Wrath, por exemi- plo) com muita fidelidade a roteiros alheios. Outros diretores ackam conveniente associar-se 2 um roteirista; aps longo periodo de cola- boracéo, a contribuigéo dos dois resulta numa fusio de talentos |. De uma carta de Frank Capra ao The New York Times, publicada em 2 de abril de 1939. Citada em America at the Movies, de Margaret Thorp. ‘Yale University Press, 1997, yp 146-7. 2, Sight and Sound, mango de 1950, The’ Féimuright-ond the Audience. ‘que se complementam ¢ harmonizam, Qualquer que seja a natureza exata da reagio produtor-diretor-toteiriste-montador que prevalega em qualquer filme, a condigéo essencial parece ser esta: a pessoa que exeree o controle final deve conhecer e F a continuida- de em termos fundamentalmente visuais, isto 6, em termos de co- eografia e montagem de. pedagos de filme visualmente efiazes. Na. prética, isto significa geralmente que o diretor deve ser 0 responsével. # ‘ele quem responde pelo planejamento da continui- dade visual durante a filmagem e, portanto, esté em melhores con- digGes de exerver um controle unificador sobre toda a produgio. Isto signifies que ele também deve encarregar-se da montagem e poder interpretar o material na sala de eorte do modo como'o visualizou durante ¢ filmagem, Embora a maioria dos diretores, se pudesse escolher, certamen- te desejatia ser 0 responsével final pelos seus filmes,’ a maioria deles no insiste em redigir 0 esboco inicial dos seus argumentos. ‘Nem todas as pessoas dotadas de imaginacio visual tém o talento pare inventar incidentes e redigir didlogos. A colaboragio entre ro- teirista ¢ diretor, como no easo de muitos diretores britinicos, tem evado um equilibrio satisfatério. - Um exemplo conereto talvez’esclarega melhor @ relagdo de tra- balho ideal entre roteiriste e diretor. Analisando o longo perfodo de colaboragdo entre Marcel Carné ¢ 0 escritor Jacques Prévert ¢, particularmente, o trabalho de ambos em Les Enfants du Parodis, 0 erftico francés Jean Mitry esereveu: No paseado — quando se fratava de obras naz quais Prévert ¢ Camé ex ‘rogavam todos ov seus recursor — Quai des Brumes, Dréle de Drome 00 Le Your se Lave, que en considero nfo apenas sua obra’prima, mas tambée uma ‘daa poucas cbras-primas do clneme francée —~ no pasado, embora os roteiros ‘snmp @ fend $e a ein eaboraie,Craé ¢ Goan Gave = re final na plani olslr de fllmagem ¢ aa constrago cinoma: ‘togréfica do filme. Depois que Carné havia feito adaptagio adequada do as- ssunto eacolhido, e esbogado ‘a linhas principals da eontinuidade, Prévert ‘entara-so em éscrover 0 dislogo 0 inserilo na estrutura que Caraé havia defi nido ¢ predcterminado, Trabalbando em termo de cinema, Corm6 procurava c= ‘isualmente, permitinde' quo o dislogo foncionacee apenas como sa- ort de reforgo,sobte © qual as imagens se spolavam ¢ adguiiam valor mi- ‘A partir de Les Visitewre du Soir, as fungées inverteramse. Agora, 6 Pré- ‘vert qutm concete © assunto do filme’e 0 deseavolve, quem esereve a continu. Ande 6, froqientemonte, planifice o roteiro de forma extromemente detalhada. Carné apenas faz no roteio as anctagles téenieas necesarias © plancja as mu angas do posigdo da chmars: Os filmes j4 mio eo mais de Caré com didlogos ‘de Préverts a6o filmes de Prévert dirigiies por Carné. Trats-ee de um mundo Siferente. Enquanto Carné se expresta visualmente, Prévert 0 faz com pelavras, Para Prévert, as imagens tim a fungio nica do mostrar, apresentar e colocar os 51 ppersonagens em situagées engenhosas, mas controladas pelo seu texto. Conse: Glentemente, aa imagens tormamee om melo Sitil de Sdentficar apenas ex- rmonto’s6 2s palavras indicam. O texto 6 0 plvé, a Vide, a eatrutura do filme, vas imagens slo apenas © apoio, 0 reforgo, mostrando as formas que at po. Iovras representa? A observagio de Mitry sugere um dos motivos da extraordiné- ri pobreza visual dos filmes de Carné.do pés-guerra, Nio que 2% imagens sejam insipidas: podemas mesmo dizer que (sobretudo ent Les Visiteurs du Soir) sio impressionantes demais; no entanto, 2 sua fungao 6 ilustrar 2 est6ria, ao invés de narré-la. Pode-se argumentar que nem todos os roteiristas eserevem ne- ceessariamente roteiros presos ao didlogo: s6 os maus roteiristas 0 f2- zem, Contado, a experiéneia, demonstra que, quando.o roteirista tem © controle final, quando o diretor 6 obrigado a filmar segundo um roteiro rigido que ele niio pode alterar, os filmes tendem a tornar-ce estaticos e prolixos. Muitas veres, isto 6 feito propositalmente. Se, ‘em Hollywood, o controle § normalmente entregue ao rotcirista e 20 produtor, é porque os roteiristas so eomparativamente muito habi Yidosos. Mas, num sentido muito mais amplo, isto 6 também sinto- miitieo do método hollywoodiano de fazer filmes. Por trés de grende parte dos filmes realizados em Hollywood. existe apenas a intencio de explorar a atragio que os astros do es tidio exercem sobre 0 piblico. Os filmes sio eseritos, dirigidos (¢ mon- tados) em fungio dos talentos particulares dos atores principais, Os roteiros so eseritos basieamente em termos de didlogos que, com a maior economia possivel, déem destaque as atracées especiais dos atores sobre 0 piblico, e as imagens so plinejadas de modo a dar ‘as astros uma aparéneia lisonjeira. O impacto sobre a montagem € igualmente forte: j4 no se trata de trabalhar segundo as necessi- dades draméticas espectficas do argumento, mas sim de apresentar 0s atores principais da maneira mais favorével possivel. Isto resul- ta, obviamente, numa superabundincia de grandes planos drama- ticamente inexpressives que, com tanta’ freqiiéneia,, eomprometem o ritmo e 0 andamento do filme. Qualquer pessoa que freqiiente o cinema com certa regularida- de sabe que este sistema de centralizar os filmes em determiina- dos astros resulta num nivel de constante medioeridade dramstica Sight end Sound, margo de 1950, ‘Pradusilo para o inglés por ‘Thorold Dickinson em The Filmwright ond Me Audience, 52 ‘Mas hi exeegdes.‘Muitos dos. filmes constrafdos em fungfo da personalidade de Greta Garbo, algumas das biografias interpreta- das por Paul Muni, ou os filmes de Maree! Pagnol eom Raima no papel principal, so pouco mais que engenhosos vefculos coneebidos com a finalidade de apresentar os astros, mas no podem ser classi- ficados como filmes inteiramente sem valor. Neles, todos os diver- sos elementos eriativos da realizagio de filmes sonoras séo sacrifi- ‘eados unicamente em beneficio do desempenho, ¢ 0 interesse ‘passa a depender da virtuosidade do ator principal. Com atrizes da es- tatura de Garbo, nao € raro resultar um bom filme; mas a mesma ‘téenica aplicada a um astro que seja apenas uma atracio momen- tanea de bilheteria 96 pode resultar em “formule de sucesso” ou om tédio, Basta que se imagine Queen Christina sem Greta Garbo, ou La Femme du Boulanger sem Raima, para que se pereeba a fra- cqueza dessa téenica de produelo, baseada em determinado astro, como método geral. ‘Noutro tipo de filmes, a principal atracio no depende do di- retor: os filmes de Preston Sturges aio essencialmente o trabalho de um brilhante escritor de diélogos; o principal mérito de muitos dos" bons filmes musicados pode ser atribufdo, muitas vezes eom Justiga, 20 diretor da coreografia; e poder-se-ia dizer que, até certo onto, o projetista de eensrios 6 & figura-chave de um épico de De Mille. Estes filmes representam, antes de mais nada, 0 trabalho de ‘um outro téenico, nfo do diretar. ‘Nao obstante, convém notar que todos cles sfo irreatistes na maneira como abordam o assunto, Criam o seu préprio nivel, a sua propria atmosfera-desvirtuada, de varios modos: as figuras eariea- ‘turais de uma comédia do Sturges, as figuras majestosas e sobre-u- manas eriadas por Greta Garbo, 0 leve abandono de uma boa co- média musicada, ou os excessos espetaculares de um épico de De ‘Mille — todos dependem da atragéo que exereem no seu préprio ni- ‘vel artificial, Nao euidam de apresentar os acontecimentos de modo realista; a sua forga reside nas préprias deformagies de estilo. Quando consideramos filmes que tentam abordar a realidade de ‘modo mais auténtico, perecbemos claramente neles » mio forte do diretor. Os grandes filmes do perfodo sonor> — The Gropes of Wrath, Le Jour se Lave, Ladri di Bicielette — so todos essencial- e “filmes de diretores”. O argumento e a earacterizacio sio trans- mitidos em primeiro lugar pelas imagens — pela “coreografia” © montagem de imagens signifieativas. O principal impulso eriador (venha ele do homem que, nos tftulos de apresentagio, 6 dado como roteirista, diretor ou produtor) encontra expressio na criagéo de imagens significativas. A redagio dos didlogos, 0 projeto dos cené- ros. e 0 desempenho dos atores — tudo € subordinado a esta fina- lidade central. 