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EDUCAGAO. LIVROS DIDATICOS: OBSTACULOS AO APRENDIZADO DA CIENCIA QUIMICA* T-- Obstéculoe Animistas e Reslistas! Alle R. C. Lopes Coordenagto de Andlises Quimicas - Escola Técnica Federal de Quimica do Rio de Janeiro ~ Rua Senador Furtado, 121/125 ~ Maracani - 20270 ~ Rio de Janeiro - RJ Recebido em 24/7/91; cba revisada em 15/10/91 ll, s0 we selected 107 didatie books used at high school from period of 1931 to 1990. Gaston Ba- ‘chelard’s epistemology was the theoretical reference for detaching the category of the epistemological ‘obstacle, known was one of the Inherent hindrances for the scientifieal knowledge itself, blocking the ‘comprehension and the development of science. Among the different kinds of obstacles we detached ‘animism and realiem. We not only tried to identify examples of these obstacles, but we discussed the reasons of thetr occurence. Keywords T- INTRODUCAO © livro, enquanto instrumento didético mais importante de ossas escolas, fato atestado por diferentes fontes em diferen- tes épocas? tem sido objeto de diversas pesquisas, principal ‘mente no que tange A discussio de seu conteldot, E nada pa rece apontar para uima visio positiva de nossa literatura dida- tice, excetuando a constatagio de que o sofrivel ensino seria sinda pior se nfo fosse 0 livro escolar, tal seu poder de pe- netragio e sustentagio do ensino*. ‘O mesmo se dina area de ensino de quimica, onde dife- rentes trabalhos¢? revelam o grau de comprometimento entre ‘2 mé qualidade de ensino e « mé qualidade da literatura di- ddtica. Erros conceituais e falbas na estrutura metodalégica tomam os livros de quimica eficazes na instrumentalizasso conceitual de professores e alunos. Certamente 0 livro didético, como todo © qualquer texto, ro é em si uma obra fechada. Na medida que ¢ uilizado, ‘mantém-se 0 dislogo letor-texto ou no easo, professoraluno- texto, podendo se estabelecer discussées, avaliasio e criticas, capazes mesmo de permitir que se faga bom uso de um mat texto. Sem divida isso & possivel, mas allo somos levados a coneluir que assim se dé em nossas salas de aula. Como bem afirmam Freitag et alli, o livro didético no stua como auxiliar do processo de transmissio do conbheci- mento, mas como modelo padtio, autoridade absoluts,crtério ‘limo de verdade: parece modelar os professares. ssa autoridade se sustenta para uma clientela ~ o profes- sorado - com deficiéncias de formagio capazes de levé-la a entorpecer 0 espitito ertico e a nso desenvolver a capacidade de organizar 0s proprios métodos de trabalho. © educador, ‘no sahendo bem como ensinat, se orienta para tal atividede através dos livros diddticos®, mesmo quando néo os adota em. suas turmas. Os livros Ihe oferecem pronto o que deveria set por ele preparado: a ordem dos conleidos, os exercicios, as explicagGes dos mais variados assuntos. Sem divida, somam- © m0 quadto as dificuldades not6riss do magistério pibico ¢ privado nacional, por si s6 geradores de falta de tempo e eon Aigées para a stuagio no ensino e eausudor de maior acomo- ddagdo as facilidades oferecidas pelos livios-textos. © anverso dessa questo ¢ que o professor escolhe o livro mas essa escolha nto é desttulda de condicionamentos. Tra = Bite tnbutho ¢ dedicado & meméca da Pro Latics T. de Souza Parente idactic books, Bachelard, epistemological obstacle. ta-se de um desconhecimento da politica do livro didétieo no ‘pais julgar ser uma atividade livre o ato de opsio por um livre didétco. Os grapos que se envolvem nas questses do livro-texto ~ professores, autores, editores, ete ~ conformam ccontornos poltices e insttucionais onde se associa diretamen- te-0 pedagigico a0 econdmica® (Os profestares s4o condicionados pela propaganda das edi- toras, pela propria formasio cultural e cientfica, © pela pe- quena variedade de tituos existentes no mercado: o$ livros, fem geral, seguem todos mesma forma Hi quase total ine- ‘xsténcia de propostas inovadoras na esfera comercial; « mes- rice de colocagées, exemplos, estruturas