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Imprensa Universitária Natal. Outubro. 1971

Reprodução da capa original.


LAURO PINTO

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(Imprensa Universitária. Natal. Outubro. 1971


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CDD: 918.1321
CDU: 918.132.1 RnN-UFsct
SUMÁRIO

Justificação ..................................................... 7-8


9

Estado de vocação franciscana ..................... 9-14


Cemitério dos inglêses................................... 15-16
Turismo dos bronzes................................. 17-22
As divisões principais da cidade de antiga­
mente ........................................... 23-58
Primeiros imigrantes italianos em Natal . . . 59-70
Casas patriarcais .............................................. 71
À querida esposa YÁRA

guerrilheira doméstica
de quarenta anos de luta,
tristezas e alegrias

Aos queridos e bons filhos

Aos netos lindíssimos


josnncAÇAo

Quando já vivemos, lücidamente mais de meio sé­


culo, somos naturalmente testemunha dos fatos passados e
sentidos no meio onde êste já longo tempo foi visto, obser­
vado e estudado. Vimos, assim, a cidade, antes tão peque­
na e pobre, crescer, progredir e civilizar-se e que depois
nem parece mais aquela dos tempos da meninice. Ruas no­
vas que surgiram e velhas ruas modificadas. Avenidas, hoje
asfaltadas, e que foram ontem locais de pastagem. Prédios
modernos e imponentes, onde outrora só existiam casebres
de taipa. Ruas e avenidas pacíficas e sonolentas e hoje ba­
rulhentas e inundadas de gente e veículos de tôda espécie.
Tudo modificando-se e transformando-se. Tabus desmorali­
zados. Santos cassados. Preconceitos relegados. A vida re­
novando até a fisionomia e o linguajar do povo. O homem
dominando a lua ! Como é triste e bela a vida !
Eu, assim, venho acompanhando Natal há mais de
sessenta anos, e, portanto, já vi muito. Andei em bonde de
burro, fiz magníficas caçadas onde é hoje o Tirol Tênis
Clube. Comprei cavalos de barro na feira do Passo da Pá­
tria. Fui batizado pelo Padre João Maria. Assisti à partida
da Esquadra Brasileira do Potengy para tomar parte na Pri­
meira Guerra. Vi a construção da primeira ponte de Igapó.
Comprei carne verde a quinhentos réis o quilo. Fui, muitas
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vêzes, de bonde, até à praia de Areia Preta. Ainda vi fun­


cionando a Fábrica de Tecidos Juvino Barreto. Fui aluno
do professor João Tibúrcio. . .
Também fui testemunha de profundas transforma­
ções sociais. Vi muitas famílias ricas e, sobretudo, soberbas
até onde pode ir a estupidez humana, ruirem moral e ma­
terialmente ao ponto máximo da prostituição. Vi, também,
um ex-governador. que era dos homens mais poderosos e
temidos do Estado, ser empurrado na porta de um cinema
para dar passagem aos mais apressados. Vi muita gente po­
bre e humilde subir e encontrando descendo na ladeira da
vida os fracassados e imbecis filhos de pais ricos e orgu­
lhosos.
Assisti também parentes, amigos e conhecidos que
se mudaram para outras terras e os que partiram para sem­
pre, cuja saudade, em vez de morrer com o passar dos tem­
pos. dentro da fria lei da lógica, aumentou com a chegada
dos cabelos brancos. Vi muitas mortes prematuras de gente
boa e que precisava viver e muita gente velha e ruim que
precisava morrer, coisas que até hoje não compreendí.
De modo geral, tôdas essas transformações e obser­
vações ficaram no meu espírito. Agora quero transmiti-las
para o papel. Assim, já que somos testemunhas de tudo isto
e para que não morra ou se altere a verdade, os velhos
como eu têm que deixar alguma coisa escrita. Só assim es­
taremos contribuindo e sem qualquer pretensão literária,
para a formação da História.
É certo que muitos entre nós e, principalmente, o
Mestre Câmara Cascudo, quase que esgotaram o assunto.
Mas, um depoimento a mais, somente poderá melhor escla­
recer aos outros historiadores que virão depois de nós. Eis
justificado êste nosso trabalho.
ESTADO DE VOCAÇÃO FRANCISCANA

O Estado do Rio Grande do Norte sempre foi uma terra


pobre, e tudo indica que pobre será sempre, muito embora os pro­
gressos verificados principalmente nos últimos anos.
Há até uma lenda de que certo Presidente da então Pro­
víncia, em certa época de maior apertura do erário, adotou a mo­
dalidade de pagar os vencimentos dos funcionários da seguinte ma­
neira: metade em dinheiro e a outra metade em jerimum, fruto
abundante na íoça do Estado em terreno ainda existente atrás
do Palácio. E tão paupérrimo continuou através dos tempos que,
após mais de trezentos anos, havendo nôvo apêrto nas finanças,
um Governador quis repetir a modalidade de pagamento, o que
não lhe foi possível, já agora, por falta de jerimum. . .
No princípio de tudo, o Rio Grande do Norte, lá pelos idos
de 1930, tinha apenas uma indústria e um comércio — a extra­
ção do pau brasil — que era levado para a Europa furtivamente,
principalmente por piratas franceses. Mas também o Brasil aca­
bava de nascer. O certo é que até hoje continuamos quase que
exclusivamente como fornecedores de matérias-primas. . .
Já na época do domínio holandês, entre os anos de 1633
até 1654, quando cessou aquela indústria extrativa do pau brasil
e outras madeiras, indústria rudimentar do açúcar, com
vários engenhos safrejando nos municípios de Canguaratema, Arez,
Extremoz, etc. Passou a ser a única indústria — a época do açú-

queza e que durou mais de um século. Quanto tempo perdido !


Mal que ainda hoje arruina o Estado: perda de tempo.
A indústria do açúcar, desde aquêles tempos, vem até hoje
e os engenhos tiveram apenas alguns progressos em sua fabrica­
ção: da moenda movida à força animal, passaram alguns para força
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hidráulica c permanecem na fôrça motriz. O Rio Grande do Norte