58. Estilos Especiais de Montagem © emprego do som direto permitin aos realizadores de filmes contarem estérias mais eomplexas do que podiam fazé-lo no cinema mudo, Em conseqiiéncia, o cinema sonoro tende a concentrar-se nos incidentes e na narrativa, e nfo em formas indiretas de comentario € deserigio. Qs melhores diretores do cinema mudo tendiam a tiabalhar com enredo simples ¢ a desenvolvélos mediante simbolos e comen- ‘érios pessoais. Em contraposi¢ao, os diretores de filmes sonoros tm, de modo geral, até agora, empregado técnicas narrativas m: diretas. Os métodos de realizagéo de filmes tém hoje um apelo m to mais direto e muito mais intimamente adaptedo ao gosto do p blico médio. A narrative répida e dramética parece ser a chave do sucesso de bilheteria e & portanto, o objetivo da maioria dos dire- tores. Um filme destinado a atingir o nivel emoeional de, por exem- plo, Zemlia (Terra), de Dovehenko, on o nfvel intelectual de Octié- bre’ ou mesmo de Intolerance, dificiimente contaria hoje com apoio comercial. (Na verdade, nenhum desses filmes: recebeu apoio co- mercial. Intolerance foi, em grande parte, financiado pelo préprio Griffith, ¢ a indistria cinematogréfics soviética nfo era organiza- da A base de Iucro. Hoje, 0 custo de produzir um filme incompara- velmente mais elevado que no tempo do cinema mudo, e qualquer projeto semelhante teria que receber apoio financeiro para chegar = ser exibido.) Afora essa razo comercial dbvis, que levon ao abandono de to- do ieeurso de narrativa que no fosse mais direto, hi ainda um problema témnico novo relativo ao emprego do som. Jé yimos que 0 emprego do som direto nfo significa necessariamente que a mon- tagem dos filmes sonores seja menos complexa ou menos expressiva; isto 86 acontece quando se trata de seqiiéncias do cardter narrative direto, onde cada plano continua e a¢éo do plano anterior. Em se- iéneias que empregam uma continuidade visual menos direta, onde a justaposicéo de planos € determinada por uma relagio intelectual ou emocional, e néo por uma relagéo fisiea, o som direto pode tomnar-se um obstéculo intransponivel. Dois exemplos esclarecerao esta diferenca. Imaginemes uma cena simples, Um homem 6 visto caminhando pelo eorredor de um hotel e ouvimos os seus passos. Aproxime-se da Porta de um quarto ¢ abre-a: ouvimos o som do abrir da fechadura. Em meio ao seu ato de abrir a porta, cortamos para outro plano no interior do quarto, que continua a agio do plano anterior. O homem fecha a porta atrés de si e ouvimos o rufdo. Acerea-se de outro Personagem, que Jé se encontrava no quarto, e vemos e ouvimos ums a ‘cena dialogads. Enquanto se ouve o diflogo, cortamos primeiro pars ‘um plano mais aproximado dos dois homens, e depois para primei- 10s planos elternados de um de exds ver; em eada caso, as palavras ‘ouvidas so ditas pelo personagem que aparece na tela. Em seguida, mostramos um plano de reagio enquanto.o personagem fora da ‘ela esté dizendo @ sua fala... etc. ‘Trata-se de uma seqiiéncia de narrative direta, na qual cade corte continua a agéo fisica do pla- no anterior. £ claro que o emprego do som direto nfo constitu ‘qualquer dificuldade, mesmo que 0 ritmo dos cortes seje muito ré- ido. Tomemos agora um exemplo no qual @ montagem nio une acbes fisieamente continuas, mas no qual vitios scontecimentos, fisica- mente desconexos, sfo reunidos numa tinica seqiéncia. © grande planisin aprozimase do climax do Concerto de Tehaikorski, no Atbert Hall, Num eamorote,estf o Principe Real da Burittnia. Sab o camaro: ‘2, um rorolucionério est ‘colocando 0 detonador em uma bombs. Num tél, correndo para aviser o prinelve, ext Rose Rowntree, moga inglesa simples que © ama pelo homem que , Num filme mudo, ao atingirse o climax da seqita- ia, os planos das mifos do pianists, do principe, do fogo avangando pelo estopin edo taxi dobrando veloznente uma esquina sobre duas vedas, alterarse iam ‘2 ums velocidade eade ver maior. Oa olhos do espoctador, Jé habituades as imagens, eerlam eapozts de identified lar numa fragio de segundo, e 0 fato de que as imagens padeasem ter elementos de movimento em comum — as moe Geslisando pelo taclado, a chama camizhando pelo estopim, o txt dando im- [preseto de’ atirarso do encontro & clmara — esse movimento comum, apecar ‘og contrastes, preervaria a unidade vieul. Mas, co tentamoe maginar os me: ‘mae eontrastes em termas de com — a mésica do piano, o chiar do eitopim, © cstrépito do motar do tixi — vemos imediatamente que, para cerem intligt veis €, principelmente, para serem eficazes, esses contrastes exgiriam dex Yess sais expago. Neste tipo de montagem répida, trinta centimetros, quinzo centimetres o ‘até menos oo compreensives vieualmente, mas no auditiramente. Além disto, ‘nfo hé ums unidade entre os sons como havin no movimento das imagens. O ‘eccelerando sonore s6 pode ocorrer quando 0 som 6 da mesma expécie. O zitme a misica pode acclerarse,-o ruido do motor pode tormar-se mais alto, max no se obtém um elimax passandose de um som para oxiro em vloeidade eresoent, como se pode fazer com as imagens. O resultado seria nada mais que uma mi x6rdia sem sentido de song incompreensveis. A mencira Gbvia de reelicar esta ‘seqiiucia em termos do som seria manter iniaterrupte a mésiea do Concerto cortar o filme no ritmo adequado, deapresando-e 0 naturale, ¢ fazer com ‘que o elimax visual enineida com o climes musical The Cinema, 1950. Béitado por Roger Manvell. Penguin Books, 1959, ‘tagéo do ensaio The Tenth Muse Tabee Stock, de Anthony Asquith. 55 Na continuidade deserita, eade.-corte nos leva a uma par te da aio fisieamente independente da aco do plano anterior: em cada caso, existe apenas um vefcalo emocional entre imagens suces- sivas. Em segiiéncias deste tipo, como diz Asquith, usar 0 som. cor- respondente a cada imagem produziria um resultado sem sentido. £ necessirio usar, uma trilha sonore continua, empregando-se um 36 tipo de som para todas as imagens — o que, naturalmenté, é 0 que se faz. Cenas de um carro em perseguicio a outro, que exigem um tipo semelhante de montagem alternada répida, sio geralmente acompanhadas por um som continuo e ereseente de uma sirena po- licial, Outras éenas deste tipo nfo usam qualquer som direto: 0 apoio sonoro 6 dado por uma trilhe musical “de fundo”, que atin- ge o climax ao mesmo tempo que o filme. (Se 2 seqiiéncia deserita por Asquith s6 passasse num teatro, ao invés de numa sala de eon- certos, ter-se-ia que empregar uma partitura musical superpasta, ou outro tipo de som continuo.) Bxiste outro efeito de montagem, inteiramente diferente, que também néo pode, ser usado com som directo. Ja descrevemos 0 modo pelo qual Griffith, e mais ainda os russos, usaram 0 que Pu- dovisn chamava de “montagem associativa”. Citamos exemplos des- se tipo'de montage (como a seqiiéneia da Bolsa de Valores em O Fim de Séo Petérsburgo). 0 método consiste na utilizagio de vé- rias imagens sem eonexio fisies, ordenadas de modo a transmitirem ‘ertas impresses emocionais ou intelectuais, Muitas vezes, inserem- se imagens isoladas, sem qualguer ligacio com a “estéria”, (Por exemplo, os planos das imagens religiosas chinesas numa seqiéncia que se passa em Sio Petersburgo, em Octidbre.) O problema de adaptar uma trilha sineronizada de som direto a uma série de ima- gens deste tipo 6, evidentemente, 0 mesmo do exemplo citedo por Asquith, Trata-se, realmente, de um problema insolivel, uma ‘vex que a soma das vérias pequenas impresses sonores nao transmi- tiria signifieado algum. Alguns cineastas do infeio do cinema sonoro tentaram introdu- zir_certos efeitos simbélicos na seo dos seus argumentos, evitando assim a necessidade de obter efeitos mediante 0 corte para objetos alheios & est6ria, Hitcheock, em Blackmail (1929), utiliza um quadro 4 éleo de um palhago sorridente que é introduzido na agio em vé- ras ocasides, com implicagées simbélicas bastante rebuscadas. Em City Streets (1931), Mamoulian utiliza planos de figiras ornamen- ‘ais de gatos numa aleova de mulher, numa alusio ao cifime desta; mostra um plano de péssaros voando, no lado de fora de uma janela de prisio, para simbolizar a Wberdade; faz com que o apagar de um fésforo simbolize um assassinato. Mamoulian j& havia antes ex- perimentado efeitos desse tipo em Applause, mal, reeebidos pela cxition. 