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|OCopyriguh 1998 by Autores Capa ‘Tatiana Pedlubny Gatalogagio na fonte do _Departamento Nacional do Livo ,_ lilacs © adolesctnia na cuore do consun / eta V_Rabello de Capcbotaatigadsie. Ri6 de nea) eg NAY, 1998, ee ee 3 Maoapghi.2 WS AY ISBN 95-8 Inctut bibliogratia 1. Psicologia do desenvolvimento, 2, Personalidad © ‘cultura, 3. Criangas — Condigdes socia 3. Adolescertes. ~ Condligdes sociais. 1. Castyo, Lucia Rabello de, 1951- gee eee ec eee col 5.25 nas GRYPHO Edigoes € Publicagses Lida Rus Maria bel Bene Poipofal, 376 P Fng® Paulo de Eropuin— RJ CER 2650-000 Fel: (021) 430 //19 — Fax: (21) 325 4431 email: Habi@eiblecsdtp br Nao encontrand este liveo nad fivtérins, pedir via fax ou e-mail y \ pat Yo Estetizacao do corpo: identificacao e pertencimento na contemporaneidade Liicia de Mello e Souza Lehmann: Alessandra Gomes Silveira Andreia de Fatima Lino Afonso Lucia Rabello de Castro Habitamos 0 mundo pelo 0360 corpo, existimos nele € caravés dele, mas entende-lo ¢ conceitud-lo nao tem sido tarefa facil, Objeto de atengao de priticas dirias, condigéo bésica de cxistencia, o corpo parece mimetizar-se, esconder-se, armar ‘emboscadas quando procuramos captuté-loe fazer dele objeto de nosso estudo € conceitwagao Impossivel apreende-1o com um s0 oll, compreend® lo ‘em uuma linguagem, aprisiond-to em um dos noss0s discursos. Examinada sob enfoques distintos, a questo do corpo na contemporaneidade, tem sido permeada por construgdes te6ri- cas que o discutem desde uma perspectiva histérico ~ social, como o fazem Notbert Elias (1995), Falk (1993), Sant’Anna (193), até teorizagdes que o retratam, mais especificamente, na caultura de consumo, como as explicitadas por Featherstone (1995), Mas nao € somente sob o enfoque historico — social que as teorizngdes estfo presentes; os grandes avangos do conheci- mento biolégieo e tecnologice revolucionaram as praticas sobre ‘o corpo, recolocando questoes centrais da filosofia como anogio de natureza. Introduzido na semistica, através dos estudos dedicados paixao, 0 corpo tos remete dimensto dos sentidos (Parret, 1006), das emogées, dos prazeres ¢ sofflmentos, « 11u> arrebata para uma cadeia sem fim de signilicagdes. 126 Sob o olharda psicanalise, a questo do corpo se explicita atraves do conceito dinamico de pulsto. O discurso freudiano apresenta-nos um corpo erotizado, um corpo de desejo, passivel de tama lingnagem simbiiliea. Foucault (1984), trabalhando sob uma perspectiva genea- logica, volta-se para as condigdes de investimento do corpo pelo poder, compreendendo-0 como “apassivado”, de forma rigida e meticulosa, Para Foucault, o poder penetrou te corpo constitu- indo um saber sobre o corpo, fisiolégico ¢ organico, ¢ também criando regimes dlisciplinares rigidos que se encontram nas escolas, casemnas, hospitais, familits e cidades As referencias ao corpo nas eitneias abundam, os exem- pos se multiplicam, o corpo é envolvido tornando-se objeto de confrontos No cotidiano,a sociedade atual tem devotaclo grande parte de sua energia para trabalhar © corpo, para cuidar dele. Estabe~ leceu-se um cultoao corpo, que exige verdadeirosrituaisa serer cumpridos. Para “manter a forma” fazem-se ginastica, dietas muito rigorosas, lipoaspiragdes e outros inuimeros procedimen- tos em que os quilosa mais tepresentam verdadeiros “pecados”. Escreve Baudrillard (1991) que na paranoplia doconsumo © corpo € o mais belo, precioso e resplandecente de todos os “objetos, “ainda mais carregado de conotagoes que o automével”. Sob signo da libertayae fsicte sexual, o con po vent uae haga de presenga especial na publicidade, na cultura das massas,no culto higiénico, dictética ¢ terapéutico. Ao invés do corpo ser “utiliza do” pelo homem como um instrumento de trabalho, como 0 foi na sociedade industrial, o homem/a mulher inserem-no na soci- edade