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LETRAS CLASSICAS, n.4,p. 317-342 2000, RETORICA DA AGUDEZA JOAO ADOLFO HANSEN* Faculdade de Filosofia, Letras e Ciencias Humanas da Universidade de S40 Paulo RESUMO: O texto € wma exposigo da dourinaseiscentsa da agudena. A cagucdeat€0efeito inesperado de sentido abtido pela condensagao metforica de conecito extremos. Relacioando a prétca da agudeaa a racionaliade de Car- te das momerquias absolutistas do sudo XVII, exempifca com potas, rado- ese prcepistas, como Géngora, Gracin, Donne, Shakespeare, Grego de Matos, Vieira, eso, Pallaucin, Pererini etc, a apropriagao e aaplcagdo das utoidadesrevricaspregaselatnas na produ do “bel faa” PALAVRAS-CHAVE: raconalidade de Cort; etéica; metéfora: agude- 2a; conceito. Nas preceptivas retéricas do século XVII, a agudeza ¢definida como a metéfora resultante da faculdade intelectual do engenho, que a produz como “belo eficaz” ou feito inesperado de maravilha que espanta, agradae persuade. A agudeza também pode resultar do furore do exercicio. Aqui, vou 36 falar das engenhosas,citando preceitos exemplos de seus grandes te6ricos seiscentstas, Matteo Peregrni, Sforza Pallavicino, Bakasar Graciin e Emanuele Tesauro. Quando definem suas véris espécis, propem ‘que principal €a de anificio ou atifiiosa, que busca a “formosura sui”. Aliso primei- ro sinnimo do termo ageza dado no Tesoro dela lengua caselana, editado em Made em 1611 por Sebastin de Covarrubias Orozco, é“sutleza". Em Agudexay Arce de igi, de 1644, Gracidn apresenta a seguinte definigio dela: “Consiste, pois, este artiticio conceituaxo em ums primorosa coneordéncia, em uma harménica corelagéo entre dois utes cogmosciveis extremos, expressa por um atodo entendimento” (Gracin, 1960,p. 239). Conforme Gracin, hts espécies de agudezasarificiosas: 1. ngudeza de “conceito”, que supée a *sutileza do pensar”, ou, especificamen- te,oatodo entendimento que descobre correspondéncias inesperadas entre HANSEN, Jia Adolf RevGrca da aguders, 2, agudeza de “palavra® ou “verbal”, que consiste nas correspondénciasines- peradas estabelecidas entre as representagbes gréficas, sonoras. conceituais 3. agudeza de “agio",relativa a sentidos agudlos produzidos por gestos en nnhosos. A ogudeza que resulta da comparagio de conceitos é a mais perfeita, encon- trando-se na base mesma da inventi ret6rica ela &"raio” “lua” gerados pelo “enten- dimento” do autor discreto. Na comparagio dos coneeitos, o jutzo os decompie dialeticamente, no sentido dado ao termo “dialética" no século XVII, “anatomia" ou “andlise”, para estabelecer semelhancas e diferengas entre cles. No caso, 0 juto & perspicaz, penetrando nas mais recOnditas partes dos conceitas analisdos. Simultane- mente, a versatilidade do autor sintetiza as semelhangas ediferengas que foram acha- das em uma forma nova e inesperada, que causa espanto ou maravilha. Essa forma é ‘uma metforae, quando metéfora continuada, uma alegoria. Como a agudeza resulta de uma operagio dialética, como andlise, e de uma operagio ret6rica, como elocuci, ‘topo ou figura, os preceptstasdoséculo XVII costumam chamé-lade “omato dalético”. E, quando hermética, como ocorre na poesia magnifica de Gngora,“omato dialétco cenigmtico” Bom exemplo de agudeca verbal € o caso narrado por Baldassare Castiglione em l Libro del Conegiao, de 1528, sobre um fidalgo castlhano que, vendo entrar na sala do trono um easal nobre vestido com roupas de damasco branco,o marido fetssimo a mulher belissima, diz para a rainha Isabel, a Catdlica: “Esta é a dama, aquele o asco”, A expressio & aguda, pois resulta da decomposigdo ou anatomia da palavra “damasco” em dois conceitos metaféricos,“dama” e “asco”, apropriados engenhosa mente & ocasio. Exemplo de agudera de ago podia ser aqui ode outro espanol, ue engenhosa, masas tpicascom que tee almente, vedo concerto mats wera que se cos, que corm a ereura do poems um a que os autores do séeulo XVI formas © wads como u poctassempre buscama novidde da eloc Thar fazem porte ko tox socal objet. faz do tema para concertos por assim cise pi exercicio de cifieukagto erescente. O poema sempre corte 0 rsco da incongruéneia, mas, trarandose sno as mncongrudnciny cesuitam de um efeulo. Assim, 0 intervalo semintico entre snogio absteata ou conceito ea metifora que a representa extertormente paxie ser maar quant maior foro wtervalo, maior novia da combagio dle casas 4 rnes pot iculagio ¢ intelectualmente controlada: mes conbecidns. final, como lembrava Ricoeur, s hi persuasto a respeito de cows i co nheckins. A idGia geral dos poetas ¢ proceptistas do séeulo XVIL Ea de que v espinto lieralmente cat, quanulo & posto em contaro direto com a chateza e 2 cha verlade nun. Log, Géingora. Como no jogo de xadres, quando ocorre um lance mespe- radlo, mas totalmente prevista por convengies, a metiforas galas operas em am i a emprecbede- tervalo seminuico quests torna rendenctalmente herméucas; como diss gris, Nenhua psicolog, nenhuin expresivismo, mas sempre a élemonstragio a idéia prsmaticamente divi, rede ¢ mesaforizada porseu eS Enero, espSer ces eneafentes, A posi da ygle ons Taveras mnesperadhs de suufieagio. Por exempl, em un dos sonetos de Masset do Bane, Manuel Botelho le Olvera tevin co amr de Ananda, sta musa, esereverl ‘quase sempre, unt expansion do dseurso para "A sere, que adomando veins cures, / com passus mats obliques qe setennsy entze belo jandans,prados amenesy E mato errante dle toc lores”. Ble compara "seme e “mim orgptl como mds, por mies de uma metifora de proporsio pela qual A.B-CD sexfant est para monimenta fico asim cons aa est pasa munament fem Outre scmplo. Andrew Marvell em "The Cy Minne”, props &lamsntetimida que, se tres sen mundo e tempo suficientes, 0 reeate dela no ser etme; declarando etn se =324- que a amaria des anos antes do Dilivio e que ela, se iso a agradasse, continuatia ecusando.sea entregar-se a ele atéa conversio dos Judeus, declara:"My vegetable love should grow Vaste than empires and more slow." versos em que o amor & vegetal que cresce, verde-erétieo da esperanga mais vasta que os impérios,e mais lento. No caso, © leitor tem que descobrir qual é a relagfo seméntica entre 0 adjetivo © nome em “cogetable love". Ela nfo 6 imediatamente evidente, apresentando-se com certa indeterminagio conceitual mas sua evidéncia sensivel