56 ‘Uma das melhores eenas de Applause 6 0 momento om.que o amante de ‘ums tris Gecadenth do teatro Durlesco the diz que esti velha, fein e acabada. ‘eimara demoraae um instante sobre 0 rosto da Srta. Morgan, voltage lenta- ‘mente pars tna fotografia emoldurada quo a mostra na pleuitude da moci- dade, ¢ vetoraa a ela. movimento da clmara combinase com a vor amarga ‘gee continua robre a Imagem, intensificando enormemente o efeito. Em outta ‘Sina, quando a filha da dangarina ergie tm copo de fgua num restaurants, a sndsics cesca lentamente © a imagem fmdete para tm movimento identico do ‘raga da mile, que leva wm copo de veneno aos labios, Embors ‘guintes postain ‘parecer Sbvioe, erm inssltadamente bons nos primérdlos do ‘A Giltima observacio de Jacobs & severa demais, Classifiear de Sbvios os efeitos de Mamoulian simplesmento porque 0 seu uso esté fora de moda é falta de generosidade. 0 que est em voga hoje € a narracio direta e dramética; os artitieios simbélieos do tipo que ‘Mamoulian empregava cafram em desgraca, Nao “‘contribuem para ‘0 andamento da estéria” e sio, por isso, considerados pela maioria dos realizadores como entraves desnecessérios & continuidade do filme. -A opiniio de Jacobs (“embora hoje esses requintes possam parecer dbvios. ..”) foi emitida do ponto de vista do piiblico con- temporineo que, habituado durante anas a assistir filmes de nar- rativa simples, jé néo tem a devida receptividade em relagdo a sim- ‘polos, insinuagées e outros requintes subjetivos. ‘A introdugo do som, portanto, muito contribuiu para obrigar os realizadores cinematograficos a se coneentrarem na nerragio rea- lista e a rejeitarem os métodos de alusio visual indireta do cinema mudo. Ao fazermos tal afirmativa, porém,-6 importante que se com- preenda que esta nova atitude foi uma questo de escolha, nio uma necessidaide decorrente de alguma nova-limitagao imposta pelo ci- Nao hé motivo algum para que um filme sonoro néo utilize artificios pictoricamente expressivos do tipo usado por Mamoulian. 0 caminho do realismo nao & necessariamente o tinieo para o desenvol- vimento do cinema sonore. Em muitos filmes sonoros, hé indicios do que certos recursos pessoais, essencialmente isentos de drama- tividade, podem ser emprogados eom grande efeito, desde que o fil- me, no eu todo, seja concebido num estilo que permita a esses sim- Dolos © imagens acomodarem-se naturalmente na continuidade. ‘© emprego dos gatos ornamentais ¢ felpudos como simbolo do me da mulher em Cily Streets deixa de causar 0 efeito desejado, 1. The Rive of the American Film, Lewis Jacobs, Harcourt, Brace & Coy 1099, pp. 1701. 8T no 6 que 0 artificio em si seja condenSvel. Acontece que o efeit foi introduzido no decorrer do tuna narrativa direta e realta, A sibita transigio do realismo para sfmbolos altamente sofisticados ¢ artificiais torna-se inaceitvel porque obriga o espectador, por assim dizer, a vor a agio com olhos diferentes, Os efeitos de Mamoulian, como diz Jacobs, sio meros “requintes”: no chegam a constituir Parte Integrande da narrativa, Falta thes a indispensivel unidade le estilo. A adaptagio de The Queen of Spades, de Pushkin, 6 um dos oucos flog sores dos fitimes anes taser ‘go extant de ise bolos pessoais. A imagem de uma teia de aranha 6 repetidamente utilizada eomo stmbolo; o rufdo do vestido da velha Condesca adqui- re um significado simbélieo préprio; na cena em que a Condessa, quando joven, “vende a alma” e yolte ao quarto para ajoclharse ante a imagem da Madona, uma rajada de vento apaga as velas ¢ 0 quarto mergulha nas trevas, como se a Virgem rejeitasse as preces da jovem, Esses efeitos sio accitaveis em The Queen of Spades por- ‘que todo 0 filme foi coneebido e exeeutado num estilo que comparts. © uso de simbolos desse tipo, A natureza do argumento do filme, 0 Iuxo aparatoso dos cendrios, a iluminagio suave e elegante (intei- ramente irrealista) e a representagio vigorosa ¢ imponente dos per- sonagens, eonferem ao filme um estilo no qual o simbolismo visual se encaixa de maneira accitével: os simbolos nfo sio “acrescenta- dos” ao argumento, Go parte integrante do estilo. The Queen of Spades demonstra que o cinema sonoro se presta a esse estilo de evocagio indireta, desde que se mantenha uma unidade de estilo em todo o filme. Todos os efeitos que deserevemos até agora foram retirados do ambiente em que se situa o argumento. Os comentarios eubjetivos surgem com naturalidade: resultam de uma observagio scletiva do ambiente. Para Ernest Lindgren, isto sempre deveria acontecer: a analogia ou o simbolo visual é ‘sempre mais expressivo quando & parte natural da est6ria. Convém lembrar, no entanto, que os Tus- ‘0s produziram alguns dos seus melhores contrastes visuais igno- rando completamente o cenério natural do argumento ¢ cortando para imagens sem qualquer relagio fisica com o resto do filme. Na seqiiéncia de Octidbre em que Hisenstein quer satirizar a pan- tomima das ceriménias religiosas, ele corta da legenda para planos de fcones, igrejas ¢ torres inclinadas, para primitivas efigies egfp- cias, chinesas © africanas. A sucesséo de planos nao tem qualquer conexio fisiea: 0 que os une 6 um conecito abstrato. Obviamente, 6 impossfvel realizar uma eontinuidade deste tipo com som direto, A seqiiéncia € composta de planos heterogéneos no tempo e no espago, e qualquer tipo de som naturalista apenas chamaria 2 atengio pata a sua diversidade 58 Poder-se-ia concluir que o cinema sonoro no se presta a esse tipo de montagem ‘de idéias”. Mas a verdade nao bem ésta. O fato_ = de que o proprio Hisenstein nunea chegou a assimilar inteiramente~ © 0 novo elemento do som tampouco prova coisa alguma, a no ser i que ele, pessoalmente, nao o assimilou, Certos diretores britanicos de documentérios da déeada de 1930, especialmente Basil Wright ¢ Humphrey Jennings, demonstraram que os métodos de Eisenstein ‘podiam ser levados adiarite no cinema sonoro. Alguns trechos de Song Of Ceylon (Go quel analisamos uma seqiéneia na pégina 158) mos- ‘tram que o filme de idéias tem muito a ganhar com 0 uso imaginativo do som. Experimentando com o som, desenvolvendo uma continuida- fe sonora extremamente eomplicada que alternadamente contrasts fo hermoniza com a imagem, Wright demonstrou que 0 coneeito de “montagem associativa” de Kisenstein — montagem baseada ‘numa idéia, sem atentar para a unidade de tempo ¢ espago entre pla- hos adjecentes —~ podia eontinuar desenvolverse no filme sonore. So as experiéncias da década de 1930 — foitas por Wright. Jennings e, em menor eseala, por Lorentz em The City — nfo fo- ram depois suficientemente exploradas, isto nio prova que s¢ja impossivel levé-las adiante, , antes, conseqiiéncia do retraimento dos patrocinadores de documentérios nos iiltimos anos: um miimero cada vez menor de financiadores se mostra disposto # eoneeder 20s. Giretores (como os soviéticos faziam na década de 1920) a liberda- de de experimentar com técnicas mais abstratas. No entanto, hé um ‘vasto campo para experiéncias neste particular. ‘Na seo sobre a realizagéo de documentérios, tentaremos ana~ lisar alguns dos filmes eujo efeito 6 obtido através de montagem associative, Por enguanto, vale motar que, nesses filmes, como tam- ‘bém em compilagées, 0 montador readquire um pouco da importan- cia que tinha no cinema mudo, O método de filmagem de Wright te, de modo bastante diferente, o de Flaherty) deixa boa parte do tra- palho eriativo para ser feito na sala de montagem. A qualidade de: filmes como Louisiana Story e Song of Ceylon faz-nos lamentar que io se possam adotar os métodas de produgio dos seus diretores em maior néimero de filmes, Como j4-sugerimos, existem boas razies ‘econémicas para isto, razdes pelas quais se prefere uma ‘continuida- de planéjada de modo mais inflexivel em torno de um enredo. Quan- do essas razées forem, de um modo ou outro, superadas, toda uma hnova. gama de temas estaré novamente ao aleance do cinema sonoro. ‘Atualmente, podemos apenas imaginar, com esperanga, como serio os filmes de algum futuro diretor do cinema sonoro que ‘trabalbe: ‘com a liberdade de um Griffith, de um Eisenstein ou de um Dov- chenko. 