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BY oye | yi et 5 i mara Lr Ea WEMIGIAG Dy PLATAO Vieni (ouvscrmit Vw sje editar um Tivro. que apresente finde VAblico a filosofia de Platio? Nao eels male conveniente, no final das contas, a naar ce awed vez no cemitério das filosofias ls, yee cera encontrado em tantos pro- lomtren ce filosofia scus coveiros mais ilustres, w fim de que q nova geragio nao se desenca- iiinke © se entregue de corpo e alma as urgen- tes wrelay prdticas @ tedricns que a realidade nacional the impéem? Oy em outras palavras, Yoird ina? ca moda, nito seria alicnagio divertic bs mogos com slsternes ‘ltrapassados? Além de mals, & nome de Plutiin ver carregado em weral dle enotgies aml 1 Invecando de ui bide uma forma de amor adocieado, que taunea te deve praticar embora convenhu tly fom aha conta, ¢, de er n sespeltdvel teoriy da mertatictacte da slim, misewrada amu aoa filha fal) Oy meres inintelighve!l dan idélan ¢ Cutan femlnleotieclas, que de fato serviu aos Drimelros on érletiey ao procurnrem dar ob nove Fé, mas que bern pan ae ‘wind eniae curiosictides de que o we fe nutte e se definhn. I"m ‘hi apie dacueles pastns poesica S ius ay fal ‘wshs eareeso me de mace Ain. aaa selam felis, nem por inso ae i publinvgko cgue vinosse Unica. mente ii un yordicle sibre 0 platonisme, soot I owerae fddlue pov af qvaito mais falsas ¢ malta male poclvas que por conseguinte pre- chiar yer elucidadas em primeiro Iugar. No enianto, existe rato muti sais profunda que fan de Pluto vn goin moderna cujo aptle de vernoy ouvir, Fim vea de ser um sistema de Wilding vigorosamente tavadas, gue se impéem: pela Ordeny demonstrativa, sua filesofia € antes ale tudo exercicio de persuasio, que toma o (Cont, na ontra dobra) A Religiio de Platio OBRAS DO AUTOR BisitoGRarta Laras: Essai sur le “Cratyle”, contribution a Ubistoire de ta pensée de Platon, Champion, 1940 (esgocado). Les Dielogues de Platon, structure et méthode dialectique. Pres- wes Universitairen de France, 1947, Prix Paul-Pelliot. Obra pre- inlada pela Auociation des Etudes Grecques. Le Faradiyme dans ta dlaleetiqne platonicienne, Presses. Universi- aires ale France, 147, Obra prerniada pela Association des Etudes Greeauen, Le Patadignse dant ta dialectique platonicienne. Presses Universivaires de Viwsve, 1947, Obra premiada pela Association des E:udes Crecques. Jat Religion de Plaian, Preas Universitaires de France, 1949. he Spttlme stalcien et Liddy dle tempi, J. Vein, 1959. Obrar eoletivar Soevater, Platon, Upicure, Cheyninpe, Epictéte i Les Philosopbes Cé- tobred, L, Mawel, 1936, Loy Stotetens, yor I, ediner, Biheehbque de ta Pléinde, Gallimard, 4) pernie daa obras do Autor, constante de artigos, vem inse- tide nue paginas finuls désse volume, VICTOR GOLDSCHMIDT * A RELIGIAO DE PLATAO Prefécio introdutério de OSWALDO PORCHAT PEREIRA Tradugio de IEDA e OSWALDO PORCHAT PEREIRA 2." edigho DIFUSAO EUROPEIA DO LIVRO Rua Bento Freitas, 362 Rua Marqués de Itu, 79 SAO PAULO ‘itulo do original: j La Religion de Platon 1970 ji rr tne em Copyeight by Preset Universitaires de France, Paris Dircitos exe Ditusitio oa para a lingua portuguésa: PrerACIO INTRODUTORIO Ja no tempo em que éramos aluno de V. Goldschmidt na Faculté des Lettres de Rennes, tinhamos tomado a decisio de aptesentar, um dia, sua obra, em traducio, aos Jeitores brasilei- tos, Eis que surge a primeira oportunidade, e gtagas 4 Difuséo Européia do Livro, os tradutores podem oferecer aos estudiosos do pensamento antigo, ¢ do platonismo em particular, sobretudo aos nossos estudantes do Departamento de Filosofia da U.S.P., €ste primeiro contato, em lingua portuguésa, com a obra do eminente historiador, de quem jd se disse constituirem suas pesquisas sdbre o platonismo acontecimento tal, que a histé- ria dos estudos platénicos serd, no futuro, considerada segundo duas grandes etapas: antes e depois de Victor Goldschmidt. Enquanto esperamos, para traduzir as principals obras do autor (Les Dialogues de Platon e Le systéme stoicien et Vidée de temps), que os étgios oficiais se disponham a subvencionar, entre nds, também no dominio da filosofia, as publicagdes de alto nivel para as quais o nosso mercado livreiro ainda nao conta com condicgées comerciais suficientes, oferecemos ao ptiblico esta pequenina ¢ admir4yel obra, publicada em Franca, ém-1949, sob 0 titulo La Religion de Platon, na colegio ‘“‘Mythes et Re- Jigion” das Presses Universitaires de France. Nas exiguas di- Mensdes impostas pelo padrdo da colecio, V. Goldschmidt es- cteveu, de fato, nao obstante a restticio sugerida pelo titulo, uma magnifica introdugao ao pensamento platénico, uma vez que “gq tinica maneita de estudar a religiéo de Platdo segundo o es- pitito e a prépria intengéo do autor veda-nos subttai-la a seu contexto propriamente platénico e prescteve-nos compreendé-la ‘na sua felacZo com o préprio pensamento de Platio, isto é,.com sua filosofia”. O mesmo poderia dizer-se validamente, ali4s, de ¥ ema platdnico, Era um verdadeiro desafio, o Milifew nos primeiras linhas do pref4cio, tratar jiiy num livro tio pequeno, O desatio foi enfren- ehyanem o leitor as pequenas dimensdes da obra: éle fi ile ot, pum estilo extremamente conciso, com uma ilile que wio tolera concessdes, o resultado de anos i ile pesquisa sbbre a filosofia platénica, por um dos maio- iy jorladores da filosofia de nosso tempo. Escrita e publi- tila dale anos depois da grande tese sObre os Didlogos, A Reli- (te de Platéo niio pretende, certamente, resumir o platonismo: (er Her apenas uma introdugio. Serd lida, com proveito, an- ies (tnqiiela outra obra, de bem mais dificil acesso. Uma in- iduduglo, entretanto, em que a referéncia constante aos textos plaidnleos, a comparagiio f{reqiiente dos textos, a concisio do ee tornam enganosa qualquer aparéncia de facilidade. fil como ns Didlagos de Platiio, onde a profundidade dialética fe oculia pob a forma literdria ¢ a linguagem familiar. Clhtamos, algumas linhas etris, uma frase do autor sébre a nevevldade de compresnderse a seligiio, em Platio, na sua in- welo hatural ne contexto filoséfico, isto é, no seu cardter de MeMeni® interno a ser apreendido segundo as articulagdes de ihe extrivntta global, de que pecebe ava plena significagio, Estas vonalderaghes, permitem-nes abordar rapidamente um tema caro * #V, Gotdechmiut, ¢ ligado indissolivelmente a seus estudos: o do witloda om pisiéria da filosofia, Outea no foi a razdo por que Watuelmos ©, om apéadice, a comunicagiio que apresentou ao XII ( Internactonal ite Filosofia (Braxelas, 1953), intitulada po histérico © tempa liglco na interpretacio dos sistemas loos", Congiderarios essa comunicatio, juntamente eom tle Martial Guéroult ahve “Le probleme de la légitimité tle In philonaphie” (in La pbilosopbie de Vbistoire i@, }, Yein, Patls, 1956), como os dois momentos iietidologin clentificn em histéria da filosofia. Nem ti le quanta é jover essa ciéacia chamada His- ii Nid Soe \ludam @ volume ou a quattidade A maior parte delay vessentose quese sempre ile sidiodo a compromerer irreimediavel- Wy por que juigamos tial insiseir um (Olt, Ha) Gile He patentela y preocupagio de a fazer da Histéria da Filosofia uina ciéncia tigorosa, e em que se buscam as regras que permitem alcangar, na exposigio e in- terpretacao dos sistemas filoséficos, uma real objetividade, a salvo das distorgdes fregiientemente produzidas pelos prejuizos dou- trindrios dos que erigem seus préprios dogmas em canon para uma andlise interpretativa, pretensamente critica, do pensa- mento filoséfico. Objetividade que consiste na reconstituigio explicita do movimento do pensamento do autor, refazendo seus mesmos caminhos de argumentagio e descoberta, segundo seus diversos niveis, respeitando tédas as suas atticulagdes estrutu- rais, reescrevendo, por assim dizer, segundo 2 ordem das ra- zOes, a sua obra, sem nada ajuntar, entretanto, que o filésofo n§o pudesse c devesse assumir explicitamente como sez, E sem esquecer um sé instante que “as assetcdes de um sistema ngo podem ter por causas, ao mesmo tempo prdéximas e adequadas, senfio razées, e razdes conhecidas do fildsofo e alegadas por éle”. E certo que uma tal atitude, prépria a quem nfo quer jul- gar um autor, mas compreendé-lo, exige um esférgo penetrante de inteligéncia, uma rigorosa disciplina intelectual, a auséncia de todo preconceito e dogmatismo. Exige que o intérprete se faca discipulo — ainda que provisdriamente — e¢ discipulo fiel. © que é lamentével, entretanto, ¢ que sob a influéncia de cer- to relativismo em moda, mal compreendido alids, se veja re- cusar por alguns a prépria possibilidade tedrica dessa objetivi- dade desejdvel para todo historiador. Lancando mio de argu- mentos capciosos ou sofisticos, um historicismo superficial torna- -se apenas cOmodo pretexto pata dogmatismos féceis e into- lerantes: “‘refuta-se”, “julga-se”, critica-se um autor ¢ sua dou- trina, sem ter-se levado a cabo a exigéncia de compreensao obje- tiva, ¢ postulando-se paradoxalmente © cardter irrealizdvel da Pretensfo a uma tal compreensao. Goldschmidt reduz a dois os métodos tradicionais de inter- pretaco dos sistemas filoséficos, que denomina respectivamente dogmatico e genético, O primeito pretende, é certo, abordar uma doutrina segundo a intengao de seu autor a aceitar a pretensao dos dégmata a serem verdadeiros. Examina um sistema sébre sua verdade, subtrai-o ao tempo: pata fazé-lo, isola as teses de seu contexto filosdfico, isto é, da estrutura que as engendrou e sustenta: tal método freqiientemente se converte em critica e em 7 . Vewalie contradigdes nos sistemas, sem dar-se con- a i lot implica quase sempre uma teoria particular da Hidigia, ope jd é uma posigdo dogmética, Ignora no mais yeres tm perigo fundamental que espreita sempre o intér- fe 6 de assumir uma posigéo polémica em face da obra Builids a melhor maneira de nao compreendé-la. Nia é senio em aparéncia que o outro método, o genético, PHAPG W Eowe perigo, Ele busca descrever a etiologia (fatos eco- WOnileos, sociais © politicos, constituigao psicofisiolégica do au- fir, ua formagio etc.) dos dégmata considerados, entio, como Wierop efeitos désses fatdres, E licito, sem diivida, e cientifica- ienite interessante, estudar um autor do ponto de vista sociold- ile, palcoldpica ou psicanalitico, Nada haveria a dizer contra tal Mipreenilimento se nao fora sua freqiiente tentagdo de “esque- er" w pretensio das douttinas 4 verdade, de desprezar a especifi- sldade propriamente filosotica, e de reduzir a filosofia 4 condic¢a0 ald moro resultaca, geneticamente reconstituivel a partir de ele- Mehios infra-estraturais conhecidos. Tomemos 0 exemplo de cer- in Moelelopin do conhecimento atualmente em yoga: escolhem-se Petty teen ou formulacdes de uma doutrina, retiradas de seu WON? aetrutural préprio, apontam-se elas como a sintese fun- damental da doutrina em questo e converte-se esta entdo em sim- Yellexo icleolégico de determinadas condigées histéricas, vulturils, © principalmente sécio-econdmicas do tempo que a vii fafmarve, Ora, nao somente essa selegdo e isolamento de forms @ aetilicinl @ implica numa deformacao fundamental da sowiring (tal como acontece com o método dogmatico: nfo é @ tee Oi 0 dogma que distingue o filésofo do homem comum HE Mayimento merddico de um pensamento estruturado), mas . tle ontto Milo, tais estudos genéticos repousam, no vives, sbbre preconceitos doutrindrios mal disfatga- Uh ente, por mais que se queita negd-lo, uma ln (amo certa concepgao filoséfica da his- ), peaiio jt wma metafisica, FE o des- Hla le erlgir wm método cientifico em inter- ‘Hlondla comp 8¢ aa definigées principals welolologla [sso independentes de uma jus- } © sbandonar Inadvertidamente a esfera pré- is ptlvilegla, para ivansformé-la em sistema filosdfico dogmatico, ainda que inconfessado: nao explica a ciéncia a filosofia sendo em se substituindo a ela e em se fa- zendo filosofia, por sua vez, isto é, em se negando como ciéncia. E conveniente lembrar, aqui, que a prépria nocio de His- téria da Filosofia € eminentemente ambigua. Nio fésse a tra- digéo a que nos acostumamos, melhor féra que as obras que levam aquéle titulo e as cdtedtas universitdrias ditas de His- téria da Filosofia se intitulassem “sistemas e Doutrinas Filo- s6ficas”. Afirmar, a priori, que a filosofia se constitui em his- téria, e pretender “situar” e explicar pot essa perspectiva “his- térica” um sistema particular, j4 é abandonar a isengZo neces- séria 4 exposicao interpretativa rigorosa, j4 € tomar — mas ha quem nao o veja! — uma posicio filoséfica bem precisa e de- terminada, uma entte outtas tantas possiveis, dogm4tica como clas, introduzindo na apreciacéo da doutrina estudada um ele- mento “critico” a ela freqiientes vézes estranho e dependente tio-sdmente da perspectiva prépria ao intérprete segundo suas convicgées filoséficas pessoais. O que dizer, entdo, désses belos romances histérico-filoséficos em que se expde nao sei que “evolugio” dos sistemas e do pensamento filosdfico, concebi- da como um progtesso gradual e inclutével, ou mesmo necessé- tio, em direcio da Verdade, isto é... da “verdade” do autor do romance?! Nao é sen3o extremamente facil, para quem se cré detentor da Verdade filoséfica ou histérica, reescrever a “hist6ria” do pensamento filoséfico a encontrar lenta mas pro- pressiva ¢ irresistivelmente a “boa” doutrina. Bastam-lhe a se- lego dos “‘verdadeiros” problemas, uma escolha adequada dos textos, ¢ a devida qualificagio ou desqualificacio dos autores é doutrinas, segundo se tenham aproximado ou afastado do ¢aminho “correto”. Uma tal apresentaca’o désses “romancistas” seria caricatural s¢ nao fésse exatamente ésse 0 método empte- gado em tantas rceconstrugdes “‘histéricas” da “evolugaio” da filosofia. Todos ésses métodos, que Goldschmidt denuncia em seus esctitos e em suas aulas, tém isto de comum, que éles disso- ciam método e estrutura, e ignoram a ordem das razSes, isto é, precisamente essa solidariedade esttutural entre as teses ¢ os movimentos de pensamento que nelas culminam. Nao véem que, schdo a filosofia explicitagio e discurso, os filésofos nos 6 dao um pensamento desenvolvido, onde as “teses” no valem por causa de seu contetido material, mas pretendem-se verdadeiras - em razio dos movimentos e processos de investigacio de que resultaram. Se hé um pressuposto no método estruturalista — € é 0 tinico, € o que caracteriza a sua total isengio — é que o filésofo € considerado responsdvel pela totalidade de sua dou- trina, assumida como tal por éle, e que é, portanto, na sua com- preensao dela, explicitada ou implicita nela, que se deve bus- car a inteligéncia de suas assergdes. Se chegou a éstas, gracas ao método de investigagao e pesquisa que adotou, separd-las dés- te é subtrair-lhes téda condisio de inteligibilidade. Percorrer essa estrutura que se constrdi ao longo da pro- gtessio metédica da obra e que define sua arquiteténica é si: tuar-se num tempo que nZo é dos relégios nem vital nem psi- colégico, mas puramente légico. ssa temporalidade das ra- z6es, independente das temporalidades em que as investigacdes genéticas encadeiam os sistemas, € a em que nos situamos a0 