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15. A TIPOLOGIA DO DISCURSO NA PROSA Mikhail Bakhtin UM ‘CONJUNTO de certos procedimentos verbais empregados na arte literdria tem, recentemente, despertado uma atengo especial por parte dos investigadores. Este conjunto compreende a estilizacio, parddia, o skaz* (em seu sentido estrito), 0 relato oral de um narra- dor ¢ 0 didlogo. ‘Apesar das diferencas fundamentais entre eles, todos estes proce- dimentos tém um aspecto em comum: em todos, 0 discurso mantém ‘uma dupla orientagio, dirige-se a0 objeto referencial da fala, como no discurso cotidiano, ¢, simultaneamente, remete a um segundo con- texto, ao ato da fala de um outro emissor. Se ignorarmos este segundo contexto, se aceitarmos a estilizagao ou a parédia como aceitamos fala cotidiana, orientada apenas para seu objeto referencial, nfo con- seguiremos captar estes procedimentos no que realmente si. Toma- remos a estilizagio como estilo correto © veremos a parédia como uma escrita pobre. © skaz € 0 diflogo, restritos A dnica “resposta” de_um inter- Jocutor, sio os casos menos evidentes desta dupla orientagio. O skaz remo em. mt tne Bs saclg eae 2 feat mca sere Sag eae mec a Be ieprmadan ee, ee Sager SE eae ie atin iia rss bealins & wre sess kc aa, tee Reproduzido com a permissio da Agénela de Direitos Autorais da URSS (VAAP) * Narrativa em 1® pessoa, em estilo ordinariamente popular (N, do T. 462 pode efetivamente ter, &s vezes, apenas uma orientagio, correspondente a seu proprio objeto referencial. Da mesma forma, uma tnica réplica no didlogo pode muito bem se referir diretamente a0 objeto, sem qualquer meditago. Na maioria dos casos, entretanto, ambos se orien- tam para o falar de um outro; o skaz, pelo fato de que o estiliza, o didlogo, porque o leva em considerago, Ihe responde ou a ele se antecipa. : A estilizagdo, a parddia, 0 skaz € 0 didlogo sio fendmenos de importincia fundamental; requerem uma abordagem totalmente nova para a anélise do discurso, uma abordagem entretanto irrealizével, dentro do quadro usual dos estudos estilisticos ¢ lexicolégicos. O fato é que a abordagem usual trata 0 uso da palavra dentro dos limi- tes de um tinico contexto monolégico, definindo cada item lexical em relago a seu objeto referencial (0 estudo dos tropos) ou em relagio as outras palavras do mesmo contexto, do mesmo ato da fala (a estilistica, no sentido estrito do termo). £ verdade que a lexicologia conhece uma abordagem um tanto diferente para 0 uso da palavra. O matiz lexical de uma palavra, por exemplo, um arcafs- mo ou um regionalismo, aponta para um outro contexto, no qual a palavra normalmente funciona (como na velha literatura escrita ou na fala regional). Neste caso, entretanto, estamos lidando com um sistema de linguagem, nao com um contexto concreto da fala; as pala- vras em questo nao so enunciados de um falar, mas sim um mate- rial de linguagem impessoal, no atualizado em qualquer enunciado conereto, Se, no entanto, 0 matiz lexical for individualizado, mesmo levemente, isto €, se se refere a algum enunciado determinado perten- cente a um outro, enunciado ao qual a palavra em questio é tomada de empréstimo ou de acordo com cujo padréo é construida, estaremos novamente lidando com a estilizagao, a parédia ou com algum outro fenémeno andlogo. Assim, a lexicologia também permanece restrita a um Gnico contexto monolégico, apenas reconhecendo a relagio direta € nao a mediatizada entre palavra e referente, sem considerar nenhum outro falar, nenhum segundo contexto. © prdptio fato de que existam exemplos de um discurio dupla- mente orientado, no qual é um fator essencial a relagio com o enun- ciado de um outro, obriganos a realizar uma classificaco completa € minuciosa dos tipos de uso da palayra de acordo com 0 novo pri efpio que sugerimos, principio que nem a estilistica, nem a lexicologi nem a semantica levaram em consideracdo, Nao hé problema algum em verificar que, além do uso da palavra carregada de objetivos refe- renciais diretos ¢ do uso da palavra orientada para a palavra de um 463

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