59. 15 A Montagem do Som Generalidades No capitulo anterior, jusiticamos o proceso de cortar de de- terminado plano de uma cena para outro dizendo que, na vida eat diana, a nossa atengio sofre constantemente modificagdes parecidas. Quando ergo os olhos do livro que estou lendo para ver quem acaba de entrar na eala, transfiro a minha atengso bruseamente do livro para a porta. Os meus olhos registram, momentaneamente, os objetos {que estdo entre 0 livro e a porta, mas néo tomo conhecimento deles porque, antes de virar a cabeca, 86 estou interessado no livro e, de- pois de virdla, 06 me interessa ver a porta. A partir desses fatos comprovados, chegamos & eonelusio de que o corte, eno a panorimi- ca, é normalmente 2 maneira adequada de proceder a uma troca de ponto de vista num filme. A maneira pela qual pereebemos o som 6 algo diferente. Ao con- ‘tririo da visio, 1 andigio recebe estimules simultineos vindos de qualqusr diregao, desde que sejam suficientemente fortes. Podemos ‘ouvir muitos sons diferentes ao mesmo tempo, provenientes de virias diredoes. Quando um novo som atinge o noss® eampo auditivo, ao in- ‘és de eliminar os outros, passa a fazer parte do som global que ou YVimos. Assim, cortar de uma trilhe sonora para outra seria um modo artificial de exprimir o som natural, e tenderia anular o elemento de realismo que o som acrescenta a6 filme. 8, pois, evidente, que a ‘questo do som deve ser sbordada de outra maneira, Pera melhor compararmos 0 om ¢ as imagens, examinemos an- tes o mecanismo da visio. O olho, como 3é dissemos, néo 6 seletivo, 265 ‘ums ver que vé tudo o que se encontra no seu eampo visual, Mas no ‘vé todas as coisas com igual clareza. Quando eserevo em minha me- s2 de trabalho, coneentrando-me no papel diante de mim, existom vi- ros objetos no meu campo visual — um cinzeiro, uma’ borracha, a minha mio esquerda — que no perecbo conscientemente, a mio ser que um movimento fisico ou um esforgo mental deliberado faga com que eu transfira a minha atencio para um deles. Se, para fins de discussio, supusermos que uma mao comece a rasbiscar silenciosamen- te alguma coisa na parte superior do papel, eu imediatamente peres- deria 0 movimento ¢ instintivamente olhatia para cima, A mio em mo- ‘vimento passaria a sero novo centro da minha atencéo. 8 por isto que o diretor geralmente procura manter a acio perto do centro do fotograma, para que o resto do campo de visio cinemética (ou seja, ‘2 tela) fique disposto mais ou menos simetricamente em torno do principal foco de atengéo. ‘Bfeito semelhante pode ser observado em relagio A profundida- de dtica. Se eston numa encruzilhada, olhando um poste de sinaliza fo, toda a paisagem ao fundo estaré no meu campo de visio, mas fora de foeo, e eu nfo a pereeberei até que algo — como, por exem- plo, o sibito vdo de um péssaro — me leve a focalizar os olhos num ponto mais distante. Por esta razio, o eincgtafists, quando filma ‘uma cena, procura normalmente focalizar objetos situados dentro de determinadas distancias da cimara; 20 fazer isto, esté sutomati- camente focalizando os olhos do espectador para os objetos desejados e chamando a atencio sobre eles. 0 fundo ficaré fora de foco — exa- tamente como aconteceria so estivéssemas realmente assistindo ccna © mecanismo normal da nossa reagio 20 som 6 algo semelhante. Agora mesmo, hé uma-variedade de sons em torno de mim — o tique- taque de um despertador, o radio do’ vizinho — quo nfo perecbo, 8 menos que procure ouviclos. Do mesmo modo como nao pereebia a paisagem distante, para além do poste, também no peresbo o tique- ‘taque do rel6gio. De fato, 6 bastante comum que uma pessoa nao ouga quaisquer sons quando eoncentra a aten¢do em ontra coisa. Se, tho entanto, 0 despertador repentinamente comegange soar, a minha tengo seria involuntariamente desviada pela stbita mudanca de qualidade e volume do som, da mesma forma que o movimento repen- tino do passaro desviaria do poste a minha atencio. Para que 0 som acompanhe realisticamente 2 imagem de um fil- me, devese levar em conta, na trilha sonora, 0 mecanismo normal da audigéo que acabamos de salientar. Nao é necessério gravar cui- dadoramente todos os sons que acompanhariam as imagens na vida real. Assim como nio escuto o tique-tague do relégio quando penso em outra coisa, também o espectador nao se importaré (nem mesmo peresheré) um relégio na tela que nao esteja tiquetaqueando, eor- 266 tanto que haja uma ago para prender a sus atengSo, Em outres pa- lavras, 96 6 necessérfo gravar os sons que tenham especial imppr- ‘tincia. Mas, bé um limite para a aplicagio deste prinefpio. Se dois per- sonagens esto sentados e conversando dentro de um carro em mo- ‘vimento, 6 bom que a platéia ouga o rufdo do motor para saber que ‘cio se passa realmente mum earro. Se no ouvisse o som logo que ‘cortéssemos para o carro, a platéia sentiria imediatamente que algo estava errado, Contndo, quando as personagens eomecam a falar, no & mais necessério que se ouga o rufdo do motor, uma vez que a con ‘versa mais interessante: conseqtientemente, o rufdo do motor pode diminuir. Fazer isto nfo significa de modo algum tomar uma liber- dade indevida em relagio & cena, tal como cla normalmente ocorreriag numa situeto semelhante na vida real, 0 rufdo do earro perde total- ‘mente a importancia ¢ deixamos de pereebé-lo, Contudo, no podemos cortar da trilha do som do earro para a do didlogo porque, como ‘mos, a mente & sensivel a bruseas mudancas sonoras; 0 corte chams- ria a atengao para a mudanca e, conseqtientemente, pareceria art cial. Ao invés disso, 0 som do motor deve diminuir gradualmente e ser mantido no volume eudivel minimo. Este exemplo simples mostra a diferenca entre o tratamento cinematogréfico do som e das imagens. As mudancas gerais de nivel e qualidade do som — em contraposigio com os sons isolados como, por exemplo, 0s dislogos — deve ser feitas mediante uma espécie de fusio auditiva, e néo por um simples corte, Como-as mudan- ‘eas de som, do tipo que discutimos acima, tém que ser gravadas num filme como se correspondessem a uum processo mental subeonseiente na vida real, & preciso que ocorram gradativamente para que nio perturbem a platéia. O método de gravar varias trilhas sonoras sepa- ‘radamente o, em seguida, regravé-las em diferentes volumes, foi de- senvolvido para possibilitar essas transigées gradativas, em eondigSes que dio ao téenico do som um completo controle do volume de cada ‘rilha. ‘At6 agora, examinamos apenas 0s sons oriundos de fontes visf- ‘veis na tela, isto 6, os sons sineronds. Bas os nostos ouvidos reeebem sons de toda parte em torno de nés, qualquer que seja a directo do nosso campo visual: na vida real, percebemos grande mimero de sons provenientes de fontes que néo podemos ver. Hsses sons “niio- sineronos” devem ser gravados na trilha sonora lado a lado com os sin- ceroncs, se 6 que se deseja um efeito global fiel. Mais ainda: vere- ‘mos que os sons niosineronos so, de eerta fornia, os mais importan- ‘tes. Quando subo uma encasta e vejo um carro deseendo em minha di- regio, 0 fato de ouvir também 0 seu motor. nada acreseenta 8 minha pereepgio do mundo exterior. Mas se, ao eontririo, outro carro vier 267 subindo atrés de mim, eu o owvirel antes que o possa ver. Neste caso, 0 ruido teré chamado a minha atencio para algo que eu ainda nao havia perecbido, isto é que um carro estava a ponto de me ultrapas- sar, Neste caso, 0 som ndo-sinerono 6 obviamente mais importante que o sinerono, © processo subconsciente pelo qual, do som global que nos rodeia, selecionamos para a nossa atenefo determinados ruidos, exeluindo outros da nossa consciéneia, favoreee geralmente os nfio-sinerones. Pudovkin di-nos um exemplo disto, na vida real, voef,Ieitor, pode ouvir de repente um grito de sosort: e inizio, os seus olhos ditigemce para a janela; depois, olhands para baixe ‘véem somente 0 movimento do transite. Mas