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mes Vol. 33. - Manuais de Lesislac 0 Srasileia A bituicd 7 , Do “Taito Ofte” a Uaua de I TO de Noveabe se 9Y sm 8 tenes pester LEIS CONSTITUCIONADS AS. 1, 2 35 6 © $ de UbS85 1S e 20 de vetemirw de 1040 D012; 1591S; M94-91E @ T2LU 2, INDICE ALFABENICO E REMISSIVO eT DGGE E PUBLGAGOES BRASL ‘eorvonn fue dt Liberdide n° 708 Caine Posh 1208 — THelee, 7-455 SKO PAULO Hh Quanto legitimidade das agdes do Estado na esfera econdmica, a posi¢io dos industrialistas era clara, apesar de um elemento complicador decorrer do fato de que a defesa da industrializacdo, muitas vezes, confundia-se com o aumento da participacdo estatal no ambito da producao propriamente dita. £ possivel, entretanto, sintetizar 25 visbes da elite industrial, considerando de modo associado as questées da presenga do Estado na economia, enquanto produtor, e sua atuagio a frente dos programas de planificagdo, que representariam uma radical tervencdo na vida econémica 128 UM ESTADO REGULADOR ENAO PRODUTOR missio s L.Cooke, suas consider: a € social do pais formaram a base das argi cOes de Roberto Simonsen no parecer sobre A planificacao da economia brasileira, apresentado a Conselho Nacional de Politica Incustial ¢ Comercial. ¢ om de agosto de 19.44 Na opiniio dos técnicos da missdo Cooke, o Brasil carecia de fatores basicos para sair da “adolescéncia” em que se encontrava como nacao industrial, principalmente relactonados a energia. transportes, maquinaria e sistemas de financiamento industrial ¢ assisténcia técnica. Tudo isso exigia um amplo programa de recuperacao nacional, baseado no desenvolvimento da industria: “a industrializacao do pals sabia ¢ cientificamente corduzida, com um melhor aproveltamento de seus recursos naturais, € o meio que a Miso aponta para alcancar 0 progresso desejado por todos.” Este trecho do -elatério dos analistas norte-americanos foi transcrito e sublinhado integralmente por Roberto Simonsen, evidenciando a impomancia que ele dava ao parecer, pois 0 “progresso desejado por todos ", além de aconselhavel, parecia indispensavel, na medida em que o Brasil tnha uma renda per capita vinte e cinco vezes inferior a dos Estados Unidos, produzindo alimentos (em. 1944) a mesma escala do que se fabricava dez anos antes, a despeito do crescimento populacional, e enfrentando um déficit de habitacoes ‘sobretudo as que se destinam aos operirios e classes menos favorecidas.” Além disso, faltavam indlstrias de base, apesar de uma acanhada participacao de miciativa privada, registrando-se “apenas, neste setor, alguns valiosos cometimentos promovidos pelo Geverno Federal, ¢ ainda em andamento.” Some-se 4 isso a inflagao, velho problema nacional. ¢ estar formade um panorama tragicamente expressivo da situagdo brasileira; uma situaco que 6 industrialismo propunha-se mudar: “toca a nossa evoluedo tem, portanto, que ser orientada no sentido do fortalecimento da nossa economia € com esse 129 ela se devem s: sito, . ar, a meu ver, as normas de nossa prop politica agriria, industrial e comercial.” Roberto Simonsen estimava que a renda nacional deveria ser, pelo menos, quadruplicada “dentro do menor prazo possivel Para resolver o problema, contudo, “temos que decidir se poderfamos atingir essa finalidade pelos meios clissicos de apressar a evolucdo econdmica, estimulando, pelos processos normais, as iniciativas privadas, as varias fontes produtoras e o mercado interno, ou se deverfamos lancar mao de novos métodos, utilizando-nos, em gigantesco esforco, de uma verdadeira mobilizacio nacional, numa guerra ao pauperismo, para elevar rapidamente 0 nosso padrao de A rapidlez que, nos primOrdios da industrializacao, caracterizava € valorizava a vida moderna, mostrava-se agora como Yinico e fundamental procedimento destinado a manter, num esforgo de salvacio nacional, a propria identidade do mais, pois “a prevalecer 0 lento ritmo observado em nosso progresso material, estariamos irremediavelmente condenados, em futuro préximo, a-profundas intranqllilidades sociais. Essa rapidez, contudo, deveria ser controlada, € sea planificagdo da economia parecera nao coincidir com os pressupostos basicos do sistema capitalista, mostrava-se agora eficaz € necessaria, pois, além da Réssia, estava sendo aplicada, com sucesso, pelos Estados Unidos, Inglaterra e “outros paises em luta, para organizar as suas produgées, dentro de um programa de guerra total.” Desse modo, sem descuicar do aperfeicoamento da produgao agricola, “a parte nuclear ‘de um programa dessa natureza, visando a elevacao da renda a um nivel suficiente para atender aos imperativos da nacionalidade, em que ser constituida pela industrializagao", recomendando-se a aplicagdo do maior volume de recursos nos programas de cletrificagdo, transportes e combustiveis, cuidando-se igualmente da ampliagio das escolas de engenharia, institutos de pesquisas e sistemas de educacic técnico-profissional, 130 acdo selecionada e abundante de técnicos e além do incentiv rios eficientes. Antes de apresentar suas conclusdes, Roberto Simonsen 2 duas questdes fundamentais: como obter financiamento para projeto e até que ponto o intervencionismo es! exercido na sua ¢a1 al seria ‘Quanto aos recursos, Simonsen sugeria obté-los através do empenho de metade das disponibilidades brasileiras no extericr, negociando seu financiamento geral com os Estados Unidos. No que se refere a intervencdo estatal, considerava que ela deveria ser estudada ‘com as varias entidades de classe, para que dentro do preceito constitucional, fosse utilizada, ao maximo, a iniciativa privada e ndo se prejudicassem as atividades j4 em funcionamento no pais, coma instalagdo de novas inicictivas concorrentes. Em suma, 0 que Roberto Simonsen propunha era o controle 1a participacio do Estado, exercido através dos Orgdos representativos do setor industrial, disciplinando, no plano interno, a concorréncia € reservando para a aco estatal a constituiga0 das indiistrias de base, no havendo possibilidade, “com a simples iniciativa privada’, de se fazer crescer a renda nacional, s idéias de Simonsen representam com extrema propriedade as posicdes que a elite industrialista defenderia a partir de suas entidacles representitivas, definindo ainda as fungoes que 0 Estado deveria assumir no proceso de concretizagao da sociedade industrial no Brasil, administrando, no plano interno, a sua expansao responsabilizando-se, nz esfera internacional, pela obtengao dos recursos necessirios ao desenvolvimento econémico. Mais do que « conhecida © duradoura polémica com Eugénio Gudin, relator do processo junto & Comissio de Planejamento Econémice, do Conselho Nacional de Politica Industrial e Comercial, Roberto Simonsen abria um debate sobre a pritica ea teoria do Estado brasileiro, levantando questoes que décadas de estudo e acio ndo conseguiram resotver. 