tinha sua economia e comércio montados no açúcar bruto, mel,
rapadura c cachaça.
Depois, com o aparecimento do sal produzido livremente sem
a ajuda da mão humana, como ainda hoje observa-se em algumas
localidades, verificou-se que, em determinadas zonas do norte do
Estado, hoje municípios de Macau, Mossoró, Areia Branca, Açu,
era possível a fabricação do sal de cozinha, sem grande esforço
(ainda hoje este pequeno esforço perdura...) e daí nasceu a in­
dústria salineira. Reahnente, hoje está provado que aquelas zonas
são propícias para a fabricação do sal, não só pela grande salini­
dade das águas do mar, como também por condições climatéricas
ideais: muito sol c ventilação constante. Nasceu mais uma indús­
tria, mais um comércio. E o Rio Grande do Norte passou a se
manter com apenas duas riquezas.
Não devemos esquecer os imensos carnaubais, principalmente
os do vale do Açu, palmeiras nativas, presente precioso, não feito
pela mão (Io homem m «.• presente de Deus, e que entraram para
o rol da industrialização com o fabrico da cêra. Tivemos assim a
terceira indústria e tôdas com mercados certos e preços compen­
sadores.
Os anos iam correndo e as três indústrias sustentando a vida
econômico-financeira do Estado. O progresso era lento e a pobreza
de todos imperava.
Nasceu depois a época do algodão em base comercial, com
a verificação de que o tipo Sericló, fibra longa, era insuperável. Os
algodoais se multiplicaram. Era a quarta indústria: algodão, sal,
açúcar e cêra. Daí o brasão do Estado do Rio Grande do Norte.
Matérias-primas só para exportação.
Ficou o Estado parado por meio século unicamente com
esses produtos. O algodão ainda fêz um ensaio na industrialização
com a Fábrica de Tecidos de Juvino Barreto, iniciativa de vida
efêmera. Dizem que existe uma indústria de algodão hidrófilo, mas
não encontrei o produto no comércio. O certo é que anos em cima
de anos e era só: algodão, cêra, sal e açúcar. O comércio era 90%
importador e 10% exportador.
A pecuária veio depois. A criação, de modo geral, é nenhu­
ma. A bovina continua inexpressiva. Certamente não temos nem
1% do rebanho brasileiro. As pastagens estão desaparecendo. Gran­
de parte do gado para abate vem de outros Estados. Temos a
carne e o leite mais caros do Brasil.
A agricultura é outra vergonha. O milho, feijão, arroz, etc.,
não pesam na balança comercial do Estado, quer para consumo ou
exportação. Embora tenhamos vales úmidos como os de Catu,
Ceará Mirim e outros, capazes de abastecerem o Estado e ainda
com grandes sobras para exportação (se tècnicamente aproveitados),
continuam os mesmos entregues aos mosquitos. Por tudo isto o Es­
tado marcando passo no mesmo terreno. Tudo empobrecendo. Culpa
de quem? Vejamos. . .
É preciso lembrar antes de tudo que o Rio Grande do Norte
não tem uma geografia própria para grandes indústrias ou mesmo
para pequenas mais exigentes modalidades. Solo ingrato em grande
parte, isto é, muito seco, acidentado ou arenoso. A grande maio­
ria das indústrias requer como fator principal — água. As gran­
des indústrias e fábricas de São Paulo, Estado do Rio, Rio Grande
do Sul, etc., e, mesmo aqui perto de nós, Pernambuco, ficam loca­
lizadas junto dos rios perenes. E quais os rios perenes entre nós ?
Quase nenhum porque os perenes como o Pequeri e outros são
apenas riachos quase inaproveitáveis para a indústria. Outro fator
negativo é a incerteza de constantes bons invernos, principalmente
entre nós, que estamos em faixa das mais atingidas. Ninguém vai
empregar grandes capitais, mesmo com a ajuda da SUDENE, para
uma indústria qualquer, dependente de invernos aleatórios.
Mas os fatores negativos acima não deviam constituir obstá­
culos para outros inúmeros empreendimentos, desde que os Esta­
dos Unidos transformaram zona árida em região verde e produtiva
e Israel está fazendo milagres no deserto.
Depois vem o fator pobreza. Ora, na industrialização e mes­
mo no comércio, a iniciativa era então somente privada e rara­
mente, entre nós, o Estado era pioneiro. Nossa gente é muito po­
bre porque a bôlsa ancestral vinha só do açúcar bruto. Não houve
riquezas pessoais. Ninguém amealhou como em São Paulo ou Mi­
nas Gerais, onde as fortunas vieram do café e do ouro. E hoje,
entre nós, quando alguém consegue juntar uns cobres, toma logo
iniciativa antjprogressista e prejudicial ao desenvolvimento eco­
nômico do Estado, e assim, ou monta cinema, torna-se agiota, cons­
trói casas e não quer mais produzir. Vai gozar a vida na Guana­
bara. Há raras exceções, honrosas e dignas.
Assim, e por tudo isto, o Estado, o comércio e o povo foram
empobrecendo. Alguma iniciativa mais elevada, alguma fábrica
montada ou uma exploração baseada em aproveitamento de nossas
matérias-primas, foram algumas obrigadas a fechar por falta de
uma rêde bancária, amparo do Govêrno, etc. Não havia ainda a
SUDENE. Depois, com a ciência quebrando monopólios, produzin­
do produtos sintéticos para substituir a fibra algodoeira e os pro­
dutos graxosos da cera de carnaúba, etc., os preços foram caindo
e hoje são produtos gravosos.
A indústria do sal, tendo por principal fator o transporte das
salinas para os batelões e destes para os vapores até as praças com-
pradoras, que oneram em cerca de 80% o preço do produto, houve
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a corrida para a formação de salinas em outros Estados, inclusive


até, por incrível que possa parecer, em São Paulo e no Rio Grande
do Sul, o que motivou também a compra do sal estrangeiro. O re­
sultado foi a queda do preço. E a situação parece vai ainda se
agravar com a breve exploração do sal-gema descoberto em Alagoas.
A solução seria as terminais salineiras há tanto tempo projetadas.
Aqui em nosso Estado, quando uma matéria — prima ou pro­
duto ia perdendo o mercado por qualquer fator, não se tinha a
iniciativa de promover outra lavoura, indústria, etc. Ficava-se es­
perando por dias melhores — volta ao antigo preço — quando
tudo indicava que o mesmo marchava para a categoria dos gravo-
sos. O algodão, entre nós, é hoje lavoura deficitária e ainda esta­
mos discutindo se devemos nos voltar para o plantio do amen­
doim ! E o tempo ia e vai passando. . .
São Paulo, quando sentiu a queda do café, isto é, preços bai­
xos, pela superprodução mundial, correu para o algodão e passou
a ser o maior produtor brasileiro. E quando o algodão passou a
perder o preço, correu para o açúcar e tornou-se o maior produ­
tor. E assim foi formando inúmeras lavouras para depois edificar
o maior parque industrial da América do Sul. O paulista não dor­
me de touca como nós.. .
Aqui não se industrializou ainda a cêra. Ela é exportada
in natura. O sal, idem. De centenas de engenhos de açúcar só con­
seguimos erguer três pequenas usinas. E o algodão minguando por­
que plantado pelo mesmo sistema e no mesmo solo esgotado e sem
o preparo prévio. Enquanto o Rio Grande do Norte ficava pa­
rado, outros Estados de homens mais dinâmicos e de Governos
mais progressistas foram avançando e enriquecendo.
Aqui não se produz nem as coisas mais simples e mais fáceis
como a lavoura de subsistência, por exemplo: cenoura, beterraba,
tomate, berinjela, chuchu, etc. Tudo isto vem de outros Estados.
Sergipe, tão pequeno, nos abastece de laranjas! Daí a vida mais
cara do Brasil. Nem o “cinturão verde’’ se fêz e os japonêses fra­
cassaram . . .
Nesta terra 90% de tudo vem de fora. Não houve inicia­
tiva séria para a industrialização de nossas matérias-primas. Quase
nada temos feito neste sentido. Se somos obrigados a comprar tudo
de outros Estados, se não temos indústrias, se não temos sequer
uma lavoura alimentícia e se somos uma grande população de fun­
cionários, e se a população vem aumentando assombrosamente, a
crise econômico-financeira tem de imperar. Crise permanente. Po­
breza constante.
Para a construção de uma casa ou prédio de apartamentos,
só o terreno é nosso porque não poderia ser de outra maneira, mas
o cimento, tijolo, madeirame, ferrolhos, vidros, material elétrico,
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móveis, panelas, fogão, etc., tudo é importado. O dinheiro, em vez


