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CONCEITO AMPLO DE SEXUALIDADE ‘Ana Claudia Bortolozzi Maia Conceito amplo de Sexualidade no processo de Educagio Sexual Resumo. Este texto discorre sobre 0 conceito de sexualidade a partir de uma ‘compreensio social histérica, A nogio de sexualidade ampla que extrapola a genitalidade baseia-se em uma visio que compreende 0 corpo e a sexualidade como Tepresentagdes que sto construidas pelos discursos sociais, Além disso, procura-se refletir sobre 0 processo de educago sexual que deve ser compreendido na sua dimensao ético-politica garantindo a todos um espago para formagio de atitudes e no para o trabalho informativo sobre temas da sexualidade. Palavras-chave: Sexualidade, Sexo. Educago Sexual, Abstract. This paper discusses the concept of sexuality from a social and historical understanding, The broad concept of sexuality that goes beyond the genital is based on a vision that understands the body and the sexuality as representations that are constructed by social discourses. It also seeks to reflect on the process of sex education ‘must be understood in its ethical-political dimension to assure everyone a space for formation of attitudes, not to work information on sexuality issues. Keyword: Sexuality. Sex. Sex Education. Introdugio ‘A sexualidade humana 6 um fendmeno complex que tem sido interesse de varios pesquisadores em diferentes abordagens teéricas. Parece predominante, atualmente, a nogao de que o conceito de sexualidade contém, na sua raiz histérica e cultural, uma inegavel amplitude, ¢ extrapola a ideia predominante que o restringe ao sexo. E sobre essa questo tebrica e sobre suas diversas implicagdes académicas e praticas que me proponho a discorrer nesse texto. 1.Reflexées conceituais e histérieas sobre sexo e sexualidade Sexualidade e Sexo stio fendmenos culturais na medida em que expressam as relagbes sociais e politicas que inevitavelmente medeiam 0 modo como as pessoas experienciam seus corpos, prazeres ¢ desejos, incluindo o fato de que tais experiéncias sao construidas em relago a determinadas ideias normativas (MOTTIER, 2008). Sexualidade néio é um fendmeno exclusivamente biolégico e nfo pode mais ser compreendida como um artefato apenas natural, pois, os animais fazem sexo, a partir de um impulso instintivo e inato, para a reprodugito. Nés humanos, entretanto, vivemos 0 sexo na nossa sexualidade e, portanto, ele é uma questo cultural. Isto é, na medida em que os homens vivem numa sociedade, a sexualidade tem representagdes, simbolismos; ela tornase wm fato cultural e historico. As crengas ¢ os valores relativos @ sexualidade variam segundo a cultura e 0 momento hist6rico (MAIA, 2006, p.9). Bozon (2004) argumenta que a sexualidade humana nfio é um ato natural, mas & construida socialmente pelo contexto cultural, afirmando que por isso a sexualidade implica na relagio entre a subjetividade e a atividade corporal, mediadas pela cultura Diz o autor, também, que: (.) essa sexualidade extral sua importdncia politica daquilo que contribu, em retorno, para estruturar as relagdes culturais das quais depende, na medida em que ‘incorpora’ e representa. (...) A sexualidade é uma esfera especifica, mas néio aut6noma- do comportamento humano, que compreende atos, relacionamentos e significados. A sexualidade ndo se explica pela prépria sexualidade, nem pela biologia. A sociologia da sexualidade & um trabalho infinito de contextualizagdo social ¢ cultural que visa estabelecer relagdes mittiplas, e por vezes, desconhecidas, dos fendmenos sexuais com outros processos sociais, 0 que se pode chamar de construgdio social da sexualidade (BOZON, 2004, p. 14; p.151). © conceito de sexualidade é portanto, um conceito abrangente, pois além da necessidade de considerar o modo como culturalmente se percebe e vive as priticas sexuais e suas representagdes, também & importante lembrar que ela se configura no individuo erotizado a partir de uma predisposigao difusa e polimorfa que se amolda segundo as experiéncias individuais do sujeito, mediadas por