voc! ado ove 9 som natural dos ‘automéeeis¢ énibus; ao iavés disso, ouve ainda © grito que The chamon a ten Ho. Finalmente, os sews oltos encontram © ponto de cate partiv 0 grito: ha fama multidzo 1d embalso, e algvem esté exgoendo um homem Lerido, que ego 7a ndo orita mais. Ao obxervar o homem, portm, voob eoteca a peresber 0 raid @o trifego e, em melo a esse romor, 0 estridulo de time sirena de ambulanecia ‘quo aumenta’gradualmonto. Neste ponto, © gua atengio € atraida para as roupas 0 homem ferido: 0 temo 6 igual ao do seu irmio. quo doveria vir vsitGlo he ‘Guas horas. Na. grande tensSo nervosa que se soguo — em que voed ext, sioso ¢ querendo saber so aqusle homem, talver movibando, 9 seu Smo — Yodo som cessa ¢, para vost, hé um silencio total. Que horas serio? Daas horast ‘oes olka o reléglo e, 20 mesmo tempo, ouve o set tiquetague, # a primeira ‘imagem com som sinerono que voed reeebs docdo o instante em gue ouvi 0 grit Pode-se objetar que o incidente eitado por Pudovkin 6 um exem- plo engenhoso, inventado especialmente para eomprovar uma tese. ‘No entanto, deve ser suficiente para demonstrar que néo-pereep- ‘gio de sons sineronos é uma experiéneia comum — normalmente, no eseuto 0 rufdo que a minha pena faz quando escrevo —, a0 passo que os sons néosineronos tendem a atrair a nossa atencio, uma vvez que indieam algo que néo haviamos perecbido antes ¢ que, além do mais, queremos pereeber. ‘Vé 0 leitor agora o motivo que nos levou a uma digresio tio comprida. Para que o diretor utilize a trilha sonora de maneira eria- tiva, deve ter em mente os prineipios gerais discutidos acima. B, no entanto, uma fidelidade rigorosa & experiéneia vivida pode levar, na melhor das hip6teses, apenas a uma recriaeio fiel da realidade — e ‘onde ficaria a liberdade de interpretagio do diretor ¢ do montador de som? Do mesmo modo que com as imagens, também com 0 som deve © diretor dar a sua prépria interpretaedo a um acontecimento. Normal- Film Technique, V. I. Padovkin, Newnes, 1985, pp. 157-8. 268 vida cotidiane, e sim — dentro dos limites da eredibilidade — pro- cura dar-lhe a interpretagio dramética mais eficaz. Com isto em men- te, pode tomar grandes liberdades com a trilha sonora sem chamar a atengio para a técnica empregada. Gonsideremos novamente o relégio que aparece na tela: disse- mos acima que, se a aedo for suficientemente interessante, nfo 6 ne- céssério ouvir-se 0 tique-taque, Mas também pode-se fazer ouvi-lo. Se © diretor deseja exprimir o estado de espfrito de um personagem que ansiosamente aguarda noticias quanto a um ponto vital da estéria, 0 tique-taque do relégio reforearé o clima de expectativa. Por motives diferentes, o diretor poderia ter utilizado o tique-taque na abertura da cena, para depois faz6lo desapareeer gradualmente; ou poderia ter empregado um miimero qualquer de sons nAo-sineronos. isolados ou simultaneamente com o tigue-taque. Na verdade, pode eseolher entre um grande néimero de sons para dramatizar os sons naturais. 0 bom emprego do som nio significa apenas sobrepor a trilha sonora mais eficaz a uma imagem previamente eoneebida. Significa também que a imagem deve ser eoncebida, nio independentemente, mas em termos de possiveis associagés sonoras. Em You Only Live Once, de Fritz Lang, ha um exemplo simples disto, embora muitos outros possam ser eitados: uma moca (Sylvia Sidney) espera sozinha no quarto, sentada numa banqueta, de costas para um piano aberto; sabe que o seu marido (Henry Fonda) seré enforcado as onze horas. Quando o rel6gio marca as onze, ela se levanta da banqueta o, aci- dentalmente, apsia a mao sobre o teelado: um som diseordante, gra- ve e desagradavel quebra o siléncio, exprimindo de certa forma perda cruel que ela acaba de sofrer. Para este efeito particular, foi preciso coneeber ado visual de sorte a levar com naturalidade a0 ‘feito sonoro desejado. A escolha da fabrica como local da seqiiéneia do assalto em Odd Man Out (ver adiante) 6 um exemplo do mesmo processo. Gabe ao diretor e a0 montador do som eseolher os efeitos sono- zos. B evidente que, quanto mais eedo no procssso da produgio se planejar a seqiiéncia completa, melhores sero ‘s, resultados. Uma ‘vex tomadas as decisdes, porém, cabe 20 montador outra tarcia da maior importéneia: a gravacio das trilhas. Conhecendo as exigéncias dramétieas da seqiiéncia, o montador deve procurar gravar efeitos ccuja qualidade seja adequada. Uma eena pode, por exemple, exigir 0 som de uma buzina de earro, Néo basta que o montador procure nos arquivos uma trilha qualquer de buzina e a adapte & imagem. Teré que determinar o signifieado exato do som na cena e preparar a tr- Tha de acordo, A buzina do carro pode ser necessiria, por exemplo: 269 (2) como elemento do ruido de fundo do trinsito; (2) numa cena de eomédia, na qua} um menino sublu so volante do carro do pai e insiste em businar repctdamente, para grande desagrado deste; (@)_ como o sltimo aviso desesperado de um motorists, antes de atropeler ‘uma erianga. ‘ extremamente dificil deserever em palavras as pequenas dife- rengas de qualidade do som, embora sejam facilmente reconheciveis quando ouvidas. Ainds assim podemos dizer que, no primeiro caso, se poderia usar um som grave o irregular de buzinadas intermiten- ‘temente longas e breves; no segundo, os sons poderiam ser longos € fortes, com uma tonalidade aguda, insistente e particularmente irri- tante; e, no tereciro e280, um tinico sort: breve, agudo e penctrante, talver exprimisse melhor o perigo iminente. Em cada easo, 0 som seria perfeitamente verossfmil, mas a tonalidade aereseentaria algo ao efeito dramétieo da een. Anélise de uma Tritha Sonora Nos fitimos eapftulos, que versam principalmente sobre a mon- tagem visual dos filmes, vimos como, multas vezes, a cadéncia, 0 ritmo e, até eerto ponto, o volume da trilha sonora afetam 0 anda- mento geral de uma seqiiéneia. Antes de o estudarmos em termos ge- ais, vejamas como ese aspecto da montagem do som funciona na préticn, em uma seqliénela de Odd Man Out: opp MAN OUT: Trecho do Rolo # ohnay McQueen (James Maton), Ider do wma organisagio re- Yoluciondeia ilogel, esteve escondido durante seis meses em, cass ‘e um amigo, Plangja acreltar uma {abrica da visinhange a fim de Soobar dinteize para financlar a onganizagio. Por haver permancsido fechado em casa durante stis meses, fofre uma vertigem durante o assalte, © sua indecisio momen” ‘nen leva ao fracasto do golpe. Pat (que dirige 0 carro), Nolan © Murphy sio os seus ajudantes no astalto, ‘Antes da sogiéacia soguints, vimos Pat apanhar Johny, Nolan fe Marphy levilos até a fabrica. Dizetor: Carol Reed, Montador: Fergus McDonell. Moniador de Som: Harry ‘Miler. Um filme Two Cities, 1946. 270 12 Johaay, Nolan e Murphy ssom do carro e sobem on degraue do ‘Prédio do escrito da fabrien, 3 Fitmagem através da porta de vi- o 8 Fry 20 a Aro do prédio, enquanto os tr8e ho- ‘mens entram 45 Nolan, Murphy e Johnny percor- om 02 corredores dentro do. Pre Gio, na divepdo da cimara em ar bee or plano. 1370p trés homens entrain no esr: 9 de contabldady sna o Te eres © cbrigam se empregedos emntarenat inGvla; Johnny val 46 0 cofze aberto,fetira maget ae cbdclas « ealnion dentro da Feta HC un avira do ro 40 fund, atras da qual an operd as Gabi, Deane asia Gin, Nolan vipa eo emprogadon, rdenandone, ent pequenes 7a es lanes gue ae faster da Givnbla de Vio, Falace molto poaca. Pet do lado de fore, experando ‘no earro, Oha pore fora me ‘pera fora de que- Fitmagem da altura da Yinka de aaa frente do. prédio. LPP. Pat olha em tomo nervosa: ‘ments, abrigo, obstruindo 22-26Pet olke nervosamente para a ‘carga de earvi, Som de posses, Carithso. do religio da cidade © rel6pio termina 0 repique de since antes de coor & hora. Euido da porta giratira, quan {20 og omens entrom Comers pide ere © repaint da Raido adofado de pastes de he- ‘mens’ evmentondo no decorer os dois planes. Buido da fabrics, maie forte ‘que antes. Ouvemee. distinta- Jmente todos or rides aces Sirioe, como 0 ettalar das cfd as, ‘passes, ete. Quase nda 1 digiogo, mos podemos ouvir 0 sbilar das ordens roves de Nolan: "Pot, Pet, Shh. Gessa 0 ruido da fébrica. Ou- eee 0 iso de uma mora. Buido {to motor do carro ¢ #2 aotle- regio répid, Buide mais accleradn « forte 420 motor. Buide alto © aitido ‘dos ‘passoe do cascl que’ sobe 8 degrans. “Careao!