131 ooo FORTALECIMENTO E REPRESENTACAO Outro ponto de coincidéncia entre as agbes do Fstado e as 0 legal da metas industriali sindicalizacao patron: pode ser encontrado na regu ec operina, levada a efeito em 1931. Naquele ano, por nao reunir 03 sindicatos de clas foi ransformado em Federacio das Inddstrias do Estado de S40 Paulo, com o propésito de agregar empresas ¢ associagées jf existentes ou que viessem a se constituir sob a forma sindical. Para isso, a FIESP incentivon a formagao de comités, dentro da propria entidade, passando a sindicalizar os grandes grupos manufatureiros, substituindo em seguida os comités par esses sindicatos. Embora tivessem regulamentacio e diretorias proprias, os sindicatos funcionavam no interior da FIESP, 0 que ampliou sobremaneira a importancia da * instituigao. No comeco de 1932, a FIESP conduziu um movimento destinado a incentivar a fundacao de federacoes industriais em Minas Gerais, Rio Grande do Sul € outos Estados, assumindo claramente a lideranga nacional do setor, visando & organizacio da Confederagao Industrial do Brasil, instalada no Distrito Federal em janeiro de 1933, fazendo parte dela as federagdes do Distrito Federal, Rio de Janeiro, So Paulo, Minas Gerais ¢ Rio Grande do Sul. Em 1937, apés um movimento comecado em maio de 1931, conseguia-se a sindicalizecao da FIESP, pondo-se em discussio a possibilidade de dividir-se a entidade em duas outras - uma Federagio de Sindicatos © uma entidade civil que associasse as empresas industriais. Rounida a assembléia de representantes dos sindicatos, em marco de 1937, lancavam-se as bases de uma nova entidade: a Federagdo Paulista das Indstrias, continuando a existir a FIESP como associacio civil A fusdo da Federagao dos Sindicatos Patronais da Inddstria de Sdo Paulo com a Federagdo Paulista das Indistrias, representou novo ¢ significativo reforgo da entidade, passando a integré-la um ndmero ainda maior de grupos manufatureiros. 133 Estado de Sido. fora eriada em 1928, De tudo iss har os esforcos de Jo que a ada pticdo aos dispositivos legais, impaxta considerar 0 evident crescimento da importincia politica dade representativa do setor industrial paulista, A frente de um movimento de Ambito nacional, voltado 8 organizacdo e ampliagio das aces destinadas 4 constituir a ven edade indus cegradla, cuidadosamente programada para cfetivar o ormando em historia a vontade dos primeiros industrialista, tea lideres. NOTAS 1. STEIN, Stanley. J. Op.cit, pag. 134. 2 dem, thiclem 3, FAUSTO, Botls, a recolucdo de 1930 - Histérta e Hastortografia, 3* ediga0, Sao Paulo, Fd. Brasiliense, 1975, pig. 29. 4, DECCA, Edgar Salvadon de. 1930 - O stencio dos vencidos, Sao Paulo, Ed. Brasiliense, 1981. cap. TV. passim 5. DINIS. Eli. “Empresirio, Estado € nacionalismo: ideolegia ¢ atuacdo politica nos anos trinta’, in DINIS, Eli e BOSCHI, Rensto Raul, Empresiariailo nacional e Estaclo no Brasil, Rio de Janeiro, Forense Universitaria, 1978, pag. 53 6. idem, pig. 61 7 AMARAL, Azevedo. 0 Estado autontario ¢ a reellidade nacional Rio de Janeiro, Livraria José Olimpio Editora, 1938, pags. 222-225, 8 der, pag, 236 9. DINIS, El. Op. eft. pigs. 53:54 10. SIMONSEN, Roberto. 4 planificagdo da economia brasileira (Parccer apresentado ao Conselho Nacional de Politica Industrial e Comercial, em 16 de agosto de 1944), 2 edigto, circulagao reservada, S40 Paulo, S40 Paulo Editora, 1952, passim 134 wDORT A CULTURA DA EFICIENCIA (1931) do CIESP, a en funcionar como centro dz irradiacio do industri sue, apesar de sua especificidade, 0 projeto da Apds a constituigao ismo, organizando~ um amplo sistema de instituic ligavam-se intimamente pelo objetivo comum de v elite industrial. ili: A primeira dessas entidades foi o IDORT-Institute de Organizacio Racional de Trabalho, inaugurado oficialmente em 23 de junho de 1931, quando saa comissio promotora convocou os sOcios fundadores para apresentar-Lhes 0 projeto de estatuto e dara conhecer. de modo sistematico, os objetivos que inspiraram sua organizagao, além de eleger a primeira diretoria, Essa comissio era constituida por Roberto Mange, Lourengo Filho, Armando de Salles Oliveira, J.O.Monteiro de Camargo, Henrique Dumont Villares, Geraldo de Paula Souza, Damaso Penna, Luis Tavares Alves Pereira, Gaspar Ricardo Junior, Aldo Mario de Azevedo e Clovis Ribeiro, Desses nomes além de conhecides empresirios (Villares, Gaspar Ricardo e Luis Tavares Alves Pereira; este Ultimo, membro do Conselho Consultivo do CIESP, em 1929-30), destacam-se personagens, centrais da hist6ria do industrialismo brasileiro. Roberto Mange, engenheiro sui¢o radicado no Brasil(SP) em 1913, quando fora contrztado pela Escola Politécnica, por iniciativa de Paula Souza. Desde 1922, envolvera-se com a propagacao dos principios da psicotecnica, base da organizacao racional do trabalho. Naquele ano, um convénio entre o governo e€ 0 Liceu de Antese Offcios de $40 Paulo forneceu recursos para iniciar o curso de Mecinica Pritica, que, apesar das modestas dimensées, representou 0 primeiro ensaio de aplicacdo do ensino metédico para trabalhadores do setor ferrovidrio em So Paulo, contando com a colaboracao das estradas de ferro Paulistz, Mogiana e S40 Paulo Railway. ‘A introdugio da organizacdo racional do trabalho visava contrapor-se a reducio da jomada de trabalho dos operirios mecinicos, conforme esclareceu Mange em artigo da Revisia Politécnica: “para compensar o desfalque do tempo € trabalho € as 137 is consequéncias econdmicas, é necessdrio procurar os meic por um trabalho acurado, perfeito e rapido. em que todo o movimento intitil possa ser eliminado, produzis mais e produzir melhor em um lapso de tempo curto,” P de, Manuel Bergstrom Lourenco Filho, advogado e ex-professor de psicologia e pedagogia da escola normal de Piracicaba, especializara-se em psicologia aplicada 3 instrucio e ao trabalho industrial. Autor e tradutor de livros nessa rea, Lourengo Filho foi um dos principais divulgadores brasileitos das teorias do pedagogo belga Decroly sobre psicologia da orientagdo profissional. Decroly criara o primeiro gabinete dle orientacio profissional instalado na Europa e seu sistema visava basicamente 4 educagdo global