de capitulos e exer- cicios se contrapée a qualquer ousadia. A produgio nio se alters, afirmando atender ao mercado. Esirutura-se uma rela- so dialética consumidor-livro, onde io parece haver como ‘defini determinante e determinado: as regras do mereado ca pitalista definem a norma de manter 0 jogo sem riscos. Com base nesses premissas, podemos concluir que © con- teido dos livros diddticos & em grande medida representative do que é ministrado pelos professores em sala de aula. E den- ‘wo desse campo de anélise dos conteudos de quimica, o ref erencial epistemol6gico, cada vez mais valorizado nas pesqul ‘sas de ensino de quimics®!®, merece maior desenvolvimento. ‘Considerando 0 grau de conservadorismo existente na vi ‘ho de cigneia dos professores de quiimiea no segundo grau'®, ‘artimos para um estudo que desenvolvesse anilise epistemo- ‘6gica coerente com a ciéneia quimica moderna e, portanto, ‘capaz de fomecer subsidios para a critica renovadora do en: sino de quimica no nivel médio. Depreende-se daf 0 porque da escolha do epistemslogo franeés Gaston Bachelard enquanto referencial ‘de anise Nascido no século XIX (1884) falecido no século XX (1962), Bachelard viven em um periodo de grandes conquistas aa cidacia ¢ de grandes mudangas na racionalidade humana, sabendo bem como interpreté-lss. No para fazer delas monu- ‘mento cristalizado ~ as verdades pelas quais o homem sempre trabulhou -, analisando-as seguado estatuto do século XIX, ‘mas, 20 contririo, expondo todo seu cardter de rompimento ‘com 0 conhecimento passado. Em constante critica 20 empi- rismo, a0 certesianismo e ao positivismo reinantes na ciéncia, rmosira-se ele um filésofo instigante, polémico e por isso ca. ‘paz de revitalizat as estrturas do ensino de quimica no nivel ‘médio, tio preso a conceitos que nada mais tém a ver com a cigacia de ponta do séeulo XX. Portanto, as questées que Se colocam quanto aos livros di- ‘QUIMICA Nova 1619x1902) diticos de quimica sho: até que ponto 0 conteudo transmitido contribui pare a construgdo de uma cultura cienifica no estu- ‘dante? No obstruira ele, 20 contririo, os canais para o de- ‘senvolvimento dessa mesma cultura? Ou seja, como se situa ‘epistemologicamente 0 conteido de quimica transmitido em nossas escolas através dos livros diditicos? IL - OBSTACULOS EPISTEMOLOGICOS Como instrumento teérico nessa discussio foi utilizada a categoria bachelardiana de obstéculo epistemoldgico. ais obstécules slo entendidos como os entraves, inerentes wo pré- prio conhecimento cientifico, que bloqueiam seu desenvolvi- ‘mento ¢ consirugio. ‘Nas palavras de Bachelard!t constatamos ser: * (.) no ato mesmo de conhecer,intimamente, conde aparecem, por uma espécie de necessida- de funcional, 6s entorpecimentos e 1s confu- ses. B af onde mostraremos as causas de es- tagnasho e alé de retrocesso, ¢ af onde discern- fremos causas de inéreia que chamaremos de obstéculos epistemol6gicos.” © conhecimento se obstaculiza no real aperente, na tendén- cia do pensamento preencher, segundo Lecourt!2, a r uptura entre comhecimento comum e conhecimento cientifico. Ea ra- 240 acomodada 20 continuismo do jé estabelecido, opondo-se ‘20 novo, & retifieaglo dos erros, & coastituigio de uma razio toda nova. Na medida que conhecemos contra um conheci- ‘mento anterior!" ~ destruindo conhecimentos mal-sdquiridos, ‘capazes de estancar o desenvolvimento do conhecimento cien- tifico ~, a razio na cincia esté em constante processo de de- silusi. E 0 contrétio do que se_poderia pensar, os obstéculos ‘epistemolégices nunca sio defintivamente suplantados, sem- pre se manifestam diante de um problema novo, pois no ho- ‘mem afual restam vestigios do velho homem. Por isso 0 ra- cionalismo deve sempre trabalhar contra si mesmo, contra as siateses féceis, as idas claras3. As imposigées do clhar,rea- lista por exceléncia, precisam ser psicanslisadas'* no combate as imagens primeiras, as analogias imediatas, © conhecimento racional exige rigor matemitico, so contririo do realismo que ‘se prende as imagens