™ 0 ruldo do carro con- tinue. Cease o ruido dos cescos de ce- tala. 0 raido do motor do. cor Continua 0 raido do motor do Mer. ae 375 732 2286 218 ae 3,05 om ater. Mee. 2528 Interior do exeritrio. Johnny Euldo da fébrica, como anter. 10, aida muito forte da accleracéo ie am pests on nos mayan Het dar afoés que Sete ao eotor (hehe By. Pascoe Zeta Oe cu dnt mens = ny pante ciebetoedencte« fea Romons na diregdo 80 caro. geirnmse em Poe dentro da past . Prontoe pers portixs Nolen wo. ae , 5 PM. O camo. Murphy extra e'0 0 alarms continue. 0 eolume 188 Fia‘algumao recs para avisar ach i aro pices em movimento. No- da aclerepzo do motor aumento ssnigor que te apremem. iiagies,edeany ate ao & (Go ‘Gy ngtnto et ‘iby com difisildeds. Sfasta eclosmente 20 Os tats homens ssem pels porta ‘rast 4st 16-64 Planos ds run & frente do carro, 0 ruido do motor diminsi wm 335 ‘ correm pelo eorredor, afostendo- do edmara. flternados com primeiros planes do pouco. Sobre os primeiros pla- Pat e Nolan, quando 0 carro se nos do saterior do carr, oxrse Siusta, Johany ainda 2i0 conse: ume tha em "grande plano” i guia entrar inteivamente, e Nolan do carro (Trtha D), vottondo o S Murphy. tentam puxélo para ruido menoo forte do motor ame Gentro.O carro passa entre a ear’ quahde surgem os lance do ex foqa de carvao eo abrigo, numa terior do carro uinada ripida e Pat manobra por Murphy: Ei dobrer sbroptameuto una es — Eapere que a gente pons de 30 Os homens correm por outro ear elor. Varias pessoas olham-n09 ¢, solo recess grifemhes gue pa aie bea Guine Notn e afaghy ato com pee ented Sigocm angurar Johany e peatlo gery a $31.82 Nolan » Morphy dss oren- asa ara dente. Sando @ carve sobs 0 aigada ‘oon degrase Ge entrada do pré io, Tohiny tegueas tae, de re ie ars saad tio No. Pat ‘gitambe que corms. yous © Fea ©. aisa vem correndo pela Fortty Jokany! Venka. Venhs, John ie Johany, com um revolver, ‘ny, venhs! Cuidado! ” ¢ impede a saida de Johnny pela yr fecada Os das uta evolam pe. Cooa: Beido forte de. derrapagem ‘quando 0 carro dobre a esquina (rnitha 2). i vat escorregert 65 PP. Johnny faz uma vi teptativa Geatinua 0 ruido do motor. 046 de agarear 8 eapota do carro e cal Nolan: I chao, ‘Pare! Quem 6 vocb? pene (Cuidado, ele vat eairt Owsem-se nitidomente todos 08 Murphy: pequenos ruldos da lula ¢ 08 Mio o larguo! omens rolando pelo chao. O caixa atira ¢ tinge Johnny no Um tire. ombro, Johnny consegee sacar 0 66 A ckmars, filmando do carro em Continua © ruido do motor do 218 ‘movimenie, scompenba Johany em 60770. or a Fosorinh unt Seto ude Joon ea om lene Mary stm cored So Ecer'h Sloane cone no Sila’ strde ea, forte ¢ in her ere oe icons depressa! m me a, Durante toda a seqiléncia, owve- (67-69 Murphy ¢ Nolan, em pinico, grid mision continue. 182 witcanpatnha de carne 0 a NatrePaane: & @ raido do motor contnus og ome de aoe 20 Seance ton Pat Tete cave Cathe 2). 10-0 cara ents em quire plea A mice contines oss Sees men om Se Spent em ae ogre Fie (ta ‘Ponha-o pra dentro, homem! a Bopeany pope pes 11 MEP. Pat. Fonortmico do cog. 4 min continu ua Ber Haro exiting cot 0 Fangdo ds froin ee, Alarma da campoinhe ¢ aocle. Jo esti purando broscamente, Pat em addncie, quebrado apenas pea 96) comtemas els Jollee para Nolan e Murphy. pelo toque distonte do alarme, nord Pat: ‘54 Murphy © Nolan ajudam Johnny. 4 oampoinka de alarms conti 188 ‘Pronto! Agora seremos todos ue + sapanhades! 212 213 2.2 rts omens 1 no car. A msien continua, anes ‘lar Segue adante, experts 2h Nolen erphy grtom apualar Johany aa eaguiaa. Apés “MS OOM OF outros, [eendo efter ee! Quando Johny 0 tent em chorro © persegue. Corre por uma latido forte de eachorro passa @ ua decerla, pasea por ume erian- *9%H0 enquanto ele core. Shane's am deste PO Aopen Pace ‘el te she er e id ns aye arta ene eo a0 longo da parede da direita, mésica. - Somuy pia's'aben panes SSOS"w vdw queda pus donor ge 2 il ste ee ee cee g tmtanmee, file itn fom ce ar Soerntee por ae eee aon, Esta cogiincia de assalto 6 apresentada de modo reais omens sdo musradce como atts Humans eomaus edule age tentativa de obter dinheiro para uma eause termina trapieruons Nada af lembra a improbabilidade e a glorificagéo da crucldade que eneontrariamos numa seqiiéneia semelhante de um filme de genss. ters. Embora isto nio impeca que a seqiiéneia seja emovionante, sg. nifica que, para manter o realiamo, nfo se podia langar mao dee eteitos Obvios, artificiais e exagerados de som e imagem. O som & fimoE natural; eotibul pare efelto drandten unicamente pe ins variagées lade © pelas cui ‘variagées de ritmo e preméneta da trlha sonora, Pn unas Yariagien de itm As poucas frases do didlogo nunea séo explicativas, Apen fonam & efcicis das imagens. Por exemplo as rendteat metre s0es de Pat para Johnny, que hesita na escada, reforgam a premén cia da situagdo sem dizer-nos cofsa alguma que nao esteja implicita nas imagens. Neste sentido, pode-se considerar a trilha do-didlogo como uma das trilhas dos efeitos sonores: no “amarra” ag imagens ‘transmitindo qualquer informagio importante, mas contribu para © efeito cumulative sem chegar a ser essencial’ ‘A est6ria do filme cobre um perfodo de doze ho roi dene bre om Prado dre hrs, Dade 0 logio da cidade é ouvido periodicamente durante todo o filme. Com isto, as suas batidas salientam o fato de que a acéo se passa num perfodo de tempo relativamente eurto e fazem sentir & platéia a 274 lenta ¢ inexordvel passagem do tempo até a morte de Johnny. O som dos earrilhées, introduzido no inicio desta seqtiéucia, exprime tam- ‘bém um pouco do isolamento ¢ da estranheza que Johnny experi- ‘menta na sua primeira aventure pelas Tuas apis varios meses de reclaséo. ‘Quando os homens entram na fébriea, ouvimos o rufdo lento, surdo e trepidante da maquinaria, A trilha foi gravada numa fabriea verdadeira, onde a qualidade do som foi tida como adegua- da a finalidade dramétiea que surgiré pouco depois. Um fato digno de nota & que, quando se escreveu o roteiro, poderia terse escolhi- do qualquer prédio de eseritérios para situar a cena, mas escalheu- se a fabriea, pelo menos em parte, devido as possiveis associagSes sonoras. Quando os trés homens encaminham-se pare o escritério da con- tabilidade, ao longo do eorredor (planos 4 e 5), owvimas o som oco de passos sobre o ruido de fundo da fabrica. A trilha dos passes foi gravada com homens caminhando sobre pranchas de madeira. O som adquire assim uma tonalidade significativa que atrai a atengio da platéia, sem chegar a ser invulgar ao ponto de suscitar ditvidas quan- to & sua autenticidade, A medida em que os homens se sproximam do seu objetivo, o som dos passos aumenta de volume — no final do plano 8, € anormalmente alto — provocando um aumento da tensio aiftes do momento do assalto. No infeio do plano 5 os homens estio, de fato, mais distantes da cdmara do que no final do plano 4, e uma trilha sonora estrita- mente realista teria, a esta altura, diminufdo ligeiramente de volu- me. Neste e2s0, como vimos, sucede o contrério, com o objetivo de eriar um clima para 0 acontecimento principal, que € 0 proprio as- salto. Na eoneepeio do diretor, 0 som neste caso visa obter deter- ‘minado efeito dramitico, e ele’ péde ignorar a perspectiva do som natural. Trate-se de um bom exemplo de como & justificével afas- tar-se do som realista, quando a finalidade fundamental € 0 efeito dramético. ‘A agio do asselto (67 ¢ 25-28) praticamente néo contém did- logo; 6 um trecho de grande intensidade, e o rufdo da fibriea, que agora adquire especial importincia, torna-se mais alto: sugere que os operitios, que nada sabem do assalto, eontinuam a trabalhar, ¢ evidencia o perigo de que, a qualquer momento, uma das mocas por trés da divisdria de vidro pode ver o que se passa ¢ fazer soar 0 sinal de alarme. Ao mesmo tempo, o Tufdo mondtono © eompassado da fabriea acentua a lenta passagem do tempo, enquanto os homens tentam febrilmente apanhar o dinheiro. Dividindo o tempo, por as- sim dizer, numa suecssio mecdniea de unidades, o rufdo ritmico da Fabrica faz a seqiiéncia parecer terrivelmente arrastada, quase como 215 se a estivéssemos vivendo através de um dos membros do bando. To- dos os pequenos ruidos acessérios — de Johnny que guarda 0 mheiro