de aqui ficar para circular, vai embora. Há a descapitalização con­
correndo para a crise. A grande construção pode enfeitar a cidade
e dar impressão de progresso, que é falsa, porque o dinheiro da
poupança popular vai para as praças do sul. Evasão tremenda de
íenclas, agravada mais pelos lucros de algumas casas comerciais e
bancos de outros Estados (filiais), e que constitui verdadeira san­
gria em nossa economia.
É bem verdade que últimamente a situação tem melhorado
muito, quer industrial, quer comercial, não apenas com a chegada
da energia de Paulo Afonso, mas ainda em virtude dos incentivos
fiscais através da SUDENE, que está levantando o Nordeste. No­
vas indústrias têm aparecido e as melhorias de algumas já exis­
tentes. Também a rêde bancária (embora com as negativas acima
expostas) com nova mentalidade e com juros mais baixos, tem con­
tribuído para o progresso.
Mas há muito ainda que fazer. A agricultura que é a mola
principal do progresso, está entre nós parada. Nunca poderemos
ser um Estado grandemente industrializado se não produzimos ma­
térias-primas, de vez que não é de boa norma econômica qualquer
industrialização com produtos adquiridos no exterior. Industriali­
zar aquilo que possuímos no local ou perto dêlc. Há. porém,, os
casos iespeciais, como a moagem do café e o fabrico de massas de
trigo.
Além de todos os fatores expostos, que concorrem para o
nosso empobrecimento, mas os problemas eternamente insolúveis
como o da Barra de Natal. Assim é que, quando a maré está —
baixa-mar o navio fica lá fora aguardando água, (pie a maré
encha, fato (jue existe desde o descobrimento do Brasil. Tivemos
até um conterrâneo, melhor ainda, natalense nascido bem perto da
Barra, que chegou a ser Presidente da República e não teve tempo
de pensar no serviço da Barra.
Todos os latos apontados, com as razões expostas, levam-nos
a crer que continuaremos um Estado pobre, sem vida própria, sem
indústrias dignas deste nome, sem agricultura racional e abastece-
dora e outras fontes de riqueza. Entretanto, devemos crer no £u-
turo, na nova mentalidade progressista dos homens de amanhã,
pois se os outros Estados estão progredindo a olhos vistos, por que
então só o nosso tem vocação franciscana ?
CEMITÉRIO DOS INGLÊSES

Pouco temos a dizer sôbre o ‘‘Cemitério dos Inglêses”, mes­


mo porque se trata de um cemitério morto — se assim é possível
dizer, porque há muitos e muitos anos está abandonado por finda
sua função, que era a de dar sepultura aos ‘‘marinheiros” aqui
falecidos. Mas, em se tratando das coisas de Natal, êste campo
santo não podería ser omitido.
Quem primeiro se ocupou do assunto não poderia ser senão
o Mestre Câmara Cascudo e o fêz, também sucintamente, em seu
formidável livro ‘‘História da Cidade do Natal”, páginas 217/219.
Conheço desde rapazinho o Cemitério dos Inglêses, pois como
‘Esporte Clube ”, muito fácil me era visitar o
local onde êle foi ediíicado e o fiz por muitos anos, principalmente
entre 1919 e 1922, e o faço até hoje.
Era muito acessível o ingresso no cemitério, pois não havia
nenhuma proteção de muro ou cêrca. Em 1919, havia algumas se­
pulturas que, embora danificadas, permitiam ler-se algumas inscri­
ções. Andei descalço sôbre elas, tudo examinando e sem nunca ha­
ver pensado que essas investigações despretensiosas seriam aprovei­
tadas para descrição, mais de meio século depois.
O Cemitério dos Inglêses está plantado em uma pequena ele­
vação no ângulo entre o Rio Potengi e a gamboa Manibu. O local
foi bem escolhido, pois além de muito bonito, jamais será atin­
gido por qualquer maré. Lindo, porque a vegetação ali está sem­
pre verde e o local está cercado por quatorze coqueiros antigos.
Beleza e silêncio. Poético chão para o sono eterno.
Não há data precisa de quando começou o Cemitério dos
Inglêses, mas afirma o historiador Câmara Cascudo que foi entre
1867 a 1869. Antes já havia a necrópole do Alecrim que data de
1857.
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Naquela época, como todos sabem, o comércio importador e
mesmo exportador eram feitos por barcos quase que exclusiva­
mente estrangeiros, principalmente ingleses, embora também nosso
Pôrto fosse frequentado por navios holandeses, dinamarqueses, etc.
Eram os embarcadiços que o povo chamava de “marinheiros”. Co­
mo os estrangeiros aqui encontrassem clima muito adverso e, prin­
cipalmente, pelas doenças aqui reinantes naquela época, eram fa­
cilmente vitimados pelas febres: impaludismo, tifo, etc. Muitos fo­
ram assim mortos. Também todos sabem que só os católicos po­
diam ser sepultados no cemitério do Alecrim. Era uma intolerân­
cia da época. Assim os ‘capa-verdes” como o povo apelidava aos
protestantes, tiveram de ser enterrados em outro local e daí a cons­
trução do que passou a chamar-se Cemitério dos Ingleses, onde
muito embora fossem também sepultados estrangeiros de outras
nações, ficou com êste nome por serem muito mais numerosos os
inglêses falecidos.
Tenho para mim, e que também deve ter concorrido para
a edificação do novo cemitério, seria a dificuldade de se fazer um
sepultamento no Alecrim, tão longe c sem estrada razoável. Muito
prático, e o inglês sempre foi homem que não gosta de perder
tempo, e, mesmo lógico seria fazer no lado esquerdo do Potengi,
tão perto dos vapôres.
Uma coisa porém é certa: o cemitério serviu por muitos
anos e era bem tratado, ao que parece, pois os túmulos eram bem
construídos e alinhados. Depois, ficando sem finalidade, pois qual­
quer pessoa independente de credo religioso podia ser sepultado
no Alecrim, foi a necrópole abandonada, como desprezado também
estêve nosso Forte dos Reis Magos por muitos e muitos anos e fe­
lizmente salvo ainda em tempo.
Estive recentemente no “Cemitério dos Inglêses” fazendo uma
visita sentimental e nada mais encontrei do antigo campo santo.
Apenas depois de muito procurar descobri a quina de alvenaria de
uma sepultura já encoberta de areia. Era tudo que restava. O seio
do monte deve guardar ainda os restos materiais dos “marinheiros”.
Encontrei, sim, no local, precisamente no lugar onde estavam as
sepulturas, uma viçosa plantação de feijão-verde. Só os coqueiros
em redor do que foi o cemitério, estão vivos. São as únicas teste­
munhas mudas de nossa maldade. Já que não soubemos zelar os
túmulos dos embarcadiços estrangeiros que concorreram para o pro­
gresso de nossa terra, pedimos a Deus, neste momento, amparar
suas almas.
Cemitério d,os Inglêses visto
do estuário do Rio Potengi.
(Foto do autor),
Cemitério dos Inglêses, local
onde eram sepultados os
corpos. (Foto do autor).

V
TURISMO DOS BRONZES...

Não conheço cidade nenhuma do Mundo onde as estátuas,


monumentos, hermas e bustos se transfiram tão fàcilmente de um
lugar para outro como se tem verificado em Natal. Parece até uma
brincadeira, tal como aquele jôgo infantil denominado pão-quente,
em que as crianças trocam de lugares. É o pão-quente dos bronzes
natalenses.
É preciso lembrar que os bustos, hermas, monumentos e es­
tátuas são edificados em pedestais de cimento, pedra e ferro, tudo
muito sólido e seguro, e que dá um trabalho imenso para arrancá-
los. Imaginem se fôssem só no barro !
Na última guerra foram danificados muitos monumentos e
estátuas com os terríveis bombardeios aéreos. Mas quando veio a
Paz e se fizeram as reconstruções, tudo foi recolocado no local
primitivo.
Mas em Natal a mentalidade é diferente. Aqui por qual­
quer motivo ou sem motivo justificado vão trocando de lugar as
estátuas, num verdadeiro turismo de bronzes. E tudo se faz sem
conhecimento do povo, causando confusão aos menos prevenidos.
Assim é que, quando vamos visitar determinado busto, encontra­
mos outro barbado em seu lugar. Vejamos assim:

BUSTO DO PROF. JOÃO TIBÚRCIO

O busto do Prof. João Tibúrcio da Cunha Pinheiro é o que


mais tem sofrido. Foi o mesmo plantado, homenagem dos seus dis­
cípulos, representados pela Associação de Professores no dia 15 de
outubro de 1925, junto ao antigo Atheneu na Praça Tomás Araújo.
Ali ficou por muitos anos e depois foi removido para a Praça
que tem o seu nome perto da casa onde sempre viveu e faleceu.
Depois o busto foi removido para bem longe e foi “bater”
no Alecrim, na Praça Dom Pedro II. Não havia lugar mais contra-
indicado e sem qualquer ligação com a vida do saudoso e grande
mestre. Depois, foi transferido para o lugar certo e foi erigido em
frente ao nôvo Atheneu, em Petrópolis, junto dos netos e bisnetos
daqueles que foram seus alunos e onde viveu tôda vida.
O velho professor, que em vida tão pouco gostava de andar,
certamente, não deve estar satisfeito em ver seu busto virar anda­
rilho.