impSe-se como natural, Outro cexemplo: Geinyora, em um soneto de 1583 dirigido a uma dama, propde-Ihe que goze ‘corpo vérias partes dele, enquanco€ tempo, pois 0 ouro polido do cabelo, olirio da face, ocravo dos labios ec. se rransformario em violetatruncada, imagem que condensa as rugas da vethice e 0 roxo catdlico das exéquias, alertando-a de que tudo serd tera, 16, cinza, famo, nada, Um dos sonetos da lirica atribuida a Gregério de Matos o muta; rele persona ica dirige-se a uma dama chamada Maria, Pea figurara passagem do tempo ea morte no fim de tudo, substitu a transformagéo dos ios e eravos da juven- tude na violeta da velhice, que encontramas em Géngora, pela figuragio de um cavalo {que trota, pisando cruelmente flores: “goza da flor da mocidade/ que o tempo trora a toda lgeireza e imprime em toda flor sua pisada", Mais um exemplo: em Romet ¢ Julieta, Shakespeare figura a aproximagéo dos amantes por meio da alegoria de crian- Gas flies que fogem dos livros escolares; simetricamente, a separagio € 0 har de criangas que vao & escola com ar pesaroso : “Love goes toward lve as schoo-boys from their Books! But love from love, tower school with heavy looks" (Shakespeare, Romeo aul Judit WD) Todas as metiforas desses versos sio agudas, algumas agudissimas; sua avala- ‘lo contempordinea considerava, antes de tudo, se estavam de acordo com os precei- tos téenicus da arte, ou soja se estavam adequadas a verossimilhanga e a0 decoro especificos do énero das compasigbes em que aparecem. Por outras palavres, a mesma agudeza podia ser clasificada como inépcia e seu efeito de novidade sera tide como afetagio. Em todos 0s casos, 0 desempenho apto da agudeza caracteriza a emulagio bom feta, Como sabem, a emulagio a imitagio que supera 0 modelo imitado. Eoque cescreve Emanuele Tesauro: ‘Chamo pois imitagio uma sagacidade com a qual, quando para ti é propesta uma metéfora ou outra flor do humano engenbo, consideras atentamente as suas rafzs¢, transplantando-a em diferentes categorias ‘como em um solo cultivado e fecundo, propagas outras flores da mesma espécie, mas no as mesmos individuos (Tesauro. Argusie umane. I ConmocehialeAristoelco; 1670). -325- VANSEN, Jo Adolf Revérica da spuders Basicamente, a emulago visa a produzt, por outros madose por outrus meios, um prazer semelhante ou superior ao da obra imitada, Para isso, pretend produait agudezas mais agudas que as da obra imitada. Definindo a emulagio, o cardeal Sforza Pallavicino propée, em seu Ame del Ste, ove nel cercarsi del! Ideal del scrivereInsegnativo, de 1647, um exemplo fomecido por Platio: na invengio da fabula, nos lugares em que (0s catacteres aparece maiores, pole-se refiguré-lo, mas como caracteres diminu dos, mantendo-se a mesma fabula. Assim, obviamente, hé regras para emular os auto- res sem roubi-los ou meramente imiticlos. A primeira delas, como regra universal, consiste em procurar qual é a propriedade ou o predicado que prosiuz prazer na obra ue se vai emular. Pallavicino adverte que tal predicado & um género comum que inclu espécies muito diversas de invengSes possves. Depois que se descobre o gncro, © passo seguinte & encontrar, com 0 engeniho, uma das espécies que sejasemelhante A ‘obra imitada quanto ao predicado, duma parte, e que, pelo fato de ser apenas seme: Ihante, sea também diferente. A diferenga deve ser de tal sorte que faga com que o predicado encontrado partcipe mais e melhor nela. Assim, o modo de produzir seme: Thangase diferengas agudas dstingue emulagdo de iizagdo ser, que lembra a imita- gio escolar Segundo esses critévios, as preceptivas seiscentista so formuladas como uma logica de tdpicas da invengio e da disposigho e uma ténica da sua elocugio aguda. Por cexemlo, em 1639, em seu Delle Acuteree, Sobre as Agudezas, de que pretendo falar adiante, Matteo Peregrini prope muito minuciosamente “25 cautclas para o uso das agudezas"sem 1644, Baltasar Gracin formula, em seu Agudeaa Arte de Ingenio, viias “criss, alises, definigdes exemplos de yneros,espécies eeircunstincias da agude- 2, Mas 6 certamente Tesauro, em Il Camacchiale Arstoelico, ue dilata a proposigéo rmodelar das t6picas, sistematizando a teora da agudeza como teoremi pratic,teoremas préticos, que permitem, como afitma, produazire usar as metéforas agudas com propor fo. Para formular seus “teoremas préticos’, Tesauro compse um “indice categSr1- co", uma tabela, rcorrendo is dezcategorias aristotlicas. A apicacio engenhosa das «ategoria permite formularditos agudos, pos o engenho éa capacidade intelectual de ‘penetrarnas cosas da vento por meio delas. Sao dee, como saber: substncia, cid de, qualidade, lag, agd, paix, scwago, tempo, hgerc habit, Cada uma dels, quando aplicada a um tema determinado, permite fazer uma definigSo e, ao mesmo tempo, uma variagio elocutiva dele. Por isso, a agudesa & definida por Tesauro como “omato dialético” ou imagem produsida como sintese ripida de uma ou de vitias anlises categoriais dos conceitos descobertos no tema tratado. Citando exemplos dados por Tesauto,passo a falar das categoriase dos seus usosaguos. ~326- LETRAS CLASSICAS,n. 4, p. 317-342, 200, “Tesauro explica que, sob a categoria de substincia, vem Deus, ainda que esteja acima de rx entegoria: as ivinas pessoas da Trindade; a Lia; 0s deusesfabulosos. (Os deuses closes, reo, marinhos,terrenos, infemais os hers, homens deficados. Anjos edemnios. O oéu eas estelas,Ossignosceestes eas constelagdes, ou imagens da oitava esfera. © Zodiac todos os eteuloseesferasimagingrios Os quatro elemen- os, 08 vapores, que so fumos quentes, € as exalagées, ros. O fog, aesferafgnea, os fogos subterrineos. O are seus meteors, estrelas cadentes, cometas, raid, vento, reves, chuvas. A sun eos mares, os, ontes,lyos. A terra, eampos, prades, soles, mont, eolnas, promontérios, vale, preipicos. Os expos, mistos inanimados, pe- das, mirmoes, ems, metas, minerais, plantas, ervas, lores, vores, arbusos,cO- ris. Animas errestes, fers, e aquatics, e aéreos,pdssres, e 0s monstros. Homem, snulher, hermafiodita... Existe também a substncia antici, ou as obras de toda arte: nas cidncias, livros, penas,tintas; na matemitica,globos, mapas-mundi, compass, cxquadros. Na arquitetura, paléeios,templos,cugiros, tones, fortalezas. Na arte mili tay azmas,esculos, espadas, tambores,tubas, cometas, andeitas toféus. Na pinturn