visando concretizar 0 absirato!S Essa critica, porém, nfo implica na impossibilidade de uti- Tizagto de metéforas ¢ analogias na cigncie: muitas vezes elas slo necessériss, quando construimos modelos e nos expressa- ‘mos em linguagem nto formal. Mas a uilizagto nfo pode ser Adeseuidada, existindo apenas parn nos fazer esquecer a aridez das férmulas matemiticas. Nosso espirto no pode se acomo- dar elas, mas estar pronto para desconstrut-las na medida (que matematizagio assim o exigit 'E sers o trabalho da razio sobre o objeto, mediads pela técnica, que permitiré 20 cientiste, atuando sobre o real, afas- ‘arse das imagens. Um trabalho drduo, pois as imagens sho sedutoras, jé que encontram repouso certo nos arquétipos imo- bilizados no fundo da alma. Quando a construgio de metéfo- ras & descuidada, fruto de associagées milo trabathadas nem tampouco racionalizadas, certamente a clas foram transferidos valores sensiveis e primitives que obstaculizario a compreen- slo clentifiea, Serto sempre tradueo grosscira do conheci- mento cientifico: sobre ele nada dizem, mas, 0 que & pior, produzem a crenca de conhecimento, # impressio de que se Compreende. As imagens so a simplificagto a qual se agar- ram 0s espititos preguigosos e que nelas ttm o duplo desejo satisfelto: o de compreender e o de ver revelado no conhect- ‘mento seus proprias soahos nfo psicenalizados. Dai Bachelard!® afirmar que o sébio deve se recusar a per- sonalizar 0 conhecimento, seu esforgo incessante deve ser 0 de socializar suas conviegdes. Em um conhecimento, a soma quiMIcA Nova 15(9,1992) das convicgdes pessoais nunca deve ul 8 soma das conviegSes racionais. © homem notumo!? nio deve se con- fundir com © homem diumo, ao contririo, deve aceitar uma dupla vida, a dupla base d¢ uma antropologia completa't, ‘nde © que’é positivo no campo da imaginagéo ~ a metéfora ~ se torna negetivo no mundo da ciéncia. E sobretudo por se considerar muito mais professor do que filésofol, Bachelard nfo deixou de manifestar a constante preocupagio com o ensino de ciéncias, sendo a categoria de Soatctle epistemalipi o ebxo cental de sos tins pede: gogicas!®, “A.nogho de obstéculo epistemolégico pode ser estudada no desenvolvimento histérico do pen- samento clentifico e na prética da educasso, Em um ¢ outro caso, este estudo no é cOmo- do. A histéria, por principio, & com efeito hos- til todo juizo notmativo, Néo obstant, ¢ pre- iso se eolocar em um ponto de vista normati- vo, caso se queira julgar a eficécia de um pen- samento! ‘A anilise dos obstéculos epistemolégicos na pritica da educagio quimice, através dos livros diddticos, visa efetiva- ‘mente contribuir para que se suplante o que Bachelard deno- ‘mina obstéculo pedagdgico: 0 fulo do professor no com- ‘reender porque © aluno nfo compreende. Néo sendo o aluno tébula rasa, & preciso que ultrapassemas os obstéculos episte- moldgicos existentes em seu conhecimento prévio a fim de ‘promover a aprendizagem através de um processo de mudanga e cultura. Todo ensino precisa ser iniciado com uma catarse intelectual e afetiva capaz de psicanalisar 0 conhecimento ob- jJetivo do educando!!, ‘Se, 20 contrétio, 0 professor desconsidera os conhecimen- tos prévios do aluno ou, 0 que & mais preocupante, reafirma (9s erros existentes nas concepydes do senso comum, a apre- dizagem nio tem como se construlr. ‘Assim sendo, 2 vigilancia sobre o processo educativo deve ser constante, pois as dificuldades da pedagogia elementar ‘atualizam minuclosamente os antigos etros da histéria das cigncias®®, exigindo do mestre a postura de efemo aprediz ‘para superagto dos obsticulos & compreensio do conhecimen- to clentifico. III - METODOS E OBJETOS DE PESQUISA Esta pesquisal? foi elaborada tendo por base 107 livros uti- lizados no ensino secundério de quimica no Brasil no perfodo de 1931 a 1990. A escolba da demarcagéo inicial em 1931 se deve ao falo de ser esse 0 ano a partir do qual se iniciou a ‘organizagio de um sistema de ensino envolvendo programas diretrizes comuns para o pais. ‘Dentro dos