de consumo como umn objeto extremamente valorizado, a ser cttidado, ea ser exibide. © corpo passivel de ser trabathado, quase esculpido, permeavel a mutagdes, ¢ produzida, a pant de valores saciais € cculturtis, pelos recursos e tecnologia que permitem um distanci- amento do corpo “natural”, Soper (1990) discute o conceito de natuteza, tal como € exposto pelas abordagens ecol6gica e pos- moderna, enfatizando as injungdes politicas ¢ éticas que as permeiam. Questiona o fato da abordagem ecoldgica defender 0 preceito de que a natureza tem um valor intrinseco em si mesma, eet considcrada como um dominio independence da atividade humana, Esteargumento, romantizandoa narurezaeesteticizando 17 o terror de sua destruigao, origina-se, também, de uma perspec- tiva de controle e dominagio da natureza, na medida em que a nnatureza passa acer experimentada como fonte de petigos imprevisiveis. Alem disso, abordagem ecologica nao tematiza as diferencas entre o humano e nao-humano (vegetais ¢ animais). ‘Ao ser negado este carater diferencial, na tentativa de superar 0 ualismo humano-animal, incorre-se no isco de ignorar as variéveis historicas e sociais que re-constroem continuamente 0 quadro do que vema zeras“necessidades” humanas, fatoque nao se da como reino animal ou o vegetal. Um posictonamento que tenfatiza o abuso humano sobre a natuteza, com a qual o homem falharia em teconhecer stias afinidades e lagos de dependencia, pode levar a um tipo de politica opressora, na medida em que obscurece o papel da linguagem e da simbolizacao ~ enquanco distintivamente humanos ~ na construgéo das nogdes propria mente biolégicas. Em telaggo & posigo pés-moderna, fundamentada na visto da homem constituido pelo discutso, Soperafirma que esta nega um fato importante, que € pensar 0 corpo e percebé-lo também dentro do que ele escapa a discursividade humana. Assim, para a autora, ‘o que importa politicamente nao exatamente 4 postulacdo de uma ordem independente da natureza, mas a adequa- cdo das representagies a esse respeito, € para tal sé poderemos problematizar uma dada representagdo de uma posigdo em que se reconhega tal independencia.” (p30) © homenva mulher fazem grande investimento sobre 0 corpo comas cirungins plisticas, as préteses, os experimentos de engenharia genética, por exemplo, o que mostra 0 quanto pode star-se da natureza, diferentemente doanimal que esta progra- mado por um codigo, 0 instinto, nao podendo emancipar-se das regias que governam seu comportamento. As inovagdes que 0 homem/a mulher realizam, suasatitudes desafiadoras. criativas, levain pensadores,comoo filésofo LucFerry(1994)a afirmar que o homem ¢ por excelencia 0 ser da anti- natureza”. O sujeito hhumano¢ capazdeescolhas, de se afastar de suas tradlicoes, de ter uma historicidade e uma cultura, de se distanciar de sues deter ‘minacdes biolégicas, realizando verdadeitas transformagdes em si proprio. Ests reflexes remetem pata o objetivo maior deste traba- Iho, no qual procuramos discutir como as condigées da cultura bs de consumo! permeiam a construgfo de novas formas de subje tividades, onde 0 corpo se apresenta como tum dos fatores de relevancia. Para isso se faz necessério examinar, a partir das associagées estabelecidas no discurso de jovens entrevistados, que praticas e representagdes corporis se evidenciam no cotidi O hablto e o monge sdo um so: quande a superficie faz sentido, A forma de se vestir aparece repetidamente mencionada znas entrevistas realizadas com os jovens durante a pesquisa que vimos realizando, sendo descrita muitas vezes com riqueza de detalhes. Referimo-nos, até entdo, aos cttidados que se tem dedicado a0 corpo e podemos, num primeito momento, com- preender esta atencio com a roupa, como uma extensio desses wos. Mas seria so isso? Que importancia tem a forma de se vestir, os objetos que adomam, cobrem ou deixam a descoberto © corpo, na sociedade atual? Que implicagées poderiam ter com 6 nosso estudo de subjetividade? ‘A roupa é uma extensto da pele. E assim que podemos situa-la, inicialmente, quando vemos a referencia sobre a forma dle se vestit, apateeer de maneita 3a pregnante A roupa tem a conotacao original de habito®, termo que € otiundo do latim habitus. O conceito de habitus, conforme utili- zado pot Bourdieu (1984), nos ajuda a avaliat a extensio © a complexidade desta pritica. Bourdiett considera que o habitus € um conjunto de disposigoes, preferencias, esquemas classificatérios, com que a pessoa vai caracterizar set estilo de vida. O habitus est inscrito no corpo, manifestando-se no tama. rnho, na forma, volume postura, nos modos deandar, nosgestos, nosadetegos¢ adomnos que envolvem o corpo, Dilerentes condi- oes de existencia produzem habitus variaveis, mostrando uma conliguragio sistematica de propriedades ¢ diferencas, inscritas nas condigdes de existencia, que permitem interpretar e avaliar catacteristicas do estilo de vida, A nogio de habitus contribui, segundo Bourdieu (1997), paraa stuperagio da oposicio entre os pontosde vieta objetivista esubjetivista en = fogas exteriores da estrutra sociale a forgas interiores, emergentes das decisSes, no livres dos individues. O habitus € uma necessidade internalizada € implica numa disposigio que gera praticas significativas, que vio desde gestos e posturas corporaisa formasde se alimentar, se vestir e falar. Aquele que usa uma roupa esti implicado com ela, roupa modo de viver esto mais do que associados, estio integrados, Amarea do que se veste e como se veste, pode se apresentar como sinal de “como a pessoa ¢”, a qual categoria social ou grupo ela pertence. Dal fazer sentido a expressio “o habito e o monge so uum 56, Pama os nossos jovens entrevistados, estar na moda possi- bilitaa “entrada” em lugares, oacesso a ocasides sociais, funciona ‘como tim cartio de visitas, uma condigto para realizar determt- nados programas. [Entrevistador Sua mie me contou que voce agora so se veste com roupas de gril 1D Eu gosto, € moda, EE importante para voe# andar sempre na moda? DD: Hum, hum. Perque todas os meus amigos andam assim, A: Vos se sente aceita pela turma? D: Hom, ham. A: Ese alguém no anda igual o que acontece? 1D: Mas # que alguém que no anda igual nfo vai para a est. Aaparencia, que se localiza no corpo vestido, na roupa, ¢ «que compose a extetioridade, passa a funcionar como signo de pertencimento ou de exclusto. Assim, vesti-se com determinado estilo toma-se um jogo, adquite uma fungao crucial perante o ‘outro, implicando na possibilidade de “estar junto com outras pessoas” ou literalmente ser “riscado do pedago”. Essas constatagdes nos remetem a enfase dada a imagem € a estética na cultura do consumo. Do quadto exposto as propa- gandas e designs dos mais diversos objetos, inclusive de uso lomeéstico, as roupas e os acessorios que usamos, tudo gana coracteristica edimensio deexpressividade estética, Aestetizagao la vida cotidiana, segundo Featherstone (1995), apaga as frontei- rasentre aarte ea vida diftia, onde os bens supremos consistem nas aletagées pessoais € no gozo estético, onde os sujeitos vive 4 procura de novos gostos € sensacdes. A estetizacio da vida cestimula 0 consumo, a busca de objetos, impulsiona ainda mais 1 desenvolvimento de novos reduitos de consumo ¢ lazer. seme I i i i ' | 130 Avalorizagiodoestéticocolocaem desiaqueaimportancia do estilo, incorporando valores da arte no cotidiano ¢ nos temetendo a uma nova concepgao de “estilo ce vida", dimensto esta que abtange 0 corpo, a escolha das roupas, os esportes ¢ atividades de lazer, enfim referénciasde posto estilo, denotando lumna expressto e conseiencia esilizada, O aspecto da estilizagio revels, aincla, a existencia de um, mundo de mercadorias com uma dinamica de estruturacao, ligado ao