COLUNA DEL PRETE


Trata-se de uma bela coluna das ruínas do Capitólio Ro-
mano oferecida pelo Govêrno da Itália a Natal pela atenção e ca-
rinho que a cidade dispensou aos aviadores italianos Dei Prete e
Ferrarim, que realizaram o vôo Roma-Natal, embora descidos em
Touros. Para a época loi um grande feito aviatório. Recebeu a
Coluna Capitolina o nome de Dei Prete porque êste aviador fale­
ceu no Rio de Janeiro em um desastre, quando de sua chegada.
A Coluna foi plantada no dia 7 de janeiro de 1931, nas
Rocas, numa praça que recebeu o nome de Dei Prete. Foi o mais in­
feliz lugar que poderia ser escolhido, pois, além de longe do cen­
tro da Cidade, o local era feio e enlameado.
A Coluna também entrou na contradança e foi transferida
para a Praça Prof. João Tibúrcio, quando a estátua que ali estava
mudou-se para o Alecrim, pois o lugar estava vago. . . Recente­
mente nova deslocarão c a linda Coluna foi “bater” na Praça Carlos
Gomes, no antigo Baldo. Será que ela vai ficar lá por muito tempo?
Aqui um conselho amigo, minha Coluna, pois sendo neto
de italiano, quero-lhe muito bem: cuidado com a outra mudança.
Seu Patrono morreu num desastre aéreo. Você não é de bronze e
assim não pode aguentar o rojão. É de granito e assim na pró­
xima transferência tenha muito cuidado com o caminhão da Pre­
feitura. . .

BUSTO DE DOM PEDRO II


O busto do velho Imperador foi inaugurado no dia 2 de
dezembro de 1925, na Praça Tomás Araújo, Cidade Alta, no dia
do primeiro centenário do seu nascimento. Ali passou apenas 17
anos e foi removido para a praça que tomou o seu nome, em frente
da Igreja de São Pedro no Alecrim. Foi para junto do xará santo.
— 19 —
Mas cuidado, velho e ilustre Imperador, se brasileiros ilus­
tres não quiseram saber do Senhor e o mandaram para o Velho
Mundo, quanto mais Prefeitos incultos.

ESTÁTUA DE AUGUSTO SEVERO


A bela e rica estátua do grande e saudoso Augusto Severo
foi plantada no dia 12 de maio de 1913, justamente sete anos de­
pois do desastre do “PAX”, no hoje Largo Dom Bôsco, junto ao
Colégio Salesiano e ali ficou por muitos anos. Reconheço que o
lugar era impróprio e o certo seria no centro da praça que tem o
seu nome, para onde foi, bem em frente à Faculdade de Direito.
Assim mesmo não escapou da mudança. Grande Severo, o
Senhor que sofreu uma queda horrível e que faleceu em consequên­
cia dela, quando procurava dominar o espaço e descobrir os se­
gredos da mecânica espacial, tenha cuidado com outra transferên­
cia, com outro baque.

HERMA DO DR. PEDRO VELHO


O busto em bronze do Dr. Pedro Velho de Albuquerque Ma­
ranhão foi colocado no square do seu nome, hoje Praça das Mães,
no dia 7 de setembro de 1909. Por falar em Praça das Mães, nunca
vi um nome tão santo para denominar uma praça tão dolorosa.
Quem diz Mãe. diz flores, beleza, candura, música e sorriso. E a
Praça das Mães e a negação de tudo isto. Ali não existe sequer uma
roseira e sim pedras, arame e desolação. Uma praça tão pequena
com um poste tão grande ! Parece mais um farol.
Mas o busto do ilustre Dr. Pedro Velho ficou no square por
quase meio século e como não podia deixar de ser, foi removido
para a Praça que tem o seu nome, com a frente voltada para o
Ginásio de Esportes, antigo Djalma Maranhão. E a herma nem
assentou o pó e foi transferida para o extremo da mesma praça,
mas de costas para o Ginásio. Será que vai ficar assim ?
Segure-se bem na sela, Dr. Pedro ! Tenha sempre na lem­
brança que, quando da primeira transferência, o Senhor perdeu
os óculos 1

BUSTO DO PADRE JOÃO MARIA


Colocado sôbre um soberbo e lindo pedestal de granito, com
a altura de quatro metros, foi colocado em bronze o busto do santo
20
Padre João Maria, na Praça do mesmo nome no dia 7 de agosto
de 1921, com a frente voltada para a Catedral, onde o Padre ser­
viu como Vigário por trinta e três anos.
A antiga Praça João Maria era um encanto de serenidade
e poesia. Sombra das árvores e quietude. Lugar propício para o
busto de um santo. Aí, então, a Prefeitura que tinha a mania de
— furacacionar a cidade —, derrubou as árvores. Tirou o monu­
mento, construiu um banco dc alvenaria e colocou o busto em
cima e com as costas para a Catedral. Construiu um pobre jardim
e deixou todo o espaço para estacionamento de carros. Com isto,
agradou aos proprietários de veículos e desagradou o povo, prin­
cipalmente, os católicos.
O certo é que o busto foi removido, embora para bem perto.
O que vale é que o Padre João Maria é um santo e já deve ter
perdoado o autor da malvadeza.

MEDALHÃO DE NÍSIA FLORESTA


A efígie em bronze da consagrada escritora Nísia Floresta
foi colocada em uma alameda do logradouro que foi o majestoso
jardim da Praça Augusto Severo, no dia 19 de março de 1911. A
efígie era cravada em uma linda coluna de granito.
O medalhão de Nísia Floresta teve um fim mais triste, por­
que foi removido para lugar desconhecido. Ninguém mais o viu.
Só um conforto anima o sofrimento de Nísia, porque ela encon­
trou um companheiro de sofrimento na pessoa do historiador José
Toribio Medina, cujo busto, um belo bronze, do ilustre estadista
chileno,, oferecimento do seu Presidente Gabriel Gonzalez Vilela,
foi colocado na Praça Pedro Velho em 1952. De lá para cá a Ci­
dade nunca mais o viu.

O CASAL DE ESTUDANTES
No antigo Grupo Escolar Augusto Severo existiam duas es­
tátuas lindíssimas em bronze, representando um casal de estudan­
tes. O Mestre Cascudo já descreveu o valor, a beleza e a origem
dessas peças. No Grupo, a estátua masculina indicava a ala dos me­
ninos e a outra, a seção feminina. Êles ornamentaram o Grupo por
quase meio século. Depois, as crianças foram removidas para a
Praça Pedro Velho, na porta da Escola Normal. Logo depois as
infelizes foram “bater” na Lagoa de Manoel Felipe e finalmente
plantadas no Colégio Estadual “Winston Churchill”, na Cidade
Alta.
Como sofrem crianças com Madrasta.. .
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Busto do Prof. João Tibúrcio


em frente ao Atheneu Norte-
rio-grandense. — (Foto: Na­
delson ).
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Coluna Dei Prete ou Coluna


Capitolina. (Foto: Nadelson)

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Monumento da Independência.
(Foto: Nadelson).
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Monumento em homenagem
aos Mártires do Movimento
Republicano de 1817. —
(Foto: Nadelson).
Busto do Almirante Marquês
de Tamandaré. — (Foto:
Nadelson).
21