do educando, a partir da avaliacdo do contexto social e da utilizacdo dos “trabalhos manuais como instrumento educativo.” @ Lourengo Filho era, ainda, um dos principais articuladores intelectuais do movimento da Escola Nova, tendo sido diretor geral de instrugio piblica do Ceard (1922-24) e S40 Paulo (1931) Armando de Salles Oliveira, que seria 0 primeiro presidente do IDORT, era engenheizo ¢ diretor do jomal 0 Estado de S. Paulo, uma das maiores forcas politicas estaduais e responsavel por intensa propaganda em favor da organizagio racional do trabalho e do IDORT. Dois anos depois, em 1933, Salles Oliveira seria nomeado interventor em Sao Paulo. © discurso de instalacdo do IDORT foi feito por Aldo Mario de Azevedo, que se apresentou como o principal articulador do processo de organizagao da entidade. Era engenheiro ¢ diretor do CIESP (1930-31), ocupando posto elevado na acministracdo central da Companhia Construtora de Santos, presidida por Roberto Simonsen, que incluiu seu nome no *quadro do pessoal superior da Companhia que trabalhou efetivamente na directo ¢ aciministracto das obras dos quartéis para 0 exército.” > Isso ado apenas relacionava 0 engerheiro Aldo Mario de Azevedo & primeira experiéncia de aplicagdo pritica dos métodos de 138, o Brasil, desde o final da segunda década do fo na empresa de Simonsen, como demonstra a vinculagio direta deste diltimo com a organizacao e diregdo do Instituto. © IDORT nasceu em decorréncia do trabalho de uma misao constituica, em 1929, na Associagdo Comercial de Sao Paulo, fortemente apoiada pela dirctoria e, em especial, pelo secretirio da cntidade, Clovis Ribeiro. Aliis, a Associaclio Comercial promovera cursos de psicologia aplicad ao trabalho e tecnopsicologia (psicorécnica), miniswados por Henri Piéron (1925) e Léon Walther (1929), nascendo dai o Instinuto Paulista de Eficiéncia, transformado depois no IDORT. Primeira entidade do g@nero na América Latina, o INORT teria como objetivos basicos centralizar e coordenar “(1) 0 intercambio de idéias, experiéncias pesquisas entre os estudiosos ¢ interessados no problema do trabalho; (2) a aplicacdo dos métodos cientificos & sistemas de trabalho que, por sua organizagdo administrativa adequada © por uma orientagae racional do tabalhador, resultem melhora da qualidade do produto, baixa do prego de custo e melhor remuneragdio do operiirio, a par de maior conforto e melhores condicées higiénicas do trabalho; (3) a transformacdo, pela cooperagio intima das classes ¢ camadas sociais, dos adversirios imecurtiveis que hoje se digladiam, em colaboradores de um mesmo ideal: 0 bem comumn.” A Roberto Mange caberia a diretoria técnica da segunda divisdo (Organizacdo Técnica do Trabalho), ficando a primeira (Organizacao Administrativa) com Francisco de Salles Oliveira, irmao de Armando Salles Rapidamente, o IDORT se wansformaria na principal agéncia de propagagio da organizagdo racional de trabalho no Brasil, desempenhando o papel de centro intelectual do industrialismo para as questes relativas & racionalizacdo, 0 que também significava participar diretamente da redefinicao das fungdes do Estado na condugao do processo de industrializacao: “racionaliza¢4o, como 0 proprio vocdbulo o indica, £ a a¢4o de tomar racional alguma coisa. Aluno do curso : | Ferroviiio, em Rio em aula pi (oata: De homens madguitnas, vol. |= Roberto Mange ea fe | profissional, $0 Paulo, SENAL-SP, 1991. pag, 109) Eracional ¢ 0 que esta de acordo com a razo, isto €, com a inteligéncia humana, esclarecida pelos principios, pelas nomas e pelos dados da ciéncia experimental. Isso em sintese. No mais alto sentido, aplica-se a toda uma Politica Econémica, concebida e executada pelo Estado ou por um grande grupo industrial ou financeito, geralmente de acordo como Estado.” Para os objetivos deste trabalho, das agdes do IDORT releva destacar a elaboracdo pela divisio de Organizaciio Técnica do Trabalho, dirigids por Roberto Mange, de um projeto especial, destinado a organizar o Centro Ferroviario de Ensino e Selegio Profissional-CFESP. 140 CENTRO ERROVIARIO A EXPERIMENTACAO DO METODO. (1934) Em 1934, Roberto Mange comegou a ministrar, na Escola livre de Sociologia e Politica dé Sdo Paulo, um longo e detalhado curso sobre Psicotécnica. Composto de vinte e se sistematizava suas concepgdes sobre org anizacao do wabalho, em cal, ¢ psicotécnica, em particular, sustentadas na experiéncia do curso de Mecdnica Pritica do Liceu de Artes e Oficios, nos trabalhos priticos e teéricos em desenvolvimento no IDORT e em suas viagens de estudo e trabalho ao exterior. Em Setembro daquele ano, o Centro Ferroviério comegaria a funcionar: * o IDORT, apés entendimento com as principais estra apresentou a0 governo estudual um plano geral para se proceder ao preparo a selecio do pessoal ferrovidrio, intervindo o governo de modo concreto na realizacao deste plano. Tornava-se, porém, mister instituir um 6rgio coordenador. Criou-se, assim, em 11 de julho de 1934, o Centro Ferrovidric de Ensino e Selegdo Profissional (CFESP), como entidade central, mantida pelas empresas ferrovidrias, em colaboraco com as competentes secretarias do Estado.” ‘° Dois anos depois de sua criagko, o CFESP apresentava-se como a entidade que ‘organiza, orienta e controla(...) todas as instituigdes destinadas 4 selegao, 4 formagio profissional e a0 aperfeicoamento do pessoal ferrovidrio na rede de Sao Paulo”, tendo sua finalidade “sintetizads pela formula : eficiéncia do homem no trabalho profissional ferraviario’ Para o funcionamento do Centro Ferrovidrio, as empresas contribuiam com umta taxa anual por empregado e custeavam a manutengao das oficinas de aprendizagem e das aulas técnicas especializadas. © governo, além da subbvencio financeira, dispunha de suas escolas profissionais, encarregando-se da administragio dos cursos e do ensino das disciplines gerais As atividades do CFESP orientayam-se por trés linhas de agao rigorosamente estabelecidas: selegao profissional ferroviéria baseada na psicotécnica, especialmente no processo de admissio, “para verificar as aptiddes psico-fisicas e mentais, principalmente dos 143 candidatos 1 funcdes especislizadas, tais como artifices, maquinistas cabineiros, manobradores ¢ despachadores.” A segunda linha de aco destinava-se 20 ensino profissional ferovitirio, incluindo formac3o fundamental, prepazo especializado e aperteigoamento t Finalmente, vinham os cursos superiores, “para o aperfeigoamento superior técnico € administrativo em engenha destinando-se a engenheiros ¢ outros funciondrios graduados, cnico. ferrovidria - subdivididos em cursos de Locomogia, de Via Permanente e de Seno) Trafego. © Todas essas atividades caracterizaran o CFESP como o mais asto Laboratorio de aplicagto da organizacio racional do trabalho no Brasil. Durante seus onze anos de existéncia (1934-1945), a entidade desenvolveu seu trabalho em sintonia direta com 0 IDORT e a Escola de Sociologia € Politica, constituindo-se no principal espaco para o desenvolvimento pritico e tedrico dos métodos raciunais de selegao € formago profissional, alias seus objetivos funcamentais: sclegao profissicnal “baseada no estudo de todes os elementos capazes de proporcionar um conhecimento preciso das caracteristicas individuais de ordem psicofisica, mental e de aptidde funcional, integracios quanto possivel pelos indices caracterolégicos e de adaptabilidadle ao meio"; desenvolvimento de um sistema de formagao profissional “em bases racionais, intimamente ligada a realidacle industrial dos misteres ferroviatios € completada pelo aperfeicoamento das qualidades pessoais, tanto fisicas como intelectuais ¢ morzis." Quanto ao funcionamento dos curses, as aulas dividiam-se em cultura geral e cultura técnica. As primeiras eram desenvolvidas por professores normalistas, avaliando-se seu trabclho em duas reunides semanais presididas por Roberto Mange, “para verificagdo do aproveitamento dos alunos ¢ recebimento de normas didticas de cariter pratico.” A peculiaridacle do CFESP, entretanio, estava nas aulas de cultura técnica: “o que mais chama a atengdo, aessa espécie de curso, é o método de ensino, de efeitos surpreendentes. E um processo especial que compreende a execucdo de uma série metédica de 144 operacdes, em ordem crescente de dificuldade, destinada ao desenvolvimento da habilidade manual e profissional do aprendiz. Essas operagdes sdo feitas numa tal sucessao, que representam quase que uma evolucao biolégica da formagao profissional.” Trata-se, como se vé, de um amplo sistema, programado e controlado em seus detalhes. inserido diretamente na producio, o que alrerava na base 0 processo de aquisicdo e transmissao da experiéncia récnico-profissional. Testada e avalindo no setor mais propicio A sua aplicacao - 0 ferroviario -, o sistema se consolidaria irradiando seus efeitos para o conjunto da producao industrial. Nascido de um plano gestado no IDORT, 0 Cenuo Ferrovidrio de Ensino e Selegio Profissional constituiu 0 nicleo original da principal agéncia de formagao profissional instalada no Brasil, a partir do envolvimento direto dos industrialistas do CIESP-FIESP, IDORT e Escola de Sociologia e Politica. Contando com a parceria indispensivel do Estado brasileiro, decididamente comprometido com 0 projeto social de industrializacio, em 1942, seria criado o SENAI - Servico Nacional de Aprendizagem Industrial, que teve em Roberto Simonsen e Roberto Mange seus principais mentores us As historias do ensino protissional no Brasil comecam, quase invariavelmente, em 1909, quando um decreto de Nilo Pecanha criou vinte escolas estaduais de aprendizes antifices, destinadas a formar nos filhos dos desfavorecidos ct fortuna” valiosos “hiibitos de trabalho proficuo que os afastard dla ociosidade ignorante, escola do vicio ¢ do crime. Na saborosa linguagem da epoca, o que se vé é uma concepedo que aproximava as escolas profissionais dos estabelecimentos de corregao e policia social. Num pais que s6 recentemente assistira ao desmonte final da empresa economica sustentada pela escravidiio, a desvalorizacio do trabalho bracal - proprio de seres inferiores, como insistiam os beneficiirios ¢ defensores daquele modo de produgéo - teimava em destini-lo aos “desfavorecidos da fortuna” O industrialismo, contuda, deveria operar uma transformagao radical nesse conccito, crigindo o tabalho ao nivel de ptinefpio fundante da propria cidadania, o que pouco deve a iniciativa do governo de Nilo Pecanhe. Na velha concepgio, pode-se dizer, a formagao profissional Unha a finalidade de ocupares pobres para que eles nao atrapalhassem os ambientes urbanos. A educacdo profissional propugnada pelos industrialistas, por sua vez, tinha um objetivo de pedagogia social, visando a formagao de colaboradores do seu projeto, tecnicamente preparados e conscientemente disposios a participar de sua viabilizagao historica. Destaque-se que, paralelamente Aquela visdo assistencialista, desenvolvia-se no Brasil uma concepg’a que dava outro enfoque a questo, Exemplo disso é.a exposi¢ao de motivos do Decreto 13.064, de 12 de junho de 1918 (D.0.11.,14/6/1918): 0 problema do ensino técnico é para qualquer nacao do mundo a propria questao do seu evoliir ¢ da sua grandeza econdmica, Em qualquer pais, atualmente, toda obra politica e civilizadora esta presa a necessidade da criag&o das capacidades técnicas ¢ da educacio des aptiddes pelo desenvolvimento ¢ integridade do ensino profissional. 17 Na luta das competicdes vencem unicamente os povas especializades, a : ) de acordo com as exigéncias das indiistrias modernas.” “"! As idéias e propostas, entretanto, custavam a transformar-se em agGes efetivas. Em meados da década de trinta, o problema passou a ser considerado mais diretamente, quando 9 govemo Vargas incumbiu uma comissio de elaborar o programa destinado a ampliar e consolidar sistema de ensino profissional, principalmente aquele relacionado as atividades industriais. Entre os integrantes dessa comissio, estavam Roberto Mange, Lourengo Filho, que entéo presidia © TEP-Instituto de Estudos Pedagégicos, e Joaquim Faria Goes Filho, discipulo € intimo colaborador de Anisio Teixeira, o que relaciona iniciativa ao CIESP-FIESP,IDORT, Escola de Sociologia e Politica e Centro Ferrovidrio, além de incorpori-la ao projeto dos intelectuais da chamada Escola Nova Os estudos e negociagdes arrastaram-se, contudo, sofrendo efeitos dos acontecimentos politicos do pais, que, entre outras conseqiiéncias, acabaram tornando mais nitido 0 equilibrio das forcas socials, evidenciando-se af o peso consideravel dos industrialistas A Constituigao do Estado Novo, de 10 de novembro de 1937, expressou alguma mudanga no velho conceit assistencialista-correcional do ensino profissional, aproximando-o da concepeao defendida pelos industrialistes Seu artigo 129 previa que “A infincia ¢ a juventude, a que faltam os recursos necessarios 4 educagao em instituigdes_particulares, é dever da Nagao, dos Estados e dos Municipios assegurarem, pela fundacio de instituicdes piblicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educacdo