ce escultura, quados, pincis, cores, estétuas,escalpelos. Além da substinca fea, 0 engenho tamibém considera a substncia metafsica, como 0 Género, a Espécie, a Dife- renga, o Proprio, o Acidente em geral: © nome, o cognome e nogées semelhantes Aqui, Tesauro dé um pequeno aviso: as metéforas de acidente sio mais convenientes «que as metéforas de substnca, porque implicam relagdes mais adequadas 3 represen- tagio visualizante propria da evident. ‘Anda, soba categoria de quantidade, 0 engenho deve considerar a quamtidade dlotamantu: pequeno, grande; longo, curt. A quantidade numérica: nenhurn, um, dois etc, muitos, pouces. A quantidade de peso: lve, pesado. A quantidade de aprego: preci- oso, vil: Ea quantidade em geral: medida, parte, todo: perfeito, imperfeito: finito infini- 10, divisive, indivisvel, proporcionado, desproporcionado, maios, menor, igual et. Pela categoria qualidade, so inventadas imagens que pertencem visto: visvel, invis vel, aparente; belo, disforme; claro, obscuro: branco, negro, pirpura ete. Ou que per tencem a audigdo: som, siléncio, som harmdnico e desarmBnico. Ao olfato: suave, forte. Ao gosto: saboroso, insosso ete. Ao tato: quente, fi, seco, mid, lis, ésper0 ete Aqui, temos também as qualdades figuras: dreito, torto, redondo, quadrado, agu- do, obtuso ete. E 0 que Tesauro chama de qualidades extrionmente denominantes: fama, anima: honra, desonra, fortuna, infortinio. Ou as qualidades internas naturals: io, doente, prazeroso, doloroso. Também existe a qualidade de paixies:alegria, tristeza, amor, éclo,esperanga, med. Equalidadesintelectuas: sabedora, ignordncia, arte, inépca E, obviament, qualidades moras: a vrtude e ainfinitude dos vicios. -37- Loto Adel Revérica da agudena A categoria de relagdo dé conta do parentesco e da companhia, da amizade € simpatias, das inimizades e antipatias, dos semelhantes, dos contrios, dos opostos, do superios do inferior e ambém das causas das cosas: causa eficiente efeito, causa ma terial, forma, causa final, privago, nomes, titles, verdadeefalsidade. Com as catego- rias de agdo e paixio podemos pensar em: potente, impotente:fici, dificil: nocivo, E em operagies naturas: nutes, produsit. Em operagdes polices: reina,jlgat, guerrea,tranizar. Em agdes mecfnias: fazer, desfazer, cansago, ‘cio, calma. Em ages cerimonias: fesivas, finebres, sagradas etc. Quanto & categoria de stuagao, lembramos: alt, baixo, plano jacente, pendente, cruzado, dreito,esquer- do, médio, dentro, fora etc. Ba com a categoria de tempo: momentiinco, durivel, novo, velho, principiar acabar. Quanto & de lugar: pleno, vazio, Movimento: velo, lento, direito, obliquo: de um lugas, por um lugar, perto de um lugar, em diregfo a um lugar «exc. Quanto a0 ter, ou a posse: tio, pobre; vestes, empresas, divsas, armas, omamen- tos, instruments inofensivo: Gel, danoso e: ‘A aplicagio das dex categorias arstotéicas a um tema determinado permite inventar dex defingbesilustradas ou conceit bisicos, como disse; a0 mesmo tempo, a versatilidade do autor encontra, para cada um dos conceitos obtdos, uma metéfora adequada, a cada vez mais semanticamente distante, para produzir 0 espanto. Como dlizia Marino com um hipérbato maravilhoso," é do poeta o fim a maravilha’. O espan- to pode ser intesfcado, pois a combinago das categorias, que traduz cada uma das rmetéforas iniciais por outras semanticamente mais distantes, produz formulagiies agudisimas. Imaginemas, por exemplo, que vamas compor um poemade género barxo «e que resolvemos apicaro termo ano para caracterzaro personagem como tip rd culo. Quando examinamos o termo repassando-o pelas categorias ~ por exemplo, 2 categoria quantidade, que 6a primeira das acidentais~poxiemos acharintimeras met - foras de eoisas pequenas em coisa elementares, com “tomo” e “geo de arcia; em coisas humanas, como “pigmeu” e“unha’ ais, como "formiga’, “pul, “mos- “escama de peixe” etc; em plantas, como “gto de tigo”,e, ainda, em objeto entre eles, os militares, como "umbigo do escud" ete. Por meio da eateyoria quantidade, pockemos dizer, por exemplo,* Esse umbigo do escudo" para significa “Esse A formulagio 6 aguda, mas também bastante hermética ¢, por iso, corre o risco de ser apenas incompreensivel. No século XVIL, 0 hermetismo no era sempre ‘um defeito, como hoje, pois também distinguia os engenhosos capazes de produsire entender a agudeza. Gnggora foi acusado por seus inimigos, como Jauregui, Queved e Lope de Vega, de ser obscuro e incongruente nas Soledades, pois tratou um assunto Ihumilde em estilo sublime. Como srbem,respondeu ter desejado escrever escurssimo, = 308- LETRAS CLASSICAS. 0. 4,p. 317-342, 200, «em grego, declarando *escribo no para muchos”, para afirmar a concepgto tipicamente aristocritiea segundo a qual o engenho inventa coisas agudas préprias para agucls, nfo para vullares. Como sabem, data de 1624 a cunhagem do termo “culterano”, que relaciona “culo” e“lucerano”, usado para classficar a poesia de Géngora como heresia poética. Mas disso falamos depois, se foro caso, Saio agora de Géngora e desgo nova mente 20 ‘Quando repassamos todas as coisas pequenas necessras para inventar meti- foras adequadas 8 representagio do tema, é mais conveniente inventar uma formula- «fo ainda mais engenhosa e de maior difculdade. Por exemplo, juntamos a um temo inventado pela categoria quantidade outro termo inventado por meio de outrascateyo- Flas, Assim, quando jérepassamos o indice "pequeno” por todas as classes que pude- mas achar da categoria quanidade, no cruzamos com outras classes obtidas por meio das outras categorias. Com termos da mesma categoria quentidade, podemos dizer, na comédia ou na sitira, que “Ese umbigo do escudo € wna pulga”. Os géneros baixos admitem, por definiglo,essas incongruéncias inveressimeis que se tomam verossime! para figura a desproporgio dos vicios etipos viciosos. Os seiscentistas as chamavamn de “inconvenigncias convenientes". A mesma metéfora “pulga’, por exemplo, pode ser abase de novas metéforas ou de novos poemas. No de John Donne, “The Flea’, A Plga’ o animal étraduzido pela metéfora“escio tempo", porque sugou o sangue do hhomem que fala & mulher também picada; como 0 casamento € fusio de sangues € os sangues de ambos esto misturados no interior do animal, esto casados; ¢ como o casamento costuma ser oficiado em templos, a “pulga” que os picou & um “templo” “Tesauro acompanha as receitas de duas adverténcas: a primeira é a de que ‘nem todasas partes encontradas pela aplicago das categorassio sempre combindveis entre si de modo prazeroso, til ¢ persuasivo, devendo-se evitar a mala affectati, a afetagio e a decorrente frieza. A ndo ser nos géneros baixos ou cémicos, como disse, «em que a inverossimilhanga ¢ aplicada de propésito, pois 0 excesso€ verossimil para representar falta de unidade dos vicios. Em um poema contra o governador Sousa de Meneses atribufdo a Grewéio de Matos e Guerra a persona satticaafirma: * O que te vir er todo rabadilha/ dirs que te perflha uma quaresma, chato percevejo”, traduzin- cdo a figura do governador por “rabadilha”, termo que significa o e6ecix da galinha, ‘aquele lugar onde nascem as penas da cauda da ave. E uma figuragio sérdida e obsce- nna, que nos fz ver um céccix que, enquanto anda, encolhe-se, pois esti sendo chupa- dd por um percevejo. Nocaso, a imagem do governador como “rabadilha” corresponde 8 categoria aristotélica substincia material, que © poema vai cruzando com outras. A segunila adverténeia de Tesauro € complementar: io se deve fcar totalmente preso a fndice e& ordem das partes das categorias, pos elas poem ser misturadas,antepos- -329- HANSEN, Jodo Adolfo, tas ou pospostas. No caso, éo julio dos autores das agudezas que deve ser 0 “compa- rnheitoindivisivel do engenho” (Tesauro, 1670, p. 112). Por exemplo, o mesmo poema atributdo a Greg6rio mistura as categorias hiv, qualidade e quanidade, para figurar 0 governador como um tipo vulgar, subserviente e puxa-saco, 0 tipico porteiro de pals- cio que conhecemos aqui If: “O rabo enguido em cortesias mudas/ Como quem pelo cu tomava ajudas". Os versos talvez fiquem ainda Jembramas de que no século XVII 0 termo “aju divertidamente agudos, se nos snbbém signficava “elistes” ‘Assim, na poesia da agudeza, uma coisa ou tSpiea da invengto pode ser significada por meio de tts espécies de signose relagdes: I". por mera convengio; 2 pela relagio de incluso ou sinédoque entre a coisa significada ea significante; 3. pela semelhanga entre els. Pea simples convenao, propde-se a relagio arbitéria de sig- nos que inicialmente nao tém telagdo: por exemplo, assim como um traje verrielho representa a guerra, é muito usual o uso das “metéforas fossels”, como “cristal”, que pode significar qualquer coisa lis, transparente,dimida, fia ou ighida: gua, e&u, 10s to, olhos, vidro, espelho,neve e cristal Pola segunda relagio, tfm-se duas coisas que info tém semelhanga entre si, mas que podem ser juntadas em um género comun, como causa, conseqiéncia, instrumento, habito etc. £ 0 caso de sinédoques alegorizantes, como a espada pela guerra, a pena pela doutrina,o arado pela agricul rete. A terceira € propriamente a relagéo de semelhanga. Com ela, propSem-se duas coisas semelhantes entre si, ambas fsicas, ou uma fisca e outra moral, ambas anima: das, ou uma animada e outta inanimada ete. Quanto & prépria semelhanga, pela qual ‘um signo ésubstituido por outro, pode ser de trés espécies, de atribuigio, de proporcio ede proporcionalidade. Assim, poratribuigio, tem-se a semelhanga de duas coisas que participa em uma énica forma, chamada “univoea"; por proporcio, a semelhanca de duas coisas que no tém uma forma comum, mas duas formas proporcionalmente ndlogas; por proporcionalidade, vem-se a mesma relagio de proporgi, mas operada com conceitos distantissimos, que so entendides como alegorias ou enigmas que correspondem as anamorfoses da pintura, Pela primeira dessas relag6es os poetasaipro- -ximam coisas diferentes em esséncia, mas semelhantes segundo una propriedade qual- quer em comumy; por exemplo, 0 lira ea neve, segundo a brancuray ou 0 fogo © oan, fisicamente impetuos0 0 primeiro, moralmente o segundo, com transferéncia de esps- cie a espécie:fala-se do amor convo “fogo do pito”, do lirio como "neve do prado”, da ‘neve camo “liio do invents". Sao as segundas € as terceiras, porém, as metiforas de roprogio e de proporcionalidade, que exigem maior engenhasidade, pois aproximam duns evisas diversas, dando mais prazer ao destinatiio quando este € apto para enten- dr as operagSes artifciosas que condensam em um sentido duas coisas até entio distantssimas. Na Bahia do final do XVI, segundo o franciscano Frei Anténio do -330- LETRAS CLASSICAS,w 4 317-342, 2000 Rosfrio, em um sermio em que pregou a dogura do amor de Cristo em forma de rmeraforas de vintee cinco frutas tropicals, o anands ea expresso latina Anna nascitur se relacionam por proporcionalidace; em Greg6rio de Matos, empo e cavalo, nopoema «que refer, relcionam-se por proporgo, por meio da metontimia ota ~" tempo taka «toda ligerea eimprime em toa flor sua pis”. Entre as meforas, 0 poeta engenhhoso prefere a metéfora de proporgio, pela qual “ocopo € 0 escudo de Baco", asim como “o «escudo € copo de Mare", como se pode ler na Poétca. A metafora de proporgio evi- lencia a “erudigfo de coisas distantssimas", como presereve Tesauro (Como disse, os preceptistas da agudeza propéem que todo signo exterior é metéfora que substtui ou copia o conceit interior. Alguns dos sgnos exteriores 80 falantes, outros mudos ¢ outros compostos. Falantes sho os raise os esritos;signos ‘muds so as imagens das palavras pintadas e esculpidas; ou os gestos, que represen tam o movimento; os signos compostos misturam as duasespécis anteriores, sendo‘ao ‘mesmo tempo falantes e mudos, como acontece com os emblemas, as empresas ou diviss. Na doutrina seiscentista da agudeza, hi, portanto, seis maneiras bésicas para representar um conceito agudo: I". por meio do conceito mental ou arquétipo; 2. por ‘meio da vor; 3°, por meio de carateres escrito; 4. por meio de gests; por meio de representagio do objeto e, ainda, 6. por meio de uma mancira misturada (Tesauro, 1670; p.15). Passo thes falar delas. ‘A agudeza arquétipa €aquela que se desenha no fnimo como pensamento. Por cexemplo,imaginams, como o rei Luis XII de Franga imaginou, um animal, 0 ourigo. Juntamente com a imagem do bicho, imaginamos uma inscrigfo em latim: Comins et ceminus, & essa agudeza mental que tentamos comunicat a0 espirito dos outros através de signosexteriores: no possvelcomunicé-la sem o recurso dos sentidos, que funda- mentam a prescrig retGrica e as demais formas da sociablidade. Quando