refazer os caminhos do autor e repor em movimento a estru- tura de sua obra. A iniciativa désse tempo, insiste Goldschmidt, nao € do intérprete, mas do filésofo. Abordando rapidamente ésses tépicos, temos a esperanga de nao haver deformado o pensamento de V. Goldschmidt. Tendo seguido durante vérios anos seus cursos e estudado sob sua di- regio, devemos-lhe o essencial de nossa formagio filoséfica, A iniciativa de torné-lo conhecido do pxiblico brasileiro nao espe- cializado e a conseqtiente publicagZo desta tradugio, em que cola- boramos, e que revimos cuidadosamente, possam exprimir um pouco de nossa grande gratidio. Que o maior interésse pela fi- losofia antiga, que hd de resultar da leitura de sua obta entre nés, nfo se dissocie da compreensdo profunda de que as filo- sofias de Platdo ou de Aristételes ou a estéica ou qualquer ou- tra smente se compreenderao legitimamente ¢ sem prejuizos se consideradas, nao como momentos “antigos” do pensamento hu- mano, mas como sistemas entre outros sistemas, A cuja interpre- tagio e exposigio a cronologia e o tempo histérico nio podem fornecer critérios validos de apreciagaa filoséfica. Oswaldo Porchat Pereira 1 Nova DO AUTOR PARA A EDICGAO BRASILEIRA A edigao brasileira déste livro é conforme a edig&o original de 1949, aumentada apenas de um apéndice, por iniciativa e escolba dos tradutores. Reproduziu-se pois, igualmente, o Prefacio em que tinhamos definido, tao exatamente quanto possivel, o assunto tal como 0 baviamos concebido e cuja formula nos parece ainda vilida, Sem contestar de modo algum a legitimidade cientifica de uma pes- quisa que isolasse certos aspectos do platonismo, para integré-lo na bistéria das religioes, continuamos a pensar que a unica ma- neira de estudar a religito de Platio segundo o espirito e a pré- pria intencao de seu autor veda-nos subtrat-la a seu contexto pro- Priamente platénico e prescreve-nos comepreendé-la na sua re- lacio com o préprio pensamento de Platio, isto é, com sua filo- sofia. A ésse respeito, ao dar como subtitulo a esta obra “Introdugao ao Platonismo”, os tradutores interpretaram perfei- tamente o que ela visava. Umea tal tentativa nao pretende absolutamente ser exaustiva , propondo-se precisamente introduzir a leitura dos Didlogos, nao poderia ter a ambigao de reduzi-los a sistema. Apareceu, entretanto, um critico a emprestar-nos uma tal ambigho, sob pre- texto de que nossas referéncias nas notas de rodapé eram temadas indistintamente de todos os Didlogos, sem que fésse levada em consideragéo sua cronologia, suposta ou real. Mas nossa descon- fianga para com o preconceito “evolucionista” (contra o qual, iltimamente, H. Chemin, in Lustram [1959/41, 1960, pag. 260) de nenbum modo era uma raxéo para fazer-nos cair na cilada, in- versa e simétrica, do “sistema” (cf. Riv. Crit. Storia Filos., 5, 1950, pags. 169-178). E se assercées de Platéo se harmonizam, de um diélogo a outro, por pouco que o intérprete consinta em ii Lx Me om ldeucla © em paralelo, isso é apenas um testemu- de conitdnela do pensamento platénico, a qual é 0 tinico "preiiuparla’! que nos permitimos, porque nos parece ter a cau- a da ante Heittue exprimir meus agradecimentos ao Professor Oswal- Wi Porchat Pereira e a@ sua espésa por sua traducio notavel- mente fiel, na medida em que posso julgata. E-me mutto ajruddvel reafirmar, nesta ocasiao, os lagos de amizxade e de trabalho gue unem, desde 1956, 0 Departamento de Fi- loinjia da Faculdade de Filosofia, Ciéncias e Letras da Univer- sidade de So Paulo e a Secéo de Filosofia da Faculté des Lettres de Rennes, Estou longe de esquecer os dois anos em que o Sr. Oswaldo Porchat Pereira trabalhou em nossa Faculdade e wlewro-me ao pensar que, por sua vez, éle ensina atualmente em Sido Paulo. O trabalho que teve em colaborar na tradugio desta obra me sensibiliza tanto mais que éle se acha atualmente en- tregue a estudos sobre a filosofia antiga, de que nao tardaremos, espero, @ ter os frutos. Reunes, fevereiro de 1963 V. GOLDSCHMIDT PREFACLO Tratar um assunto téo importante num livra tio pequeno é um duplo desafio, Porque essa prépria despropurglia cons titui uma poderosa condigio de fracasso; mas, por outro hido, nada prova que se teria obtido melhor éxito num eapayer me dido com mais largueza. Nao se deve, pois, contir com extus paginas suplementares do prefacio para suprimir fissuras @ Iie cunas, na ya esperanga de prevenir, assim, eriiicns que, em mule tos pontos, o autor € o primeiro a fazer-se. Ao menos, set-nOo%l permitido orientar essas crfticas, indicando como se beu © assunto e de que maneira se féz a tentative de irati-lo. Néo yale muito a pena justificar longamente o tinile déste ensaio. Atualmente, no se cré mais que tudo aquilo que, nos Diélogos, merece o epiteto de religioso se reduza A critica (Buti- fronte, Rep., II, III) ou a politica (Rep., Leis) religiosas, A cri- tica platénica das crengas populares se contrapéem exigéncias positivas, e.as Leis contém, tanto quanto e ainda mais que uma politica religiosa, uma religiio politica. E, acima de tudo, o pensamenio religioso de Platio mantém relagées, diffceis de pre- cisar, com stu pensamento filosdfico, Sébre essa férmula ge- ral, os intéspretes se poriam de acérdo, sem dificuldade, Mas enquanto, para uns, a religido de Platdo tem principalmente um. carater politico ¢, sobretudo, césmico +, para outtos, ela exprime- -se, pelo menos em scus comegos, na teoria das Formas *, (1) Assim, em. iltimo Ingar, F. Solmsen, Plato’s Theology, Itha- ca (Nova Torque), 1942, {2) Posigéo afirmada diretamente contta a tese de Solmsen por W. Jaeger, Paideia, t. TI, pigs. 285, 415, Oxford, 1947, e pelo Rev. P. E. de Strycker, Antiquité Classique, t. XVI, 1947, pags. 148-150, 12 Vol, ei) gros, a exsa Gltima tese que nos filiamos aqui, Pen- faimion, com efelto, que a religiéo césmica (cap. I, II), a mito- logli epewtobigicn (IL) e a religido da Cidade (III) nao somente tio comariladas pela teoria das Formas divinas, mas ainda de- rivain Westas, em Ultima anélise, o seu valor religioso. O pla- Jonihitienr, parece-nos, € um esférgo (digamos: €, também, um eildrge) para reduzir, no plano histérico como no plano dog- mitice, a antitese From Religion to Philosophy. Foi essa idéia que nos guiow na escolha dos problemas parti- culares. Escolha inevitdvel aqui, mas sempre incémoda e da qual € necessério dizer algumas palavras. Sentimos niio ter podido dar um lugar maior aos antece- dentes, ¢ também ao fundo histérico da religiéo de Platéo. Po- dem, igualmente, parecer insuficientes as referéncias aos prolon- gamenios da religifio piatGnlea, assim como a pessoa e a vida de Plato, A airontar os. diversos ¢ sutis petigos que espreitam o igo das contradigbes, pareceu-nos preferfvel tentar descrever, da methor munelra possfvel, a religiio do préprio Platao, a fim ue ujudar a precisar, a9 menos, um dos térmos (e, geralmente, © tls fugaz) dessas comparacdes. Quanto ao sentimento re- IighowG de Platio, nao ousamos, nem quisemos, de nosso lado, ‘alifayoaa cestas indicagdes dos Diéloges, que ainda guar- ila um aleance geral, Os Didlogos (que nao sfo, absolutamente, conflaeGes @ que pertencem a um género literdrio ainda pouco eatadade ") permit mal e com grande dificuldade 0 esbéco ilaquila que se poderia chamar uma biografia espititual de seu autor, o quai, alids, se eclipsa voluntariamente por tras de sua obra ©, antes de Pascal, j4 julgava-o Eu detestdvel. Na mesma ordem de |déias, nto tocamos aqui no problema da “evolugao” de Platiio, ni medida em que os pressupostos da tese evalucio- nista Nox terlann obrigado a dar a tais discuss6es um espaco que vulla mais pena reservar A exposic¢ao*, Por razdes and- (3) Citemos a Ge respeito as pesquisas em que prossegue, hi vd ios anos, H. Margui nai Teole des Hautes Etudes. (4) Ea raaio pela quill niio quisemos expor, neste breve ensaio, a mudanga provivel da atitude de Platio em relagdo ao Pitagorisino, desde o Crdtilo até 0 Timeu e as Leis. Tentamos estabelecer ésse pon- to em nosso Essai sur le “Cratyle”, € as conclusdes convergentes de P. Ja logas, renunciamos a utilizar o Epfnomis, que teria sido neces- sirio levar em consideraggo (sob fteserva das conclusées ado- tadas) numa obra menos suméaria. Restavam problemas bastante numcrosos para que nenhum, talvez, tenha podido ser desenvolvido suficientemente. Ou me thor: todos éles, assim como o conjunto do assunto, nao re- ceberam senZo um tratamento de certo modo exotérico. Tente- mos explicar-nos sébre ésse ponto. Temos plena consciéncia da dificuldade e, em certo sentido, da inconsisténcia de um empreendimento que nos obriga a fa- lar daquilo de que o préprio Platfo nfo falou senao para me- Thor calar-se (Rep., VI, 506 d-e; Fedro, 275 d, 278 a; Timeu, 28 ¢; Carta VII, 344 c-e). Nao se deve tornar banal essa dificulda- de, dizendo que acontece o mesmo com todo filésofo, Pois a cé- lebre observacio de Bergson © vai além da intengdo da maioria dos filésofos (os pensadores cldssicos créem enunciar com bastante clareza o que éles estimam ter bem concebido), enquanto a in- tengo de calar a viséo primordial se liga conscientemente a0 designio dos Diélogos. Seguem-se dai, para a interpretacio dou- trinal e para o método de interpretagao, problemas que nao era posstvel abordar aqui. De qualquer maneira, nado pretendemos, eno-lo proibimos mesmo, restituir aqui a intuicio original do pla- tonismo. Mas pareceu-nos possivel tentar uma anflise descritiva da religido de Platao, a qual, embora conservando-se exterior, de certo modo, ao “impulso” platénico, pudesse nio ser muito infiel A letra, senao ao espfrito dos Didlogos, com a condigao de tomarmos certas precaugdes. Boyancé (R, E. G., 1941, t. LIV, pags. 141-175; RE, A, 1947, t. XLIX, pags. 182-184) nos trouxeram uma preciosa confirmacio. De um lado, com éfeito, parccenos bem dificil, atualmente, precisar as condi- es € @ época dessa mudanca (0 Gérgias jf contém, a propésito de um tema cosmolégico, uma adésio ao Pitagorismo) e o fato, igualmente es- tabelecido pelas pesquisas de P. Boyancé, que a crenca na divindade dos astros e das divisdes do tempo jé seja considerada no Crdtilo, poderin set interpretada como o sinal de uma continuidade da formagio do jensa- mento platénico. De outro lado, a adogio por Platio do que se cha: mou de “teligido astral” integra-se em sua filosofia e, em particular, deixa intacta a divindade superiora das Formas. (5) La Penste et le Mowvant, pigs. 117 e segs. Tie bi lado, eta necessitrio buscar um apoio na comparacao i textos, Pareceu-nos, pois, indispens4vel multiplicar las won Didlogos, nao sdmente para fornecer ao leitor tle vorl{leagiio, mas, antes de tudo, para proteger o autor ‘PHA Wl proprio por tédas essas barreiras. Unicamente o re- PHP SHielanie ao texto escrito pode impedir de raciacinar mal, $i Hinpleamente de raciocinar, o que freqiientemente é a mesma fil, quando se cré explicar Platéo. Var outro lado, ndo sendo possivel mostrar o centro onde win aniflearse (ou melhor: de onde procedem) as assergdes, as ealaéne ns crengas e a fé platénicas, era necessdrio, ao me- fiom, indlear como elas se suportam e se apéiam mituamente. ‘Teataene at bem menos da pobre necessidade de despistar ou ile soprlmir as “contradigées”, que do esférgo de compreenséo pita ver como se convém e se contém as tendéncias e as resis- ine nilo no seu resultado talvez, mas na intencao de seu autor, Ilaverin muitas coisas a dizer, ainda, sdbre isso. A ex- ponlgiio, em todo caso, sofre entdo, a cada passo, a tentagao de fewalar, por sobrecargas indiscretas ou leviandades de boa fé, far Ulin mprura de equilfbrio, porque seria preciso fazer, in- jeanleMmenie, aeréscimos e corregdes. Infelizmente, nao é su- viele temer essas faltas de medida para evité-las, na medida 4ii@ © feltor se une voluntriamente ao autor contra éste ties, Pita arrastd-lo bem longe, & para prevenir ou para cor- HIF Core HewFalon que deveriam servit as observagdes seguintes. i powalvet que renhamos insistido demais sdbre o otimismo, ie divlamos, de bom grado, de jure, de Plato, o qual se ex- jilite (4 fe iorla cas Formas, na sua cosmologia ¢ aquilo que Co it ehwmar jua escatologia moral, as custas do seu pessi- Wits, jue we despwende de sua teoria do acaso (ainda i | tle tun {ilonsofia da histéria, e de sua psicologia, — ae ver bem que a teoria da elma-senhora do corpo ¢ tans va quanto deseritiva (se se quer adotar esta anti- ene emi }! fexlow tmultog diferentes entre si, como aquéles eltamnion |) 74, thy HAO; pile. 77, 0, 60; pag. 91, n. 153, m ver, dullclentemente, que a alma ge acha assentada no cor- yy “ele Maula In HAVE", Hepunde a térmula airibuida a Platéo por nto Tommie e combatida ainda por Descarves, Fra preciso insis- tle aObre a causalidade cas Formas, Mas, tretivse at, bem fre- 16 qitentemente, de uma exigéncia metaffsica, na verdade, capital, que de maneira alguma impede de st colocatem os problemas da tealizacio e da obra: num texto do Politico ( pég. 53, n. 95), dian- te do Devir com tédas as suas situacdes concretas, nfio subsiste de téda a causadidade formal sendo a Forma da Justa Medida, que prova a sua constancia, precisamente, porque ela inspira ao po- litico iniciativas sem cessar renovadas. — De maneira geral, a énfase posta na teoria das Formas e na hostilidade de Pla- tio em relagfo ao “sentimento trégico da vida” (cap. II, § VIII; cap. ITT, § TI, 2). parece favorecer a moda que consis- te em opor, sob o nome de “essencialismo”, o sistema de Platao (associado, para ésse efeito, ao de Aristételes ou ao de Santo Tomés) ao dos fildsofos de inspitagZo mais recente. Mas a teo- tia das Formas, numa larga medida, e a rejeigio do trdgico, quase na sua totalidade, somente se explicam. por um conheci- mento — nao intelectual, mas sivepético e vivido — da existéncia, e por um esférco de ultrapassamento. O que, as vézes, aparece como a serenidade olimpica do platonismo é uma conquista e nao é, bem freqiientemente, senao uma aspiracgio ¢ uma espe- tanga, Sao @sses problemas de equilfbrio, onde cada matiz de apre- ciagio é importante, que tornam tio diffcil, nfo sOmente a com- paragio do pensamento platénico com outras’ filosofias, como também, mais modestamente, o acérdo exato entre os intérpre- tes e mesmo, é necessdrio dizé-lo, do intérprete consigo mesmo. d7 # Hilplas menor Alciblades I Apologia Hutifrante ed rah Jipius Maior Chrmides Laqués Lisi Protdgoray vir WA 008 DIALOGOS crrapos NESTA OBRA* (Hip. Men.) (Aleib. 1) (Apol. ) (Eutifr.) (Crit) (Hip. Mai.) (Garm.) { Lag.) ( Lis.) (Pret) (Gore ) iM (Husid.) (Crit) ikep.) (Parm,) (Teet,) (Sap. 4 { Palle, ) (Pil) (Tim.) a order adotada pela ediggo ta a ace, ea ‘hive Ig Wire’, Wa a Gives ws oF dom cronoldglea provide: INTRODUCAO AS ASPIRACOES HUMANAS I, — A Procura pa VERDADE Um dia, em que lhe perguntaram por que tinha nascido, Anaxdgoras respondeu: “Para observar o sol, a lua e o céu?”