adequada as suas faculdades, aptiddes e tendéncias vocacionais.” Quanto ao “ensino pré-vocacional € profissional destinado as classes menos favorecidas €, em matéria de educagio, 0 primeiro dever do Estado. Cumpre-the dar execugio a esse dever, fundando institutos de ensino profissional ¢ subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municipios e dos individues ou associagées particulares e profissionais.” Finalmente, estabelecia que é 148 dever das inddstrias e dos sindicatos econémicos criar, na esfera de especialidade, escolas de aprendizes, destinadas 20s filhos de seus 12) operitios ou de seus associados.” Ainda aparecia, de modo evidente, na Constituicao de Francisco Campos a concep¢ao de ensino profissional como medida saneadora dos desniveis sociais, mas j4 existiam ali alguns pressupostos bisicos da visio industrialista, na medida em que se previa mecanismos de envolvimento direto das induistrias ¢ associacdes de classe, certamente defensoras de objetivos mais amplos para a formacio profissional. 38 estabelecia a abrigatoriedade Em 1939, o Decreto-lei 1 2 de aperfeicoamento profissional tO 9 imreversivel as discussdes sobre o problema, forcando o governo a constituir nova comissio para tratar dele ‘A FIESP considerava injusto o critério quantitativo, que resultaria em 6nus direto para as grandes inchistrias paulistas, que representavam cerca de 45% das empresas nacionais com mais de 500 trabalhadores. A comissdo governamental visitou as principais entidades representativas do setor industrial, sendo recebida na FIESP por Robetrto Simonsen, em 14 de agosto de 1939. Na ocas Simonsen afirmou que “nds, paulistas, com o agudo senso de realismo que nos caracteriza, reduzimos, instirtivamente, a duas grandes classes, todas as medidas legislativas, que se promulgam continuamente: umas, restritivas, outras estimuladoras de nossas atividades. As primeiras, toda a vez que por uma iacompreensao do meio, os nossos homens de governo sio levados 2 promulgé-las, nao podem contar com nosso apoio € contra elas somos forcados a nos insurgir. As segundas, consideramo-lis como providenciais e merecem © apoio a colaboracdo sincera de todos nes. * 19 Habilmente, Simonsen incluia 0 Decreto-lei 1.238 na seguada categoria, comprometendo-se a encaminhar o parecer da entidade sobre o assunto, Nesse relatério, ele defenderia a criagdio das escolas profissionais, situadas em bairros industriais dividides por zonas, “nas quais ingressariam todos os operirios em condicdes, mediante selegio pré-vocacional, vocacional ou psicotécnica.” 4) No parecer do IDORT, por sua ve7, Roberto Mange sugeria que 0s cursos fossem “criados pela propria indistria ow pelas corporacdes de classe, operirias ¢ patronais”, submetidos as normas do govero federal, que participaria financeiramente do sistema com o mesmo valor aplicado pelo setor industrial. Fnquanto isso, armava-se uma disputa entre os ministros da Educagao ¢ Satide (Gustavo Capanema) ¢ do Trabalhe, Industria ¢ Comércio (Valdemar Falcdo), com o primeiro sugerindo que o governo mantivesse 0 programa, bascado na idéia de que, ja que nada poderia obrigar o aprendiz a permanecer na induistria que custeasse seu 150 reinamento, ndo parecia justo obrigé-a a fazer essa despesa; Falcdo, por seu lado, apontava a industria como responsavel natural pelo programa, o que pouparia ¢ Estado do investimento. Vargas inclinou-se para a segunda alernativa, regulamentando a instalagdo € funcionamento dos cursos profissionais pelo Decreto 6.029, de 26 de julho de 1940, No ano seguinte, Gettlio Vargas convocou Roberto Simonsen, Euvaldo Lodi Valentim Boucas para definirem as bases do sistema. Para desenvolver o trabalho, valeram-se da colaboracio de Roberto Mange, Jodo Luderitz ¢ Joaquim Faria Goes Filho, elaborando-se uma proposta assentada em dois pontos essenciais valorizava-se a intencdo do governo de criar escolas profissionais € desenvolver 0 ensino tecnico em geral, admitindo-se que “ao Estado Geve caber, de fato, funcao principal na formag3o do nosso homem” quanto a indtistria, “pelos seus Srgios sindicalizados, patronais, poderia tomara si importante parte dessa tarefa, desde que 0 governo Ihe desse a necesséria autonomia, Ihe facilitasse os convenientes meios de coordenacio e decrerasse uma série de medidas complementares’, mencionando-se expressamente, como exemplo, a experiéncia que se desenvolvia no Centro Ferrovirio de Ensino e Selecdo Protissional, cirigido por Mange. Criava-se, assim 0 SENAFI-Servigo Nacional de Selegao. Aperfeigoamento ¢ Formagio dos Industridrios, a ser mantido por uma contribuigdo de todas as indistrias, estabelecendo-se uma taxa por opericio, a ser cobrada pelo IAPL-Instituto de Aposentadoria e Pensio dos Industriarios. Ao governo, através dos liceus industriais, caberia a formagaa de técnicos ¢ professores para as escolas profissionais. Além disso, as empresas com mais de 500 operdrios estavam liberadas da obrigacao de montar os cursos profissionais previstos pelo Decreto-lei 1.238. Restava apenas claborar as bases legais para por o sistema em funcionamento, o que se fez rapidamente: o Decreto 4.048, de 22 de janeiro de 1942, criava o SENAI, com a denominagio de Servigo Nacional de Aprendizagem dos Industridrios, enquanto 0 Decreto-lei 1st 10.009, de 16 de julho de 1942, apr . jl onome de Servic Naci a frent cravés de alguns nuimeros, mi esquecer que esses dados nio mo 1a semper a longa e nem sem re trangitila histéria institucional, sujeita as variages do contexto politico-social, no qual foi parte atuante, e discreta. Excemiandlo-se as escoias que funcionam den:to de acordos especiais de is SENAT, 52 no Estado de Sio Paulo, Nessas unidades, excluindo-se os weinamentos - em nuimero bastante elevado -, sio oferecidos no pais 192 cursos de aprendizagem e 32 cursos técnicos, distribuidos por vinte reas ccupacionais para a aprendizagem e dezoito para 03 cursos técnicos, equivalentes ao segundo grau. s empresas, através Neo, existem hoje no Brasil 607 escolas Mais do que a grandeza dos mimeros, contudo, importa considerar 6 seu sentido e evidenciar que a ctiagio do SENAL epresentou uma das mais significativas e eficazes vit6rias da elite industrialista, possibilitando a organizacdo de um vasto sistema nacional, destinado a formagao e reposicdo de mao-de-obra para o setor produtivo. Desse modo, as agoes do SENAL, integradas as praticas cotidianas do trabalho industrial, distribuem seus efeitos duradouros por todo 0 conjunto social. O culto da eficiéncia, com © SENAL, produziu seu resultado mais prolifico. SESI A QUESTAO SOCIAL NO ENFOQUE INDUSTRIALISTA a9. 