TRANSFERÊNCIA NA “MARRA”

Neste caso a Prefeitura e o Estado estão isentos de culpa e,


portanto, absolvidos.
Os queridos estudantes de Direito, por motivo que não im­
porta relatar, transferiram em caminhão, furtivamente, durante a
noite, o busto do jurista Amaro Cavalcanti que estava na Assem­
bléia Legislativa, na Avenida Getúlio Vargas, para a Faculdade de
Direito, à Praça Augusto Severo.
De qualquer maneira constituiu uma mudança de busto. Foi
um turismo estudantil com inteligência e malícia.
Por motivos óbvios, penso que a reação de Amaro foi intei­
ramente favorável aos acadêmicos.
Até agora escaparam das transferências: o obelisco da Ave­
nida Tavares de Lira, os monumentos da Independência e dos Már­
tires do Movimento Republicano de 1817 e o busto do Almirante
Marquês de Tamandaré, na Praça do mesmo nome.
Dos quatro acima, se é pensamento da Prefeitura transferi-
los, vai encontrar espêto no último porque a Marinha é uma pa­
rada federal.
AS DIVISÕES PRINCIPAIS
DA CIDADE DE ANTIGAMENTE
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OS BAIRROS
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Desde muitos e muitos anos, até mais ou menos princípios


da década de 1930, Natal contava com apenas os seguintes bairros:
Rocas, Ribeira, Cidade Alta, Petrópolis, Tirol e Alecrim. Depois,
com desenvolvimento da Cidade e o natural aumento da popula­
ção, outros bairros foram aparecendo e os já existentes foram des­
membrados. Neste trabalho trato apenas dos três primeiros bairros.

ROCAS
O bairro das Rocas compreendia também a faixa de terra
denominada “LIMPA”, a começar do canal da Fortaleza dos Reis
Magos até as Rocas pròpriamente ditas, que se limitavam com a
Ribeira pelo Salgado, hoje Esplanada Silva Jardim, depois aterrada,
onde se encontra o edifício Fernandes Costa (Ministério da Agri­
cultura), até encontrar o edifício da antiga Estrada de Ferro Sam­
paio Correia. O nome Limpa se deu a uma vasta campina, cui­
dadosamente plantada e conservada pela antiga Administração do
Pôrto de Natal, com o fim de fixar a areia e impedi-la de chegar
ao Rio Pontegi e, assim, não aterrar o canal.
Era o menor bairro habitado quase que exclusivamente
de pescadores, a gente mais pobre e abandonada de Natal. Tudo
24
ali cheirava a peixe e a miséria. Eram porém os homens mais des­
temidos e que todos os dias enfrentavam o mar cheio dc surpresas
e perigos, arriscando diàriamente a vida, em barcos frágeis e obso­
letos, para um ganho ínfimo com a venda do pescado e deixando
que os “atravessadores” da venda bebessem seu sangue. E o mais
triste é que depois de séculos a situação é ainda quase a mesma.
Era o bairro esquecido, triste, sujo e mal afamado e sòmente
lembrado no dia 6 de janeiro de cada ano — DIA DE REIS —
quando todos de Natal se irmanavam religiosamente com os pobres
das Rocas para os festejos na Capelinha que, primeiramente, ficava
em um elevação perto do canal da Fortaleza e depois transferida,
já com a categoria de Igreja, para o lugar onde hoje se encontra.
No dia seguinte, 7 de janeiro, ninguém queria mais saber das
Rocas.. .
Entretanto, nesse bairro, que era tão renegado, muitos ho­
mens de coração elevaram seus nomes e os dignificaram. Entre
eles me recordo no momento de dois. Primeiro, o Engenheiro Dé-
cio Fonseca que por muitos e muitos anos exerceu o cargo de Chefe
da Fiscalização do Pôrto. Era êle tão devotado ao serviço público e
amante das Rocas que lá foi residir nos terrenos da Limpa, deixando
uma casa confortável na cidade. O Dr. Décio era de pequena esta­
tura, vermelho, magro, nervoso e explosivo quando encontrava um
serviço levemente imperfeito ou um pouco atrasado. Trabalhava
quase o dia todo, pois, findo o expediente, voltava para as Rocas
para fiscalizar os serviços em execução no canal. Duro no serviço,
mas homem de grande coração, muito fêz pelo bairro. Hoje seu
nome, e com muito justiça, figura em uma das princiapis ruas das
Rocas. O outro, o sindicalista e jornalista Café Filho que embora
com um pouco de barulho — e de outra maneira não era possível
fazer naquela época — tirou seu nome das Rocas, da lama e o le­
vou até à Presidência da República. Café era o pai espiritual dos
pescadores e dos pobres do lugar. Embora com protetores grandes,
o bairro das Rocas sempre foi pequeno.
Assim esquecido pelos poderes públicos, o bairro sobreviveu
heroicamente. Se os pescadores eram bravos no mar, melhormente
o foram em terra e aguentaram firmes. Hoje tudo está melhor por­
que cresceu e progrediu. Novas ruas, muitas casas, comércio regu­
lar, já tem um hospital e um bom cinema; possui também vários
restaurantes com pratos típicos da Cidade. Movimento e vida. Mas
ainda pobre e não menos humilhado.
RIBEIRA