. — Kis ai uma resposta de s4bio. Mas mesmo aquéles que igno- ram a astronomia se mosttam “amadores de espetdculos * e vio a téda parte onde créem encontrar algo que “merega ser visto *”. O desejo de ver e¢ de saber é natural ao homem. Mas o que é que merece, realmente, ser visto e conhecido? E sera que o homem € capaz de obter uma visdo clara e um saber sdlido de tais coisas? Desde sua “aurora”, a ciéncia grega procurou proteger 0 co- nhecimento contra a dispersio, a hesitagio ¢ 0 érro, € assegu- ratthe um objeto «a no seio da multiplicidade das coisas, es- t4vel através de sua mudanga real por trds de sua aparéncia. A substancia primordial responde a essa tripla condigao. Unica *, inalteravel ¢ permanente, ela é como o estéfo do qual sao feitas as coisas miltiplas e pereciveis. No inicio 5, ndo ha preocupacio — (1) Diggencs Laércio, II, 10. (2) Rep., V., 476 d. (3) Xenofonte, Hier, 11. (4) Unica, seja no sentido literal (a 4gva, o ar), seja qualitative. mente (0 infinito, os dtomos), ou ao menos, numéricamente deterini- nada (os quatro elementos). (5) “Nos tempos primitives, nao € 0 movimento mas sim o re- pouso que deve ser explicado” (J, Burnet, L'aurore de la Philosophie grecque, ed. franc. por A. Reymond, Patis, 1919, pag. 15). Alou operdeie que talha c modela esta maté- 4, teparada ou nao, que anima esta substan- Wels formas que dela surgem, Porém, mais tar- , alm dos quatro elementos, introduz a Amizade fiiedgoras faz um Espfrito ordenar suas homeome- ‘\wima inaterial” nao pode bastar pata explicar tédas Vin itis ocasties, Plado definiu sua filosofia em relagHo as iiltan sis fisicos, A teotia das Formas pretende, por sua , tesalver o antigo problema da substancia primordial, que Hie formula déste mode: © que € 0 Ser 9? — e: “Qual é, de Waiielra geral, a causa ca geragho © da cottupgao 7?” — Ora, as Vormas nko "'o ser verdadeirarente real 8"; e é as Formas que © ileve atribnir a causalidade de tudo aquilo que advém 20 mundo do devi", As Vormns she incorperais © invisivels, De uma sé vez, a se- favagio do material © do explriraal é eomsumada. Nao mais se vali de encontrar pora a mudanga das coisas sensiveis um su- porte corporal, uma substingia, por primordial que a suponhamos. Mos a orem material é desncreditada, em bloco, A matéria é ipojala de realidade ¢ de saziio, pio s8mente nas suas mani- leplighes de superficie, mas até nas seus dltimos redutos. A rea- Vitale paven inteicamente para as Formas inteligiveis. Nenhuma Motrin fae on desfaz ax coisas, mas Unicamente as Formas, na medida om que se deixam “imitar” ou “participar? 1°, A tinica timalidece “inteligivel ”, isto ¢, compreensivel, nao reside na Walérla Ber mesmo em qualquer {Orga motora, mas sdmente nas Voriias, que alo, ac mesmo tempo, moilelos e causas de todo t Slaw bpsaniem on trés atributos qa substancia primordial, As f Who feds, porque silo eternamente o que so, porque WH delay permanece sempre idéntica a si mesma, Ade- ofl) af Tw, Tk 12, mais, como a substancia dos antigos, as Formas reduzem o mil- tiplo 4 dnidade. H4 uma infinidade de cotpos, de objetos, de pensamentos, de atos que chamamos belos, mas existe uma sé Forma do Belo; uma infinidade de camas concretas, mas uma s6 “cama em si}2”, “uma sé lei de estrutura da cama!*”, Por sua vez, a multiplicidade das diferentes Formas é unificada no Bem, Forma Suptema, causa primeita que dé “a existéncia e a esséncia” 14 4s Formas inferiores. Ja os antigos tinham divinizado a substdncia primordial; Empédocles, por exemplo, designa os quatro elementos pelos no- mes de certas divindades 1°. Nao é verossimil que isto seja, ape- nas, uma simples metéfora '*, O que é certo é que Platio asso- cia, com plena consciéncia, o atributo de divino aos outros tf- tulos conferidos 4s Formas: a Forma é “divina, imortal, inteli- givel” "7, “divina, imortal, eterna” 1®; superiores aos astros que alimentam sua divindade pela contemplacio dessas realidades eternas, as Formas tornam “‘divino um deus que a elas se apli- ca’? 19, Assim, da curiosidade do viajante, da pesquisa do sdbio, eis que passamos a ciéncia do divino. Os espetdéculos da vida, que nos encantam, tém menos realidade, menos beleza que as For- mas, das quais éles sao imitagdes imperfeitas. Os corpos celes- tes reproduzem, nas suas revolugdes, movimentos formais, in- visiveis, os tnicos conheciveis °, Desviando nossa investigagio da aparéncia para a realidade, da mudanca para a estabili- dade, da multiplicidade para unidade, passamos do devir ao Ser, ¢ paralelamente, nosso saber se eleva da opinido a ciéncia. (12) Rep., X, 596 b seg. (13) A. Dits, Introd. 2 Rép. (col. G. Budé), pég. CXII. (14) Rep., VI, 509 b. (15) Diels, Vors,, 21 B 6; s6bre o Infinito de Anaximandro, cf. Arist., Fis, TIL, 4, 203 b 13; sobre o Ar de Anaxfmenes, Cicero, De nat. deor., I, X. (16) Ver, atualmente, W. Jaeger, The Theology of the Early Greek Philosophers, Oxford, 1948 (p. ex. pags, 203-206). UT) Fed., 80 b. (18) Rep., X, 661 e. (19) Fedro, 249 c, (20) Rep, VY, 529 ¢ seg. 21 WH) iMeNG Iempo, reais ¢ verdadeiras 24, Elas # iiiutelos) que eriam, a sua semelhanga, ima- yainnus ¢ ditigem-nas segundo o principio do © poder de mergulhé-las de névo no nada, © Ser siquitica, pois, tanto estabilidade, como férca cria- ae ftompreende-se que, pondo as Formas, Platio possa f lniliterentemente a dois enunciados de uma mesma ©) que € 0 Ser? e: Qual é a causa do devir? 7 Em wi ie vais objeto verdadeiro, a pesquisa tende 4 divindade wie, Conjuriamerte, é c faz ser, € e torna verdadeiro 4, © problema da substincia primordial acha-se assim intei- mente renoyado e ultrapassado, No mais deve ser resolvido Whicamente pela cosmologia, mas por tddas as ciéncias que, amente"" ou de maneira Iyminosa, apreendem Formas. Além disso, as Formas silo os madelos, nao ssmente daquilo que Hevém, mas ainda daquiio que fazemos devir. Tratase, entdo, filo mals de comhecer una Forma que: jé produziu imagens, mas vin Norma que ws mesnow devernos imitar em nossos atos # em nossas obras, © conheclimento das Formas é-nos indis- penaivel, niio somente para conbecer 0 mundo do devir, mas winbém para agic néle ¢ sébre ele, ©) amador de ¢apeticulos pode satisfazer-se com todas as COs taras & Grecigsag que cacm sob seus olhos, o fisico pode Hinltar sua pesquisa aa Universo visivel, Mas a curiosidade do re Osim como a inquiriglio da stibio visam obscuramente Ae r thas, “couhecivels e verdadeitarnente reais” 2°, causas da- quile que um admita © o outra estuda, & que séo as tnicas & poder esclarecer *? a sua visio ¢ a sua ci€ncia, Ora, chega- # a0 objeto supremo do saber, ao Bem, conheceremos nao — (8) Rep, VI, SoH © 4, DA) bie H suiinatldiake dix Formas yer adiante pap. 93. HN) CH a, 20, 6.9.2, ot folie i Wroaldade do diving, do inteligtve! & do Ser, ver Antone de Maton, \, 11, Paria, MCMXXVET, pags, 336 e segs. 8) Mop, VIL, 899 \ wie VIL, Ma 1, Hep, ¥, 476 ed) VI, 308 &, sodmente as imagens que déle derivam, como também aquelas que nos incumbe fazer que déle nasgam. A intelig&ncia das For- mas e, para além das Formas, do Bem, ditige e obriga nosso conhecimento a nossa ago, Desde entio, libertos para ver e para saber, somos engajados pelas exigéncias do Ser; 0 conbecimento impde-se a nossa vontade, e n’o mais somos livres diante do érro, A procura da verdade faz-se obediéncia ao Bem. Il, — O Desejo vo Bem Todo homem deseja ser feliz. Quando se trata de conhe- cer a verdade, ninguém tem bastante ardor para temer o érro como um mal, Quando muito, ficamos ‘“‘ofendidos” 2* em nosso amor-ptéptio, quando o filésofo pretende ser o tinico a possuit uma vetdade com a qual, no fundo, nao temos o que fazer. “Mas, quando se trata das coisas boas, ninguém se contenta em possuir bens aparentes; ao contrdrio, sio os bens reais que todo mundo procura, sem dar nenhum valor, nesse domfnio, 4 aparéncia 29,” E claro, para todos, que a felicidade consiste em possuir muitas coisas boas 8°: riqueza, honra, poder (bens exteriores); satide, beleza, férca, porte (bens do corpo); coragem, tempe- tanga, inteligéncia (bens da alma) *!, Acrescentemos que nao é suficiente possuir. As coisas sdmente sio uteis para quem as utiliza, e, mais precisamente, para quem as utiliza como se deve. De modo que todos ésses “bens” nao sio, exatamente, nem bons nem maus; nao se tornam tais sendo pelo uso, bom ou mau, que déle fazemos. Ora, todo uso judicioso requer um sa- bet. Digamos, pois, em concluso, que o unico bem é a cién- cia, 0 tnico mal, a ignorancia ®?, A ciéncia da felicidade deve- ria efsinar-nos, ao mesmo tempo, a adquirir e a usar os bens. (28) Rep., V, 476 d. (29) Rep. VI, 505 d. (30) Eutid., 278 © seg. (31) Entid., 279 ab; cf, Leis, 631 be; V, 727 0-729 a, (32) Entid., 280 b-281 ¢. oF fila cléneli? —- Todos os oficios, todas as téc- Adijuleie ou produzir coisas, ignoram como gucores © pescadores sao obrigados a entre- inhelro, que € o tinico a saber aproveitéta. WO eopazes de tomar uma cidade, mas dinicamen- tle Ewtado sabe explorar as vitérias déles 3%, Para fH existe uma técnica de produgdo {ou de aquisicio) fH ifenlea cle uso ¢, cada vez, aquela estd subordinada a j Wain, € © cavaleito que instruiré o ferreiro ou o seleiro aie deve wer uni bos freio ou uma boa rédea, € 0 teceldo que Uivilh o trabalho do fabricante de lancadeiras 24, Ag at- fee, ae clénc\aa, as iéenicax hicrarguizam-se conforme uma pro- hi © ue a ouera uriza, aié chepar a uma ciéncia suprema do ie, gue dominari @ conjunto das técnicas. Qual é esta “ciéncia val? D carte que eva cléncia mais alta se aplicard, nao a qual- ayer objeto, lio a iim “bem” qualquer, mas ao objeto supre- Will [ee tle oxlite), Pols, assim coma ax citncias, as coisas hie- jileaiete way eM) Pelnglio Aa Gutta, Og bens nao nos sao, ji mente caron; hi entre bles, os que desejamos a dle femddiog, 04, alnita, como meios em vista de outros bens. Wy ambdm, distinguir ox bens que amamos por éles mes- i prateres dia alfata) © aguéles que, como a vista oi0 apfeclidos por Clea mestnos © pelas vantagens Hiei, Pordin, venis mala de perto, percebe-se le pare além ile al mesmo, que @e chama Fila preparagic pode servir, mas ao qual nao wulottialt Today Seven bens.“fantasmas” “en- {0) pirocuraiow “em vista” de outros bens, hem vltimo, amivel por si mesmo e “ter fiowsas andangat, i claro que, inicamente, wwii poderia jornecer \ “eléncia teal” um objeto ee (93) Buti, ah my. (4) Rep, X, 60k ey Chl, sid. by. U5) Hold, BOW I eH, el Pots, 308 al 2, vit, 215 0, (BI) bit, 210 & 67 we7, oh Nani, 2b 78. (38) Paea tocter tite purdgrafo, of, Ren, 1, 457 tr seg, Gérg, 467 © sop; Lis, HB ad sep. Nao se poderia falar da felicidade sem contar com 0 tempo em que ela se constréi. E no tempo que alinhamos, uns apés os outros, os bens efémeros, e que trabalhamos para o advento do bem-térmo. E por pouco que saibamos déste bem suficiente, desejamos que éle seja sempre nosso *°, O desejo da felicidade quer a eternidade do objeto e a imortalidade do sujeito. Eis quem, uma vez mais, poe fora da competi¢io os bens instaveis, os bens extetiotes e os bens do corpo. Pereciveis, nao podem as- segurar sengo uma felicidade passageira a séres mortais, Mesmo que féssemos imortais, a profundidade de nosso desejo no po- deria ser satisfeita por éles #©, A alma, ela sim, é imortal. Nao ha divida que as almas, outrora admitidas a contemplar “‘o lugar supraceleste”, onde se elevam as Fotmas inteligfveis, te- nham’ encontrado uma felicidade total nessa “visio bem-aven- turada” “1, Mas, depois, caitam em corpos mortais, e dificil- mente se persuadiria o geémetra a tirar um g6zo suficiente do estudo da forma do circulo se, ignorando o compasso e o esqua- dro (instrumentos, contudo, inexatos e perecfveis), éle nio sou- ber nem construir sua casa, nem, ao chegar da noite, encontrar © caminho pata voltar a casa+?, — As necessidades de nossa condi¢ao encarnada obrigam-nos a petseguir sem trégua as “‘coi- sas boas” fugidias e portadoras de uma patcela, apenas, de fe- licidade instavel, de uma felicidade na medida de nossa condi- sao mortal. Se € plausivel que a alma imortal se dirija es- pontaneamente para as Formas eternas, ¢ igualmente verdadeiro que a alma encarnada nao sente nenhum desejo disso, e que o “além’’ **, com suas realidades beatificas, the inspira incredu- lidade ¢ lhe parece uma grande légro 44, (39) Banquete, 206 a. (40) Eutid, 289 b; Leis, 11, 661 b. (41) Fedro, 247 ¢, 250 b 7. (42) Fil, 62 ec. (43) Fed, 79 d 1; Fedro, 250 a 6, (44) Fed., 69 @. rd Tn) Q Amon po Beto tii Ligro "® propor ao nosso desejo, como boas, Winelite slo belas, Coragem, justica, temperanga es- Vormas mediante as quais o filésofo pretende asse- fa eticidacde, Mas, ordinariamente, os interlocutores de ‘hoa oo qualificar de belas essas virtudes diffceis #4; wliviragis © perspicdcia, saidam-nas de longe ¢ testemu- fi por clas antes respeito que desejo. Se consentem em pretit-lan na clase dos “bens da alma” 47, é sob condigao e na Wedida em que podem beneficiarse disso **. Ora, a virtude é proveltona Hebretodo pelo renome que Ihe esta ligado, e éste se obi igiaimente, ou dindi mais, pelas manifestacdes aparen- leu honestidacde , A, dnica coisa que desejariamos em sua toalidaite @ 0 felicidde ™, © podemos ser muito felizes, na Ci- finglinow a jnstiga’ ©, Oi helo hilo é » ebjeta de noase desejo. Impde-se éle ao nosso aor? = Mas mneamo o amor é “um desejo; eis uma coisa que € ra pers toda o mundo", Ninguém compreende o que Hilicar "> amex day cosas belas”, enquanto nfo se ti- f » eng enue ue Alo ne trata, no finda, genio de uma forma ili (leweja iiniversai das coisay boas %*, Como a fe PH fei, pode-se acrescentar, © bem que o apaixona- 6 ome & Inetdvel *, bool reel wails we fala de amor, cyitar propdsitos on jue W) ovigle em “pessony criadas entre ma- © wie Hea Hiverim ® expeticule de um amor ver- 140) Tideg, 401 by, ANd oe. if leg, Wt a) Alel. 1, 104 wh; cf, Prot, 358 b359 © seg. Ma 4, 0 31, C4) Ped, i 0 new (49) Hep, Hy SObon sen, 363. 0 neg, (50) Pay, 23, a, 431) Proe, 32% b, (22) Feiteo, 297 a. (33) Banguete, 204 ibe, (54) Feira, 297 dai e f DK dadeiramente livre” 5°. O apaixonado, “quando vé um rosto de aspecto divino, imitago acabada da beleza, ou qualquer corpo igualmente bem feito, sente primeito um calafrio... depois, dirigindo seus olhares para o belo objeto, venerao como se fésse um deus e, se n&o temesse parecer estar no auge do de- litio, ofereceria sacrificios ao bem-amado, como a uma santa imagem ou a um deus” ®*, Da mesma maneira que a piedade quer prestar “assisténcia” "7 4 divindade, a adoracio amorosa procura ornar e embelezar o objeto amado; ela o quer perfeito. Se o apaixonado carece de uma virtude ou de um saber que éle deseja para o belo objeto, nfo tem descanso se nfo se ins- trui a si préprio para melhor instruir o bem-amado. ‘Tende a aumentar os bens de sua alma como os mais dignos de serem apresentados em oferenda; de bom grado, abandonaria tudo o que possui, e adquire virtudes e ciéncias para tudo oferecer 20 amado 58, Mas basta tomar o amor no seu nivel mais comum, onde éle nao é suspeito nem de transposicio, nem de sofisticacao, para descobrir néle dois tracos estranhos: o desejo de “conceber no Belo”, assim como os cuidados que os pais dispensam (e, aqui, podemos estender a observaciio até os animais) a sua progenitura © que éles levam, se necessatio, até ao sactificio de sua prépria vida 5". Sabe-se como Platdo explica esta “‘disposicao surpreen- dente” e, em aparéncia, “‘absurda” "®: a natureza mortal nao se pode imortalizar sendo pelo artificio da geracdo; “no lugar do an- tigo ser, ela deixa um névo que déle se distingue °1”’, e no qual o primeiro sobrevive a si mesmo. — Lembramo-nos dos obstéculos que tinha enconttado o desejo da felicidade. Ora, o ato da getacao «ii a imortalidade (na medida em que ela pode ser conce- dida A natureza mortal), ao mesmo tempo, ao sujeito e ao obje- to. Ble testemunha, além do mais, que o “bem” ao qual tende o (95) Fedro, 244 @ (1rd, Robin). (56) Pedro, 251 a (tid, Robin). (37) Eutifr. 