6) Ao instalar-se imeiro Col de julho de 1946, Roberto Simonsen Jem politica e social que aconselharam a da entidade. Aper: tado o regime constitucional, a questio social emergia no cendirio brasileiro com 0 peso de sua evidéncia e a forca de uma radicalizagdo que o final da guerra punha a nu, em nivel mundial, atestando a profundidade dos desequilibrios sociais, acentuados ainds mais pelo longo conflito. elho Consultive do Servigo Social da Inhistria, em 2 sumariava as azées. de or on © que mais se temia era 0 avanco do socialismo, favorecido, segundo Simonsen, pela acomadacio das elites ou seu envolvimento ‘em competicdes de politica meramente pessoal; outros persistem numa desabalada corrida atrés de lucros faceis, desapercebidos da tentativa de infiltracdo que se vai processando nas grandes massas trabalhadoras por elementos extremistas que, desvirtuando a origem € a natureza dos fatos, procuram destruir os fundamentos da nossa ordem social, criando um ambiente favordvel ao envolvimento de nossa patria por perigosos regimes alienigenas, incompativeis com os nossos anseios, com as nossas tradigdes & com os postulados essenciais da civilizacio crista.” 1” Por essas razdes, o cmpresario declarava-se convencido de que “se tomava premente ¢ indispensdvel uma mobilizacdo das nossas organizacdes industriais, para a execugdo generalizada cde medidas pelas quais, h4 muito, vinhamos propugnando e que seriam capazes, numa inteligente coordenagao com o poder piiblico, de agir, de forma eficiente, na lata por uma verdadeira reconstrucao da sociedade em bases sadias, justas € convenientes aos interesses comuns de nosso povo,”®) Assim, através da CNI-Confederagio Nacional da Industria, os presidentes das federagdes estaduais foram convocados para discutir a questo, dess> ponto de vista. Obtida sua concordancia, submeteu-se A presidéncia da Republica e ao Ministério do Trabalho a proposta de criacdo do SESI. Pelo regulamento, rapidamente aprovado, 2 entidade iniciaria seu trabalho pelos setores da 155 industrial do SE capital do. 10 Paulo. (Acervo st) Em suma, o SESI propunha-se a deseavalver uma “mis pedagégica e ecucacional cle nitidos valores éticos e sociais. A educacao técnico-profissional dos nossos trabalhadores, realizada, quer pelo Estado - atraves do seu aparelhanento de ensino ofick quer pelo SENAL, estava a exigir uma complementagdo que possibilitasse a plena formaao civica do Homem trabalhador, integrado em scu grupo profissional e social. © SESI, sem davida, corresponderd a este objetivo, Sera. um instrumento por exceléncia de vulgariza. de popularizagao dos valores culturais nos meios proletarios, operando o que um pensadior cristio chamou de “modelacao do espirito humano" E esta, no plano ético-educacional, a misséo pedagégica do SESE: dar oda cultui 156 uma fisionomia cristi ¢ brasileira a formagao cultural dos nossos operérios, fazendo-os co-participar, ao lado das demais classes sociais da fruicdo das riquezas do espirito”. 2” A partir dai, incorporando esses valores a seu programa de ago, o SEST, como 0 SENAI- muitas veres, até confundindo-se com ele - espalhou-se pelo pais. Com sua criacdo, 0 industrialismo encerrava sua fase de consolidacao institucional, fechando uma €poca comegada em 1928 ¢ acumulando reforgos para enirentar os novos tempos que se aproximavam, ndo nos horzontes inapreensiveis do futuro hist6rico, mas no dia-a-dia do trabalho humano. 1928 - 1948 Em historia, pcuca coisa € menos exata do que as datas que limitam 0 fim e o comego dos periodos em que a diviclimos, na ilusdo de melhor conté-la. Apesir da fixidez dos numeros do calendario, a cronologia move-se ao scbor de escolhas € descobertas. As origens, por exemplo, longe de serem rigidamente estabelecidas, recuam ou avancam, mergulhando ao solo sem fundo da histéria, sendo tarefa do historiador recolher € relacionar acontecimentos para identificar uma época determinada, 0 que é sempre condicionado por grandes doses de preferéncias ¢ interesses, impondo-se apenas, como limites, 0s niveis de conhecimento a que se pode (ou se quer) chegar 1928 - 1948. A primeira data, além da evidente coincidencia com a fundacdo do CIES?, tem a vantagem de contrariar a tendéncia de se considerar 1930 como marco da mais significativa ruptura na hisiGria do pais neste século - 0 propria ato de fecundacao que inaugurou por aqui os tempos modermos: a Republica Nova. F 1948? A datatem certo sabor de cronologia “quebrada”, ou corte aleatério, parecendo assinalar um vigésimo aniversdrio do CIESP que este livro marcaria com 43 anos de atraso (1928-48/1991) Wao teria sido preferivel 1945, por exemplo? No plano intemacional, esta data coincide com o final da segunda guerra, parecendo ter em si um valor que a diferencia de outras. A guerra, como sz sabe, teve enormes repercussdes intemas, interferindo Jortemente ao desenvolvimenta das atividades industriais do pais. Além diss, 1945 foi o ano de encerramento da longa ditadura de Vargas, inaugurada en 1937, sendo também uma data importante para a histéria das entidades industriais, pois em maio daquele ano realizou-se a Primeira Conferéncia das Classes Produtoras, de onde saiu a Carta de Teres6polis Optou-se, todavia, por limites de uma historia relativamente auténoma, recortada en, 1928 € 1948. Ora, 0 que este livro também mostrou é que, vinte anos depois da inauguragao do CTESP -antes até~ as bases fundamentais do sistema institucional do industrialismo j4 estavam assentadas 163 Mais ainda, 1948 € a dat do falecimento de Roberto, Simionsen € 25 de mai, quando ele ocorreu, foi escolhide como Dia la Industria, em substituigio 2 18 de fevereiro. dia de seu nascimento sso demonstra © quanto a histéria das entidades patronais do setor ndusttial acha-se impregnada ca memoria de seu lider mais ntativo, parecendo coerente, portanto. realizar-se o balanco Jaquele periodo a partir dlas reflexdes de Simonsen sobre os principais Jesafios, no nivel internacional, que o pais deveria enfrentar no final 1a década de 40, notadamente no que se refere ac novo equilibrio das reas econdmicas mundiais, em formac&o aps o encerramento da 4 guerra, epres Antes disso, convem passar em revista, embora sumariamente, alguns dados referentes consolidagao do sistema ndustrial na primeira metade deste século EASES Sem contara enorme e cificilmente calculdvel produg2o DA doméstica, realizada quase