valores, ideais e modelos culturais. Foi Sigmund Freud quem, primeiramente, inseriu a nogaio de sexualidade num contexto diferente de sexo, quando deu a palavra sexualidade o sentido, de pulsto, libido, inerente a todo ser humano, desde o seu nascimento, ainda que sua gratificagao estivesse vinculada a zonas erdgenas distintas ao longo do desenvolvimento: as fases coral, anal, félica e a fase genital indicam as diferentes formas pelas quais a pulsio sexual se manifesta, culminando, na vida adulta, na reorganizapto do desenvolvimento psicossexual de acordo com as vicissitudes do desejo. Para Freud, portanto, a sexualidade tinha como base uma forga pulsional que orientava fundamentalmente a estruturagdo da personalidade, o que significa que nfo deverlamos mais confundir sexualidade com genitalidade, pois esta é somente uma das possibilidades da vida sexual de uma pessoa ~ na idade adulta, ou seja, para ele, a sexualidade se manifestava em todas as fases da vida humana, inclusive a genital (FREUD, 1974). A sexualidade envolve, entio, a intencionalidade humana, a expresstio ea vivéncia dinamica dos afetos (NUNES, 1987), € um conjunto de representages simbélicas as quais 0 desejo se vincula, Embora Freud nao tenha enfatizado 0 caréter historico e social dessas representagSes, uma vez que sua preocupacio fundamental era, clinica, podemos concluir que ele contribuiu de forma clara para uma redefinigso da sexualidade, ou seja, 0 conceito de sexualidade precisa ser compreendido, antes de tudo, de forma ampla, difusa e historica; a sexualidade humana faz parte da expresséo histérica da personalidade e 6, essencialmente, cultural na medida em que sua expresso envolve a relagdo entre as pessoas num contexto social Ainda que muitos estudiosos posteriores a Freud tenham aceitado 0 conceito da sexualidade com amplitude necesséria para fazer justiga ao conceito, prevaleceu no senso comum uma leitura do conceito de sexualidade como sin6nimo de sexo, restrito 4 ogo de genitalidade e de praticas sexuais. Guimariies (1995) diferencia os conceitos de sexo e sexualidade afirmando que, Sexo ¢ relativo ao fato natural, hereditirio, biolégico, da diferenca fisica entre o homem ea mulher ¢ da atrago de um pelo outro para a reprodugiio. No mundo ‘moderno o significado dominante do termo passa a ser fazer sexo, referindo-se as relagdes fisicas para 0 prazer sexual. No senso comum sexo é “relagito sexual”, “orgasmo”, “érgdos genitais”, “penis”. Sexualidade é um termo também do século XIX, que surgiu alargando 0 conceito de sexo pols incorpora a reflexito € o discurso sobre 0 sentido ¢ a intencionalidade do sexo. E um substantivo abstrato que se refere ao “ser sexual", Comumente é entendido como “vida", “amor”, “sensualidade”, “erotismo”, “prazer” (GUIMARAES, 1995, p.23-24). ‘relacionamento”, ‘A ideia de que a sexualidade contém representagdes sociais diversas pode ser evidenciada nas diferentes fung6es relacionadas as praticas sexuais ou a0 sexo, ou seja, se nos perguntamos quais so as finalidades de tais prticas percebemos que elas sempre ‘ocorrem mediadas por ideais, valores, regras, juizos etc. Basicamente, fazer sexo, hi tempos, tem sido um comportamento compreendido como necessério para duas fungdes bisicas: a de reproduc e a de prazer, embora com valores diferenciados e distintos para cada uma delas uma vez que o prazer, por exemplo, ora foi cultuado, relacionado & fertilidade e a riqueza ou condenado, como sujeira e pecado. 