12 ¢ seg. (58) Fedro, 252 a, d seg.; Benquete, 210 be. (59) Banguete, 206 ¢, 207 a seg. (60) Banquete, 207 a 7-b 1, ¢ 8:9, 208 c 34, (61) Banguete, 207 d, 27. plurar; somos nés mesmos que fialusimes vm bem pessoal, nosso bem préprio, f) pelo qual e “em yista”? * do qual estamos dis- seiiilear toulo @ resto. Ora, a geracdo “tem algo de a, visto que a divindade repugna a feitira, sé pode # “no Hela? “ Oy, mais precisamente: “em presenca do A Telicliiacie, j4 0 vimos "4, € 4 nica coisa que o homem de- fealmente, ‘Tulvez allo ge precise cortigit esta tese. Serd fwrewdrlo, em todo o casa, ever o seu sentido, — Quando AL Cihlades, vom © invoralisino encantador e desajeitado de sua Haeente ambigiio, explica a Aderaes que, como futuro senhor de Atenus, allo tert o que fazer da justica e das outras virtudes, que the perd wuficiente deixar-se guiar tnicamente pelo seu ii feitive @ que @ bem (0 dtl) ¢ muito diferente do belo, — Sé- Ohites perwuntathe; “OQ que yore pensa da coragem?” “Em que eondigl york renunciaria a ela?” ¢ © jovem utilitarista, sem telletir) Antes morter que ser coyatde "”. Existe, portanto, a Hela que é bom, uma felicidade que nfo é posse nem g6z0, i predugio © sacrifi Platiio chanya amor o sentimento que fies Lmpulsos generosos, Qué Cles surjam em nés es- MEME, O Gue nascam & vista de um ser amado, levam- seripie além de as mesmos, para um absoluto que adivi- ii (ie vemnGs Manserite hos tragos do ser amado. Na slew, fio maerificio pelos nossos préximos ou pela pé- Wovlugio podiica, na atividade politica, Plato reconhe- Maehlis essencial ¢uja forma mais elevada é o Ati que etlnge até ag Belo em si: “8, sdmente entao, sido o Belo com @ érgio apropriado ®*, consegue Tie Imapene de virtude, visto yue nfo foi a uma ima- fem GUO He Vili, Mae a virtuce real, visto que se uniu ao real; (62) Pla 4) 0 Pe (6) Mangiete, 206 © flim gen. (4) Py, 2, n, 2 (65) Aleit, 1, 1d das a — (46) Tito do dtho aiplriyval ua patie natin precisa da alma (cf. Aleib, 1 182 W398 %) ora, Aquele que concebe a virtude real ¢ que a alimenta, cabe- -Ihe ganhar a afeicao dos deuses e, se algum dia cla for conce- bida.a um homem, a imortalidade ®7”, Assim se resolvem tédas as aporias do desejo de felicidade. No ato do conhecimento, o principio imortal da alma encontra as realidades eternas e restaura, tanto quanto é possivel na nos- sa exist€ncia presente, a condicio pré-empirica, onde a alma saboreava, em presen¢a das Formas, uma felicidade permanen- te. O objeto assim descoberto nao é, de nenhum modo, estra- hho a alma, cuja parte mais preciosa the ¢ aparentada ®*, e mestno consubstancial °°, Tampouco é um espetdculo gratuito, oferecido a uma cusiosidade livre para ver ou para desviar-se, mas uma luta, travada com a derradeira energia, pela verdade por que a alma est4 apaixonada™. As Formas nao esto as- sentadas na alma; a alma deve produzir o saber 71 para captu- rat 7? as Formas. Essa “ciéncia de aquisicao” é, ao mesmo tem- po,, “ciéncia de uso” 78: “‘ou existe um meio, para quem vive na presenca'do que admira, de nao imité-lo?’” T. F isso o que Pla- téo chama: “produzir a virtude real” ou “a concepgio em, pre- senga do Belo”, e, entretanito, nfo hd ai nenhum saber névo. Conhecer as, Formas & saber “‘servir-se delas”; conhecer_as exi- géncias das Formas € saber setvi-las: a verdade conhecida é a verdade obedecida. Por &sse mesmo fato, sio reabilitados os bens maltiplos ¢ instaveis, “fantasmias” de felicidade 7. Pois o amor que leva 0 filésofo a abandonar tudo para dirigir-se ao bem (ao Belo) obriga-o, agora, a imitar sua perfeicéo no mundo sen- sivel. Conhecendo o Bem real, éle saberd “usar como se deve” 1* (67) Banquete, 212 a, (68) Fed., 79 a. (69) Tim., 44 d, (70) Rep., VI, 490 ab; V, 475 b fim - ¢ (71) Banguete, 209 1; Rep, VI, 490 b. (72) Eutid., 290 ¢. (73) Pdg. 23. (74) Rep, VI, 500 (79) Pag, 24, n. 36. (76) Pag. 23, #, désee modo, conferir-lhes um valor deri- wena, da qual derivam todos os Valores, Mas, en- / Hhscuras antes escondem as outras Formas que Wi, a Forma do Belo, ao contrario, se reflete em ima- himlnonas **, gue todo homem de boa natureza adi- por detrie delas, 0 Modélo e paracai se volta espon- ente, Na experiéncia do amor, o Bem faz-se sensfvel a almg, revelase imperiosamente e testemunha que “&ste j que uida alma busca’ 7? ultrapassa os bens comuns, Sem G6 impuleo de Eros, a teorin das Formas permaneceria uma ja, Mas sem a realidade © a revelacgio das Formas, Eros, polado © desencaminhado, careceria, ao mesmo tempo, de eto @ de intengiio ™. A filosofin, chegando até as Formas e, além das Formas, (fo Hem, atlnye @ objeto que é, 10 mesmo tempo, verdadeiro, belo, ial6rgo de tim homer © pgo de uma alma desen- , tla ¢, a mesma tempo, conhecimento © acZo. Ne- i clay das slepende do soxsa capricho, porque nao se ilissoclar, pay Formas, @ ser @ a exigéncia. A filoso- easeniclalmente submisailo libertadora a uma realidade e a le sla alto, 4 6 amor auténilea nio crla seu objeto, as aspi- tumbdin nile findam ws Formas, “Deus é a wo menot, lembrar, neste local, ox textos 1 ty 211 & 22, pay. 120, 1. 96. Pensamos ) iui Butros, ritades meso do Banguete, r de platinico, pom siseo grave que construgiie erudita (cf. as ob- if, Marrou, Huprit, XIU, dez. wt Mw n ae cristo (Eros vate vido de Soitty tbe 2 obi contém, énos imposstvel discutir aqui seu eaphilto gerai e ay interpretagdes de detalhe que dela decortem. lato que enna » Vern, 0 Belo séo trés aspectos da mesma medida de tédas as coisas” ®°, o Bem produz a verdade e “a faculdade de conhecer” 1, As Formas nada devem ao nosso “entusiasmo”, ao nosso “sentimento religioso”, elas nfo sio o “jdeal” 82 que nds forjamos, As realidades divinas se deixam apreender, mas elas existem, mesmo que nao houvesse nenhuma alma pata aspirar a elas. (80) Leis, IV, 716 c. | (81) Rep. IV, 508 e. (82) Cf. 0 comentirio de R. de Pury sébre o Exodo, onde algumas | passagens (pigs. 7678) se poderiam aplicar, mutatis mutandis, ao realis- mo platénico (Le Libérateur, Edigdes do C. P. J., 1942). 3E CAPITULO I DEUS I. — As Formas 1..A posigéo das Formas JA nos antigos, a obscuridade do “Bem de Platao” era pro- verbial e fornecia matéria para zombarias, abundantemente ex- plorada pelos poetas cémicos?. E, no entanto, ésse “Bem”? in- teligivel é “o que téda alma busca, e do qual ela faz o fim de todos os seus atos, porque adivinha seu valor, embora sendo im- potente para apreender clatamente sua esséncia” ?. “O Bem de Plato” é, na verdade, o bem de todo o mundo. Se o Bem € obscuro, as outras Formas nao o séo menos. “Eu vejo bem um cavalo”, j4 tinha dito Antistenes, “eu nfo vejo a “‘cavalidade”, E, no entanto, a Forma hipica “se encontra no” pior garrano que o élho percebe. Além disso, Formas e obje- tos sensiveis sig “homénimos”; o filésofo, quando fala das Formas, fala a linguagem de todo 0 mundo. Entio, por que ste perpétuo mal-entendido sdbre as mesmas palavras? Pot que é tao dificil entender-se ¢ concordar a pergunta do ho- mem do mundo: “O que ¢ belo?” com a do filésofo: “O que ¢ Belo? *”. Ai esta tda a dificuldade que hé em pdr de acérdo um homem contente e um homem descontente ou, pior ainda, um (1) Didgenes Laércio, II, 26-27. (2) Rep. VI, 505 e. (3) Hip. Mai., 287 d. ss a Toten Hf We 410 contente ¢ um homem que se sabe descon- WE Wi Henle © um sibio. Mis tambdin o stbio partilhou outtora e, ainda agora, pet- Sli ee jraetilhae contentamento e essa fé, E éle compreende WH firiderla seu tempo e seu esférgo, querendo esclarecer, en- HHAP feu camarada, contente na sua confianca e confiante no Hi Fonientamento, E também que injustica em querer destruir. alii que fésse em nome ¢ ao prego da verdade, uma felicidade lidncle © inocente! O problema é saber se a felicidade dos igno- tuhtes © dos inimigos das Formas é, verdadeiramente, uma feli- eldade sdlida € inocente. Mas, mesmo que no fésse sendo uma condigio instavel e desafortunada, é claro que ninguém gostaria de renuneiar a isto se nao tivesse sentido, primeiro, alguma du- vida, © ensino somente pode ser insctito numa alma consciente de sun ignorineia, e é por aste motivo que, na maior parte de fia obri, Platio antes nos ensina a duvidar das coisas sensiveis que a conhecer as Formas, Nenhum dislogo comega por “por” Deus, 0 Bem, ou as For- mai, © platcnistaa auténtico nunca se oferece, de inicio, o luxo le alguim “principio” donde possa deduzir todo o resto. Ble sem- file eoinega por nde todo o mundo comeca; t6das as investiga- gOea ee voliam, inicialmente, para as coisas mais familiares do uni- vere @M ue vivemos; slo hé nenhuma pesquisa dialética que Hilo fenhia wisi, ne gomego, uma simples conversagdo. E se che- i, CHEUNG, vu IMGIMENID em que a brincadeira se torna dia- inlea, em que Ko ti die colsay As Formas, é certamente pot- que HMO fe poite ogle dhe wiv macio, A Filosofia sempre apare- ce come UNG folughe de emergencin, em conseqiiéncia de ter tind aperlé tornade Impraciedvels tovos os outros caminhos, E somente mile, queso, j4 engajados no caminho dialético, nos fOrnAMON jth as senilng baticlas, que experimentamos como uma ofuseaglo* dinste da obscuridade, uma impressio de des- pertar apde tim sonha profundo *, @ que se produz essa “inver- sito” “ lon valores, que not fax desapreciat radicalmente 9 mun- do em que viviamon ald entiie, em favor de uma realidade nova (4) Rep, WIL, 317 day, (5) Rep, V, 476 ¢; Vil, 533 be, (6) Gérg., 481 @. 2A e “realmente real”. Reconhecemos as coisas como sendo somen- te imagens? e, ent&o, debalde empregamos as mesmas palavras; aquéles que permaneceram na Caverna niio nos compreendem mais: como nés, éles fazem as palavras significar redlidades correspondentes; mas, ao enunciado de um mesmo térmo, véem uma coisa onde nés vemos um reflexo e nada véem 14 onde vemos 0 ser. Qualquer experiéncia de contradigao pode despertar-nos. Mas apesar da cerrada critica & qual submete as fraquezas do co- nhecimento sensivel, Platdo mal insiste s6bre a miragem do dedo que, segundo sua distancia e posigfo, nos parece grande e pe- queno, fino e grosso, ou do vinho, cuja dogura parece amat- ga ao paladar do doente®. Tais experiéncias nfo s&o imi- teis: elas podem despertar o futuro filésofo. Mas a maioria dos homens s#o pouco embaracados por essas experiéncias, de- masiado familiares, como lhes so familiares as ciéncias que, desde h4 muito tempo, conseguiram reduzir essas contradigdes: ciéncias da medida, do cdleulo, do péso®. Em assuntos que igno- ramos € que nao pretendemos saber, submetemo-nos de bom grado ao sd4bios competentes1°. les nos dispensam de ser- mos més mesmos sébios, o seu saber contribui para assegurar a coerencia do mundo e permite-nos néle viver com confianca. Mun h& contradigdes que nos engajam intciramente, por- que clin irrompem em pontos onde ninguém pode aceitar ter-se enganade: estao em jégo nosso interésse e nosso valor. Aqui, nile mali podemos, uma vez convencidos de érro, mudar de opiniiia, embora permanecendo nés mesmos; somos estreitamen- te solluldrlon ¢ 8 convicgdes que nos traduzem a nés mesmos. Os Didlogos « ndiferentemente: refutar a tese de Trasimaco ou: Fefutar ‘Trapimaco 14, Colocar a felicidade e a virtude no interésse do male forte nfo é uma iese de Trasimaco, é o pré- prio Trasimaco ©, quundo a tese é refutada, é le préprio que € (7) Fed., 99 © seg, (8) Rep., VIL, 523 b seg; Teed, 159 od. (9) Eutifr, 7 be; Rep. X, 602 uy Fil. 55 e. {10) Aleib. I, 117 ed. (11) Crét, 436 d 1; Lag, 193 d Ue 4; Gérg,, 482 xe 2 HIG iN} Wie talzes; nao & some é fi 5 ‘alzes; nte a tese, é Trasi H Pilbiy de falsidade. © telco dhe Niide prover essas contradigdes? Sera, simplesmente, o ci- > z HG Hpwilalismo do sofista que nao se harmoniza com o en- Ainaiienie io moralista? De modo nenhum, visto que Sécrates, fw Inlelo, rio sustenta nenhuma tese, Aliés, por que seria twalmaces refutado pela simples tazio de que Sécrates desaprova suns conviceSes? De nenhum modo € preciso a intervengio do {ilésafo, para ensinar-nos que no existe terreno mais fértil em contradigdes que os valores. E vé-se também que duas opinides {ue se confrontam nao séo suficientes para despertar-nos. Ape- Simo-nos tGo fortemente as nosass convicgdes (que sao hossas e, a bem dizer, que si nés mesmos) que téda convicedo opos- te deve confirmar-nos mais ainda nas nossas. Todos os meijos nos s4o bons, para provar, aos outtos e a nds préprios, que es- tamos com a verdade. Se os argumentos faltam outros meios mais eficazes, apresentam-se: 0 ridiculo lancado ‘sobre o adver. sério ™, as injdrias™*, e, entre nagGes, a guerra “4, “razao dltima”. Hé uma grande sabedoria no recurso as armas quando faltam Os atgumentos; uma grande sabedoria ¢ uma grande sinceridade. Torna-se entdo luminosamente evidente que, tratando-se de valo- Tes, nao so jamais duas teses que se opdem, mas duas existén- clas que, com suas teses, sustentam 0 seu direito de viver. e de vi- ver como elas entendem. Se o adversfrio tem razio, se ‘reconhe- G0 que éle tem razio, no sio mais seus argumentos que me tefu- tam nem suas atmas que me matam; sou eu ptdéprio que con- sinto na minha queda e que me pronuncio contra a minha vida. Donde se vé bem que a felicidade gue persistimos em tirar do mundo das imagens nao é, de modo algum, urna felicidade inocente. E, mesmo se o choque das teses hostis nao € sempre abafado fo sangue, éle mantém sempre, nos membros de qual- quer soviedade que seja, a falta daquilo que sémente a filosofia pode dar: “a unanimidade € a amizade” 5 ¢ bane das reuniGes des homens esta qualidade que sdmente se encontra nas con- (12) Gérp, A734 & 23. (18) Gerg., 547 45; Rep, 1, 358 d, 341 1ag., 195 a 7. (M4) Hutifr, Ba 3-2; Aleib, fy M2 ae, (15) Rep. J, 353 05; Aleib. 