Mhixo de signos. Isto quer dizer que na cultura de constimo, a estilizagio envolve o uso de bens materiais, nao apenascomo utilidades, mascom valor simbdlico, como valorde signo (Baudiillard 1991), Toda uma economia de bens cultuis, dentro dos principios de mercado, oferta, demanda, acuraulagio de capitais e competigio, se estabelece fa esfera dos estilos de vida, Portanto, o consumo nao € compreendido apenas como consumo de valores de uso, mas primordialmente como eons mo de signos. Essa dimensio sugere uma reflexto bastante zignificativa, quaido nos temetemos ao corpo ¢ As vestimentas. Vestirocorpo, adomns-1o, modifica-to, pode funcionarcomouma fungto signo, uma fungio de reconhecimento, a partir de um feito estético. A aparéncia ficarin associada a uma dimensio cultural simbstica, semethante a um cédigo, onde as priticas € bens, denotam um estilo de vide num determinado tempo ¢ ‘espaco social, Dentro da cultura de consumo as grupos saciais se dilerenciariam a partir de estilos de vida, onde se estabelece a ‘exclisio ott patticipacéo através dos bens culturais, O que se consome, os objetos que se tem ou se usa, definem oconsumidor, tagando 0 seu perfil As grandes cidades se tormaram o reduto da cultura de consumo, locais principais do mundo de sonhos, dos fluxos de mercadotias, de imagens corpos em constante mutagto. A procura do novo faz com que 05 suites consumam cada vez ais, troquem velozmente signos ¢ imagens que saturam a vida cotidiana. Nessas urocas todas os objetos tem seus valores, inclusive o corpo. Novos corpos em eonstantes mutagdes, novas imagens!. © homem e a mulher modema mudam rapidamente seus estilos, acompanhando esse fluxo veloz de mercadorias imagens que surgem em toda parte. As metamorfoses constantes getam 0s novos estilos urlanos, que possivelmente contribuem, 131 para as novas identidades multifacetadas € plurais, apontadas como caracteristicas da sociedade contemporanea (Maffesoli 1996), Maffesoli, tal como Featherstone, aponta a expansio da estética eafirma que ela diftatou-se de tal forma no éonjunto da eexistencia, que contaminowo politico,aempresa, acomunicacao, © consumo, enfim a vida cotidiana, estruturando-a com arte Enfatiza, no entanto, a possiblidade da estética poder ser com- preendida como a faculdade de um sentir comurn, A estética tal Como conceituada pelo autor significa “experimentar junio emo: .6es, partcipar do mesmo ambiente, comungar dos mesmos valores, perder-se, enfim, numa tcatralidade geral, permitindo, assim a todos esses elementos que fazem a superficie das coisas e das pessoas fazer sentido” (pp. 163). A dimensio daestética,além dascondigéese dos efeitos da criagdo artstica, doestudo do belo, incorporauma diversidade de ‘emogdes ¢ sentimentos, de forma tal que o vestit, a aparencia, a teatralidade dos corpos denota uma dupla existencia: a estética que diferencia, ¢ a estética que agrupa Como entéio compreendermosessa constatagio, aparente- mente patadoxal, que através da estetizagto do corpo os sujeitos se diferenciam e se agrupam? Estetizacdo ¢ identificagdo io. oc © uso que se faz do corpo, seu valor, sua estética sio modificados; sendo assim o corpo € objeto passivel de ser metamorfoseado, A forma queesse corpo toma, produzuma nova “tna imagem. O que implica essa imagem, a que elase correlaciona ou remete o sujeito? Ja nos referimos 4 estética, pensemos agora tum potico na imagem. A intensificagto da producto das imagens ¢, sem duvida alguima, uma das principais caractertsticas da época contempor’- nea, Do mais simples dos espelhos aos sofisticados videos ¢ cameras, owainda ossistemas ditos de realidade virtual, a imagem. exerce fascinio. Os jovens mostram-se atentosa imagem que tem, no tratama roupa eo corpo de uma forma ingénua ou desavisada, tem consclencia de que esta pode permitir o transito pelos espagos que querem frequentar, ou impedir