limites desse intervalo de tempo, englobam-se quatro reformas de ensino: Reforma Francisco’ Campos, Lei 19890 de 18 de abril de 1931; Reforma Gustavo Capenema, Lei 4244 de 09 de abril de. 1942; Lei 4024 de Diretrizes ¢ Bases da Educagio Nacional, de 20 de dezembro de 1961 ¢ Lei $692 de 11 de agosto de 1971. ‘Constatamos, porém, que a forga das diretrizes leguis sobre © contetido possul caracteristicas diversas no periodo até 1962 ‘eno periodo posterior. As reformas Campos e Capanem, pro- fundamente diretivas, especificavam os contetidos a serem en- sinados, item por item, ¢ os livros seguiam fielmente o padrio oficial. As reformas de 61 ¢ 71, no contririo, permitem a ma- eabilidade do curriculo. Assim sendo, o periodo da LDB se caracteriza pela maior diversidade de livros: alguns permane- em seguindo Capanema com pequenas altcrapées na ordem. dos conteidos, outros jé apresentam as modemas teorias de ligago quimica, influenciados que so pelo movimento de re- rovasio do ensino de cigncias. Mas como a lei do mercado 4, em tia instincia, o que dita as regras, aos poucos se ‘etabelece um processo de homogeneizagto, chegendo-se & Reforma 5692 com as livros se assemethando muito entre si Nesta pesquisa nfo estabelecemos nenhum limite a priori do conteiido & set investigado, englobando-se portant, livros das ts séries da segunda fase do ensino secundétio (atval segundo grav). ‘A escolha dos livros foi aleatéri, procurando-se apenas ‘obter distribuigio razoavelmente eqiitativa por série e anos. Por razBes dbvias, os livros mais antigos foram os mais difi- ‘eis de serem conseguidos, tendo sido necessério um levanta- ‘mento junto a bibliotecas e livrarias especializadas em livros ‘antigos (sebos). Ao final totalizamos 41 livros do periodo até 1961, inclusive, e 66 livros do periodo posterior. Ao contririo do periodo atual, nos periodos anteriores a 1960 0s titulos iio se multiplicavam em demasia, havendo sucessivas edigbes de ‘um mesmo livro, levando-nos a coneluir que o menor nimero e exemplares no prejudicou « amostragem. Os livros escolhidos para a pesquisa ndo possuem a garantia de terem sido os mais utilizados nas escolas. Alguns autores, cujas obras obtiveram até quase trinta edigtes sucessivas, cer lamente possuem ou possuiram larga aceltaglo nas salas de aula, Porém o mesmo no se pode dizer de livros cujos autores slo de menor renome, ou que sequer apresentam o mimero de edigéo. Contudo, essa consideracio mostrou-se irelevante. Os livros, quando publicados, evidenciam em alguma medida pen- stmentos comuns, orientagdes metodologicas e epistemologi- as, incorporam-se 20 conjunto do pensamento pedagégico de ‘uma époce, Esse pressuposto se mostrou perfeitamente vilido, ‘na medida em que os livros de um dado periodo, em seu con- Junto, nfo apresentam alteragbes significativas. ‘Assim sendo, dentro os livros pesquisados, & posstvel se cencontrat tanto aqueles que stravessaram trés reformas conse- cutivas com poucas alteracSes*t, quanto edigdes do préprio autor, Podemos afirmar, portanto, que o material analisado representa com bastante fidelidade a linha de pensamento qu‘- ‘ico predominantemente transmitida aos alunos nos iltimos sessenta anos. E junto a esse material avaliamos a evolugéo dos obstéculos epistemolégicos no ensino de quimice. Visto que obsticulos epistemolégicos nio sto objetas con- tabiliziveis, « pesquisa se provessou ao nivel da identificagso « interpretagho. E neste artigo apresentamos as principais dis- ceussdes eleboradas'® sobre diferentes conteidos de quimica do ensino de segundo grav. TV - OBSTACULOS ANIMISTAS ‘Segundo Bachelard!t, o animismo obstaculizou as citncias fisicas, notadamente nos trabalhos do séeulo XVIII, ao privi- legiar 0 corpo humano e os fenémenos vitais, autorgando-Ihes um valor superior na hierarquia fenomenoligica, fazendo a vida transcender ao dominio que Ihe é préprio. ‘A palavra vida é uma palavra mégica, magia facitmente as- sociivel ao calor, a eleticidade, 20 movimento, vo que se essencialmente obstaculizados pelo