falamos essa agudeza ou a escrevemos ou a desenhamos ou a pintamos ou a esculpimos ou a imitamos com gestos, comunicamos que, assim como o ourigo tem espinhos, também temas armas com que nos defendemos e atacamas de perto e de longe. (Os Anjos podem, sem recorrer @ nenhum meio sensfvel, produair a imagem ‘spiritual de seus pensamentos em outro espitto, tomando-se um e outro ora pintor (ora pintura, Uma questio fundamental no século XVIL fo a de saber se 0 Anjo pode conceber uma imagem ou se pode comunicé-laa outro do mesmo modo que o homem. PParece bizantino parao nosso postivismo, mas é metafsia crit: 0 Anjo fala nfoccom (0 signos dos conceitos, mas com os préprios conceitos, de maneira que para ele uma -31- Retiriea da age, ‘mesma coisa 6 significant e signifcada. Por isso, nenum Anjo pode ser poeta, uma vezque €asignificaciode uma coisa por outra ~a metéfora—-que fundamenta a poesia € a tepresentacio em geral. Assim, os Anjos também no podem fabricar emblemas, empresas divisas, hier6glifos, cifras, rebus, charadas enigméticas, abirintos, metéforas, alegoras, imagens, figuras, pinturas, discursos, sermées, poemas,aulas, paestras sobre a agudezaseiscentista ete. Na Biblia, porém, Deus demonstra que a natureza humana 6 s exprime como representago exterior, por isso inventa um Po voador, uma Esca- dda que sobe a0 Céu, um Livro fechado com Sete Selose outras imagens como manera ‘metafrica ou alegstica de agir na mente extitica de seus Profetas. Disia-e rotineira- mente no século XVII que é pr6prio do homem amar o que admira, mas s6 admirar a verdade vestda, nio a verdade nua Tesauro, 1670, p. 17). Logo, o amor das imagens também é causa eficiente instrumental das agudezas. Robert Klein demonstrou, quando estudou os livros de empresas italianos do século XVI, que os preceptistas terizam as imagens por meio da comparagao do inte- ecto humano com o intelecto angélco (Klein, 1998; p.117-140). Do mesmo modo, para os preceptistas do século XVII, é a representagio que define o homem. Também afirmam, com Arist6teles, que uma inteligéncia superior se caracteriza pela capacida- de de estabelecer relagées répidas e inesperadas entre conceitos. A representagio & ‘uma mediago; na poesia da agudeza, uma mediagio agudamente indireta. A primeira espécie de representacio exterior da agudeza & fla, A fala aguda € dirigda 20 ouvido, que gova com sua pintura, que tem 0 som por core a lingua por pincel. A agudeza vocal deve ser eliptica e cheia de subentendidos, porque, nos ditos muito claros, perdeo brilho assim como as estrelas, ue necessitam ca escurido para brilhar. Pressupde-se, portanto, a condensagio sutil e tendencialmente hermética. Segundo 0 seiscentistas, hé um duplo gozo nas agudezas vocais, pois quem as emite temo prazer de dar vida no intelecto de outro 2 um efeito do seu e,o ouvinte, o prazet de encontrar o que estava oculto. Aqui novamente esti implicada a pragmatica corte- sf tipica das monarquias absolutistas do século XVI, que define os produtores de tgude2as como tipos urbanos dotados de instrumentos dilétiense ret6ricos proporci- ‘onados pelo juizo prudente nas ocasides em que a elegincia discreta € a primeira nor- ma da etiqueta, Por isso mesmo, oque especifica o sentido da agudeza vocal 6 oddecoro, aque considera a circunstancia: uma mesma metifora agua pode ser fineza, brineaul 1, jogo, irona, obscenidade, sarcasm ou agressio, conforme a ocasiso ¢ as pessoas ircunstantes, que implica seu regramento por um sistema de decoros externos que especificam as ocasides do uso conveniente eo sentido adequado em cada uma dels. ‘Como exemplo de agudeza vocal engenhosa, lembro uma carta de Vieira, datada de 1683, em que diz que a frota que naquele ano leva o agécar da Bahia para Portugal =332- LETRAS CLASSICAS, 4p. 317-342, 2000, carnega mais “gueixas” que “caixas”. Como exemplo de agudeza voealimprudente, um «aso contado pelo licenciado Manuel Pereira Rabelo, que no século XVII escreveu ‘uma "Vida do Excelente Poeta Litico, o Doutor Gregorio de Matos e Guerra” como noticia sobre os poemas que compilot atribuiw 20 poeta. Um dia, em Salvador, © jovem Scbastio ca Rocha Pita se aproxima de Gregério de Matos e, depois de Ihe dizer que passou o dia todo tentando escrever um soneto, declara:* falta uma rima para mim", 20 que Grego imediatamente responde *capim’. Segundo os preceptistas, as aguidezasoras so “argumentos urbanosfalazes” (Tesauro, 1670, p. 489). Nesse caso, a rima “capim" nao propriamente urbana. £ uma aguders perfeita, mas imprudente, porque feita expressamente com o propésito de ferir Por isso mesmo, dizia-se no século XVII que o fim dos engenhosos costuma sero hospital. A segunda representagio aguda exterior a agudezaescrita, uma imagem da gudeza vocal, como propie Aristételes. A agudeza escrita permite jogos ilimitados de conceitos e & considerada superior & vocal porque é durdvel.E dela que surgem, por cexcmplo, as inscrges agudas; os motes das empresas; as sentengas; as missiva lacdnicas; ‘os epigramas; os calgramas; os hierogramas e todos os variadissimos jogos do engeniho, Como na divisa dos Sabinos, SPQR, Sabinis Populs Quis Resist”, que os romanos ‘mantiveram, mas eliminando os sabinos, como diz Tesauro com muita graca. Alguém usou a letra A para significar um filésofo ignorante, pois oA signifcava Boi. Héracles, © orador, fez um paneyftico a Prolomeu com o titulo grego PONU ENCOMION, isto & Enctmio de Tlernca 0 tei apagou a primeira letra, escrevendo ONU ENCOMION, Enctmio do Aso, paraafirmar,birbaro, que atolerincia€ virtude de jumentoeniio de reis. Nesse mesmo gnero ablativo, um antigo, depois de ser interrogado acerca dos sinais pelos quais se reconhece o verdadeiro amigo, escreveu em latim a formulagio fem eco: AMORE MORE ORE RE Sigificava que o amigo se conhece peo aero, pelos costumes, pela palarase pela ages. Também se pode utilizar a excita artifciosamente, de modo que o verso sea lido 20 reverso, formando um palindrome, isto 6, dsdizendo, quando €lido da ireita para a exquerda, o que dz quando ldo ca esquerda para adireita, de modo que ‘olouvor se toma censura. E 0 que acontece nos versos andnimos dirigidos a Henrique Vill da Inglaterra, mario de atera e adltero: =333- Retérica da agudeza Cong tdi Rex foecundent Ntamina longo semine nec sterls sit bi progenies Em ll Cannocchiale Aristotelico, no