na pasta, dos movimentos das pessoas em volia — so ou dos claramente, em parte para salientar 0 nervasismo de Johnny ¢, em parte, para dar a impressGo da apavorada vigildncia dos empre- gadas, que seguem cada um dos seus movimentos. Os pequenos as- sobjas de Nolan realgam esse efsito, © corte para Pat, que espera ansiosamente no lado de fora {48-24), mantém a tensio em nivel diferente. Com 0 carro parado, ele aguarda impaciente a safda das amigos. Em contraste com John. ny, que procura terminar rapidamente a sua tarefa, Pat tem que esperar que algo aconteca; torna-se supersensivel as coisas em sua volta, suspeita dos eventuais transeuntes. Conseqlientementa, a trilba sonora torna-se mais subjetiva. Ao ouvir o riso leve ¢ descuidado de uma moga que sobe as degrans, cle aperta involuntariamente o ace- erador com o pé ¢ olha na diego de onde partin o riso (19). A ré- ida aceleragéo do motor (18) constitui para ele uma espécie de garantia de que no haveré atrasos na fuga: 6 0 gesto subconsciente de um homem que espera, impaciente, © momento de entrar em acéo. Ao mesmo tempo, os rufdos citeanvizinhos sfo ouvides em volume ‘exagerado — tal como seriam ouvides por Pat que, temendo que al- gum transeunte veja algo de suspeito mum eatro parado com 0 mo- tor em movimento, seré normalmente sensivel a qualquer rafdo. No plano 20, ouvimos, inieislmente, 0 rufdo dos eascos de e2- valos puxando 2 earroca de carvio e 0 pregio do carvoeiro, A tri- Tha do rufdo dos eascos foi gravada numa rua ladeada de prédios altos, ¢ tem um eco um tanto sinistro. _Aovlhar em torno, Pat vé (21) que a carroga de earvao Ihe blo- queia a safda. Definido este perigo, deixamolo (apés 22-24) ainda ‘mais ansioso, ouvindo apenss o ruido eonstante (e, portant, insig- nificante para ele) do motor do earro. Quando os homens se pGem a fugir (2930), erescem 0 volume @-a insisténcia do som. Alguns segundos depois de deixarem o escri- tério, ouvese o som vibrante o insistente do alarme. Também neste onto a trilha sonora foi montada com vistas & dramaticidade. Quan- do a cena transfere-se para o exterior do prédio, muda a qualidade do som do alarme ¢ cessa o ruido da fébrica. Ouvem-se todos os peque- znos rufdos secundérios da intensa Iuta entre Johnny ¢.0 caixa, Na imagem, exca Inta nada tem de espetacular: & apresentada numa série de primeiros planos dos esforgos ferozes ¢ lentos que exigem 0 efeito sonoro para serem eonvineentes. Ao mesmo tempo, o ruido forte da aceleragio do motor © 0 som do alarme mantém'a tensio dramitica. 276 | | | { ; Quando o carro inicia a fuga, 0 som do alarme diminui, A tritha sonora do carro torna-se agora extremamente precisa: o ronco ripido do carro com accleragées ocasionais (trilha A), a aceleracio muito répida (trilha B),'a aceleracio répida (trilha C), o “grande plano” sonoro que aeompanha os planos do interior do earro em mo- vimento (trilha D), 0 “cantar” dos pneus (trilha E) ¢ 0 rangido dos freios (tritha F) foram todos gravados separadamente, para que © efeito global fosse inteiramente convineente. Ao mesmo tempo, 0 perigo ¢ 0 terror da situacio so expressos pela derrapagem do ea ro (tritha B) e, de modo geral, pelo alto volume do som. Quando Johnny cai do carro (66), a misiea comeca de repente. ‘Trata-se do incidente culminante da seatiéneia do assalto. Observan- do-se a estrutura do filme, tudo o que se passou até este ponto ape- nas serviu para apresentar a situagdo. Com este plano, porém, 3 si- tuagdo fica definida, e tem inicio a longa e trégica busea do foragi- do. A queda de Johnny 6, portanto, algo mais que 0 climax de uma seqiiéncia isolada: € o ponto motivador de todo o filme ¢, como tal, © seu significado dramético transmitido pela entrada sibita ¢ artificial da misiea. Até aqui, pouca mfsica fora usada, e a sua brus- a introdugio tem um efeito mais preciso e definido do que uma partitura continua que fosse utilizada eomo fundo. ‘Ao levantarse para fugir, Johnny 6 perseguido por um eachor- 10, enjo latido feroz sugere dramaticamente a cagada que, de fato, comeca a partir desse instante, O latido persegue Johnny a0 longo da rua deserta, e o seu efeito € reforgado pela qualidade da mésica. A segtiéneia termina com uma Tonga eena dentro do abrigo (93). A primeira etapa da perseguieao terminou, e Johnny obtém uma tré- gaa proviséria. A miisiea cessa e 0 ritmo da agdo cai de repente (0 plano 93 6 muito mais longo que qualquer outro dos planos ante- iores). Vemos apenas Johnny, dolorido e exausto, entrar cambale- ante no abrigo. O ranger do vidro sob o seus pés aguga a nossa im- pressio do sofrimento de Johnny, enquanto cle busea um lugar se- garo onde possa descansar. Quando eai ao cho, ouvimos a sua res- piragio ofegante e répida; ao fundo, somente o som muito distante do alarme nos diz que, longe de terminar, a eagada apenas comegou. ‘Vése aqui, portanto, como a trilha sonora pode reforgar @ dra- maticidade de uma seqiiéneia cujo som ¢ imagens foram planejados simultaneamente, O fato de que a eona se passa numa fabrica, a pre- senga. do eachorro, o vidro no cho do abrigo — todos sio detalhes visuais nio-essenciais ao argumento, ou que poderiam ter sido ex pressos de outra forma; mas sio as suas assoeiagdes sonoras que acentuam o efeito global. A desabalada carreira de Johnny pela rua deserta, por exemplo, nfo se torna mais sugestiva pelo fato de ver- 2uT ‘mos um cio @ perseguilo, Por outro lado, nada impede que um eko 0 tenka seguido, ¢ o incidente proporeiona um meio de reforcar a cena com 0 latido feroz do edo que 0 persegue. A qualidade dos sons foi, também, cuidadosamente eseolhida para cada trilha. # claro que qualquer gravagio do som de eascos de avalos encontrada num arquivo teria servido para indicar a presen- ga da carroga de earvao no plano em que Pat espera pelos amigos (20). ‘Mas, gracas 3 qualidade especial do som, consegue-se mais do que isso: a gravacio mareante e revexberante que foi utllisada transmi- te, no contexto, uma sensagio angustiante de claustrofobia. Cabe aqui, porém, um pequeno comentério sobre a insisténcia nna qualidade apropriada dos sons, Nas eurtas eenas em que os trés hhomens se eneaminham para o escrit6rio da eontabilidade (4 5), © som dos passos tem uma qualidade oca peculiar. 0 diretor ¢ o mon. tador do som devem ter achado que, embora sem ter um significado Aramético especial, o som dos passos deveria, por si mesmo, ser um pouco diferente para melhor atrair a atengio da platéia. Fez-se isto especificamente para permitir que o lento reerudescer do raido dos passos eriasse o clime dramétieo para o assalto. Mas até que ponto se devo insistir, de modo geral, na qualidade significativa do som? Sobre este assuntd, o compositor Anthony Hopkins esereveu, re- ferindo-se & trilha sonora de The Queen of Spades: «--Bastame fechar of olhor para tomar a ouvir imediatemente © som da ‘enorme saia do erinolina engomada de Balth Evans, arrastada pelo chto de ‘mdrmore do Teatro da Opera, de entremeio com as pancadas seces da bengala. {No exelo estar vendo injusto para com Thorold Diekinton quando afirmo que, fs» mio fosee o sea Sntento fixar aquele som em nossa mente, de modo poder Utilieélo mais tarde ms eens da comunieaggo com a fantasms, telvez nunca tivesse emprogado aquele efeito espoitico. A velba senhora’poderia ter atraves ‘gado 0 seguie, no ton Passo manquitolante e, mesmo que te ouvisse o frofra do vestdo e 0 ruido da bongals, haveria o costumeire rumor indistinto de fundo. Por que Por si sé, aquele som € suficiatemente fascinante e emocionante. Ao ouvilo pela primeira vez, eu no tinha idéia de que seria ntilizade nova mente; no entante, ele tornou cativante e belo aqucle determinado momento 0 filme que & preciso examinar & essa expressio: “eativante ¢ fasci- nante por si 86". Deve a trilha sonora de um filme ser cativante por si s6? Uma trilha sonora que exija da platéia esse tipo especial do ateneéo pode tornar-se uma intolerével magada. A qualidade pe- caliar dos cons pode perturbar constantemente o espectador; € 5° |. Sight and Sound, desembro, 1949. 