0 sexo sempre foi relacionado principalmente a sua fungdo reprodutiva, enquanto, na historia da sexualidade ocidental, predomina a repressfio sexual, evidenciada na modemidade, especialmente, a partir da época do vitorianismo na Inglaterra governada pela Rainha Vit6ria, um periodo histérico marcado pelo moralismo sexual (ARAUJO, 1997, CABRAL, 1995; CUNHA, 1981; CHAUi, 1985; GREGENSEN, 1983; MOTTIER, 2008; NUNES, 1987; RIBEIRO, 1990). Ideias repressoras sobre 0 sexo- prazer existiam muito antes; elas ganharam forga a partir da obra de trés apéstolos importantes da Igreja Catdlica: S40 Paulo, Santo Agostinho e Santo Tomaz de Aquino (CUNHA, 1981; RIBEIRO, 1990). Muitas regras foram impostas para controlar 0 sexo, em geral, somente autorizado dentro de relagdes entre um homem e uma mulher, casados, para fins de reprodugto, ou seja, as ideias religiosas relacionadas ao que hoje ‘conhecemos como a igreja catélica, sempre foram repressoras sobre as diversas manifestagdes da sexualidade. Além disso, segundo Ussel (1980), a organizagao social burguesa e novos hébitos de convivéncia social também controlaram o corpo ¢ a consciéncia dos seres hhumanos, com regras de higiene e pudor relacionadas & sexualidade, ‘A concepgo da sexualidade como uma func exclusiva da reproducao, respaldada em teorias moralistas, pautadas nos dogmas da religitio e em algumas vertentes da ciéncia biologica, visavam defender 0 sexo exclusivamente para atender a necessidade de perpetuagdo da espécie. Depois, outras concepedes mais abrangentes sobre sexualidade, incluiam comportamentos e valores que extrapolaram o Ambito instintivo da reprodugio manifestando-se num contexto cultural de diferentes significados e sob influéncias sociais e histéricas diversas. No entanto, 0 sexo como um comportamento cuja fungiio seria a obtengdo do prazer sexual permanece sob constante vigiléncia, embora exista um constante apelo mididtico utilizando 0 sexo como meio para vender produtos varios, ou ‘uma recomendago de sexdlogos que indicam a pritica como receita de uma vida saudavel, 0 sexo ainda é algo que sofre discriminagGes e repiidios em muitas familias e comunidades, Desde a antiguidade 0 prazer relacionado ao sexo estava ligado a uma dicotomia de valores que identificava as pessoas (no caso, especificamente as mulheres) que gozavam do sexo com prazer como sendo desprovidas de virtude , ao contrério, identificava como virtuosas as mulheres que se dispunham a uma relagio sexual com seus “consagrados” maridos, pela razdo nobre e maior de gerar um descendente. Esta dicotomia ¢ explicita nos relatos biblicos, na literatura, nas artes e, mats recentemente, na midia, na misica, nas telenovelas etc. (CHAUL, 1985). A dicotomia - esposa x amante; santa x prostituta; amor espiritual x amor camal - ‘embora camuflada pela cultura globalizada e pela repressio sexual moderna, existe até hoje de varias formas. Uma delas, por exemplo, na ideia das mulheres belas e boas para a sedugo e conquista sexual em contraposigiio as mulheres ndio belas, mas santas para a salvagio da familia e do lar, em razo dos filhos (CHAUI, 1985; GOLDBERG, 1988). Aqui se anuncia a concepeo normativa de sexualidade enraizada no binarismo normal versus anormal, que, em sua simplicidade dualista contribui para manter sob controle os comportamentos relacionados a sexualidade, Segundo Russo (2009, p.71) isso ocorreu mais intensamente com a psicologizagio e a medicalizagao da sexualidade, fruto da “autonomizagiio da sexualidade em relagio A procriagfio, com a consequente énfase no prazer como objetivo primordial da atividade sexual”. ‘Além da fungdo sexual de reprodugdo e de obtengo de prazer, uma terceira fungao do sexo seria a fungo social que, num mundo capitalista, englobaria tudo aquilo que se refere & promogao de renda econdmica, ou seja, 0 sexo em boa medida esté reduzido & condigaio de mercadoria, vinculado a venda de iniimeros produtos em um mercado de consumo, incluindo a venda do corpo/relagiio sexual, no caso da prostituigio feminina e masculina, e a associagaio sexo/venda através de revistas, filmes, pomografia e propaganda em geral. Aprofundar esta discussdio demandaria outro caminho a percorrer que, embora ndio menos importante, fugiria ao propésito central deste texto. termo sexualidade tem indicado comumente a nog estreita de sexo confinado & genitalidade. Mesmo que o sexo esteja necessariamente incluido na sexualidade, a sinonimia ou a relagfo entre esses dois termos como tendo um mesmo significado & comum nos discursos sociais. Um exemplo disso pode ser visto quando a escola opta por aulas ou palestras que discutem a sexualidade dos jovens adolescentes