4d, 126 ¢ 15, we versacdes dialéticas: ‘‘a benevoléncia” 1°. — Isso no que diz res- peito a inocéncia. Pode-se, ao menos, dizer que tais praticas Nos assegutam uma felicidade sdlida? As incessantes divergéncias sébre os valores e as lutas que daf se seguem ameacam, sem divida, nossa tranqiiilidade; mas podemos sempre esperar que a vitéria nos garantitd a posse incontestada daquilo que dese- jamos. Mas o que desejamos, exatamente? — E pouca coisa estar em desacérdo com outrem, sobretudo quando essa con- ttadic#o sémente reforca nossas préprias idéias. Mas seré que essas idéias sao sempre as mesmas? — Olhando de perto, ve- rlamos a conttadi¢do instalada no coragio de nossas teses e, numa palavra, em nés mesmos. Mudamos freqiientemente de opinido sobre as coisas mais importantes #7, e a tinica razio que, no mais das vézes, nos faz ignorar a instabilidade de nossas crengas, de nossos desejos, de nosos améres, € que vivemos no tempo em que, ao invés de considerar conjuntamente duas coi- sas que se contradizem, vemo-las uma depois da outta; o esque- cimento da primeira faz com que a segunda, em nosso espirito, no seja contradita. Mesmo se guardamos daquela alguma lem- branga, é na segunda que, atualmente, estamos engajados com todo o nosso ser: como seria refutado aquilo que hoje desejamos pelo que no mais desejamos? Assim, nosso sonho pode con- tinuar, violento e incoerente; nossa consciéncia € invadida por imagens vivas, sem que as imagens defuntas af venham mistu- rar sua sombra. Que Célicles se obrigue a procurar incessantemente novos prazeres, que éle choque os sentimentos e viole as leis de todes os bem-pensantes, — a contradigdo, para éle, € apenas apa- rente ¢ negligencifvel. A felicidade, pensa éle, consiste, preci- samente, em jamais provar as mesmas coisas, e as leis morais e politicas sao convengées arbitrdrias feitas entre os fracos para subjugar o supet-homem. Mas, neste mundo, onde éle vive ¢ quer ter éxito, Cilicles deve reconhecer que outros homens tém éxito naquilo que se propdem, que éles tém éxito gracas a certas normas as quais obedecem, € que essas normas mostram, pelo seu préprio éxito, que sfo nfo “convencionais”, mas “por na- (16) Rep, VE, 499 a; Carta VII, 344 b6. (17) Alcib. T, 118 a; Gérg., 527 d. fim. HA Td, We 0» tecnicos se péem de acérdo em relacio a0 , Wf Blew niio sic contraditos por ninguém e se che- ferminae ua obra, deve haver também, no que se refere \ tm saber sélido, um acérdo incontestavel, um éxito Mm, Be ow artesdos tém razdo, Célicles deve estar errado 18 A eontradigio fecunda, aquela que o Séctates platénico exi- te dante de seu interlocutor, é sempte entre uma tese da qual 4 Interlocutor € soliddtio por téda sua vida e com todo seu ser, ea allem Hae io, de alcance objetivo, de uma estabilidade, de uma ordem, de um valor: uma exigéncia essencial. O interlocutor tem tdclas aS Tazdes para pér uma delas; por que éle admite a outra? E, freqiientemente, sob 0 dominio da vergonha (Polos nto Ousa contestar que é mais feio cometer a injustica do que soltt-la), as vézes, também, porque éle nao suspeita a contra- digo. Mas essas afitmagées sempre o libertam do “defeito ina- to » fonte de “todos os Nossos erros”: o amor de si mesmo 1° Porque nunca € 0 capricho nem o interésse do interlocutor que ditam essas. afirmagées; elas sao exigidas pela Esséncia ¢ 0 in terlocutor somente traduz verdades das quais éle ndo é 0 autor. esta cxigéncia contradiz a tese pessoal e, com ela, aquéle ue " sustentava. Se a coragem € bela e se nada é belo, quando privado da inteligéncia 2°, a virtude de velho soldado. onde La. qués calocou sua tazio de viver, esté refutada, e Laqués com ela, Se © orador politico concede que o fim da politica € a Justicn "', € evidente que a arte de Gétgies néo € uma arte po- fitlea, © que nem mesmo é uma arte, E juntamente com a atte, mestte que acaba de perder seu diteito de cidadania. a me ® convida-os a ditigit seus olhates pata a tealidade : a, ta qual @les j reconheceram e ptoclamaram as exi- eeacias, Empiepando ainda os mesmos térmos, éles nfo os re- (AR) Garg, 503 at ney, (19) Leis, V, 731 a, fine, (20) Lag, W2 © seg, (21) Gore, 454 b. seg. 38 ferem mais senfo As Formas que silo as unicas a realizar ple- namente e sem contradi¢gao o que ésses tirnnos significam. Re- conhecendo que fazemos “exatamente © contririo daquilo que se deveria fazer” 2, doravante nao mais procuraremos a ver- dade senao nas Formas, ¢ o nosso minimo querer aceitard es- posat a vontade das Formas. O fundo dessa experiéncia transtornante é a insatisfagao em relagdo ao mundo em que vivemos e a nés que ntle vivemos. Mas por que ultrapassar o pessimismo profundo dessa experién- cia, pondo as Formas nas quais se deve realizar tudo aquilo que nos falta e que falta as coisas daqui? — Plat&o no pode apoiat-se em nenhuma revelacdo, no pleno sentido do térmo. Os mitos, nesse ponto, so ptocessos de persuasdo de que o sdbio usa para com os outros, assim como pata consigo mesmo: antes expri- mem (e, a rigor, confirmam) do que fundam a fé nas Formas 7°. A nfo ser que chamemos de revelagio essas exigéncias que se impdem a nés, essas afirmacdes As quais nfo o nosso interésse, mas a prépria verdade nos obriga, A nao ser que chamemos de revelacao a atividade dos demiurgos mortais que obedece a normas estdveis, e onde Platdo encontra o testemunho da be- nevoléncia divina*4. A nio ser, sobretudo, que chamemos de re- velagdo a experiéncia do amor onde aprendemos a desprender- -nos de ndés mesmos, a desviar todos os fervores do Eu para a Divindade, onde recebemos o sinal sensivel de que a dialética, com a sua inversio dos valores, nao € uma “tdla confianga” 5, — E que o pessimismo nunca pode, sem inconseqtiéncia, ir até ad fim de si mesmo 2°, Se a educagdo, a politica, a religio cai- iam flas"maos de ignaros, de inspirados, de impostores, existem, em outras matériasptécnicos competentes. Se existem maus em jande ntmero, ‘deve-se reconhecer, no entanto, que existem ho- meng de bem, mesmo qué gSyqueiramos supor pouco numero- wos", Se o amor de si nog ¢ Mato a tal ponto que nossas ve- Garg, 481 «. #24) Cf, Men, 81 a seg, 86 be 3. {Mi} Poll, 274 ed. (20) Ved, Bab 4, (06) Hed, 89 © iti nop, (7) Gre, 386 bh, aq folios morals pacecem tendéncias “‘adquiridas” e impotentes 28, # experléncia do amor descobre-nos uma aspiragio diferente, ¢ iqualmente “natural”, Hg Pois, no nosso préprio mundo, talvez allo extibilidade, mas tendancias para uma estabilidade e ten- déncius para uma tealidade, uma vez que as sentimos como Mitagbes, OQ marceneiro que “imptime” a forma da langadeirg ‘oy materiais, 0 apaixonado que rende um culto ao amado, pedagos de madeira que “aspitam a ser como” o Tgual em si, dao todos testemunhos ?? de uma realidade superior que existe pelo prdprio fato de que se impde como modélo, Na posigio das Formas, ciéncia, moral ¢ teligigo confun- dem-se numa unidade tao intima, tio harmoniosa e, sobretudo, to natural, que nenhum dos epigonos (confesses ou nao) péde ou ousou mantéla. Nio é bastante dizer que as Formas sao leis cientificas #°, visto que atingimos nelas nao somente os modelos 808 atos ¢ obras, mas ainda a causa de tudo aquilo que € ¢ de vém. Pér as Formas ¢, se se Pode assim dizer, fazer um ato de fé cientifico. Os objetos sensiveis provocam, como causas Ocasio- nais, a reminiscéncia, mas as Formas no sho “extrafdas” das coisas sensfveis; sua Posigao € exigida por clas mesmas, A “con- versio” #1 dialética é a0 mesmo tempo, a penetracao da ver- dade no nosso saber ¢ o constrangimento exercido pelas exigén- cias sébre nossa vontade. Se é verdade que téda religido tende ao conhecimento do Ser que nos ultrapassa ¢ em telagio ao qual experimentamos um sentimento de “dependéncia absolu- (28) Ch. Fedro, 237 de; Prot, 352 b seg; Fed., 68 d seg; Leis, V, 731 d fime. (29) No € exatamente © que a Idade Média chamard de via emi. nentiae, pois nunca se trata de “provas” no sentido estrito (ef. pags. 52, 426, 133); da mesma maneira aptoximativa, podetiam comparatcse as oxi, Eee mist Ww “argumenta” ontoldgico (cl. ‘nome wanes sobre het Dial, de Pluson, ywig, 459, n. 7), (30) Se bem que, “em tos expititos, a “Ciéncin” ocupe verda- deiramente o Igar de amma seligiiws o homen’ de ncia considera entio at tein da Nuturem como sealidades objetivas e dignas de veneragio” AW. James, Mexpérionce relig vase, trad. P. Abauzit, Paris, 1931, pag. 49). (31) Rep, VEY, 518 b seg. at) m”, € preciso dizer que a religita idle Platiio se contunde inte ramente com a dialética ®*. 2. O reinado das Formiia Qualidade e Esséncia. — Pode-se dar, de abe pence va, um niimero infinito de pinturas, de desenhos, de aaa, — e talvez de caricaturas sdmente. Tédas fcr) a : tam, nenhuma é 0 modélo. Céres, tragos, telas, pine nie vg que so; em si, nada sio, em compara¢io com pene He dem servir para representar tanto Paulo quanto Ped ney y oe iam nao servir para nada. As coisas setae hy ui eit : as Formas uma relagZo andloga. As camas fal at me mesmo nome que a Forma da Cama. Mas € em virtude pa uso evidentemente abusivo, Ninguém, 0. dioeteern ue a lizer: eis a cama por exceléncia. amos ¢ nd caer ® € familiar o nome de cama, isto sigailicl: sa cama ou ainda: a cama por exceléncia para mim; a at exceléncia, justamente, nao é universal. Ao menos, soa “a bietos oman: mas. Mi aah née 20s Geizambt impres- ‘ial: ‘em camas. las, 5 s a dn ool cxceder pela relativa fixidez désses objet ee a cama fabricada com os materiais com que é era qi oe deriam ter servido para fabricar qualquer outro mével, puis nao fabricar absolutamente nada. A matéria € um “por a cas’”” 88 onde nascem, vivem e se apagam obscuras ee ee sa pdiowsie, segmio's Wea siettien toes aaa significando, segundo a légic : : ee Gets de maneira a figutar esta forms que oot a Cama. Ninguém poderia enunciar éste jul Cael? ian ae © que é uma cama. Do mere modo Soon cinta ene ia, exclamamos: “Este aqui é 1” co q cae com seus tragos e suas sombras, figura a - sabemos muito bem que € impossivel formular ésse j Pe jeg: “a dialétic intelectual & indi érmula de Brunschvicg: “a dialética intelectual : - Panic dagen ata polttica, dialética seligiosa " (Tu Progrés de la Consciense, t. 1, pag. 26). (33) Ti, 50 ¢ 2. 41 saber, de antemao, quem € Pedro, e que ésse juizo, dando o nome de um bomem a um pedago de cartdo, nfo € de modo alinim win juizo de identidade, ainda que atribua A cépia o nome ita modélo, Do mesmo modo ainda, quando dizemos: “Pedro é jtimle”, sabemos muito bem que mil ourras pessoas também wll prandes, e que nenhuma o é “pelo fato de ser aquilo que cla é"**; nada pode, sem abuso, ser qualificado de gtande, a hilo set a Forma da Grandeza, porque ser tal Ihe é essencial. De modo que objeto algum ou pessoa alguma merecem qualquer gualificagio que seja, potque nada possui tal ou qual qualidade a nfo ser de maneira temporéria e contingente. Uma lira nao € sempre nem essencialmente uma lira, afinada, bela. Mas a Forma da Lita, a Forma do Acorde, a Forma do Belo merecem sempre ¢€ essencialmente, “pelo fato de serem © que s40”, tais atributos respectivos, IS isto que exprime Platio pela distingio entre a qualidade © a esséncia®5; a esstncia de tal Forma nao esté presente em tal objeto sensivel sendo a titulo de quali- dade. Todos os juizos que fazemos sdbre as coisas, sébre os homens ¢ sébre os seus atos, “asurpam” ®° 9 nome do predi- cado (que, com todo © rigor, nao pode set atribuido senio 4 Forma homénima), para atributlo a um sujeito, matécia infor- me em si, que tita da Forma que éle imita uma exist€ncia pre- ciiria, feita de qualidades de empréstimo. Constantemente, to- mamos reflexos por realidades 27. Nilo 6 exato, pols, dizer que as Formas nada mais fazem que duplicar os objetos sen lveis, dos quais elas seriam “abstraidas”. So os objetos senstyeis que se esgotam em esforsos inumeré- vels ¢ imporerites para reproduzir o brilho da Forma, A Forma é a plenitude essencial on qual cada objeto-imagem nao pode re- cortar seniio alguns tragos, qualidades usurpadas que éle nio pode guardar por muito tempo e sdbre as quais nao pode ja- mais fazet valer um direito essencial. Um marceneito fabrica uma Tangadvira para tecer linho, outra pata tecer li, uma para (34) Fed, 102 be. (35) Carta VII, 343 bec; of. Entif, 14 a. (36) Fed. 102 b fim. (37) Rep, V, 476 c; Tins, 30 ab, 42 toupas leves, outra para roupas pesadas “*. Tal Jangadeira pe- reetvel, fabricada em vista de tal uso purticular, nao pode, como uma caricatura, representar senéo tal wayo preciso da Langa- dcira em si, e deve negligenciar todos 03 outros, E Por, isso “que hé intinitamente mais nas idéias do que nas coisas” *°_ A Forma é, por conseguinte, eterna (enybanto as coisas sensiveis nascem e perecem), ela é essencialmente © que € (en- quanto as coisas sensiveis jamais sao “isto mais do que aqui- lo” #°; seu devir nfo é sengo um feixe sempre desivivo de gue lidades passageiras). Enquanto o fluxo do devir confun le a coisas sensiveis umas com as outras e apaga sem trégua om esbocos de contornos, cada Forma, permanecendo oO que rea mente €”, é “em si” ¢ é “‘separada”. O sistema das Formas e a Forma do Bem. — Gonhecer uma Forma ‘“‘em si”, separada de suas imagens sensiveis e das outras Formas, poderia parecer que nao fésse coisa possivel senfo bni- camente pela intuigao. De fato, desde os Didlogos ditos de ie ventude, o conhecimento de uma Forma deve resultar numa de- finicdo, isto é, num relacionamento da Forma procutada com outras Formas, Esta obtigagfo nao estd ligada a uma debili- dade qualquer de nosso entendimento. Se o * em si de tal For ma nao nos é conhecivel senio em relagdo ao “‘em si” de t outra, € porque essa relagio existe realmente, e nie Porque seja estabelecida, arbitrariamente, por nds. E uma ee = sencial que une a ‘Iriade 4 Imparidade, a Forma do so: ste Forma da imitacéo. A dialética pode definir-se como a arte de descobrir as semelhangas e as diferencas ** _gntre as Formas; ela “consiste em apreender 0 que OEE a idéia que se examina, em obedecer ao que se vé nas nogées” 4”, é As Formas constituem um conjunto organizado, Quanto a Forma do Bem, coloca-se no tépo do sistema **, Ela comunica « 38) Crét,, 389 b. i (3) E. Goblor, ‘raité de Logique, Paris, 1937, § 72. (40) Tim, 49 de. (41) Sof,, 253 d 1-3; Polit, 285 a 4b 6. 7 (42) E, Bréhier, Hist. de Je Phil,, Paris, 1938, 1. 1, fusc. 1, pole 135. (43) “Em Platéo éle (0 Bem) no adquire » venilo, teste ie tema; de & a idéia suprema; mas é ainda uma idléis” (3, Bidhler, da Phil. de Plotin, pig. 147). uae tctiy as Mornay existéncia e esséncia, mas ela propria est4 “ain- efi alin dla enséneia” 44, . ncia, idéntica a si mesma e diferente das outras » participa, pode-se dizer, ao mesmo tempo do Mesmo jutro. Alteridade implica relagio, e séo precisamente eéssas relugGes entre as Formas que a dialética tenta descrever, Em ivocu, a Forma do Bem, “além da esséncia”, nao participa se- ni do Mesmo; ela é a “Forma do Ser” donde procedem todos os s€res cuja esséncia é determinada; € a tnica que deveria ser apreendida absolutamente “em si”, e no como as outras For- mas, “‘os relativos”, por um relacionamento 45, Se o Bem em sua transcendéncia parece subtrair-se a téda tentativa de definiggo formal, éle pode, ao menos, ser sugerido, gracas a metdforas. O Bem é o “liame” que “impede” as coisas de “se perderem” no fluxo universal 48, € “o Atlas poderoso e imortal que sustém tédas as coisas”; como o seu nome indica “@le dispde tédas as coisas para o melhor”; “o Bem, isto é, 0 obrigatério, liga e contém tudo” 47, Se as Formas so ser, 0 Bem € “a parte mais luminosa do ser”, “o melhor dos sé xes” “8, ow ainda “o que € perfeitamente Ser” *°, 0 que pode ser entendido — seja como o Ser na sua extensio total (o Universo intellgivel © © Universo visivel) seja como o Ser na sua acepgao plena, o Ser por exceléncia (f6rmula que opée, conjuntamente, © ner das Formas ao devir das coisas sensiveis, ¢ o Ser melhor a ser derivado das 8). , : De todas exsas iniicagSes resultam duas idéias que niio sio aneompativel seniio em aparéncia. O Bem aparece ofa como a origet, Gta Como o conjunta de tude o que é. Este dltimo as- pecto allo deve ser interpretado num sentido coletivo °°. O Bem (44) Rep, VI, 509 b fim. — Ver sébre o Bem e o sistema d, * L me Ree ene Les Tdées mor. soc. et polit, de Platon, Paris, (45) Sof, 255 de, 253 b254 b, (46) Crét., 418 &. (47) Fed., 96 ¢, 97 c, We, (48) Rep., VIL, 518 &, 532 ¢ (49) Sof, 248 e. (50) CE A. Digs, Autour de Platon, t. Th, pig, 560. 