capitulo em que trata da causa formal das figuras engenhosas, Tesauro lemba as “parole fe”, as palaveas fingidas, citando um trecho de Plauto (Pieud., 834-836) como exemplo de agudeza: "Hacc ad Nepexm pecudes condiment sunt. Tertestes pecudes CICIMANDRO eondio: Aut HAPPALOPSIDE, aut CATARACTRIA". Mais excelentes exemplos de “palavras fingidas” acham-se nos 30- nietos de Quevedo contra Géngora. Nels, inventando barbarismos parédicos dos cultimos das Soledades, ataca as inovagSes de Géngoro, imitnndo o estilo culto com “palavrasfingidas” que fazem alusdes obscenas. Por exemplo, assim comega um soneto «que acusa Gngorade estuprar os poctas neotéricos latinos: “Suuivagante,pretemor de sto, pues que lo expuesto al Noto soles obtsas spelncas comunicasJdespecho de las musas a ti solo,/ huge no earpa de ex Dafe Apolofsurcudusslabros de reretespisas,/ porque com tus perversos darmificas/ ls insttutos de su sacro To” ‘A agudeza escrta também pode se pintura ou poesia, como argtcia de corpos figurados. Tesauro ¢ outros preceptistasafirmam que pintura, pondo frente aos olhos 6 simulacros das coisas, pela imitagio material produz o engano da maravilha que _grada, pois consisteem fazer cret que ofingido 0 verdadeiro, de modo que cenas que hhorrorizam deleitam. Comentando um verso de Petrarea no qual um soldado sediento ‘bebe a fgua de um ro tinto do sangse dos mortos nabatalha, ocardeal Sforza Pallavic reitera, em seu tratado Arte del iio intelectualismo da doutrina do conecito enye~ nhoso, afirmando que o principal gosto do intelecto & maravilhar-se, ¢ nd com 3 maravilha que decorre da ignorincia das causas do efeito, caso em que a aden ‘uma imperfeiglo ou um tormento da razio, mas como meio de fazer ver oque antes se ignorava (Pallavicino, Are dello Ste, 1647, p. 181). A poesia, como imitagio metal rica, serve-se da pintura do que se vé para significar 0 que no se v8. Assim, se a imitagio feta pela pintura agrada pela maraviha de que on lio fio sejawendadeiro, a imitagio poétia prods « maravilha pela qual 1m lego vendadeizoé tn home fore, came quando seis "Aauiles € ura leo” (Tesnuro, 1670, p. 16). Quantos aos gestos, dita-se no séeulo XVIT que as pafivras sho gestos sem movimento e que os gestos si palavras sem rumor: todo 0 corpo & uma pagina esti com gestos prescrtos segundo os gneros (Tesauro, 1670, p. 24), como podemos ver nna esculturareligiosa,em que as ria posigbes dos corpos ds santos figuram os varios afetos da conformatio, 0 momento do contato extitico com 0 corpo mistico de Crist. Em 1641, o oratoriano Sénaule dedicou ao Cardeal Richelicu um tratado, De usage des passions, em que ensina uma retrica de gestos adequados as mais varindas citcuns- ~334- LETRAS CLASSICAS, 1.4 p.317-342, 2000, tncias, lembrando o dito de Tibétio citado por Técito nos Aas: Qui nescit finger, nescit vvere (Sénault, 1987). Como na oratéria, em que as palavras sio préprias © ‘metaféricas, naturas¢ vulgnres, comuns¢ engenhosas: Quintiliano chamou de aguas as mis de Horténsio. Tesauto lembra que também era metaférico 0 gesto de erguer sobrancelhas,afetadamente severo ¢ ongulhoso, do dudmviro de Cépua, que Cicero interpretou ieonicamente como modo de fazer crer que sustentava a Repiiblica com a sobrancelha, como Atlas sustenta oe&u com os ombros. Conforme Tesauro, agudissimo discurso de gests metaricos fia disputa do sabio rego com o romano estipido que € contada por Acticio,o jurista.Falando um a0 outro com gests, eles equivocavani- se; € do equivaco nascia o prazer dos abservadores. Diz Acircio, citado por Tesauro: ‘Antes de os Gregos concederem as eis 20s Romanos, mandaram um de seus sibios investgar se os romanos eram dignos de les. Estes, depois dl se aconselharem, enviaram um homem estipido a0 encontro do sabio grego(..). O Grego comegou a dispura e erguew um dedo para significar Deus ¢ wn 36. E 0 nésco, acreditando que ele quissse the farar um olho, ergueu dis, junto com o polegar, como naturalmente ‘corte, para fura os dois olhos do Grego. Acreditou este que 0 Roma- rno, com os tés dedos, quisesse dizer Deus é Trino, e mostroua palma da :mio aberta para sgnificar Tudo estd nue aberto frente a Deus. Oestulto, ppensando que ele queria dar-lhe um bofetio, levantou o punho para retribuir pancada com pancada. O Grego imaginou que quisesse dizer ‘Deus segura tudo na mao e, admirando a agudeza do engenho romano, julgou que aquela Republica era digna de leis (Tesauro, 1670, p. 25-26) ‘Também se utiliza a simples cor, sem figura, conferindo-the sentido alegorico, como foi usado pelos pintores antigos: amarelo significa © Sol; branco, a Lua; azul Jopiter; verde, Venus; vermelho, Marte; violeta ou pirpura, Mercério; negro, Saturno. ‘Asmesmas cores, na pintura, nos emblemas ou reeridas na poesia, sio metaforas: com © amarelo, relacionado ao Sol, sigifica-se /esplendor do sangue e riquezas/; com 0 branco, una, InocEniae Fé/; com 0 azul, de Jopicer,/pensamentos altos e celestes/ com o vende, venéreo, prazeres esperados ou conseyuidos/; com o vermelho, marcia, ‘Ninganga e Valor/; com o pirpura, ou violeta, mercurial ou hermético, Indistia e ‘Arte/; como negro, saturnino, /pensamento profundo de dor/. Da mistura das cores também se fuza mistura de pensamentas ou a indicagio de propésitos, ome os Rossi, os Bianchi cos Neri das fcgbes guelfas e gibelinas do tempo de Frederico II. Quanto’s empresas esculpidas, podemios lembrar, com Tesauro ¢ outros, um elenco de objetos talhados em pedra, como os hierSgifosegfpcios, ou cunhaclos em metal, como as me- -335— HANSEN, Joao Adolfo. Retires da agudera. dathas; ou 0s fitos em relevo, como o escudo de Enéias; ainda, os esculpdas em idrmore, marfim, ouro etc; também os arcos, as colunas rostras, com imagens de Inimigos encadeados, de rio e provincassubjugadas, de cidades vencidas de coroas:Do 'mesmo género sioas esculturas da proade navios, como a Quimera, eoutros monstrus produsides para ameacar © mat; também sio metéforas frisos, capitis, caisides, rétopes e modihées, na arquitetura. Agudezas que langam mao de *prot6tipo morto” fazer com que o exiginal se tomme imagem: como dos Argonautas que, como pintou Valéri Flaco,usavam despojes de Monstros e, como elmo, no simulacros, masas proprias cabecas ds feras qu tinham abatido. No aso, como propée Tesauro, os despojos sio uma “empresa em original” Aiato