sua circulagio, O ca nn ELE EI Jovem da atualidade nao absorve um estilo por tradigao, mas faz ‘uma escolha de estilos. Canevacei (1996) permite-nos pensar as “transmutagoes corporis’, realizadas pelos adolescentes de nossa pesquisa, Situandoa cidade comoo centroonde se regulam astrocassociais, da cultura de consumo, ele fala de um culturaestetizada esinaliza aexisténcia de identidades nomades, que transitam pela cidade. Acstetizacao permite uma diferenciacao, produz uma linguagem sem palavras, qte toma possivel ima diferenciagaona fragmen- tacio, Apontando um nomadismo cultural e psicolégico, ea uma proliferacio dos codigos vistais que se revelam na cidade, de tal forma que chegam a constituir uma “pervetsidade” da tecnologia visual. A linguagem do corpo € capaz de demonstrar uma “pluralizagio” de identidades. Pode- ‘mos associar aqui os adolescentes entrevistados que também *pluralizam” suasidemtidades, ora se idemtificanda como skatista, fora como funk. [M: Evendou? Porque os angueits alam dmundo, masfalam de ‘um jeito diferente, de um jeto que a gente pode dancar, gente pode curtir, agora els mo (Skatistas, eles dangam igual a um smalco, F: Ola o baile deles. Tu chega t todo mundo assim (Levanta Fhalanga.acabega para cima para bo). Olbaa danga dels, € im banda de males F:Tinhaquevercomo éque ew inpraescoln, Asminhsroups sto tudo apertads, E todo eles botam embaino do ubigo, A minha calgavinha t¢ aqui ford, ial de homem Entrevistadoe: Essa ¢ a raupe do Skatista? :E,¢ sani com mela, As meninas que namoram com Skatista, emauese vestirassim. Fuiapracscolaigualumamshica,adiretort pergunion © que tinha havide camigo, eu piel meu eabelo de ermal. (M:0 hats, os parotosquace eo cotta eabelo, so az barb 36 sindam cont rots bax do umbigo sie? A bem dizer, ‘mostrandoa bund, 38 calgas I em bats, (lrecho de entrevista reazada com um grupo de adolescents) As idéias de Maffesoli (1996) permitem estendera teflexto, a esses exemplos, quando propée a substituicio da logica de identidade, que prevaleceu durante a modernidade, pela logica de identificagao. A logtea da identidade corresponde a um modelo individualista, de identidades estaveis, “centradas", em 133 que o individuo uma vez tendo uma personalidade, se firmatia nla até o fim de seus dias. A identificagio poe em cena as “pessoas” de mascaras varidveis, onde o corpo e a aparéncia s80 marca de uma sociedade estética e pluralista, Allogica da identificagao pressupde omodeloemergente de. identidades mitltiplas, fluidas, que permitem aos sujeitos uma ceria tramitagto de valoreseaparencias. Vatiagdes, modificagces, conversies sla os termoas que tradizem eseas mudancas ¢ «¢ constituem um modo de abordagem, de pensar 0 sujeito a partir dasaliéncia da identidade como eleitoestético, construindo-sena relagio com o outro. O sujeito buscaria “estar junto” através de ‘mudangas compativeis com a imagem do objeto /abjetivo dese~ Jado. ‘A posigdo de Maffesoli retrata uma valorizagdo do multi- plo; 20 mesmo tempo nos faz questionar como ¢ possivel delimi- tar esses contotnos que margeiam a passagem da identidade & identificagao, sein que isso comprometa uma certa “normalida- de” do sueito. Como se pensar uma certa estabilidade dentro de uma reflexto que privilegia a valotizagio das maltiplas identifi- cagies do sueito? Maflesoli nao deixa de assinalar que esta passagem da identidadea identificacao pode, de fato, “assumiraformaparoxistica do transe (rligioco, musical...) ou mais suavigada, da mascara, sem esquecer a tdo difundida, da indeterminagdo sexual”. No entanto, reafitma que € preciso compreender que essa nebulosa da iden- tificagio € um dos mitos pds-modemios, e que a fiecto é uma necessidade cotidiana, em que para cada um existir, conta um historia, Sendoassim, oeu s6¢ uma fragil construgdo que ndotem substaneia propria, e se produz através das situagdes e das