44 nlio € a soma dos sétes; tampouco ¢ a resultante déles, qual uma harmonia que resulta das cordas de uma lira, Nada existe 1 nfo ser, ao mesmo tempo, em virtude de sua propria estru- tura € no quadro de uma organizagio universal onde se inte- gram tédas as estruturas particulares*4. Pocle-se dizer, por- tanto, que as Formas estao “‘presentes no” Set universal 52, que elas esto “envolvidas” 5* néle, que so suas “partes” "4, Da mes- ma maneira, na ordem do conhecimento que € paralela A or- dem da tealidade, conhecer 0 Bem ¢ conhecer “a esséncia in- teira”’ 6S, com tédas as suas “partes” mas é igualmente ultra passar as Formas para apreender o “principio an-hipotético” 5¢ e “suficiente” 57, € abandonar as medidas relativas, para com- preender éste absoluto que é “a justa medida”, ou ainda “a exatidao em si’ 58. A telagio entre o Bem e as Formas eternas esté fundada no ser e subtraida ao tempo. Mas, com esta reserva, pode-se fi- gurd-la pela imagem de uma fonte que se dertama e trans- borda num tio, ao mesmo tempo, distinto de sua origem, da qual se afasta, e idéntico, géta a gta, ao jérto donde deriva € procede, 3. O conbecimento das Formas “Aquéle que se aplicou ao amor do saber e aos pensamentos verdadeiros e que exerceu, antes de tudo, esta parte de si mes- mo, obteré imagino, com téda necessidade, pensamentos imor- tais ¢ divinos, se conseguir entrar em contato com a verdade, e na medida em que a natureza humana pode participar da imortalidade, seré cumulado dela; (porque) éle rende. sem ces- sar, um culto a divindade °°.” (51) CE P. LachitreRey, loc. cit., pig. 89. (52) Sof, 249 a1, (53) Tim, 30 cd. (54) Rep., VI, 485 b, (55) Rep., 485 b 1.2; Carte VII, 344 b 23 (56) Rep. VI, Sit b. (57) Fed, tet. (58) Polit, 283 284 d. (59) Ti, 90 b fime, 45 ‘Toile Miblo extuda partes do Ser, sem fazer, por causa disto, ulin dle orenie. — Ora, se a dialética ndo se confunde com as titties clénclus, € porque estas nao consideram senao partes do Wer, @ elax sig “obscuras”’ °°, porque, ignorando o Ser, nem feu poderao conhecer claramente suas partes 4. Como elas, a illalética parte, primeiramente, em busca de uma Forma par- Hculay, mos ela nao pode jamais cerminar o estudo desta se nio Wlnge, antes, a Forma do Bem, a fim de compreender como *¢ liga ao Ser universal esta Forma de ser da qual ela empreendeu a definicggo. Pois tudo procede do Bem, e nada pode ser conhecido, se nao f6r pela dialética que, elevando-se mé o “principio de tudo” ©, depois descendo de ndvo As For- mas particulares, refaz, na ordem do conhecimento, 0 movi- mento intemporal da processio. — Por outro lado, a dialética niio € uma operagio conduzida segundo regras “cientificas” no interior de um paréntese que seria afetado, de fora, por algum tinal de valor religioso. B impossivel distinguir, no dialético, o wibio © 0 crente; as Formas, os Valores que sio 0 objeto, "de seu estudo, nao lhe permitem, em nenhum Momento, permane- ser “nentro”. E isto nfo significa, exatamente, decidir-se pelo m contra o mal, pela “direita” contra a “esquerda” 83, pela mo- ful contra a licenciosidade. Quase todos os Didlogos, é verdade, ttatiin on tevantam problemas éticos; mas éstes problemas nun ea podem yeceber wma soluggo pelo simples fato que nos agra- ile mals wer homens die bem do que maus. Jamais coisa alguma pode depenter ile nde, & por isso que a dialética é uma cién- cla, nile oral, may tetiglowa, © que cla é a ciéncia do Ser. A moral, 70 Plitoniame, ines é um foto primitivo; ela é deri- vida, na medida om (pie o Ser precede, g exigéncia e em que o conhechneniiy arieth 2 vontade ¢ © ato. Quando nos deci- dimes pelo ftom e pelox Valores, o essencial no é nem a de- cisio nem néw prios, mas Unicamente a realidade das Fors Huis que se impde a nds, g que nos toma emprestadas as pala- veas pati procliuarse, © sucesso da pesquisa dialética est4 lie (60) Rep, VIL, 533 ab 6; Carta VE, 342 @ 4, © 2. (61) Men, 79 b seg, (62) Rep, VI, 511 b. (63) Ch. Kedro, 265 & sey, 46 gado ao apagamento progressive da pessoa dos interlocutotes. Tal tese foi sustentada por Homero ou por Gérgias **? — Pou- co importa; examinemo-la nela mesma, sem nos deixarmos ofuscar pelo prestigio de seu autor. No tipo dialético de uma pesquisa, Sécrates exige: “Nao mais deyemos preocupar-nos, de nenhum modo, contigo ou comigo, ou com Gérgias, ou com Fi- lebo, mas sdmente dar um testemutho solene, sObre a f€ do ra- ciocinio 85”. A observagio mais profunda do Hutidemo, atri- buir-se-é a Ctesipo, a Clinias, a Sécrates, a honra de tla pro- ferido? Nao foi ela antes “pronunciada” por “um dos deuses presentes” A conversacao **”? Pouco importa qual dos inter- locutores se faz o intérprete da verdade que lhes ¢ sempre cn- viada por um deus. A pesquisa dialética é entrecortada de sole- nes invocagdes e de preces, em que seria pura preguica ver flo- reios Hiterdtios, visto que o exame menos atento jé deixa perce- ber que elas se situam em momentos de desfnimo ou de inde- cisio, em que uma assisténcia divina se torna necesséria. Nio podemos, aqui, ir mais adiante no estudo do processo dialético. Por seu entrelagamento de exigéncias e argumentos, ela parece misturar constantemente a razdo e a fé, Em cada afirmagio essencial, apreendemos, diretamente e “em si”, a For- ma que lhe concerne; 0 raciocinio, percorremos as vias de pro- cessio, ligando tal Forma a tal outra, depois tal Forma ao Bem. O conbecimento do Bem, do “objeto mais alto do conheci- mento” °7, devetia renunciar, parece, 4 dialética combinatéria *8, e ndo recorrer senZo 4 intuicggo. A dialética, que é essencialmen- te didlogo, elevase através das Formas até ao Bem, depois, a partir déle, desce novamente. Esquemiticamente, o conheci- mento do Bem é uma visdo que se coloca entre dois discursos, Como conceber esta visio? (64) Hip. Men, 365 ¢ fim-d; Men, 71 d. (65) Fil, 59 b fim. (66) Eutid., 290 € sce. (67) Rep., VI, 505 2 (cf. Bunguete. 21 c.). O sentido de prithema &, em todo caso, fixado negativamente por Aristételes, fragm. 15 (ver adi- ante, pég. 100, n. 197, ef. também F. M. Cornford, Plato and Parmenides, Londres, 1939, pdg. 132 ¢ ibid, n. 2). (68) Pag. 43; cf. Sof, 253 be. AT "Thlelagils perfeita”, ela é, Xs vézes, desctita na Jinguagem os mleidrlon de Eleusis °, désses mistérios cuja influéncia sub- verslva' Platdo denunciou em outro contexto. Aqui, como Ireqilewtemente acontece, temos uma “transposigio”, pata usat fH @xprenslio conbecida de Mons. Diés, O conhecimento gradual slay Formas, depois do Bem, que o Banquete descreve como uma Inlelagiio enfstica pode expot-se, alhures, de um ponto de vista inelodolégico 71 ou politico. A idéia de que a alma tora con- tuto com a realidade (idéia que desabrocha na imagem de uma hierogamia com o Ser supremo 7) € aplicada, sem valor mistico, ao conhecimento das Formas em geral’*. A metéfora da visio é igualmente relacionada com a inteligéncia de tédas as Fot- mas 75. Em particular, a “visio sindptica’ do Fedro cortespon- de, nos Didlogos, 4 Definigéo, isto é, a um nivel onde ainda se esta longe do Bem. Pode haver visio de tédas as Formas, isto €, apreensio imediata do em si, e nao relacionamento. Cada vez que 0 interlocutor admite uma exigéncia essencial (expres- samente dispensada de qualquer prova, de qualquer “argumen- to”) 78, hé visio, tomada de contato com a realidade, ainda que o didlogo escrito seja obrigado a ttaduzi-la em férmulas, a conceitud-la, se se prefere. A intuigdo esclarece e sustenta a dialética em todos os seus niveis. Téda Forma pode, pois, ser 0 objeto de uma visio assim como de um raciocinio. O mesmo se dé com o Bem, Ele é apreendido por uma visd0, que custa a vit 77, e que nao se obtém (69) Cf, P-M. Schubl, Essai sur la Formation de 1a Pensée grecque, Paris, 1934, pdg, 205; Platon et l'Art de son Temps, Paris, 1933, pag. 43. (70) P. Boyaneé mostrou que nos chaslaties drficos de Rep., Il, 3é4 Ine so visados os iniciadores de Eléusis, Le Culte des Muses, Paris, 1937, pf: 21 seg. € Platon et les Cathartes orphiques (Rev. des Et. Gr., 1942, LV, pées. 217-235). (71) Garta VIT, 342 b seg. (72) Rep. VIL, 522 ¢ seg, {74} Banquete, 212 a. (74) Rep, V1, 490 b; Fed. 79 a, (73) Bedra, 247d sex. (76) Pex. Sof, 265 dy Fil, 29 ¢ tin; Tin, 29 0, (77) Carta VIL, 341 ed, 344 b. 48 senfo “com dificuldade” 78, Uma vislo deve ser logo seguida, na ordem do conhecimento por wit taciocinio, na ordem da agio por uma imitasie 7. Por outro lado, © mnlgrado a impos- sibilidade de incluir o Ser absoluto uuma dejini¢do, Platao re- clama expressamente em térmos que Jembram o mérodo da dia- lética combinatéria 8°, “que se circunscreya, por win defini- sao, a Forma do Bem, em a destacando de thday ax outras Formas”. Ota, isto nao é, parece, o officio de uma visio exrite ca, mas de uma ciéncia rigotosa, yisto que seria precio “pro- var contra tédas as objecdes” §! a Forma do Bem assim “dle. finida”. Nenhum didlogo tenta o conhecimento do Bem. ‘Todos éles nio se aventuram a isso sen&o e tao longe quanto disso tém necessidade para conhecer tal Forma particular. Bles a cone: guem chegando ao “principio an-hipotético” ®?, 0 qual, sem adhe vida, nunca é definido em todo seu “brilho” §*, mas “suficien temente” ®, entretanto, para terminar o estudo da Fotma pat- ticular que eta a nica a constituir 0 objeto da pesquisa, Oo Bem ilumina téde pesquisa dialética; éle nao ¢ visado, direta- mente, por nenhuma 6°, (78) Rep, VII, 517 b fim. (79) Rep., loc. cit. ¢ 1; VI, 511 b; Banquete, 212 a (80) Pég. 47, 0. 68. (81) Rep, Vil, 534 b. fim; c. — Ver Les Dial. de Plat, § 4 © passin. (82) Rep., VI, 511 b 67. (83) Ct. Sof, 254 a 9. (84) Fed, 101 ¢ 13 Polit, 284.4 3. (85) Sabese que a tradicdo ulterior veio a distinguir trés caminhiox para chegar a0 conhecimento de Deus ¢ que ela atribuia a Platéo © md: tito dessa divisio (p. ex. Albinos, Epiromé, X, 46, ed. P. Louis, ri 59.60). Aqui, como alhures, parece que 0 platonismo encontrau em ie tio uma inspitagio mais do que uma doutrina. Assim: a amalogia ive, aplicada a Deus, nfio pode nunca chegar a um paradigma perfeito, prode um conhecimento totalmente insuficiente ¢ deve, desde o infelo, apolarae ha fé (cf. Le Parad, dans la Dial, pl., em particular § 18, w, 20; § 30); © éxtase nao pode ser encontrado nos Didlogos senfio por uni Anrerpre: tao literal da imagem da visio; ora, 0 conjunto clos Didingos (que, seme pre visam A solugdo de um problema preciso; wina mesma seco da Lint (Rep.) compreende © conhecimento das Formas ¢ do Tem) s¢ ape a 49 Wi mals Tonge, As Formas, sob a ago do Bem, PHaiay Hum conjunto coerente. Nao tendo descrito o | MH al, por sue, se Platdo era verdadeitamente &ste meta- Wiijiehitente como se diz as vézes, nunca deu éle um en- HeNeNIY Hlicin sbbre esse sistema? De fato, cada dislogo tleve ileweobrir de névo, por sua conta, fragmentos déste sis- fet, tem poder, de maneita alguma, beneficiar-se dos frag- Wehios, nem, em particular, das dicotomias estabelecidas pelos Niiilogox precedentes. E além disso, tanto quanto o Bem, o slsternn dis Formas n&o € buscado de uma sé vez. Mas acon- tece, no decorrer da pesquisa, que, para definir tal Forma par- ticular, € preciso desenredar os fios que, através do sistema, a ligarn ao Bem, Tnstalat-se no coragdo do Ser pata daf deduzir o sistema exuustivo ¢ fixo ne varietur das Formas que déle procedem, é sepundo se prefira, “desmedida” ou escoldstica; é, em todo ca- #0, ¢ isto desde Xenéctates, o abandono do platonismo. Acres- centemos logo que, se Platéo jamais tentou fixar as relagées entre as Formas num conjunto coerente e imutdvel, éle nao eensa tn 86 instante de crer a realidade déste sistema, Mas o conhecimento, para nés, nunca estd acabado; 0 filésofo aplica ; sbbre a transformagio, gracas, tnicamente, 4 qual o suprema; mas € ainda uma idéia”) péde dar nasci- ploiiniane, ver o cap, VIIL de La Philosophie de fli, i negagio, se se deixa de lado o Parméni- preata para uma explorac’o doutrinal, péde recen- texto do Banguete (A-J. Festugigre, Contempl. ete, page, 229 ecg, fend ero que csta passagem queira subtrair o Nelo a thda “eldned W ida, “delinigio”? Ela se limita, parece-nos, a Miativa cnquetes que, tals como os “refinados” de Rep., V1, (Bangwere, 211 4 6) © Bem supremo sob forma de ¢ rin, tertativa, alids, que é condenada desde os did- \ iitos “woerdticas” (cf. Ley Dial. de PL, §§ 38-39); de fato, a Repd- btex pede exprossumenta “que x defina” (e acrescenta: “pela definigéo”; VIT, 334 bh 9) & fom, i particularmente instrutivo, para as origens da teologin da aphatresis, unparns Rep, VIL, 534 b 9 com Poljt,, 258 c 45; a dedinigla que “separa” a Tdéia dy Bem “de das as outrns” idéias deverd proceiler, sem diva, como 6 figiade de delinigio escrito no Politien, por relacionamenta (el, Le Pg dans la Dial, pl, §§ 23-24), Nao € certamenté nsna definigha do Ter: “em si’; asi, ela deve sem pre refwzerse, porque vale bem muis pelo esidiga que a fez nascer, do que pela férmula a que chega. Hirdinber dex que aliftette temonte ser Ngai a 50 “perpétuamente” seus taciocinios a “Forma do Ser” 8°, E isto nos d& a medida do conhecimento do Bem. Nao se tem dado suficiente atengo ao fato de que a iniciag’o perfeita desctita por Didtimo é expressamente referida ao futuro; ela se apre- senta como um antincio, como uma promessa. Do conheci- mento perfeito, “do fim em vista do qual” conduzimos tédas as nossas pesquisas, 0 Feddo ® coloca no além o cumprimento, Uni- camente a alma separada do corpo e libertada das serviddes da Caverna, verd as Formas face a face. O filésofo dever4 assumir essas serviddes e, assim como nao lhe é permitido antecipar, pela morte voluntéria, sua libertag3o, assim também éle nao de- vera antecipar nem crer advinda a iniciag&o perfeita, Talvez seja por isso que o platonismo é antes um método que uma dou- trina, ou mais exatamente, a pesquisa incansd4vel de uma dou- trina que se cpé e se sabe fundada imutavelmente na realida- de, mas que nos € sempre antes “proposta” que “dada” e que nao nos cabe fixar. Ji assim que cada didlogo acabado chega ao “principio suficiente”, e entretanto ‘a medida” dos coléquios dialéticos € ‘‘a vida inteira” ®*, A ascensfo para o Bem ¢ a visio que a coroa sao “suficientes”, em cada caso, para fazet-nos resol- ver o problema particular, de ordem tedrica ou prética, donde partimos. Mas elas nunca sao “suficientes” em si, e ndo tém ne- cessidade de sé-lo, porque, em nenhuma ‘‘descenséo”, estamos obrigados a resolver todos os problemas possiveis. Enquanto 0 Demiurgo abraga, numa tnica visdo perfeita, o Bem e o sistema das Formas, e cria, por um ato unico e total, o conjunto do Uni- verso visivel, nés estamos adstritos, apds visdes imperfeitas inces- santemente renovadas, a descensdes parciais e que precisamos constantemente repetir. Nem a visio de Deus nem a teologia ®* estao & disposigao, ou mesmo ao ancance do homem. Mas particularmente, a uti- lizaggo do mito jamais implica, em Platio, numa intengao teolé- (86) Sof., 254 a 8-10. (87) Fed., 67 b 8-9, texto exatamente paralelo a Banguete, 210 ¢ 5-6, Notar rambém a idéia de “esperanga” na Rep. 517 b 6 (496 € 3. cf. Fed., 114 ¢ 8). (88) Rep., V, 450 b fim. (89) Sébre Leis, X, cf. pigs. 126 ¢ segs. — Na Rep., I] a teologia (379 2) € esta parte da mitologia poética (ibid., 382 d 1) que representa S51 Hi, We MAN & que se péde chamar a teologia de “negacio ila veligitio"', porque "distinguir entre o simbolo e a significagao Minhalo @, por definigao, ulttapassar a religido... e conde- Wt & Veliglic como uma confusio do pensamento” °°, Enfim, Ja Aheouiwar nos Didlogos tais ou quais provas da existéncia tle Dew, seria preciso querer encontré-las néles. De fato, trata-se Witipte de exigéncias essenciais, admitidas, porém nJo provadas. (9 'Timen, por exemplo, nio ptova Deus pelas causas finais, em vonclusio de suas pesquisas sdbre o Universo; admite, de vez, ms “‘causas divinas” como um principio com a ajuda do qual cmpreende estas pesquisas 9. Estas exigéncias, onde nfo se de- ven ver assergdes teoldgicas, nao sio nem proyadas nem bus- cadas em tltimo lugar: de antemio aceitas pelo homem’ de boa natuteza e de boa vontade, elas sio pontos de partida. 