animismo, pois seu cardter de atragio e repulsio de corpos, a energia & eles associada, tendiam a ser explicados por algum principio vita. Havia ‘mesmo quem defendesse que um fendmeno tio maravilhoso como # eletricdade, considerado o prinefpio bisico de natu- reza, deveria ser denominado vivacidade®3. Esse tipo de obstaculizagto, provocada pela presenga do {etichismo da vida na concepgfo de eiéncia do préprio autor, 6 freqiente nos livros do periodo de vigéncia das Reformas Campos e Cepanema, Como a eiéncia quimica ensinada ¢ es- sencialmente descrtiva, distante da stividade racionalista do novo espirito cientifico, toma-se marcante a influéncia do pe- odo pré-cientifico™."As priotidades ou conceitos fisicos apresentadas sfo dotados de vida e as embrionérias tentativas de explicagto sho carrogades de metéforas tendo por bese 0 ser vivente. ‘A reacéo quimica, para 0 quimico realists, se associa a um processo digestivo, o processo que dissipa a avider das subs- tincias. Em visto disso, o conceito de afinidade - maior ou ‘menor “avidez” de uma dada espécie por outra ~ sempre ¢s- teve associado a obstéculos animistas. Historicamente 0 conceito de afinidade foi introduzido na 4quimica por Boethaave, em 1773, sendo definida como a for- 8 em virtude da qual os corpos se combinam. O conteido animista dessa *forga” era explicito, na medida que era com- parada a stracio sexual. Posteriormente 0 conceito foi sendo retifieado, primeiro por Berzelius com a fila de eletroposii- vidade ¢, mais tecentemente, com 0 trabalhos na érea de ter- smodindmica e ligagio quimica. Nao obstante, os livros diditicos de nosso séevlo presen tam forte conota;io animista no trato da afinidade, confirman- do o distanciamento existente entre a ciéncia ensinada ¢ cléneia produzida, “Considere-se, por exemplo, a combustto do ‘magnésio: camo se sabe, ela somente se realiza quando aquecido 0 metal. © aquecimento tem por fim, neste cas0, despertar a afinidade do inagnésio para © origénio que, fie, lo se manifesta "25. Antes de tudo temos © equivico do autor em considerar ‘que, sem 0 aquecimento, a reacto entre magnésio e oxigénio ‘lo ocorre ~ se esta nlo ocorresse, como explicar a presenga de camadas de Sxido sobre as fits de magnésio? Fica este- bbelecida « confuslo entre 0 fato do processo ser termodina- ‘micamente favorivel = possuir constante de equilrio alta ~ « cineticamente desfavorivel ~ possuir velocidade baixa. Por ‘outro lado, 0 autor enfatiza a visio animica da afinidade: algo ‘ser despertado pelo calor, quase um sentimento de desejo Intetiorizado, necessitando de estimulo para se manifesar E 0 calor, um dos simbolos méximos da vide, permite des- pertar afinidades as mais profundas. *A enctgia calrifica é a chave migica com aque se poderé abrir 0 recinto ainda inranspo- nivel da sransmatapdo da matéria; é, portant, © talisml com que se poderé tomar realidade © sonho dos alguimistas28 Notamos aqui o equivoco de considerar a transmutacio at- tifcial dos quimicos uma realizagio dos objetivos alquimistas. B sem divida 0 autor desconhecia que « primeira transmuta- go atficial jé havia sido feta por Rutherford em 1919, nfo ‘Sendo para isso utilizado o calor Contudo, o mais signifieativo se encontra na supervatori- zagio da energia calorifie, o talisml, chave de recintos in- ‘ransponiveis. O intenso fetichismo sobre a energia & capa. ide fazt-la assumir espasos antes delegads a vida. “f toda a Bebel formidavel do universo a se smunifestar pelo movimeato, pela luz, pelo ca- Jor, pela elericidade, pelo magnetismot E qual seria mola mégica e oculta, capaz de desen- cadear toda esta série maravilhosa de fenéme- sos? B a energia."?? ‘Sem esforgo algum, o termo energia poderia ser substituido ‘pelo termo Deus, nio'sendo necessério conferit maior fervor. Por sua vez, impedindo « compreensio fisico-quimica da catdise, constata'se'0 mesmo obsticulo animista incorporado & afinidade. “0 poder catalitico parece consistir, essencial- QuiMcA Nova 18(9«1902

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