experiencias. Apesar de considerar essas imagens um poco fortes, ele afirma que elas ilustram as maltiplas mudangas que constituem um mesmo sujeito. Estetizagao tribal: 0 pertencimento \ Acestética que se elabora na imagem parece, a0 que tudo indica, poder zer como uma linguagem queimpulsionae favarece a formacao de pequenos grupos au tribos ia-inaeefeemmesipeanntanceaoniatiancaae 1a Nas entrevistas qute realizamos pudemas observar a utili- zago que os jovens fazem do corpo, da aparencia, demarcando © pertencimento as tribos. A possibilidade de pettencer a um grupo, de se identificar com oselementos deste, faz tso do corpo num jogo de simbolismo ¢ de imagens, Essas caracteristicas parecem fazer verdadeirosenquadramentosdos sujeitose de suas Telagoes, uma vez que pertencera uma gruposignitica vestir-se de dewctminada maneita, compantithiar interesses, lugares comuns, consttmir de forma semelhant. Neste segmento de entrevista que reproduzimos acima, podemos observaro vestir igual para poder namorar, pata poder pettencera tribo. Estarno grupo implica compartithar coisas que podem ser emocoes, pensamentos, atividades. A semelhanga na aparencia, via mutagio ou modelagem do earpo e da imagem funciona como elemento significativo para marcar 0 pertencimento. (Os “funks", os “shatistas” podem ser tomados como exem- plo atnal, de comoa semethanca na imagem marca a homogenei- dade de uma tribo, que tem sentimentos comuns. Asroupassio miquinasde se comuniear, escreve Maffesoli 1996), e a aparencia € causa ¢ efeito ce uma intensificagao da tividade comunicacional”. As pessoas se aproximam, situam-se em relagao umas com outras, comunieam-se Pasolini(1990) também se iefere’ comunicagio que ¢ feita através do corpo. quando focaliza o discurso dos cabelos. Suas colocagoes, no entanto, parecem dar mais énfase 4 significagao que tetia essa linguagem, como se ela se remetesse a uma profundidade, a tum sentido de maior significagéo que a imagem comporia, Enquanto que Maffesoli prioriza, na aparencia, a estética, como algo que faclita principalmente o prazer de estat junto, Pasolini parece dar uma énfise maior a existencia do sentido dessas aparencias Pasolini se remete a certos cédigos utilizados pela cultura, ‘eaomencionarosjovensde cabeloscompridas,estariaenfatizando ‘odiscursode contestagéoaos padres politicose éticos, expressos atraves desses cabelos. Aponta que a0 se observar a realidade podle-se “ler” nas proprias coisas, sejam elas objetos, paisagens, ‘Restos, Imagens, sempre signos de uma situagio histérica ¢ cultural, Os comportamenios podem ser considerades como ‘uma linguagem, principalmente em momentos em que a lingua 135 sgem verbal, ¢ inteiramente convencionale esterilizada. Oshippies, de cabelos longos ¢ sandalias, sto um exemplo da utilizagio clesses codigos e répresentaram nas décadas passadas uma con- testacdo ao valores vigentes, ¢ revelavam através de seus cabelos € rotipas, uma forma dese pensare se posicionar. Pasolini propoe uma semiologia geral da realidad", cujo principal capitulo dleveria sera “linguagem da presenga fisica, Attalmente vemos em nossa tealidade os grpos dos “Mauricinhos” ¢ “Patricinhas", que se vestem sempre de acordo ‘com a moda, gesticulam de forma moderada e protagonizam o papel daqueles que se utilizam da aparéncia para transmitir uma imagem de conforto, descompromisso ejuventude. Representa, © reflexo clo constumismo, a getagio “shopping center”. ‘Aaparencia, oque éusado, também definena sociedade de ‘consumo a que “género se pertence”. Embora parega haver na sociedade atual, ronteiras mais Muidas entre masculino e femini- no, essasdliferengas permanecem (Castro, 1997). Na medida em ‘que se procuta delimitar 0 que sto “coisas” de menino e “coisas” de menina, a aparencia comporta valores que permaitem caracte- rizar uma afiliagdo a dois diferentes grupos. O género funciona ‘como tuma categoria de afiliagio, onde através de uma tipificagto se revelam dominios de reconhecimento e pertencimento, em que a emerppncia do limitrofe se faz notar. Assim aos meninos fica teservado o futebol. 