Êste bairro era mais ou menos limitado a partir do Cais do Pôrto


(Docas), pelo Rio Potengi até a então Fábrica de Fiação e Tecidos
Juvino Barretto, onde hoje está a firma Nóbrega 8c Dantas. Daí,
tôda Praça Augusto Severo, até o antigo Almoxarifado do Estado,
hoje Saneamento, indo até à Lagoa do Jacob, dando a volta até
o Cais do Pôrto.
Ribeira, porque antigamente era um grande alagado, e ain­
da hoje, depois de séculos, novamente volta a sê-lo, quando a chuva
é mais forte...
Era o bairro da maioria dos homens ricos de Natal, do co­
mércio mais variado, das grandes lojas, casas comerciais e empresas.
Comércio dos artigos de luxo, bancos, emprêsas de navegação, etc.
Desde tempos imemoriais, conforme afirma o Mestre Câmara Cas­
cudo, a Ribeira era o/bairro dos comerciantes\ Entre os mais an­
tigos e hoje desaparecidos, lembro-me dos seguintes: Francisco Cas­
cudo, Boris Freres, João Batista Toselli, Julius Von Sohsten, Jorge
Barreto, Avelino Alves Freire, João Galvão, Wharton Pedroza, Rai­
mundo Dourado, Antônio de Paula, Augusto Morais e irmãos. Ou­
tros menos antigos, mas também desaparecidos ou retirados do co­
mércio: Abel Barreto, Pedro Semeão Leal, Pedro Urquiza Campos,
João Gondim, Fortunato Aranha, Aureliano Medeiros, José Fara­
che, Carlos Farache, Antônio Martins, Manoel e Cláudio Machado,
Matheus Petrovick, irmãos Palatinik, Artur Hipolito, Rodolfo Ma­
ranhão, Ernesto Luck, Alexandre Reis, Filadello Lira, José Pinto,
Ismael Pereira, Gonçalo Gomes. E outros mais modernos, uns mor­
tos e outros ainda em atividades: Vicente Mesquita, José Mesquita,
Afonso Rique, Jerônimo Cabral, Barônico Guerra, Lauro Medei­
ros, Leonel Barros, Vicente Farache, Severino Ramos, Pedro No-
lasco, Odilon e José Alexandre Garcia, Abel Viana, Eliseu Leite,
Cussy de Almeida, Augusto Pereira, Francisco Viana, João Cirineu
de Vasconcelos, Anaximandro de Souza, Carlos Lamas, Sebastião
Leite, João Tinôco, Joaquim Etelvino, João Virgílio de Miranda,
Sérgio Severo, Exportadora Dinarte Mariz S/A, Lafaiete, Lucena Sc
Cia., Monte Rebouças 8c Cia., etc.
Era o bairro mais movimentado de Natal. A Avenida Ta­
vares de Lira, com o Cais que também recebeu êste nome no go-
vêrno de Alberto Maranhão, conforme o obelisco plantado no
princípio da mesma, era a mais bonita, limpa, arborizada e bem
calçada. Era o local único do carnaval para o corso de carros e
as tradicionais batalhas de confete, que durou mais de trinta anos.
Quando, então, a cidade cresceu e o povo multiplicou, o carnaval
foi transferido para a Avenida Rio Branco e depois para a Deo-
doro, onde está firme até agora. Foi o primeiro golpe para o de­
clínio da Ribeira.
Muita vida na Ribeira, isso porque além do comércio, ha­
via o Pôrto que naquela época tinha grande movimentação, mais
a estação ferroviária, a antiga Great Western, hoje Rêde Ferro­
viária Nacional e o transporte fluvial para Macaíba que era feito
pelas lanchas de Mestre Antônio. Ê desnecessário dizer que as
agências de navegação Loide Brasileiro e Companhia Costeira, além
dc outras menores, ficavam na Ribeira.,
Os vapores, a princípio, não atracavam no Cais Tavares de
Lira e ficavam no meio do Rio e o transporte de passageiros era
feito por barcos a remo que existiam em grande número, o que
apesar de constituir um trambôlho, era divertido. Também muito
movimentada era a ferrovia, pois todos os passageiros para o inte­
rior do Estado e para os Estados da Paraíba e Pernambuco ser­
viam-se da Great Western. Hoje, com as novas e boas estradas de
rodagem, o transporte terrestre passou a ser feito, quase que exclu­
sivamente, por ônibus, e a velha Estação Ferroviária virou casa mal-
assombrada. A aviação, por sua vez, acabou com o transporte ma­
rítimo para pessoas. Novo golpe na vida da Ribeira.
Além da Avenida Tavares de Lira, havia as ruas Sachet,
hoje, Duque de Caxias, Dr. Barata, Chile, Frei Miguelinho, das
Virgens, hoje, Câmara Cascudo, onde êste gigante das nossas letras
nasceu, e a Praça Augusto Severo. Eram as principais vias.
A Ribeira era ainda privilegiada pela localização das prin­
cipais repartições, casas comerciais, estabelecimentos, etc. Assim, os
melhores hotéis, como sejam: Internacional, Hotel dos Leões e Ave­
nida eram localizados na Ribeira. Uma coisa curiosa: o Hotel Ave­
nida e hoje Avenida Hotel, está no mesmo lugar há mais de meio
século e dos três citados é o único em funcionamento, sendo, assim,
o mais antigo.
O maior e melhor cinema de então estava também na Ri­
beira: era o Cinema Politeana, com seu imenso salão de bilhar,
grande sala de espera pintada a óleo. Êste cinema tinha uma área
livre, em seu interior, que muito arejava a sala de projeção. Fi­
cava localizado à Praça Augusto Severo onde hoje se encontram
as firmas Exportadora Ornar Medeiros e Lira Oliveira &: Cia.
As melhores alfaiatarias estavam lá e eram as de Joca Lira,
Pelino Matos e Chico Noronha que, por muitos e muitos anos
ditaram a moda masculina em Natal.
Neste bairro também ficavam a Escola Normal, o grande
Grupo Escolar "Augusto Severo” — prédio muito lindo, onde
hoje é a Faculdade de Direito, Alfândega, órgão Oficial, o jornal
"A Imprensa”, Correios e Telégrafos, etc.
27
'O então Teatro Carlos Gomes, hoje Alberto Maranhão, cons­
tituía também um motivo de vida para o bairro, mas, com o ad­
vento do cinema falado e da televisão além de amortecer a arte
cênica, esfriou a vida artística da Ribeira,.
I

Na Ribeira existiu — porque hoje só encontramos um gros­


seiro arremêdo — o mais belo e encantador jardim da Cidade,
uma verdadeira obra prima de arte e bom gôsto. Natal jamais
terá outro igual. Jardim que alegrava os olhos e a alma dos nata-
lenses. Era um grande éden que tomava tôda a Praça Augusto Se­
vero em forma circular, muitas árvores, canteiros floridos e bem
tratados., O jardim era cortado por alamêdas com o piso de pe-
drinhas, vários canais e pontes que com a maré cheia causava des­
lumbramento. No meio dos canais algumas ilhotas com sapos arti­
ficiais. Recreio para nós e mais para os pássaros que eram nu­
merosos, quer os canoros voando pelas árvores, quer as rolinhas
simpáticas bicando as sementes do chão. Possuia o jardim um
grande e belo coreto de madeira, montado em base de alvenaria,
sendo obra prima de marcenaria, localizado com frente para a rua
das Virgens, hoje, Câmara Cascudo. A banda musical da Polícia
Militar realizava sempre magníficas retretas. Havia mais outra gran­
diosidade: uma fonte ornamental de bronze, constante de uma ba­
cia tendo no centro, em plano elevado, um índio estrangulando
uma jibóia que jorrava água pela boca. Esta riqueza em arte e
bronze desapareceu. No mesmo éden havia uma herma de Nísia
Floresta, em bronze, num pedestal de pedra polida, bastante sim­
ples, mas muito bonito. Onde está ela ?
I