03 deuses (380 ¢ 7, 383 a 3, 386 a 1); as outtas tém por objeto os de- manios, os herdis, os habitantes do Hades (IIT, 392 a). Os dois modelos (379 a, 380 ¢, 383 a), que inspirarfio a heologiz, si detivados de duas exigéncias (Unicamente as quais se poderia atribuir um cardter “teolégico” € nilo a esta sbeologia, mesmo depurada, dos poctas) que se podem assim resumir: Deus (notar o singular) € bom ¢ imutavel (379 b, 381 b-). stas So “oxigéncias essenciais”, assungoes feitas, nao para dogmatizar, mums pea dirigir os poetas. Elas reaparecem no Timeu (29 ¢ 1, 42 e 5.6), © enitetanto, “descobrir o autor € 0 pai déste Universo, é uma grande faganhe, © wma vex descoberto € impossivel divulgé-lo a todos” (28 c, mad, Kivaucl), © texte sdbre o Bem € muito mais explicito (509 c 8103 @ atinge mesmo um fervor que © gracejo de Glaucio chama imediatamen- te 9 atenglin (509 ¢ porque ela nfio conyéin ao tom da conversa €, sobretudo, porqu e ao discurss um cardter de seriedade e um valor que oabers ag objeto, sempre imperfeitamente atingido, visnclo pelo discursa cp. V11, 536 uc com o comentatio ¢ a referencia a Peilro, 276 , de V. Chambry}, ¢, entievanto, Sécrates se protbe, expres. samente, falur do “Sem em 2” (506 de), No reitante, © csseneial & ver 0 expirito dos textos, porque, em se Buida, as quesiies de terminologin importam pouco. Assim W, Jacger pOde intitular wu de suas obras: The Theology of the Early Greek Phi- losophers (Oxtord, 1948), tendo caidade em precisar: “It goes withour saying that the terms “God”, “the Divine”, and “Theology” must not be understood here in their later Christian but in the Greek sense, ‘The history of the philosophical theology of the Grocks is the history of their rational approach to the onture of reality itself in its successive phases” (pag. V). (90) R. G. Collingwood, Speculum Mentis, Oxford, 1924, pap, 149. (91) Tim., 68 © seg; cf. 29 a, i. 52 TI. — A Processio 1. Causalidade das Formay As Formas sao a causa da geragZo ¢ da corrupgao *, O Ser é a causa do Devir, Como conceber estu cavisalidade das Formas? Como “formal”, antes de tudo, e se esta é umu kesposta “ingénua”, € também, em alto grau, a mais “segura” , Pode- mos, ptimeiramente, imagind-la como a agao da Forma da Ca ma sdbre o marceneiro que fabrica uma cama conereta, Intei- ramente .voltado para a Forma que deverd “imprimir” *4 4 ma- téria, 0 artesio nao é nem o autor desta Forma, nem mesmo da cépia que traga dela. Sua habilidade pessoal parece inventar, combinar, usar de astticias com os obstdculos da matéria °°; ela estd inteiamente ao servico do Modélo e determinada pelas exigéncias da Cama inteligivel. Uma vez decidida a fabrica- go de tal cama, assim como nao dependeu do marceneito ima- ginar sua Fotma, assim também nao depende déle imitéla de uma cetta maneira, de preferéncia a outra. Semelhante a um intérprete, éle nfo comanda nem seu texto, nem sua tradugao; supondo, bem entendido, que traduza “fielmente”. Mas depen- de déle traduzir ou nfo traduzir; a vontade da Forina reclama uma obediéncia fiel do artesio que quer imité-la, ela nao o obti- ga a querer imitar. Escolhamos pois outro exemplo. Por que Sécrates pretere a morte 4 evastio? — Negligenciar aqui a causalidade formal em proveito da causalidade “fisica” e alegar como causa a consti- tuigao fisiolégica de Sécrates, seus miisculos € seus ossos, seria “demasiado absurdo”: ‘“H4 um bom tempo, imagino, que éstes ossos estatiam do lado de Mégara ou da Beécia, transportados pela opiniao do melhor, se minha opinifo nio tivesse sido que (92) Pag. 20, n. 7. (93) Fed., 100 d 34, 8 (94) Crét, 389 ¢ 1. on Lhe 95) CE. Polit, 294.299, Sze éste aspecto inventivo © criador de icltagkh ver Le Parad. dans la théorie plat, de ’Action, § 10 (Rev, Et. Gr, LYTIT, 1945, 141-142), sz a - Wale ite D male belo submeter-me ao julgamento da Ci- HME Yue fOsse Ele °°, do que fugir e evadir-me”, — files permanece, pois, em prisio, & porque éle o quer, Me (Mu alnda: porque estima que isto vale mais a pena. *WHeHIe! porque o Bem o quer assim. Sdcrates no é mat- fetieire, Conhecendo a Forma, éle nao é, como 0 artesio, livre f fi linitar ou para fazer outta coisa, Impossivel conhecer a ‘ ni do Bem sem imitéla*?; ¢ esta impossibilidade € uma iutallcade constrangedora. Nem mesmo se deve attibuir a “sub- tlio do julgamento” a alta moralidade de Sécrates, Sdcrates nlo tem propriamente nenhum papel nisso, Sua atitude é, talvez, de, es em relagao a Cidade, porque € possivel desobede. cer as leis. Porém em relagio ao Bem, ela € sujeic e exclui tdda escolha 8, 7 oie 6 suisao absolure E assim que as Formas agem sdbre nossas obras e nossos atos, ¢ € a uma aciio andloga que & preciso referi Universo visivel. Ba Binese do 2. A Matéria A. wilo do Bem sébre a alma de Sécrates é irresistivel. Mas nem pe isso esta alma € menos necesséria para que ela possa mani eHliie, pata que ela possa agit. F preciso, igualmente, ‘datos minculon © estes 9850s”, para que Sécrates possa obrigé- fox & permanecer no Ingar; & preciso Atenas e a ptisio, para helt permanecer, © é preciso mesmo Mégara e a Beécia, para Id nila iy, prechio o proceso e o julgamento, é preciso ‘numa palayew, a alniagiio concreta na qual Sécrates se encontra * Actes- centandiwe A causalidade do Bem, esta situagio concreta é, em certo sentido, mais importanee que a alma de Sdcrates para ex- plicar A deolailo de Sécrates, 3 essencial para o Bem ser e set inteliglvel, & essen fara a alma do filésofo conhecer 0 in- teligivel ¢ imittlo pelo saber que ela engendra ao seu con tato’*; mas para que cota imitajao va até & agdo e até tal (96) Fe (97) Rep, V1, 500 © 6t7, (98) CE. Crit, Sad 4.5, (99) Rep, VI, 490 b. 54 ago precisa, € preciso que haja matéria para a agio, uma si- tuagdo e materiais, onde se possa inscrever a imitagao, Se per- cottemos 9 processo que do Bem em si passa ao Bem co- nhecido para resultar no Bem imitado, é claro que a ruptura se coloca antes da terceita etapa. Continua sendo sempre ver- dade dizer que a imitagio é ordenada, 6 causada pela Forma; Séctates nao é livre para esquivar-se 4 vontade do alto. Mas esta vontade nao o leva a prolongar o conhecimento em a¢ao senZo porque ela encontra, pata acolhé-la, um receptdculo, A existéncia da matéria, de um “Outro” que as Formas, est4 implicada tanto pelos atos humanos como pelo Universo. O Ar- tesao divino nao ctia ex-nihilo; limita-se a “tomar essa massa visivel, isenta de todo repouso, movendo-se sem medida e sem ordem para conduzi-la da desordem A ordem; porque éle esti- mara que a ordem vale muito mais” ?°°, Se existissem dnica- mente as Formas, nao teria havido nem Demiurgo nem Univer- so vistvel, assim como Sécrates, se tivesse permanecido alma desencarnada ou se tivesse vivido “longe de sua pdtria” 1°1, ter. -se-ia contentado em filosofar, sem jamais pensar na a¢ao. “O Dualismo ent Platéo” 1°? é constante, do Fedto ao Ti- meu%3, Poderia fazet-se uma tentativa de reduzi-lo 1°, e, com efeito, longe de ser uma “substancia primordial”, a matéria platénica € nao-ser, no possuindo, antes de sofrer a aco das Formas, nenhuma qualidade propria; seu papel teduz-se a forne- cer um “local” pata as coisas que nascem e, antes mesmo de set tomada em maos pelo Demiurgo, ela recebe a influéncia ordena- dora das Formas "5, Plato diminui ao extremo a consisténcia da matéria € sua cooperagdo para a obra das Formas; talvez tivesse sido légico ir até ao fim e traduzit a2 supremacia das Formas (100) Tivt, 30 a. (101) Ch Rep., VI, 496 b. (162) Cf. S. Pétrement, Le Dualisme chez Platon, les gnostiques et les Manichéens, Paris, 1947. (103) Ver 0 comentétio de F. M. Conford, Plato's Cosmology, Lon- dees, 1937. (104) Ver o artigo de M. Guéroult, “Le Xe livre des Lois et la physique platonicieone” (Rev. des Et. Grecgues, XEXVIL 1924, pigs. 21-78). (105) Tim, 49 a; 53 c seg. ge Obie & Motdrla por uma derivacio desta ultima a partir daque- lis, Mar nila parece que Platzo tenha querido tirar essas con- “lleneln) segundo ée, a dominagio das Formas nao é absolu- ti a Necesuidade nao se deixa Persuadir inteiramente 10°, (© Universo visivel nao é sendo uma “imagem” 1°? ¢ g cépia twnen iguala o seu modélo, Por que ctiar, entio, imiragdes cuja tonclade € derivada e, se medida & luz do Modélo, defeituosa? — Porque, precisamente, a imitagio nfo € criada, mas imposta a Matétla, Nao é a perfeigao do Modélo, é a desordem da Maté- tia que dela aproveita, EK para a Matétia que a ordem “vale mais”. O Universo visivel nao estd em estado de queda, por terse destacado, culposamente, de uma perteicao original; éle nao era, primitivamente, senio desordem infinita. Tampouco © Ser cria uma matéria para nela mirar-se, pata povoar sua so- lidao, para ter um “Outro” ou outros, a quem fazer partilhar, no estado degradado, sua perfeicio. Deus nfo é a causa de tudo o que acontece #98, Mas a resis- téncia, jamais inteiramente reduzida, que a “causa errante” opde a aco divina, nao limita, segundo Plato, a soberania de Deus. O nfio-ser da matétia desordenada esta fora de Deus ou, segundo a exptesstio do Timeu, Deus estd “ausente” déle 9, © Ser nao 6, por conseguinte, todo-poderoso, neste sentido em que nao é bastante forre para absorver em si o ndo-ser. Ou melhor: é 9 Devir que iio pode recebé-lo inteiramente 20, © “poder” de Deus esti fundado essencialmente no seu ser ena sua perfei- Gio ™, © allo se traduz seniio secundariamente pela irtadiacio € (106) Tim, 48 a; cf, Cornford, toc. cit, pag. 163 seg. (107) Tim, 29 b 1.2, (108) Rep,, Tl, 379 ¢. (109) Tim, 53 b 3, (110) Polit, 269 d fime, cf. Rep, ULL, 403 d 4.5; as resttig6es im. Pesta Pettcicio da stividade demicrgica (p. ex. Tin, 30 0 2, 46 c 8, 53 b 5) devem ser sempre entendidas a partir da Matéda, (111) Cp. Rep, Il, 379 a fimec, Banguete, 203 a 2, Teet, 17% a 47. The, 41 € 13. — A onipoténcia & atributo ‘petigosamente equtvoce Seni, assume nenhum valor senéo a partir do Bem (Gérg., 466 b see); ver também Brunschvicg, Progrés de le conscience, I, pia. 30. Solatog Tene 128° que o Demiurgo age por persuasio, nfo pela farca (Platon’s Theology, pag, 112). 56 pela processac. A causa ercante ni ent, como um oo redutfvel, num plano divino de cringho; ela tampouco om a condicao necessdtia de uma criagiio que Deus teria imaginado, livremente, como ‘a melhor possivel”. Por consegsuinte, ee feréncia a interpretar, com grande dificuld le, ‘0 Ordena lor’ do Universo como um criador todo-poderoio » € preciso ities tir sdbre sua acdo puramente ordenadora, Como a pute faria parte da criagao divina, visto que é apenas pees a por harrativamente o que é intemporal ) @ causa acasic Nese € qué nem mesmo € “causa material” (0 que pressuporin u designio e um plano; ora o Deus de Platéo nio oc omen matéria; € por que encontra a matéria gue dle a on ea ge medida em que se pode falar da “criacao” de uma oo vi preciso dizer que Deus nfo cria a matéria; é para o bent matéria que éle cria, 3, O Demiurgo e a Alma E preciso a alma de Séctates para que o Bem ‘i eee cido ¢ imitado. E preciso 9 attesfo para que a Forma 4 a seja imposta aos matetiais. E preciso, para que nasca cre ive = uma alma ou um artesio. O mito (que é 0 unico a pc ct a: turar-se & desctigio do Devir ''*), ao referir o nascimento mundo ora a uma Alma, ora ao Demiurgo "5, significa ae a mesma catisa, posta ao setvico das Formas. Esta causa esté Jonge de ser negligencidvel. Entretanto, ela nao se insinua, co os terceiro térmo, entre o dualismo: Formas — matéria, ‘eo st i is His — Ver tm Taylor ¢, mum sentido idealists, Archer-Hind. ‘ a cca Beighieniéri de Carntdra (cf. Taylor, The “Polpebessn “i Plato: an apologia, Mind, 1938, XLVIL, pags. 180-199, ¢ a resposta de Cornford, sob 0 mesmo thulo, ibid., pays. 321-330), F. Gilson, fa : de la Philosophie Médiévale, Paris, 1944, em particular, pégs. en, 68-69 © para estabelecer um patalelo: “Platonisme et Christianisme”, R. Schaeret, Diew, 'Homme et la Vie d’aprés Platon, Neuchatel, 1944, pags. 171 seg. (113) Sof, 219 b 1; 265 b 1, (114) Tim, 29 d 1. (115) Leis, X; Tim. ; dia 90 Timeu *, 0 Devic é produzido pela “causa” e por “aqui- falue a catisa ndo seria causa” 227, pela For 8 > ‘ma e pela Ma- a, A Alma ou o Artesdo “alinham-se” nesse engajamento “do lilo" clio Hormas e “sustentam-nas” 118 tz fielmente que mal se ilininguem delas; mais ou menos do modo como 9 generoso Hlilplo Golérico de nossa alma é tZo “naturalmente” 19 subme- wai i azo, contra © principio passional, que se pode, falando miitamente, reduzir a tripartica i presin rr triparticdéo da alma a uma dualidade Esta alianca natural vai, as vé é Aatural vai, as vézes, até uma identidade de natoreza, | O artesio divino modela o Universo 4 semelhanca do Modelo ie Mas, em outro contexto, éle aparece como “o Pai io Universo e quer que “as coisas nascam o mais pos- sivel semelhantes ##* a si préprio” 124, Por sua fungo de mo- délo e de pai, éle parece identificar-se as Formas 125, Uni O Modélo inteligivel, segundo 0 qual o Demiurgo modela o niverso, € chamado 9 “Vivente absoluto” 228 Ora, a vida su- (116) Fed., 99 b com., Tim, 48 ¢ sep, 50 od. (117) Fed, 99 b com. (118) CE. Rep, IV, 440 b 3; 441 a 3, (119) Rep, IV, 441 a 3, (120) Rep, X, 602 ¢ seg. (121) Tira., 30 c. ji ) Tim, 28 © 4, 37 © 7; Polit, 273 b 12, i Para vei isthg Weology and madera since of nears Wace ab Pe Rete Chita Jnnetie picilay axéngio a0 Sato de que a metéiora do pai apreenta Gols ut alo cli Sa anette cue Gaines (lavguets, 212 a; Rep, VI, 490 b), ela denota a ee dla alinin ex velop ds hecimenta ‘ Wag ee a go comiato co all See (UMM) Tim., 29 , : (125) Tw, 50 oul 3, (126) Ter, Mb a, fi tal rompretele imate uk quatre capsoe tes Ser e Coratord, for. sits pigs. 4041), on $0 ble voinpivende oy dus Formas oiganitadar pelo Hom, Ag (uns interpretagées podem apoiar- “SE NOS Lextoa, & sem chivida AAO Ne deve succilicar nenhuina delas. Rela tando a gtnise do Univeisi, Patio pode contemtarse em inserever no 