0 flipper, a pipa, a bola de gude, enquanto as meninas devem brincar de honeca, jogar volei. As meninas devem usar coisas bonitinhas, delicadas. A “Seu tens também € muito eo, 1: io, el bonite, 58 que é muito brute para gare” Para as meninas que nao se enquadram nas atividades, ‘estos ¢ roupas definidas como de menina e preferem desempe- nnharasque foram socialmente atributdasaosmeninos, sobramas cestigmatizagies, sendo dadas como pertencentes a um outro grupo, o de “sapatdo”. O mesmo ocorre com os meninos que Ibrineam de bonecas, que rebolam, estes serio reconhecidos como “bichas*. “: Flea foo pra menias No flipper 24 vei menino, menins jogando flipper, nunca vi iss. pei ope i i | 136 Fnireisiadora : Mas se chegasse uma pra jogar, © que woct i pensar? JTS Nao ia falar nad fa falar prs mim mesmo, ¢feio menina josst Aipper. Fre oque mais voces them que es pra merino ou 6 pra meni? Ts Joga bole FE: Joga bola €s6 prt menin? Vac mio jog bola? A: $0 Jogo vale T Jogar bola de god sokar pip : Angelina, woot fsa esas coisa? A Nao. T: Ansa Ia na rl sit pip, jogs bot. E:Garou? Tee. Fa 40 mao joga bola de pude. E:Nio € comum? No. EO que ¢ que voed acha disso? Te Ela ja eatuds aqui ja. A gente chara ela de spate. E:Por que chanam ela de sapataa? Al, porque ela faz um montio de coisis que € de menine (Alguétn ls fora rita Femandinha —r i.) TF: Eo Rogerinho, um amigo meu, ele & meio bichinha. Meto a0, cle ¢ bichinhsa, weet cuvia a voz dele, ms? F: Quantes anos ee tem? E:Tem 1 anos E: Todo mundo chama ele de bichinhs? F: Rogerinho bichinka (MMs inguin sae se ele € veada ox nf, F: Porque a gente conhece win garots, Rogers, que sia com el, rrumorat com ele, ms cle brinen de beneea, queimado. No ‘queimcdo so tem ele de menino. EE mening que brinca de boneca& ich? ME Os exemplos sto muitos e apontam na diregio de um elo, centre estetizacto do corpoe a afliagto. A exterioridade do corpo torna-sea maneita mais visvel, que evidencia onde o suelto esta “inserido”, Trata-se de uma extetioridade, pintar-se, enfeitar-se vestir-se, tudo isso tem a fungi de tornar vistvel o “estar junto Acfic‘ciadaaparenciaassumes fungaode identificar, deagrupar. [Nas grandes cidades, em «te os sujeitos se tommam anonimos na multidao, torna-se possivel se fazer vislvel e reconhecido, 137 Observacoes finais (© caminho percorrido neste trabalho nos aponta para 0 corpo como lugar privilegiado de manifestagao da estética, onde a realidade se mascara e se revela através da sttperficie do corpo, ‘num teaifo ao mesmo tempo individual e coletivo. ‘A sociedade contemporanea tem sido caracterizada pela cexpansio erescente do consumo, pela busca clo bem estar e do prazet, pels cultuta fiagmentada com valorizagio das sensagoes, pela pluralidade de identidades. Nao nos deteremos aqui em questionar estas condigées, no entanto, nos parece [ato que o corpo tem se mostrado como objeto propicio capaz de manifestar e transitar por todos esses valores. © corpo se deixa capturar ‘como objeto das mais diversas praticas da cultura do consumo, € capaz de se deixar metamorfosear, servit a Eros (bem estar, prazer, desejos) e a Tanatus (morte), se prestar como objeto de identificagto e pertencimento. Podemos observar que no caso dos adolescentes, algumas, implicagdes parecem se criar num ritmo proprio da situagao dos jovens, mostrando-se algumas vezes quase caricaturadas. Numa fase em que as assimilacées ¢ as mudangas podem se fazer de forma muito répida, a juventude parece acelerar e intensificar as, dinamicas culturais. Assim, se existe novos conceitos para a identidade (Identidades moitiplas, iderticade> parciais etc,

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