através, exclusivamente, de temas genitalizados da sexuatidade humana, tais como as doengas sexualmente transmissiveis e/ou métodos anticoncepcionais, depois, ¢ claro, do aparelho reprodutor (genitélia masculina e feminina). A propria proposta dos pardmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) que prevé a orientago sexual na escola limita-se A discusstio de temas que exploram os aspectos biolégicos e reventivos: corpo, difereneas sexuais e prevengio as doengas sexualmente transmissiveis/ AIDS (MAIA, 2004). Evidentemente, sem desmerecer a importancia destas questdes que visam & saide sexual da populaggo, deve-se ressaltar que a sexualidade envolve questBes que extrapolam 0 biolégico © merecem uma reflextio sobre 0 contexto sociocultural em que os jovens esto inseridos. Esta pritica reducionista, segundo a conhecida leitura critica feita por Foucault (1988), esté enraizada nos moldes de uma ciéneia eugenista e no inicio da Sexologia, que estudava o sexo para melhor controlé-lo e para combater seus males. Para o autor citado, tendo em vista as relagdes de poder (relagdes de dominago social), @ preocupagdo central era a compreensio do conhecimento sobre 0 sexo pelas instituig6es sociais em relagdo ao momento histérico especifico e & cultura na qual esses conhecimentos estavam embutidos. Em nome da medicina e do controle da saide, a sexualidade passou a ser classificada, nomeada e suas priticas sexuais controladas, pois muitas doengas sexualmente transmissiveis foram alvo dos discursos médicos reforgando o vinculo com o discurso teligioso e moral (ALLEN, 2000; CHAUI, 1984; FOUCAULT, 1988; MOTTIER, 2008). Allen (2000) comenta que doencas como asifilis ea Aids serviram as sociedades ‘capitalistas emergentes como um meio de demonstrar a penalizago diante de ‘comportamentos sexuais considerados pecaminosos ¢ imorais, como relagdes sexuais homoeréticas, promiscuas ou adiilteras. Foucault (1988) propde, entio, que a sexualidade, incluindo ai © direcionamento pulsional do desejo, a representagio do corpo, género, priticas sexuais diversas, é construida a partir do conjunto de instituigdes sociais, cultura, historicas e discursivas mediadas pelo dispositivo saber-poder. Para esse autor, 0 discurso sobre a sexualidade desencadeia uma relagio de poder sobre ela, pois gera normas, controle e vigilia daquilo em que determinada época se considera errado e anormal Ha uma necessidade de reflexdo sobre a historia social da sexualidade humana, neste cenirio atual em que ha um discurso sobre a sexualidade aparentemente to evidente e explicito, na medida em que somos agentes de educagao sexual e sofremos sua influéncia, pois é impossivel dissociar 0 biolbgico da sexualidade de sua dimensto psicossocial e de sua historicidade (FOUCAULT, 1988; NUNES, 1987; RIBEIRO, 1990), A dificuldade em conceber a sexualidade como algo exclusivamente “natural” tem sido bem argumentada por seguidores dos chamados estudos culturais (LOURO, 2007; WEEKS, 2007; SCOTT, 1995). Para Louro (2007, p.11) “definimos 0 que é- ou nfio- natural; produzimos transformamos a natureza e a biologia e, consequentemente, as ‘tornamos histéricas”. Ou seja, os corpos e a sexualidade ganham sentido porque existem. nas sociedades e so por elas fabricados. Ainda segundo a autora, os discursos sociais, so responsdveis por regular € normatizar os comportamentos sexuais em determinada época e contexto. Compreendida a sexualidade como historicamente construida - ainda que respeitada a individualidade de quem a exerce - e, portanto, como sujeita a transformagdes sociais, deve ela ser entendida como um processo que ¢ passivel de ser reformulado, questionado em seus valores e padrées vigentes, Ou seja, a sexualidade implica a expresso da personalidade histérica e social. E um dos elementos essenciais na constituig#o da pessoa, na medida em que faz parte da ‘expressio de sua personalidade, Ao mesmo tempo, é construida de modo dindmico Porque passa por modificagdes através dos tempos. Cabral (1995) assegura que mundo ¢ as relagbes entre os seres humanos, se forem compreendidos numa dimenstio historica, processual e dinémica, podem ser encarados como estando em constante ‘ransformagao. 