deuo exemplo le Marco Anténio, ue levava lebes sob o caro, significando que hhavia domado os esptitos mas ferozes do Senadio de Roma. Da mesma mane! se que uma romana mandou uma lebre @ Marcial, lembrando o provétio latino "Quem come lebre fica belo”, para significar is feio/, ao que o poeta respond: Editi nunqua Gellia te lepore. Conta-se que, da mesma maneira,utiizando uma empresa em original, etrarca en- viow a Laura algumas lebres acorrentadas, representando a si mesmo pelos animais porque, perdida aliberdade com o amos, tinha-se tornado presa da amada, fazendo as lebres fala. {Quanto as empresas figuradas por meio de personagem vivo ou de ago, como cnsina Aristteles, as metéforas representantes sio mais agudas que as signficantes, pois com a agio trazem 0 objeto para a frente dos olhos. Ele as chama justamente de rosomato, "na frente do lho”, Cita-sea sua admiragio pelo engenbo de Isserates que, tendode dizer “a Grécia deve estar tristssima pela morte de seus cidados em Salamina’, disse “a Grécin deve cortar as cabclos sobre otimulo dos seus cdados em Salamina Porser metéfora continuada, a expressio€ uma aleyori, podendo ser representada na pintara; por exemplo, pela magem de uma mulher que corta os cabelos sobre témulo dos hes. Nas otras seiscemtistas, 6 uso muito valorizado, articulando-se na formula- ‘gio metaffrica vomo pintura de tipos, ages e cenas, na medida mesma em que imagem proposta como elemento da argumentagio formulada como visualizagio, sensorialmente dramética, Na medida em que a metifora representante implica uma aio, pode ser usnda como um entimen tetstico, uma agudeza que fund o dito com ato. Tesauro cita o exemplo do miisico de Bolonha que, tendo ido assist apreser {agio de outro maisico estrangeito, que passava por um novo Orfed, depois de longa espera ouviu uma vor fraca, trémula e desofinada, Imediatamente, pds uma capa de =336- chuva no ombro, 0 que significou para todos os assstentes “o tempo é de chuva porque ‘1rd coaxa’, caso em que capa, como uma metéfora, também & um entimema satitico Cesauro, 1670). ‘Asdiscussdesscscentistsda ages tm po objeto principale verossimilhangs ‘codecoroda su aplicagi: nels sempre estéem pauta a questio do feito persuasive. En pasg6es por vezesinimigas, os autores das polémicas concordam todos quanto 30 atifcio, Para eles, ue evidentemente no si idealists alemes, roménticosadeptns do realismo seialsta, ¢impenstvelaertca da instituigfo retéieas discordam quanto aolimite dos usos, £0 caso, fundamental, de Matteo Peregrini, autor de Delle Acutezze, che aliments, verze e once volgarment si appellao (1639), que jé refer. Ele propie-se a teorizar "indscrea afar delle acweree, “a indiscreta afetagio das agudesas", ou seja seu uso indecoroso. Por isso mesmo, admite seu uso, desde que regrado com proporgo atenta a verossimilhanga € ao decor. Como norma geal, Peregrinirlacionsa a agucesa com 0 género cémico para prescrever que, nos dtos espirituosos, que visam o deecar, cla 6 mais tolerével que nos argumentos ros ( Percgrini, 1639; Xl). Assim, dscutindo o decoro dos éneres baixos, firma que € lito o uso de agudezas empoladas as evidentemente preme- ditndas, para fazer ir. Advete,porém, que o defeito do juts ouainépca do motejacos, de umlado,eafeidra da coisa motejada, de outro toram a agudeza mais desprazerosa aque 0 mero prazer da sua novidade. Composigées viciosamente agudas nfo so a eis, exceto para 0s que so privados de jutzo e se deletam com elas; por iso, ogudezn 6 sempre louvada pela “turba popula”. Levada pelo efico da novidade, a plebe ¢incapaz de ajuzar seu artificioe sua adequagio.Também os adept do exo “moderne”, como Pererintchama o discurso do pratcantes do conceptisiio enge- nhoso hoje casficado de “bartoco”, os “infant deere, Jouvam a agudeza sem- pre, porque, com sua presungie de sempre saber tudo, aplicam-na arorto ea dei, dlemonstrando que tém o jutzo muito eorrompido e que efetivamente pouco ou nada sabem. Nos dois cass, gnorincia do vulgo e afetagio deletrados, a agudezaGriticada segundo oeritério do decoro, que necessariamente implica odo juto. Os que no tém «juz perfeito admiram-na pela novidade, que € grande, eque sempre produzoefeito de granemente ayaa. A feta do caso ret6rco necesita, contudo, para ser em conhecida, uma “dscrevzzagiuiciosa, uma “dsr jdicios:", Nocapttulo XI! de seu tratado, como diss, Peregrini expse * 25 enutelas para o uso dis agdezas. Vou falar dois rapidamente, porque sho pertinentes para concetuarnies a recepgo con- cemportinca das representagies seiscenistas. ~337- Revérica da spusera. 1, Devem ser evtados todos os gers de agudezas viciosas. No caso, Pereginleva «em conta o decoro interno e externo na quaifcagio de “vicio".O vicio é umsaingpcia ‘ue fere a verossimilhanga. 2, Deve-se evtaroexceso: “guardarsi dla copia. O preceito vale principalmen- ternos géneras baixos. No caso, Peregrinieita Cicero: A nareza dos dies agudosdlistngue orador do buyfo 3, Deve-se evitar a afetacao: “Facuterze hanno de esserlungi da ogni colore affetazione”. A agudeza decor da rapide do engenho; na afetagio, evidencia-se © estudo ou a premeditagéo do dito agudo , que fica “io” e perde a graga. Obviamente, «em gtneros baixos, a afetagio esté prevsta como ironia e sarcasmo — por exemplo, na composi de tipos vulgares, como o pathago sem rato, que munca para de produir dlitos agudos e maledicentes.. 4. Deve-semantero decor. Esta pescrigdo é nuclear e Peregrin cita Quintiliano com ela: “quem e sobre o qué ede quem e contra quem e 0 qué diga” .E também o caso do sermio sacro que, segundo Vieira, no sermio da Sexagésima, de 1655, € transformado ‘em cena de Plauto ou Teréncio quando as agudeaas so disociadas da teologi: * Pregam palavras de Deus, mas ndo pregam a palavra de Deus" dz Vieira dos sermes de seus inimigos, os dominicanos do Santo Oficio da Inquisigéo. 