clandestinamente, até 1920 as atividades CONSOLIDACAO | industriais concentravam-se principalmente no ramo téxtil - de longe, aquele que empregava o maior ntimero de operirios, distribuidos por uma grande quantidade de fibricas -, vindo em seguida as indistrias de calcados, chapéus, produtos quimicos, fundigdes € alimentos Na década de 29, deu-se a mudanga, integrada as transformagoes que carucierizam aqueles anos como um tempo de passagem entre duas situagSes historicas diversas. A industria secebeu grande impulso, transformando Sio Paulo em uma das principais cidades fabris da América, causa e conseqiiéncia do enome surto de urbanizacao que ja vinha sendo sentido desde final do século: a populacao, que era de 31 mil habitantes em 1872, subiu para 65 mil em 1890, saltando para 240 mil em 1900. Atribuindo-se indice 100 a 1872, 0 crescimento populacional paulistano se fez aos saltos 1890 = 207; 1900 1950 = 7004, zssim por diante 764; 1920 = 1845; 1940 = 4225; ay Desse modo, a década de 20 constituiu “um marco na historia do desenvolvimento industrial de S20 Paulo. Foi nela que, tendo em conta © némero de estabelecimentos antes existentes, se fundou © maior mimero de estabelecimentos: esse ntimero teria crescido de 165% em relaedo ao fim da década anterior.” Entre 1930 € 1939, a producao industrial recebeu novos estimulos, principalmente decorrentes da transferéncia de capitais do setor cafeeiro em crise, mas foi na década de 40 que ocorreram, importantes alterages qualitativas: “nessa década aumentou a participagao no processo industrial dos ramos basicos, ¢ esse desenvolvimento revela grande maturidade das forcas produtivas. Nela fundaram-se mais da metade das industrias mecdnicas, um tergo d: metaliirgicas e um quarto dos estabelecimentos dedicadas 4 produga0 de material elétrico e de comunicacao existentes em 1958.” ° 165. A consideravel expansdio do setor de bens de capital demonstra 0 estabelecimento de “condicoes necessarias tanto para sua instalagdo como para seu desenvolvimento: existéncia de indUstrias de que dependem para o fomecimento de matéria-prima, de capitais, de técnica avaneada, de mio-de-obra qualificada e, sobretudo, de mercado para scus produtos, Para se ter uma idéia dessa expansio basta que se diga que as industrias de bens de capital aumentaram sua produgo entre 1940 ¢ 1955 de 892% enquanto as indtistrias de bens de consumo aumentaram 195%.” O crescimento industrial ocorrida na década de 40 projerou-se para a seguinte, apontada come “o principal periodo de expansdo do parque industrial da Grande Si Paulo(...).Cerca de um ter¢0 dos estabelecimentos existentes em 1958 havia sido fundados nos 8 anos anteriores.” A grande importincia da década de 30, contudo, se deve a0 fato de nela “ter ocorrido uma verdadeira trinsformac4o qualitativa do parque. Nao $6 as novas indiistrias si bastante mecanizadas, como as antigas passam por grandes ampliagoes, inclusive reequipando-se bastante. A mao-dle-obra deixa de ser © fator principal no aumento da produgao. A maquina a substitui em larga escala, Fm conseqtiéncia, anto cresceu em proporcao maior o németo de empregados € pessoal administrative em relagao ao de operarios propriamente ditos, como aumentou de muito a produtividade.” Entretanto, todo esse vigor demonstrado, internamente, pela producfo industrial, nao era suficiente para atribuir ao pais novos papéis no mercado internacional, o que ampliava ainda mais os desniveis que marcavam a sociedade brasileira, aprisionando nos limites estreitos da pobreza a imensa maiona da populacdo. Este, na visdo de Roberto Simonsen, 0 novo e princ pal desafio a ser vencido, € é sobre ele que o lider industrialista fez suas itimas ¢ amadurecidas reflexdes. UM NOVO COLONIALISMO NO POS-GUERRA? ‘Terminada a segunda guerra, a Europa devastada defrontau-se com os problemas causados pela acentuada queda de sua producao industrial € agricola. A solugao imediata seria importar, até que os indices anteriores fossem restabelecidos, mas a perda de capitais aplicados no exterior dificultava essa possibilidade. Militarmente, o final da guerra aria a divisio do mundo nos dois grandes blocos, norte-americano e soviético, o que colocaria o planeta na longa e perigosa fase de guerra fria (1946-1962). A recuperacao econémica, contudo, exigia esforco de planejamento internacional, atribuindo-se um papel especifico a cada regio do mundo ocidental EF foi aos fundamentos basicos do Plano Marshall que Roberto Simonsen dirigiu suas criticas, ‘A primeira andlise constou de relatorio apresentado na 26 reuniao plenaria da Comissao Executiva do Conselho Interamericano de Comércio ¢ Produgaa, realizada no Rio de Janeiro, em outubro de 1947. Ao tratar das importagdes curopéias no pés-guerra, Simonsen lembrou que ‘a composigio das importagées originirias do continente americano demonstra que mais de 1/3 do total se destina a compra de alimentos, forragens e fertlizantes e outro terco a diversas matérias-primas (...) Nesse total, os paises do continente americano, excetuados os Estados Un.dos, terio preponderancia no fomecimento de alimentos, forragens, fertilizantes € madeira”, sendo que “a quase toualidade dos equipamenios industriais, de origem americana, sera ca) fornecida pelos Estados Unidos.” 7 Na avaliagdo do empresario, os paises latino-americanos seriam levados 2 uma situac&o desvantajosa no presente e, com certeza, comprometedora no futuro, pois “em relaco a America Latina a execucio do programa, tal como 0 esboca a Comissao de Cooperacao Economica de Paris, vai nos obrigar ao retorno @ condicdes que se assemelham as que existiam no periode da guerra. Seremos chamados a expandir nossas atividades extrativas, agricolas e mineradoras, para colaborar nesse plano com a contribuicao de matérias-primas e produtos semi-coloniais. 