8 pde o movimento, Vida ¢ movimento estio, por conseguinte, compreendidos no “Ser universal”, Mas vida ¢ movimento su- pdem uma origem comum: a alma. Tamby'm ela deve ser atri- bufda ao ser universal 1°7. A Alma, segundo a opiniZo undnime dos antigos 128, dé ao vivente que ela anima o movimento e a sensagio, Talvez nao hhaja nisso senZo um simples fato de experitncia (es stres que chamamos vivos possuem a faculdade de mover-se ¢ a de sentir ou refletir), sem que o liame entre estas duas faculdaces seja apreendido como necessério, Em todo caso, a alma nilo pode exercer suas fungdes senfo em relacdo a um objeto que ela per- cebe ou conhece e, patece, em relagio a um corpo que ela move. Imaginemos uma alma que seja puta inteligéncia. Nia tendo corpo para mover, esta estaria ainda, cla prépria, em movi mento, pelo tinico fato de exercer sua inteligéncia. A inteligéncia age sobre o objeto 7°, move-se para ou em térno do objeto, mas com um movimento t4o perfeitamente ordenado que, em seu mesmo mover, éle reproduz a estabilidade do objeto 14°. Supo- nhamos agora esta alma inteligente em relacio com o corpo. Ela Ihe imprimird seu movimento préprio ou, se pteferimos, prolon- gar4 o movimento de conhecer em movimento de agir. E sem- pre a alma que é “o principio do movimento” 11, quer se mova ela prépria quer ponha em movimento um corpo; mas é o ob- jeto conhecido que determina e ditige 0 movimento inicial ¢ 0 movimento prolongado. E, sem dtivida, nem todo movimento é Modélo as quatro Formas que se propde estudar. Mas éste Universo abran- ge 0 conjunto do Devic e constitui o palco em que se vao apresentar 8 reflexos de tédas as Formas, quaisquer que sejam. OQ modélo quadrupla- mente precisado de acérdo com as necessidades da exposicio, é, ao mesmo tempo, “‘o mais belo dos séres inteligiveis (30 d 2-3), ou ainda “o Deus (?) inteligivel” (fim), “o mais belo dos séres inteligiveis e, em tudo, petlels to” (30 d), e parece-nos dificil niio identifict-lo ao Bem, ac mesmo tempo que 0 conjunto das Formas que déle procedem. Cf. também 37 ¢ 6, onde 9 Mondo é dito: “imagem nascida dos deuses eternos” (¢ onde 4 preciso manter o texto ¢ seu sentido dbvio, isto 4, as Formas; G. A, Rh vaud, R. E. G., XLUL, 1929, pag. 466). (128) Aristételes, De anime, A, 2, 403 b 2427, (129) Sof., 248 d seg. (130) Leis, X, 898 a; cf Tim., 29 b seg. (131) Pedro, 245 «, seg. 59 teealgane i) #litiglelo. Mas, do ponto de vista da alma subme- Hili ge ahjete (ora, a Alma césmica nunca se desvia déle 152); é fiierleo liver que, assim como a inteligéncia no se concebe sem aviiOniG, mesim também o movimento nao dispensa a inte- da. Aa Formas so inteligiveis. © Bem lhes comunica a verda- ile @ w faculdade de serem conhecidas *#?, A alma é, como as wmnas, invisivel, inteligivel, divina1**, Pode-se dizer: com 0 Objeto é pdsto o Sujeito #5, Nao esperemos ir além desta f6r- mula, voluntariamente vaga, e que, alids, nfo se encontra em Platéo. O Fedao no chega até a inteira identidade entre a alma ¢ as Formas, e a Repsblica °° parece subtrait a solugdo rigorosa desta questo aos nossos meios de investigagio. E, como o pro- Jongamento de uma filosofia pelos epigonos nem sempre consti- tui um progresso, seré mais prudente constatar que Platao “‘ten- de”, segundo a expresso do R. P. Festugitre 1#7, a ver na alma uma Forma, que para ai tende mesmo, muito conscientemente, mas qué, a0 querermos dar a esta tendéncia um desenlace outro que em fé e esperanga, corremos o isco de ultrapassar a doutrina platOnica, de forgi-la e, mesmo, de trai-la. As hipéstases ploti- nianas ultrapassam também, em sua excessiva precisdo, o pen- samenio de Plato. Mas elas dao conta da hierarquia: Um, In- teligéncin, Alma, Plato diz, de fato: “A Inteligéncia nao pode irnarse presente cm nenhuma coisa, se € separada da alma 338”, Ora, esta {Grroulii que lembra o “tornar-se presente” das For- mite nie coleak sensivels ho parece excluir que a inteligéncia pons exintiy em ale em relagho ssmente a seu objeto. Parece que 4 num certo sentide que a alma, soliddria da vida e da inteligéncin, # atyilisida ao Ser Universal 4°, ¢ num outro sen- (132) Lets, X, 898 &. (133) Rep, Vi, 508 «. (134) Ped 80 b. (135) GL A. Dits, Autour de Platon, t, II, pags. 561 seg; G. Ro: dict, Et. de Phil, Gra. pli. 144. (136) Rep, X. 611 & sey (137) AWJ. Festugitve, Contemplation e¢ Vie ronreinplative selon Platon, Paris, 1936, pag. 114 (138) Tim, 30 b. (139) Pag. 99, n. 127, of. Le Parad. dans I Dial. plat, § 24d, 0. 13. 60 tido que a alma é encarregada de cuidar “do que é desprovido da alma” “°. E assim que a forrnagiin do Mundo, é confiada ora. aum Demiurgo que € essencialmente Inicligéncia, até iden- tificar-se a0 Modélo que éle contempla, « que ctia soberana- mente a Alma do Mundo, ora a uma Alma que exccuta o movl- mento da inteligéncia, porque ela se move eonforme ao Modélo. Poderia dizer-se que a inteligéncia € a alma yoltada para o ob- jeto, ¢ que a alma é a inteligéncia voltada para a matéria, Mas resta ainda saber o que isto significa. 4. A Bondade divina ‘As divindades astrais sao, talvez, uma puta invencao “dos filésofos © des sébios”. Entretanto, o autor das Leis refete a elas “‘a administragao” 441 do Universo € considera a astronomia como 0 fundamento mais sdlido da piedade 142, Como sc eferua esta “administragio”? — Por éste unico fato de que as almas astrais imprimem, a seus corpos brilhantes, movimentos exata- mente confotmes 35 realidades divinas que elas contemplam *#°. — O Sol foi criado pelo Demiurgo para servir de medida para © tempo e para ajudar a reproduzir, no Devir, a “imagem mével da Eternidade+4*. Entretanto, o Sol dé aos objetos visi- yeis nao sdmente a faculdade de serem vistos, mas também “o nascimento, o crescimento e o alimento” 145, A solicitude que as divindades astrais testemunham para conosco nao é essencialmente para nds. A “nica fungao dos as- tros consiste em obedecer as Formas, cm reproduzir, por sua revolugo, os movimentos que sua inteligéncia descreveu em 4@rno das Formas. Mas por ésse ato mesmo, organizam © admi- ‘nistram o Univ Igualmente a “Bondade”, isenta de inve- ja*#8, do Demiurgo nfio deve ser intetpretada, de vez, como uma (140) Fedro, 246 b. (141) Leis, X, 899 a. (142) Leis, KIL, 967 a see. (143) Fedro, 246 d seg. (144) Tim, 38 (145) Rep., VI, 509 b. (146) Tim, 29 €. 61 Hetievelliiela hem, a forsior:, como uma efusio de amor, Ea ile in bom operétio, poder-se-ia dizer: o gésto da obra elit, Maw acontece que éste trabalho € proveitoso para # Hiern, qiw é seu objeto e para o Universo, que é seu resul- fuli ‘Yodo hom operdrio tem sempre em vista o bem daquilo file tle labrica ou daquilo de que éle cuida 1*7, Porém, ainda Wi, f sdéia de benevoléncia € secundéria: o médico propée-se ® hem te doente mas nao é, necessariamente, por amor que éle vulda do doente. O bem do objeto tratado decorre das exigén- vlis da arte, mas nao é éle que as inspira nem é éle, necessiria- mente, que faz agit o arteséo. O que define o sdbio é tnicamen- fe sun ciéncia, ainda que ela jamais tivesse onde empregar- we 4, Ora, acontece que a ciéncia do Demiurgo encontra onde empregar-se, porque encontra a matéria, Por outro lado, téda realizagdo € inferior a ciéncia #9; a agiio clo Demiurgo nao iguala o seu saber. Ora, o conhecimen- to niio tem em vista a aco, assim como a existéncia ndo tem em vista a génese 18°, Nao € com o fito de poder administrar a Cidade ideal que os dialéticos conhecerio o paradigma celeste; mas, conhecendo-o, éles o imitario, Nao se deve dizer, portanto, que o Demiurgo, que a Inteligéncia divina ditige seus olhates par o Modélo inteligtvel, com o tinico fito de poder imprimi- lo A matéria, Nem mesmo se deve dizer que 0 Modélo exis- te, qual um plano de eringho, a fim de ser executado. O Modélo eniiie ein gl, Ole é Ser que se basta, como o Bem se basta, A Jateligénels qiie conhees » Bem, que conhece o Modélo, se basta, Ho we conheclment j4 nesses nfveis se afirma a bondade diving; o Ser 4 bom, ¢ a inteligéneia do Ser € boa. Por que w inteligéncia que conhece se faz demiirgica? — Patto colocou o problema e responde: “Porque o Demiutgo era bom... @ quis que thdas as coisas The nascessem o mais possi- vell semethonites” *!, © mesmo argumento explica por que, no alto, O Ser #e ehtrega A Enteligéncia e, em um nfyel inferior, por (147) Rep, 1, 442 0, (148) Palit, th hey (149) Rep... V, 473 8, (150) Fil, 54 be, (151) Tim, 29. 62 que as revolugdes astrais administram o Universo. Em tédas as instincias do real, encontramos esta bondade que é fundada no ser e€ que, originariamente, nfo implica nenhum matiz afe- tivo +5", A bondade demiirgica é essencialmente a bondade, ja derivada, da Inteligéncia que procede do Bem, mas que, encon- trando a Matéria, prolonga a difusio do Bem. O problema do Mal, — fiste encontro dé-se desde sempre. O mito do Politico o transpde no relato das alternancias césmica: o Universo é ora governado, ora abandonado por Deus. O mito, segundo a opiniio geralmente admitida, projeta numa sucessiio © encontro intemporal da Inteligéncia e da Matéria. Se Deus “abandona” o Universo, nao é nem falta de “boa vontade”, nem capricho, nem recuo diante de qualquer f6rga antagonista; é porque o Universo “participa do corpo” e, por isso, “nao pode ria ser inteiramente isento de mudanga” #58, Nem ctiagio nem abandono sao decisées que se inscreveriam no tempo. Desde sem- pre, uma procede do Ser, a outra deriva da Matéria. O poder de Deus se mede pelo seu ser. Nao é Deus que é impotente para transformar plenamente o Devir 4 sua imagem; é o Devir que nao pode receber o Ser inteiramente 154, “Tudo o que nasce esté sujeito A corrupgio” 15, a Cidade ideal, as plantas, os animais. O Mesmo e o Outro traduzem-se, no mundo sublunar, pelas alternancias de gerago e de corrup- ¢ao, mas éles coexistem e se harmonizam no mundo celeste. Os movimentos tegulares dos corpos astrais, ainda que sejam mo- vimentos, testemunham que, nesta regiao, a Inteligéncia con- segue, incessantemente e sem ruptura, persuadir a Necessidade. Participando, também éles, do corpo, os astros sao, de direito, corruptiveis. Entretanto, jamais serio dissolvidos, porque a “yontade” divina sustém sua imortalidade. Tampouco aqui nao é esta vontade o capricho nem de um tirano, nem mesmo de um benfeitor. Deus é bom; e “querer dissolver o que est4 per- (152) Igvalmente em Santo Tomés “a bondade... nio € a benigni- dade, qualidade do “‘corago”, mas € a perfeigio idéntica ao ser, a banda- de ontolégica” (P. Rousselot, L’Intellectualisme de saint Thonras, Paris, MCMXXIV, pig. 27, n. 2). (153) Polit., 269 d fime, (154) CE pég, 56. (155) Rep. VINT, 546 a 2. 63 feliieite Narmonizado ¢ bem feito, isto sé cabe a um malya- de! (iw Deus niio pode nem ser nem querer ser malvado- fiw bondade fm sua vontade, € uma coisa s6), ainda aqui, é Hradlagio sto Ser. Wipouco a matéria é “md”. Ela é “‘auséncia de Deus” € # ignorlincin de Deus. Como se oporia ela ao que ignora? Toda- ivontrando incessantemente a persuasdo da Inteligéncia, esta jgnorinein, num certo sentido, é incessantemente informada. Pa- sece que é, sdmente, no nivel do homem que a ignorancia per- alutente € que jamais pode artancar-se de sua inconsciéncia, torna- se falta e, ai ent&o, chama-se esquecimento, E pelo esqueci- mento que se altera a Cidade ideal, que as almas se condenam 4 Encarnaga0, que o Universo do mito se encaminha pata o “oceano de diferenga 17”, Mas, na ordem césmica, assim como nao se poderia admitir que casal de deuses de vontades opostas” 158, assim tam- 1a se deve colocar em face de Inteligéncia, do Demiurgo, da Alma do Mundo, uma Alma m4. Assinalou-se com razio que, quand as Leis inicialmente admitem yma alma boa e uma ma para concluix que sdmente a primeira governa o Mundo %°, nao existe ai seniio uma hipétese, logo eliminada pelo simples fato de que esta alma mé permanece sem funcio. Pode-se acrescentar ue & movimente do pensamento € exatamente o mesmo quan- iso Timew oe pergunta se o Demiurgo dirigiu seu olhar para © Madéle inseligivel ou para o modelo visivel. Este segundo mo- délo é wna pura fic imediatamente tejeitada como im- pla, J etude, ela etd em contradic¢ao com todo o pla- ton a partir do momenta em que se pde um bom artesao, é claro que le pio pode tomar por modélo sendo a Forma inteli- 19 modo, admitir A escala césmica uma Alma 0 com a primazia da Inteli- “hilo (156) Tim, 4 eb. (357) Rep. VIN, 546 9 tep.; Fedro, 248 ¢ 7; Polit, 273 b 2, ¢ 7. (158) Polit, 269 © #270 0 1, (159) Leis, X, 696 © up, (160) Tim, 29 a 4, a ep. com Leis, X, KYB ¢ 68, (161) Rep, X, 596 b, 598 a, (162) Leis, X, 898 ¢; Fit, 28 ¢, 64 Acrescentemos que, se, segundo certos textos, os objetos sen- sfveis participam de duas Formas opostas*®, a md qualidade de uma coisa jamais provém do fato de que o objeto participe simultaneamente do bem e do mal, mas do fato de que, “partici- pando do corpo”, nfo poderia participar do Bem senio imperfei- tamente, Nao existem Formas “tidiculas” !*4, nem ainda com mais razio, Fotmas més. Pode haver coisas que para alguns de nés, parecem “completamente sem valor” +, como a lama. Po- rém, 0 fabricante de vasos 18° se insurgird contra éste exemplo, ¢ téda Forma, seja ela a da Jama ou a do cabelo '°7, deriva seu valor, com sua estrututa prépria, do Bem. ‘A Processdo. — Para quem consideta o Bem em si e o Devir bruto, o Ser opde-se ao nao-ser. Para quem considera o Bem em si e qualquer outra coisa, o cabelo e a lama, o homem e sua alma, o Universo e as estrélas, as virtudes e as ciéncias, o Mes- mo opée-se 20 Outro, Mas nada existe que nao tenha, pelo sim- ples fato de existir, relagiio como o Ser, nada que nao deva, para surgir ou para subsistir, ligar-se ao Ser. Processao **8 que, nos mundos inteligivel e supralunar, existe desde sempre e que, aquém déles, é confiada parcialmente 4s armas humanas que ¢o- operam com Deus para a “vitdria da virtude” ?° (163) Fed., 102 bc; Parm., 129 a, (164) Parm., 130 ¢ 7; Sof., 227 ab. (165) Parm., 130 ¢ 7-8. (166) Teet., 147 a. (167) Pare, 130 c. (168) Os Didlogos nao cnsinam explicitamente uma teoria da process, tal como encontramos em Plotino Aplicado a0 pensamento platénico, @ste conecito tem mais um valot explicativo do que doutri- nal, Ble permite compreender, o melhor possivel, as relagdes entre 0 Bem, as Formas, a Tnteligéncia, o Demiurgo, a Alma e as almas, © Universo ¢ os corps axtrais € por que Platéo pode qualificar todos @stes séres de divinos. Numi sentido mais preciso, entendemos por proceso, nao sdmente © processo intempotal ein virtude do qual os séres saem do Ser, mas a mudanga de aspocto que sofrem certos valores, como a bon- dade ontoligica que, em rélagio a nés, se torna benevoléncia, ou a Imu- tabilidade que se torna Justica incorruptivel (pag. 123), ou a exigencia dos movimentos regulares que se traduz, pate a alma humana, por todos 0s imperativos concretos da vida politica e moral (pég. 75). (169) Leis, X, 904 b. 4 65 Maa peniames yue € preciso resistir, aqui como alhures 17°, y pantagi nitibuir a Plato um sistema rigoroso no qual se deve Iii @ exquematizar esta processio, Em patticular, e sem fs pawler

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