5. Deve-seevitara agudeza nos hgares-comuans afetusos. No caso, Peregrinirefe- reas agudezas que evidenciam 2 preocupacio de ser engenhosas on que tém sabor de zombaria. O uso de agudezas com esse sentido & uma tépica cortente no século XVI na constituigto de tipos infames, que preferem perder amizadesa perder a oportunida- dle de mais uma ver demonstrat sua baixeza com ditos agudes que ferem. Eo modo como 0 Liceneiado Rabelo compe a personagem Gregéio de Matos como um tipe infame, em seu "Vida do Excelente Poeta Lirico, » Doutor Gregorio de Matos Guerra’ Por exemplo, na anedota em que o poeta, conversando com um senhor de engenho pemambucano, véumtboi com um s6chifre. Oanimal pertence ao fzendeio e Growiio diz que seu destino seréo de sempre ser acusado de satitico, porque assim ser inter- pretado se, naquele momento, dsser que © animal é "boi de umn como ss". Segundo Peregrin, a brineadeira nos lugares-comuns de afeto indecoraso, como também impede a comosaio e estraga totalmente oefeito pretendio pela arte Contudo, como ironia, a agudeea proxiusda € muito eficaz, por exemplo, em declaragGes de amor jocosas ou em sitiras em que se finge a amizade para methor agredit. 6. Deve-se usar a agudeza para fim reewunte. Cicero distingue 0 butio do enge- iho desdenhoso pela freqiéncia do uso das agudezas roma seu autor ridieulo © -338~ LETRAS CLASSICAS, 4, p. 317-342, 2000, 7. dem. Pessons prudentes ¢ graves usam pouco as agudesas jocosas e somente na conversagio, quando respondem. Segundo Peregrini, produsi-las o tempo todo & fndice de “engenho ventoso”. 8, Deve-se evita u aguleza em composicéo grave. “Grave”, no caso, aplica-se & especificagio da matéria do discurso. Por exemplo, na orat6ria deliberativa e na judic all géneros geralmente séros, a agudeza nfo € to prdpria quanto no género demons- trativo, que é grave, como louvor, e néo-grave, como vituperagao. 9. No pénero demonstrative ou sofstico, de assunto ameno e ligeno, ad costenationem compositum, ¢ que s6 demanda a audentium voluptatem, impBe-se a agu- dea ocosa. O que também acontece na sétira~ por exemplo, em Quevedo, Caviees, Lord Rochester ena poesia atrbuida a Gregério ce Matos, 10. Evita-se a ayudeza no género douttinério puro (ou didético), porque © rmestresustenta uma persona grave, alheia.abrincadeira; contudo, admite-seaagude- 11, Bvita-se a agudeza no discurso narativo ou histéico, porque prejudiea © rowed, log, o verossmil. Se Putarco escrevesse a vida de Alexandre com agudezas jocosas, © argumento herSico sera ridicule. Na obra histrica, € vetada a agudeza como obra do nartado, mas no a agudeza das préprias coisas narradas, devendo-se estabelecer diferenca entre o objeto e a qualidade da sua elogiéneia. Na natraiva fantéstica, contudo, admite-se, quase que por deiniglo. 12. Admire-se a agudeza como exercicio, como as composgbes fits por jo- vens para adguiti desteza técnica. 13. A comédia, segundo a qualidade das personagens, admite todos os géneros de agudeza,principalmente as jocosas e as pungentes. 14, Agudezassérias so préprias de composigies sérias eso convenientes para 15. As agudezas jocosas convém moderadamence na conversagdo; do contr Fio, tem-se a bufoneria 16. As agudezas pungentes usam-se em todos os lugares em que se acuse, re- proenda ou coisa do género. Lembro 0 poema atribuido a Gregério de Matos que, atacando AntGnio Sousa de Meneses, governador da Baia entre 1682-1684, explicita 19 uso da variante cémica maledicentia: “E j6 velho em Poctas elegantes! O cair em torpezas semelhantes”, O yénero demonstraivo iio 36 admit tas corpezas agudas, mas as exige: no caso, Peregrni dé como exemplo o Apocolocynoss, de Stneca, =339- HANSEN, Jodo Aol Reutica du uguders 17. As agudezas puras, ou graciosas, nfo tm lugar em tema que nioseja por natureza apto pata jogos e brincadeiras. Alig, 6 inépcin nfo usi-as quando o tema & Nédico. 18, E mais tolerivel a abundancia de agudezas pungentes que 0 excesso de pros jogos, pois estes fazem do homem que os enuncia un tipo de engenho vio. 19. Os motes ¢ os ditos agudos ridiculos devem ser usados com muita circunsepecgio ndo s6 quando escritos, mas em roda casio. Agudezas lascivas ou ‘obscenas so priprias para pessoas vis 20. Composigées breves, como epigramas, sonetos e madrigais,exigem agu 13 proporcionada ao seu tema, grave se 0 tema & grave; jocosa, se jocoso; irOnica, se intnico;¢ rdicula ou maledicente, se o tema € baixo. O que é longo tem lugar para ‘outros omamentos ea falta da aguceza pode ser suplementada por eles. Por isso, nos dliscursos breves, a agudeza se impSe porque, se nfo ocorre, o discurso parece ter sido feico 6 para dizer a coisa, nfo para evidenciar o engenho. 21. Quando o principal fim & mover com o riso, as agudezas frias ou viciosas poxlem ser usadas, mas deve ser claramente evidente que se destinam 20 iso. 22. O peso do afeto pode justificar o vicio da figura que porventuraesteja na tagudeza. No caso, Peregrni discute a paronomésia, ou trocadilho, dando como exem- plo um de Cicero contra Veres: * Deverias ter exigido um navio que navegnsse contra 0 predadores, iio com a presa” 23. As particulas“temperadas” podem justificar ou purgar o vicio no uso e na substncia das agudezas: “quase”; “como”; “talvee"; “dia que”; “seja-me permitido”: “parece”; Spor assim dizer” ete. Como um remédio para @ excesso, as particulasindi- cam 0 posicionamento da enunciagio quanto ao tema ¢ & circunstincia do ws0 do dlscurso, evelando o conhecimento do defeit por parte da persona 24, Nas composigées longas, & escusivel algum tipo de agudeza viciosa. Lig de Horicio, que afirma que nas composigies longs € permitido insinuar o sono, 25, Nos recitativas, principalmente os fetus por jovens, tolerase alguma lic ceenga na qualidade e na quantidade dos ditos agudos. O defeito do juzo, sea agudeza € viciosa,& facilmente perdoado, pois alega-se a idade juvenil, naturalmente impru- dente, segundo Peregrini e outro preceptistas Nora * Profestor Doutor de Literatura Brasileira da FFLCH-USP, -340- LETRAS CLASSICAS.n. 4. p. 317-342, 2000, [REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ANONIMO, Rhétorique a Hérennius. Tad. Henei Borneeque. Paris: Garey sd. ARISTOTELES. Rhrique. Trad, Médéric Dufour. 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En établissant la ison ‘entre la pratique de la pointe et larationaité de Cover des monarchies absolues «du XV sil, le vexteen donne des exemples avec des potes, orate et precepistes, comme Ginga, Gracidn, Donne, Shakespeare, Gregério de ‘Matos, Vicia, esa, Pilavicin, Peegrini etc, pour démontrer avec eux appropriation et application des auctor théorique grecqes tlatines a ea production du “beau éfficace” ‘MOTS-CLEFS: rationalité de Cour; shétorique; métaphore; pointe; conc. ~342-

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