2, Sexualidade e Educagio Sexual E a partir de uma reflexio ampla ¢ critica que o estudo da sexualidade humana deveria estar respaldado. Ou seja, a sexualidade, enquanto uma questo ampla e social, que todo ser humano, nio pode ser entendida, interpretada, refletida ou estudada ‘sem considerar as suas miltiplas determinagdes e suas varias manifestagBes. O que dard sentido sexualidade humana serdo as normas sociais ¢ culturais, que nio podem ser existe entendidas sem o recurso a uma perspectiva historica. Esta sexualidade, tal qual a conhecemos, reproduzimos ou reformulamos manifesta-se nos discursos e no que chamamos de processo de educago sexual que, por ser social, segue regras e normas, incluindo os mecanismos de repressiio sexual que visam manter a “ordem natural das coisas”, o status quo. Werebe (1998) define a educagdo sexual como um processo que engloba um conjunto de ages intencionais ¢ niio intencionais desenvolvidas na familia, na escola e em outras agéncias e instituigdes sociais, Segundo a autora, ‘A educagio sexual compreende todas as ap6es, deliberadas ou niio, que se exercem sobre um individuo, desde o seu nascimento, com repercussio direta ou indireta sobre suas atitudes, comportamentos, opiniGes, valores ligados a sexualidade. A educagao sexual, num sentido amplo, processo global, nfo intencional, sempre existiu, em todas as civilizagdes, no decurso da historia da humanidade, de maneira consciente ou nfo, ‘com objetivos claros ou no, assumindo caracteristicas variadas, segundo a época e as culturas (WEREBE, 1998, p.139). Indiscutivelmente somos todos ao mesmo tempo sujeitos e agentes da educago sexual (FIGUEIRO, 2006; WEREBE, 1998) e, na escola e na familia, essa educagdo ocorrera em varias mediagSes: por meio de informagdes, explicitas ou ndo, de regras e valores de conduta e moral, pelo contato com meios de comunicagao de massas e pela imitagio de modelos de conduta, pelas experiéncias pessoais relacionadas aos desejos ea sua frustragfio ou satisfagio etc. E preciso sempre considerar essa diversidade de meios pelos quais a educagdo sexual ocorre independentemente de serem favordveis ou no ao pleno desenvolvimento dos educandos (filhos ou alunos). Além da Educago Sexual familiar ¢ escolar ha também, obviamente, uma educago sexual que acontece esporadicamente (¢, muitas vezes, desvencilhada do contexto cultural dos educandos) em propostas de Orientago em Sexualidade, como as palestras, ‘cursos, discursos politicos, religiosos, médicos e também na ideologia capitalista de consumo (Sexo como mercadoria). Ultimamente, a educagio sexual ocorre explicitamente nos meios de comunicagtio de massas como a televistio, a internet etc. O que diferencia e qualifica a informaggo veiculada no meio social, independentemente de qual fonte advém, é a sua recepeio pelo individuo, que pode fazer dessa informacio parte integrante de suas concepgdes sobre a sexualidade, de um modo que o direcione para mudangas de atitudes com relagdo a sua sexualidade e a sexualidade de outros. Nesse sentido as propostas de orientago sexual, embora priorizem a informago, io podem desmerecer a reflexio € 0 respeito ao contexto dos educandos, do educador e da sociedade em que eles esto inseridos. Nao se ensina sobre sexualidade sem considerar sua contextualizagao e sem critica aos padrées sociais impostos pela cultura. Qualquer interveng’o educativa voltada as questées da sexualidade, deveria buscar o oferecimento de condigdes e meios para que 0 educando cresca interiormente (VITIELLO, 1995) ¢ seja capaz de tomar-se um cidado, capaz de escolher e viver sua sexualidade da melhor maneira possivel respeitando o sentido de coletividade. Em relagiio a prevengo da AIDS ¢ de outras doencas sexualmente transmissiveis, por exemplo, sabe-se que a maioria dos jovens tem informago sobre a necessidade do uso de preservativo, porém ha uma longa distiincia entre o saber, a necessidade de seu uso € a atitude real de