167 A produc lertava Simonsen i desses artigos, em quantidades anormais - forcara os paises da América Latina a deslocar seus obreiros para atividades primarias, de baixo rendimento, ¢ sujeitas 2 instabilidade econdmica. E 0 préprio Plano Marshall nao prevé a manutengio, em niveis estiiveis, a partir de 1951, das importagdes pela Europa dos produtos latino-americanos. Conhecemos - prosseguia - por outro lado, por penosa experiéncia recente, os graves danos que sofrerao as nossas economias com esse deslocamento de nossos fatores de producao, para atividades sem garantia de continuidade ¢ de baixo rendimento econdmico. Poderemos ser atingidos, na previsao do relatSrio de Paris, por severa diminuigio no fornecimento de bens de produgdo, por parte des Estados Unidos, porque a Europa, certamente, reclamara prioridade para suas necessidades E, finalmente, desgastando ainda mais os nossos equipamentos econdmicos, estaremas, ainda, expostos aos males da inflagio, decorrentes de valorizacdes artificiais de precos, de exportacbes excessivas de bens essenciais de consumo e de dificuldades de financiamento de nossas produrdes € exportagoes. © Para Roberto Simonsen, Plano Mershall sustentava-se numa evidente desproporgao, agravada pela baixa qualidade de vida das populagdes da América Latina em relagic aos Estados Unidos ¢ Europa, respectivamente, 25 e seis vezes inferior : “os nossos 120 milhdes de latino-americanos se traduzem, nz unidade homem-consumidor, em 20 milhdes de europens, ou em 5 milhes de norte-americanos. Fo Plano Marshall vai servir a 270 milhoes de evropeus.” Por tudo isso, Simonsen advertia para os riscos que essa politica trazia, pois “reequipar o homem curopeu, € manter ¢ agravar a pobreza do latino-americano, além de constituir uma injustiga social, significa, também, incorrer num grave erro de estratégia politica.” 1” Seis meses depois, em 28 de abril de 1948, Roberto Simonsen retomaria o tema numa conferéncia feita no Clube Militar, 168 procurando mostrar a impossibilidade material em que se encontravam 5 paises latino-americanos para enquadrar-se a politica do Plano Marshall. Aqui, as criticas foram mais contundentes . “pedir tal sacrificio, significaria para muitos dos paises da America Latina, 0 mesmo que solicitar a um operiirio, que percebe um salirio ja insuficiente para manteras necessidades imprescindiveis de sua familia, que trabalhe, gratuitamente, alguns dias por més para a reconstnucao de habitacoes dle ricos destruidas por uma calamidade puiblica, sob a alegacao de que, wma vez reinstalados, ficariam em melhores condigdes de manter o ritmo anterior do trabalho operitio."*) 0 Plano Marsaall, embora necessario, era criticavel por sua unilateralidade, tendo sido organizado a revelia dos paises latino-americanos, apesar de definir-lhes func&es especificas, desconsiderando os “desequilibrios em nossa estrutura econdmica & social que ele in provoear’, principalmente gragas ao “conseqiiente retardamento de nosso desenvolvimento econémico pela manutencio indefinida de nossa estrutura semi-colonial.” 1? Todas essas quest0es apontavam para a exigencia de se estabelecer um direito internacional social, ¢ foi sobre este tema que Roberto Simonsen discursou como presidente do Conselho Econdmico da Confederagiio Nacional da Indastria, no dia 11 de maio de 1948, poucos dias antes de sua morte 169 (Acervo FIESP/CLESP) 170 DIREITO INTERNACIONAL SOCIAL No discurso da UNI, Roberto Simonsen retomava parte de um parecer que apresentara, em 27 de setembro de 1937, ao Conselho Federal de Comércio Extecior, analisando as possibilidades da expansao industrial brasileira e relacionando-as aos tratados de comércio exterior Para ele. ja naquela oportunidade, a questio da desigualdade er fundamental, pois “condicdes juridicas ¢ teoricamente iguais” para dois paises com niveis diversos de desenvolvimento € poder “acarretam, de fato, sob o ponto de vista econdmico, uma progr ssalagem da nado menos aparelhada a mais poderosa.” "? Essa questio ultrapassava, em muito, a mera verificaco dos saldos da balanga comercial, essencialmente quantitativos, importando ressaltar que, “quando sé realizam tratados de comércio entre uma nagdo fortemente industrializada e outra em que predominam, como artigos de exportacdo, os chamados produsos coloniais, promove-se, de fato, a troca de produtos fracamente remunerados, por outros altamente recompensados. Mesme que se equilibrem, em valor monetério, os balancos de comércio € de pagamentos entre essas nacdes, 0 intercambio realizado favorece, sem diivida, 0 pais mais industrializado.” ““ Insistindo na necessidade de evitar-se 0 “tratamento igual aos desiguais", Simonsen queria evidenciar que essa igualdade ilus6ria mantinha e acentuava a desigualdade que, de fato, distinguia os paises do ponto de vista econémico, existindo “na ordem internacional (...) uma diferenca hierdrquica entre as nagdes, a qual corresponde & esirutura e ao papel desempenhado pela economia de cada uma delas nas relagGes internacionais."> Impunha-se, portanto que os esforcos de reconstrugao dos paises devastadios pela guerra fossem acompanhados de medidas semelhantes, destinadas as “imensas regides do globo, onde também milhdes de individuos perecem anual ¢ precocemente, vitimados pela miséria, pela ignordncia, pela subnutricdo e pelas enfermidades dai decorrentes.” 1 TL asen acreditava que a desigualdade entre as nacdes pudesse ser superada através da aplicacao de medidas semelhantes Aquelas adotadas a partir da intervencdo do Estado como regulador das bes sociais e orgunizador de programas de assisténcia social. Mas, além de um caréter meramente filantrép.co, 0 empresario derava essa politica social § escala do mando como imperativa, mesmo para assegurar o bem-estar dos patses ricas Desse modo, “ao Direito Social que visa a instituir as bases de uma racional politica distributivista, dentro das fronteiras de cada pais, deve corresponder, pois, uma Politica Social Internacional que possa promover, por meio de uma distribuiggo mais equitativa dos meivs de produgio, a eliminacao das barreiras que impedem a difusio da prosperidade no mundo.” ‘1? Estivamos em 1948. De la para c4, as desigualdades ampliaram-se cada vez mais, podendo-se dizer que, enquanto as necessidades multiplicaram-se no Hemisfério Sul, os recursos foram sendo acumulados no Hemisfério Norte. intemamente, a riqueza que se produziu nao foi destinada a clevacio dos padres de vida da populagdo, perdendo-se a conta da distancia que nos separa dos Estados Unidos ¢ Europa - parimetros sempre presentes nas avaliagoes de Roberto Simonsen, As crises quase permanentes puseram em xeque a idéia de crise como fator explicativo da histéria, passando a caracterizar seu proprio movimento interno. ‘Tudo isso, longe de invalidar o inegavel patriménio construide pelo trabalho industrial, aumenta os desafios a serem considerados na elaboragao € execugan de politicas de desenvolvimento econéiico ¢ social para o pais. Ea hist6ria, que quase sempre afirma, talvez coubesse pergurtar: do ponto de vista das propostas de Simonsen, o que pode ser feito ara compor-se as paginas seguintes ¢ ainda nao escritas deste livro?

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