Os clubes náuticos, Esporte Clube de Natal e Centro Náu­


tico Potengi, davam também, principalmente nos dias de regata,
muita vida e alegria ao bairro. Quando havia competição, grande
era a festa na Ribeira e centenas de pessoas desciam para o certa­
me. O Potengi ficava cheio de barcos de tôda espécie. Os clubes
disputavam ferrenhamente entre si para a conquista das medalhas
que eram entregues, logo após a corrida, pelas alunas da Escola
Doméstica, que nunca perderam uma regata. Havia tanto fanatis­
mo pelo remo, como hoje existe pelo futebol. Era um delírio. Via-
se até torcedores, no auge da alegria, atirarem-se no Rio de roupa
c chapéu quando o seu clube vencia. Os vencedores eram carre­
gados em charola. Havia, porém, muita educação esportiva e quase
sempre a guarnição vencida ia até o outro clube parabenizar os
vencedores. Tôda uma geração de atletas viveu no Potengi. Hoje,
quando há uma regata, quase ninguém comparece, o que de certa
maneira também influiu para o declínio da Ribeira. Hoje, o Po­
tengi é, para muitos dos desportistas náuticos de ontem, o Rio da
Saudade.
28
E como êste livro é mais de saudades, quero lembrar aqui
os velhos companheiros e remadores, uns já com Deus e outros
ainda entre nós, porque só assim faremos a história completa. No
Esporte Clube de Natal, parece que ainda estou vendo: Clidenor
Lago, presidente por muitos c muitos anos; Ezequias Pegado, Hrol-
der, Mister Wro, Rodolfo Maranhão, Acrisio Freire, Anaximandro
de Souza, José Lucas, Manoel Siqueira, Pedro Matos, José Augusto
de Freitas, Aluísio Moura,Lauro Pinto, João Ricardo da Cruz, An­
tônio Bento da Costa(Petit), Clodoaldo Baker, Isaac Seabra, Lu-
percio Calixto, Manoel, José e Salviano Gurgel, Antônio Miranda,
Mário Gurgel, os Wanderlindem, João Foster, Orlando Luz, Fran­
cisco e Joaquim Noranha, Arari Brito, José Areias, Antidio e Do-
micio Guerra, Jurandir Costa, Mário Vasconcelos, Joaquim Fer­
nandes, Lauro Duarte e outros. No Centro Náutico Potengi: Aní­
bal Leite Ribeiro, presidente por muitos anos; Cícero e Solon Ara­
nha, Júlio Meira, José Barreto, Avelino Freire Filho, Artur Veiga,
Renard Leite, Samuel Damasceno, Ivo Neto, Almir e Alzir Leal,
Juca Português, Antônio de Souza, Possolo, Luis Potiguar, Fer­
nandes, Adamastor Pinto, João Alves de Melo, Edgar Siqueira, Pe­
dro Ferreira, João Sizenando e outros.
E mais ainda, nossa querida e gloriosa Escola Doméstica nas­
ceu na Ribeira e lá ficou por quase meio século. Era, por muitos
motivos, o orgulho da Ribeira e alegria de todos e especialmente
dos rapazes. Era, como ainda hoje é, a sala de visita de Natal; es­
tabelecimento que já ganhou fama internacional. Entre as boas
coisas que já se fizeram no Estado, a Escola Doméstica figura em
lugar de destaque. Assim, constituía uma manhã ou tarde de festa
quando a Doméstica saía a passeio pelas ruas da Ribeira e ai até
o Cais Tavares de Lira. Meninas bonitas, impecàvelmente fardadas
com a tradicional vestimenta branca, inquietas, risonhas e felizes.
Parece que ainda estou vendo... a Diretora Maria Emiliana Sil­
va conduzindo um bando de garças: Cecilia Oliveira, Margarida
Filgueira, Olga Barbosa, Aurina Galvao, Nasinha, Paulina, Juraci
e Elza Lamartine, Cloris Xavier, Joana Darc Pereira, Lídia Zarem-
ba, Celina Cavalcanti, Laurita e Iracema Jacinto, Maria Apare­
cida Neto, Elisabeth Tinôco, Iracema Galvão, Iluminata Santa Rosa,
Maria Augusta Dantas, Safira e Iracema Fernandes, Mafalda e Gio-
vane Montenegro, Julieta Dantas, Maria de Lourdes Couto, Noemia,
Djanira e Lindalva Lucena, Wenceslina e Giselda Salustino, Alix
Ramalho, Aguinoral Dantas, Chicuta Nolasco, Maria Luiza e Lin­
dalva Pinheiro, Maria de Lourdes Capistrano, Anita Ferreira
de Souza, Eunice Resende, Celia e Celicia Marinho, Wancy e
Calipso Aquino, Yára Alice do Rêgo, hoje, senhora Yára do
Rêgo Pinto e outras de cujos nomes não me recordo no
momento. Era um bando de adolescentes tocadas pela beleza
Antigo e belo jardim da Praça
Augusto Severo, hoje, sem
qualquer beleza.
Avenida Tavares de Lira de
antigamente. Vê-se a praça
com automóveis Fords.

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Antiga “Escola Doméstica”.
Antigo jardim da Praça Leão
XIII, hoje, Capitão José da
Penha. Na casa em frente,
residia o Capitão José da
Penha por ocasião do bom­
bardeio. Hoje, em seu lugar,
está edificado o Grande Hotel
29
das mulheres nordestinas, as filhas espirituais do imortal Hen­
rique Castriciano. Há poucos anos, a Escola Domestica mudou-se
para o Tirol. Mas, quem, como eu viu tudo isto e hoje passa por
aquela casa grande e bonita onde atualmente funciona um depar­
tamento do IN PS, ao lado da Faculdade de Direito, e que escolheu
naquele viveiro cheio dos pássaros mais lindos de Natal uma môça
para sua esposa, sente uma imensa saudade como se tudo já tivesse
passado na vida. Com a transferência da Doméstica, a Ribeira sofreu
mais um duro golpe.
E, finalmente, na Ribeira existiu outro lindo jardim, em
frente à Igreja do Bom Jesus das Dores, hoje, Praça José da Penha
com os nomes anteriores de Campina do Bom Jesus e Praça Leão
XIII. A Campina era o lugar dos bons circos que apareciam em Natal.
Um jardim pequeno mas muito bonito e bem cuidado, com seu ma­
jestoso coreto de alvenaria, bancos e árvores. Muito frequentado,
principalmente, nos dias de retretas. Também a Igreja teve seus
dias de glória. Muito bonito o mês de maio porque os padres es­
trangeiros sabiam organizar festas. Era, naturalmente, a igreja fre­
quentada pela Escola Doméstica. Hoje, não existe mais o jardim
que era tão formoso e muito menos o coreto. Atualmente, naquele
lugar, só encontramos sujeira e escombros. A Ribeira não merecia
tantos castigos.
Finalmente, não. Há mais a lamentar. Existiu na Ribeira um
mercado — o Mercado Público da Ribeira — que ficava localizado
na esquina do lado esquerdo na confrontação das ruas Ferreiras Cha­
ves e Almino Afonso. Um prédio bonito e bem construído. No prin­
cípio, tudo ia muito bem, mas depois a freguesia foi desaparecendo
e o mercado morreu. Hoje, onde foi o velho mercado é um depósito
da Prefeitura Municipal. Falando em mercado, é bom lembrai' que
neste bairro existiu uma grande feira, era a Feira da Tatajubeira
localizada no princípio da rua Ferreira Chaves, numa pequena praça
hoje edificada. O nome da feira provinha de um imenso pé de ta-
tajuba existente no local. Era uma feira tradicional, porque vinha
desde tempos imemoriais. Tudo ali era mais barato, razão pela
qual era muito frequentada. Acabou-se, também.
Nem tudo, porém, na Ribeira, como ainda hoje, é côr de rosa.
Como todo bairro tem seus defeitos, lacunas ou desvantagens, a Ri­
beira tem inúmeros. Sendo a parte mais baixa de Natal, é a mais
quente, por ser menos ventilada. Muito baixa e quase ao nível do
Potengi, sempre foi alagada pelas chuvas, que, dia a dia, aumen­
tam a alagação devido ao crescente calçamento e asfaltamento de
outros bairros. Ainda hoje, quando chove, a Ribeira torna-se um
imenso lago cujas águas chegam a invadir as casas. Águas sujas,
porque tôda a podridão da Cidade, e que não é pouca, vai de pre­
sente para a desvalida Ribeira. O problema é antiquíssimo. Até
t

30
hoje não houve um só prefeito que dedicasse especial atenção a essa
vergonha. E o bairro, úmido e abafado, facilita a proliferação dos
mosquitos.
Como principal defeito e, desde também tempos mais remo­
tos, como até hoje, teve a Ribeira a pouca sorte de ser a Capital
Federal da prostituição profissional. Ali o meretrício era franco
e escandaloso e até funcionando perto das casas de famílias. Na
Ribeira sempre existiram as pensões alegres mais ricas e bem ser­
vidas, como outras mais modestas. Da boate mais granfina até o
sórdido, imortal e já tristemente célebre Beco da Quarentena. Para
a Ribeira desciam os frequentadores do amor pago e lá encontra­
vam os embarcadiços nacionais e estrangeiros. E neste setor a Ri­
beira deu, como ainda hoje, muito trabalho à Polícia, porque a
prostituição é irmã gêmea do álcool e prima da baderna. Com a
saída das famílias para outros bairros, o meretrício aumentou. Em­
bora pensões alegres estejam espalhadas por outros bairros, a Ri­
beira não perdeu a posição de destaque no comércio de carne hu­
mana viva.
Pelos motivos descritos, a Ribeira perdeu muito de sua im-
portância, alegria e movimento. Até o fim da última guerra a
Ribeira ainda ostentava a predominância da vida comercial. De
lá para cá entrou em decadência, pois quase tudo de importante
transferiu-se para a Cidade Alta ou para lá foram filiais de bancos,
casas comerciais, etc. Assim mesmo, algumas grandes firmas como
sejam: Lira Oliveira & Cia., Drogaria Brasil, Exportadora Ornar
Medeiros, A. Gomes Tecidos S/A, M.M. Costa. J. Resende Comér­
cio, Sepan, Cesar S/A Comércio e Representação, Cooperativa Cen­
tral de Crédito, Galvão Mesquita Ferragens. Armazém Elias Lamas,
Bazar Doméstico, Aureo Borges e outras, ainda estão estabelecidas
na Ribeira. Hoje, (piem tem negócio ou uma simples compra a
fazer, não necessita mais ir a lá à Ribeira, pois tudo é encontrado
na Cidade Alta ou no Alecrim. Fugiram da Ribeira a movimen­
tação, os grandes “papos” e as constantes fofocas dos comerciantes
c industriais. A “Tipografia Comercial”, de José Pinto, que era
um admirável conversador, à Avenida Tavares de Lira, era o ponto
certo dos Desembargadores e lá estavam todos os dias: Dionisio
Filgueira, Benício Filho, Antônio Soares, Horácio Barreto, Fran­
cisco Albuquerque, Silverio Soares, Felipe Guerra, Hemeterio Fer­
nandes e outros, onde a palestra era mais refinada. A “Livraria
Cosmopolita”, de Fortunato Aranha, era a roda dos advogados e
intelectuais, presidida por Nestor Lima. E ainda na Tavares de
Lira, reunião em baixo das árvores comandada por Oscar Rubens e
Joaquim Freire. Era a roda mais perigosa.
.-5 BIBLIOTECA
— 31 — 3 CENTRAI.