usé-lo numa relagdo sexual (eventual ou com parceiro fixo). Isto porque existem varias contingéncias ambientais envolvidas na histéria de educago sexual deste sujeito que vaio influenciar a agto de prevenir-se (usando o preservative) ¢ a representagao da camisinha, do sexo e da negociagdo de seu uso com um (a) parceiro (a) (MARINHO, 2000; RIBEIRO, 1998; ROSENTHAL, 1993; SCHUCH, 1998; SEFFNER, 1998). ‘A mudanga de atitude, entendida aqui como a disposigdo de uma pessoa para agir de forma favoravel ou n&o em relagdo a uma situagdo particular, 6 formada segundo Cavalcanti (1993) através de trés componentes basicos: o cognitivo (pensar), 0 afetivo (sentir) e 0 conativo (agir). Em palavras simples, aquilo que o individuo pensa e o modo como age parecem depender de suas vivéncias e de sua aprendizagem no meio social, ou seja, 0 pensamento, o sentimento © a agdo relativos a sua sexualidade sto ‘comportamentos inter-relacionados. Além disso, devem ser considerados na realidade social ¢ econémica em que ocorrem. Cavalcanti (1993) exemplifica: se uma adolescente teve com 0 uso de um contraceptivo uma experiéncia ruim ou se ouviu relatos de efeitos desagradéveis vivenciados por pessoas que the so Significativas, este conhecimento e esta vivéncia terdlo um sentido particular para ela. E, portanto com base na experiéncia e na vivencia que a adolescente comeca a estruturar seu pensamento acerca do contraceptivo (p.167). ‘Um estudo realizado por Figueird (1996) analisa o estado da arte no Brasil sobre a educago sexual e descreve que as publicagdes cientificas a partir da década de 80 apresentam diferentes abordagens para discutir sobre temas da sexualidade. As diferentes concepedes filoséficas, pedagégicas e metodolégicas demonstram, na verdade, as diversas posturas adotadas entre os tedricos e pesquisadores ao encarar a Educagdo Sexual. Elas foram agrupadas pela autora em trés tipos de abordagens: religiosa, pedagégica e politica. Em suas conclusdes, Figueiré (1996) aponta que um grande contingente de pesquisadores e/ou educadores considera adequada a realizag&o da Educagao Sexual por meio de cursos, aulas (inseridas ou no no curriculo escolar) ou ainda de palestras, ou seja, atrelada a um conjunto de priticas informativas que fica muito aquém da ideia de formagtio a longo prazo, pois essa precisa “ser sistematizada e ter sua continuidade assegurada” (p.172). Nas palavras da autora: Neste Estado da Arte, a visto que se tem, na maioria das publicagdes, é que se pensa em dar Educagio Sexual, esquecendo-se de que & preciso criar condigdes para a formagao da autonomia moral e intelectual do educando, isto é, levé-lo a aprender a pensar por si préprio, a adotar com seguranga um posicionamento pessoal em relagiio a valores morais, bem como a tomar decisdes (FIGUEIRO, 1996, p.173). 0 espago da dimensao politica da educagao sexual, por exemplo, é defendido por Goldberg (1988). A luta por uma educagiio sexual ideal, ou ao menos niio tio desigual, implica, segundo essa autora, em movimentos sociais contra o autoritarismo sexual (desigualdade, violéncia e preconceito sexual), a favor da liberdade sexual pessoal, social ¢ histérica (eliminando a culpa pessoal ¢ a opressiio social). Os obstaculos nesta lta estio no que autora chamou de Educagiio Sexual Reflexa, Informativa e Difusa De maneira geral, a Educacio Sexual Reflexa (reprodutivista) acaba sendo conservadora, imével ¢ pessimista na medida em que identifica as lacunas, mas nfio cré em sua transformagdo, A Educagao Sexual Informativa est embasada nos dogmas do cientificismo, priorizando técnicas que no garantem 0 espago de reflexio e critica para uum possivel aprendizado que alcance mudangas significativas no plano social, Hé uma énfase na informagao detalhista em detrimento da reflexio sobre essa informagao na vida da pessoa. A educagao Difusa, por sua vez, mostra que a educacdo sexual extrapola os muros da escola, mas isso acaba justificando o siléncio ¢ a omissio, praticas predominantes neste contexto. O discurso para o “ndo-sexo” na escola é moralista, liberal