278 eee ees ‘0s ru{dos no tiverem uma importincia dramitica especial, os des- ‘vios de atencéo terminarao por diminuir o impacto dramético. Se, a0 contrério, a qualidade do som tiver uma finalidade na estéi ‘entio serd nfo apenas justificada, mas também muito ‘til. Os pas- 0s em Odd Man Out ¢ o ruido do vestido de Edith Evans em The ‘Queen of Spades tém, ambos, uma finalidade dramética auténtica que obviamente justifiea a qualidade invulgar dos sons. 0 Som ¢ a Montagem do Filme No eapttulo sobre a montagem de cine-jornais ¢ documentarios, verifieamos a importineia da trilha sonora como meio de eontrolar 6 ritmo da seqiiéncia, Nos jornais cinematogréficos, a grande rapi dos acontecimentos & sugerida quase exclusivamente pela velocidade preméncia da vor do narrador, muitas vezes em oposieao & suces- sfo natural das imagens. Em nossos comentarios sobre filmes de fic- ‘#80, firemos ver a forga da tritha sonora quando se trata de dimi- muir on aumentar o ritmo de uma seqiiéneis. Para vermos mais de perto a mancira pela.qual o som pode, na prética, determinar 0 ritmo, ‘examinemos mais uma vez a seqiiéncia de Odd Man Out. ‘Na cena do assalto, vemos os trés homens trabalhando desespe- radamente “contra o tempo”. Conseatientemente, as imagens so eor- ‘tadas com rapidez, a fim de exprimirem a velocidade da operacio. Contudo, por mais que se apressem, os homens tém uma nogdo muito aguda de que estio demorando demais para terminar aquele peri goso trabalho; e a trilha sonora, com o ritmo da maquinaria da fé- briea, diminui o ritmo da cena para sugerir como eles se sentem. Quando passamos para o exterior, ao Indo de Pat, a trilh sonora torna-se lenta: 0 ruido displicente dos caseos dos cavalos ¢ os passos firmes dos transcuntes sugerem 0 que Pat sente em relagio a0 que, para ele, deve ser uma espera intoleravelmente longa. Quando os hhomens se péem em fuga, a trilha torna-se obviamente muito répida, © 0 efeito da cena €, em grande parte, aleangado gragas ao alto vo- Tame do som, Quando, finalmente, Johnny eseorrega para o chio dentro do abrigo, o tempo momentaneamente “péra”. 0 som diminni ‘aos poucos ¢ desaparece; ouvese apenas a respiracéo regular, sali- entando a lentidao do trecho, como a calmaria apés a tempestade. Bm muitos easos, o som pode ser usado em oposicéo as imagens, seja na qualidade ou no ritmo, A seqiiéncia do assalto em Odd Man Out consegue criar uma atmosfera que é, ao mesmo tempo, de pressa frenétiea e tensa lentido, exatamente pelo ritmo contrastante do som e das imagens. 0 ritmo da trilha sonora 6 empregado como con- traponto as imagens, no como reforgo. Do mesmo mode, a qualida- 219 de emocional do som tem sido empregado para contrastar com a ‘atmosfera da imagem. Em Miltions Like Us, de Launder-Gilliat, hé uma cena em que ficamos sabendo, indiretamente, que o marido de Patricia Roe foi morto em combate. Depois, quando a vemos nova- mente, ela esti em meio # uma festa barulhenta, numa cantina de operdirios, onde todos se divertem a valer. Enquanto a eimara se fixa na moca ¢ lentamente se aproxima em carrinho, ouvimos ape- nas 0 canto turbulento dos operdrios da f4brica de munigSes — e este contraste realea muito 0 efeito da. cen: Este tipo de eontraponto entre som e imagem deve ser empre- gado com cautela: pode muito facilmente dar a impressio de afe- taco e artificialidade, se 0 contraste for dbvio demais. Os dois exemplos citados devem ser suficientes para mostrar como, muitas vezes, 0 som pode ser usado com sucesso, néo para criar uma atmosfera idéntiea & das imagens, mas para reforgar esta ‘altima mediante um contraste. Também neste caso, 0 espectador ni deve perceber o conflito entre 0 som! ¢ a imagem; do contriio, poderé achar que a situagio criada — mostrando uma mulher afli ta num ambiente alegre — 6 um truque demasiado. dbvio e senti- mental. 0 ideal 6 nfo se dar tempo para que o espectador pereeba 0 som ¢ as imagens separadamente; preciso que ele reeeba o impacto conjunto de ambos, sem pereeber o contraste. Resta-nos dizer algo sobre o papel que o som pode desempenhar na mecinica da montagem, Empregando-se uma trilha sonora con- tinua, pode-se obter uma continuidade visual aparentemente suave com uma série de cenas mais ou menos deseonexas. Um acompanhs- mento musical pode dar unidade a uma seqiifneia de montagem, fazendo-s parecer um todo unificado. Quando o ouvido ‘Teeebe um ‘luxo sonoro razoavelmente uniforme na mudangs de uma seqtién- cia para outra, o som tende a unir as duas ¢ a tornar accitével a transigio. Do mesmo modo, o som pode, muitas vezes, ser sobreposto 8 um one pare tornblo fisieaments fents, Bis um exemplo bi potético: © prolongamento do som apés um enrte 6 uma das caracteristicas impor tantes Goa filmes sonoros — especialmente dos filmes dislogades. O corte st rmultineo do som ¢ da agto deve ser a excosio, nfo a regra. & possivel escle- recer bem esto ponto com um nico exemple. Com demaciada treqiént hhersi diz: "Nio'estd entendendo o que quero dizer? Eu s amol”: esse instante en cortar ao mesmo tempo a imagem do heréi e a trilha sonore, ‘cstaret fazondo um corto simultdnco. Na prétice, porém, 6 quase certo que eu ‘Blo procederia assim. O momento exato em que devo eortar dopenderia, nav ‘trralmente, do cada conterto; mas, so rodusirmos este exemplo & sua exprestio rmaie simples, ea provarolmente eortaria epés "o que quero dizer” pare a ima 280 gem da heroina, deizando que a declaraso de amor do herdi continuasse so ‘fie esto nove Plano, at6 0 momento em quo Zosse necessério cortar trike sonora para o comentério nfo menos banal da moga: “Ob, Georgel”* ‘Muitas vezes, 0 prolongamento do som de um plano para outro ‘em seqiiéneias dialogadas 6 no apenas aconselhavel por motivos dra- méticos, mas também essencial para a fluéneia; freqientemente, & preciso cortar de um plano estético de um ator para outro, quando. nio 4 movimehto que proporcione um corte visualmente fluente. Em tais casos, 0 prolongamento do som pode solucionar o problems. Em eertas ocasides, um som abrupto, ouvido no momento exato do corte, pode ter o mesmo efeito, Por exemplo: pode ser necessé- rio cortar do plano em que um homem transp6e uma porta para sair de um aposento, para ontro plano do mesmo homem fechando a porta atrés de si ao entrar noutro aposento. Pode sueeder que = ‘eoordenagio meednica dos movimentos nao seja perfeita nas imagens ou que, por algum outro motivo, seja dificil fazer um corte fluente. Se, nesse easo, o corte for feito no instante em que o homem bate 2 porta, ¢ se 0 ruido da pancada for ouvido no momento do corte, # tengo do espectador seré momentaneamente desviada e ele acharé ‘0 corte perfeitamente fluente. Um exemplo em que este recurso co- mum 6 empregado com maior controle oeorre em The Passionate Friends, de David Lean. De um plano de Mary Justin (Ann Todd), sentada num earro eonduzido por um motorists, passamos para um retrospecto de suas lembrangas — a muitos quilémetros de distin- ‘cia, Em seguida, pouco antes de terminar o retrospecto, ouvimos 0 rufdo da freada’ do earro, Com este rufdo stibito e inesperado, um corte nos leva de volta a Mary dentro do carro. Sem o som, este corte teria sido um tanto impreciso ¢, portanto, insatisfatério. Do modo ‘como foi utilizado, 0 ruido discordante parece trazer o pensamento de Mary de volta a realidade, ¢ d4 um significado dramitico A stbita interrupelo da continuidade. Convinha que um livro edbre montagem einematogréfica, eseri- ‘to nos dias de hoje, terminasse com um exemplo conereto — como ‘o que demos acima — mostrando como, num filme eontemporaneo, 0 som pode tornar-se parte integrante da continuidade e condicio- nar diretamente a estrutura da montagem de uma série de imagens. ‘Um historiador do futuro que estude as duas primeiras décadas do 1. Film Baiting, Sidney Cole, British Pilm Institute Pamphlet, 1044, 281 cinema sonoro poderé facilmente chegar & conclusio de que o som retardou o desenvolvimento da expressividade visual do cinema, Pio- noiros da téonica da montagem do porte de Griffith e Bisenstein tardaram em adotar o cinema sonoro — fato que se pode atribuir talvez mais a causas externas (como 0 alto eusto do filmes sonoros) que & falta de talento ou a alguma nova limitagio trazida pelo som. Até mesmo os poueos efeites concros originais, examinados nestas ‘filtimas pliginas, parecem apontar na diregio de novos campos fér- teis de experiéneia e realizacio. 282 . PARTE I SEGAO 4 AS DECADAS DE 1950 E 1960

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