e burocrético, baseado no mito da neutralidade, supondo que nao se falar de sexo formalmente, 0 que seria decorrente de limites operacionais, é ndo se envolver no problema, mas é justamente assim que a escola contribui para manter a situagaio tal qual ela esta — a reprodugao de uma realidade repressiva (GOLDBERG, 1988). No Brasil, hd um incentivo do govemo federal para incluir o tema da sexualidade na escola, reconhecendo-a como um tema académico proposto nos chamados Pariimetros Curriculares Nacionais (PCN)- volume Orientagiio Sexual (BRASIL, 1997). Por um lado a escola é apontada como um espago fundamental para se implantar a orientago sexual, mas de outro ela é acusada de se omitir sobre este papel, muitas vezes ignorando a ocorréncia de situagdes envolvendo quest6es sexuais em seu cotidiano ou tratando desses casos com atitudes preconceituosas. Na pritica, muitos professores nflo assumem a educago/orientago sexual de seus alunos porque a escola no tem estrutura para lidar com isso e, principalmente, porque eles no se sentem preparados para esta tarefa (FIGUEIRO, 2006; NUNES, 1987; RIBEIRO, 1990). Reitere-se, nesse contexto, que atualmente, mesmo havendo um espago aparentemente ‘mais aberto as palestras de profissionais visando a prevengao do contigio de doengas sexualmente transmissiveis ou da gravidez.indesejada, a escola ainda prioriza uma visto que culmina na genitalizagio da sexualidade e uma opgo por ages preventivas baseadas, em geral, em dogmas médicos relacionados @ saiide piblica. As escassas tentativas de trabalho nesta area, especialmente nas escolas piblicas, ainda priorizam ‘téenicas © informagdes ao invés da discussio e da reflextio em grupo, ou ainda evidenciam uma falsa ¢ hipécrita neutralidade quando se omitem do assunto, Além disso, contam com educadores pouco preparados ¢ formados para atuarem na orientago ‘em sexualidade (FIGUEIRO, 2006; MATA, 2004). Jé afirmamos que: Para a realizagdo da orientagao sexual em qualquer instituigdo, é essencial a agdo de um profissional preparado tedrica e tecnicamente, 0 que implica em investimentos oficiais na formagdo de orientadores/educadores sexuais reflexivos, criticos € com conhecimento interdisciplinar dos temas pertinentes & sua atuagio. No caso da escola brasileira, além de profissionais especialmente capacitados como orientadores sexuais, é também preciso que 0 professor, seja ele de qualquer disciplina, também seja formado nesta drea, porque mesmo que ele niio tenha intengao de trabalhar a sexualidade em sua disciplina espectfica, esté previsto nos Pardmetros Curriculares ‘Nacionais a inclusto da ortentagto sexual como um dos temas transversais que “atravessa” as disciplinas curriculares. No entanto, mesmo que a literatura na drea ponte estas necessidades, é visivel que os cursos de formagio em Magistério e em Pedagogia desconsideram ou minimtzam 0 tema da sexualidade ¢ da educagiio sexual em seu curriculo formador (MAIA; HEREDERO; RIBEIRO, 2009, Cd ROM, sem p.) Altemann (2003) relata em seu estudo sobre a sexualidade na escola, que as iniciativas de orientagdo nessa area tém reproduzido a medicalizag&io da sexualidade, trabalhada em seu sentido biolégico, orgénico e profildtico. A educagiio de hoje certamente nao é a mesma da do século XIX, mas como hé rupturas © mudangas, hd também realocagdo de problemas. Conforme demonstrado, encontramos nesta pesquisa fortes influéncias do discurso médico no modo de a escola desenvolver trabalhos de orientagflo sexual. Destacado como um espago de exercicio de tecnologias de govemo, o sistema educacional é chamado a intervir no comportamento sexual dos/as adolescentes através de dois temas mobilizadores: a AIDS ~ ¢ outras DST’s ea ‘gravidez na adolescéncia. A orientag&o sexual vem sendo desenvolvida na escola dentro da disciplina que esté mais préxima do discurso médico ~Ciéncias -, que na 7a série tem como tema o Corpo Humano (ALTMANN, 2003, p.306). Vitiello (1995) almeja uma educagéo sexual que favorega a socializagao e diz que a ela

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