CAFÉ “COVA DA ONÇA”

Falando-se das coisas antigas de Natal, e em particular, da


Ribeira, não poderia de maneira nenhuma ser esquecido o célebre
café “Cova da Onça”, pois o mesmo teve lugar de destaque na
crônica política e social do Estado tal a influência que o mesmo
exerceu por muitos anos.
O “Cova da Onça” era o Quartel General do Partido Po­
pular, depois U. D. N., e hoje, podemos dizer a ARENA. Ali reu­
niam-se os políticos e adeptos dos chefes políticos, entre êles: José
Augusto Bezerra de Medeiros e Rafael Fernandes, que das sete
horas da manhã até às dezoito horas discutiam, confabulavam, fa­
ziam prévias eleitorais, elaboravam minutas de telegramas e resol­
viam todos os assuntos políticos. Naquela época, governava o Es­
tado, como Interventor, o Dr. Mário Câmara, que estava aliado a
Café Filho e na oposição o Partido Popular. Os oposicionistas eram
conhecidos por “perrés” e os governistas por “pela-buchos”.
No “Cova da Onça” a bebida quase única era o — cafèzi-
nho — que os políticos consumiam diàriamente às toneladas, sen­
do o campeão olímpico da degustação o boníssimo Celestino Wan-
derley que, por sinal, não era político.
Quando o ambiente político estava mais caregado, o café
pegava fogo e tome: café e cigarro. Era uma fábrica de golpes
altos e baixos. Diziam os “pela-buchos” que no “Cova da Onça”
tinha uma potentíssima estação de rádio transmissora e receptora
de. . . boatos.
Parece que ainda estou vendo no célebre café: Eloi de Souza,
Bruno Pereira, Felinto Manso, Glicerio Cícero, Paulo Viveiros,
Aldo Fernandes, Mariano Coelho, Nominando Gomes, Renato Dan­
tas, Manoel Gurgel, Manoel Cavalcanti, Milton Varela, Jonas Leite,
Cônego Amancio Ramalho, Florencio Luciano, Salviano Gurgel,
João Ferreira de Souza, Gentil Ferreira, Manoel Alves, Joel Vilar,
João Marcelino, Aristófanes Fernandes, João Câmara, Vicente Mes­
quita, Luis Julio, José Mesquita, Tibúrcio Gambarra, Jocelim Villar,
Alberto Roselli, Monsenhor João da Matha, Gonzaga Gaivão, Di-
narte Mariz, Pedro Amorim, Agenor Lima, Alfredo Mesquita, Luis
Antônio, Adherbal de Figueredo, Ornar Medeiros e outros.
O certo é que o “Cova da Onça” deu muita vida à Ribeira
c muitas coisas que ali se planejaram foram posteriormente reali­
zadas pelo Partido Popular vitorioso.
Êsse café também ficou na história política do Estado por­
que foi palco de um conflito sangrento na manhã do dia 29 de
outubro de 1985, por ocasião do embarque do Dr. Mário Câmara,
que havia deixado a Interventoria do Estado depois da maior e
32
cruenta campanha. Cada um conta o caso ao seu sabor, porém o
mais positivo é que a agressão partira dos políticos e populares
que estavam no café. Houve o tiroteio, correrias, confusão e atro­
pelos. A Guarda-Civil atirando para o café, e as pessoas que esta­
vam lá respondendo na mesma altura. Felizmente, só houve a la­
mentar dois feridos: o chofer do Cônego Amancio Ramalho e o
cidadão Artur Bezerra. Estava na Interventoria o Capitão Liberato
Barroso e assim o Dr. Rafael Fernandes ainda não havia assumido
o Govêrno. Os “perrés” já estavam se assanhando. . .
Aliás, a Avenida Tavares de Lira foi sempre palco dos maio­
res e mais sangrentos conflitos políticos. Uma avenida tão bonita
e tão cheia de sangue. Que destino cruel!
O primeiro conflito a lamentar foi o conhecido por — tiro­
teio do Capitão José da Penha — quando sua casa, onde é hoje o
Grande Hotel, foi bombardeada pela Polícia por questões políti­
cas. O fato verificou-se no dia 21 de julho de 1913. A Polícia ata­
cou da Praça Leão XIII, hoje, Capitão José da Penha e do fim
da Avenida Tavares de Lira.
No dia 5 de fevereiro de 1930, nova cena de sangue na Ta­
vares de Lira, quando a Caravana da Aliança Liberal chefiada pelo
então deputado Batista Luzardo e hospedada no Hotel Interna­
cional foi atacada. A multidão era imensa na Avenida. Morreu neste
conflito o estudante Indaleto de Freitas. Muitos feridos. No dia
seguinte a avenida estava cheia de chapéus e calçados. . .
No dia 5 de março de 1935, numa têrça-feira de Carnaval, o
mais doloroso dos conflitos com seis mortos e muitos feridos. Com­
bate entre a Guarda-Civil, populares e soldados do Exército. Isto
em plena Avenida Tavares de Lira. Também arruaça de fundo
político.
Afinal, por falar em conflito, convém lembrar que não foi
na Tavares de Lira, mas, no Cinema Politeana, também situado
na Ribeira, que o Capitão Everardo Vasconcelos agrediu Café Fi­
lho. Houve trocas de tiros e só a lamentar o ferimento recebido
pelo último, fato verificado no ano de 1933. Depois desta cena de
sangue os protagonistas ainda viveram trinta e sete anos e falece­
ram recentemente no mesmo ano e quase no mesmo mês. Como
os anteriores, êsse último fato verificou-se cm face de decorrências
políticas. Só estou relatando incidentes de consequências políticas,
pois, outros fatos sangrentos, sem qualquer ligação com a política
partidária, tiveram por palco o “Cova da Onça”.
Aqui deixo a velha Ribeira, tão velha e cheia de tradições.
Se bem que ainda movimentada não existe mais aquela alegria e
encantos provincianos. Ela nem parece a mesma, pois, até velhos
canguleiros viraram xarias. Hoje só os repiques dos antigos sinos
33

da Igreja do Bom Jesus nos lembram que estamos em sua casa.


Mas não fique triste, Ribeira amiga, pois, para sua glória e orgulho,
quantum satis ter assistido os nascimentos de entre outros: Ferreira
Itajubá, Café Filho, Câmara Cascudo e Frei Miguelinho.

CIDADE ALTA

Êste bairro tinha quase os mesmos limites de hoje e come­


çava na rua Juvino Barreto até encontrar a Avenida Deodoro, do­
brando à direita até encontrar a praça Carlos Gomes, antigo Baldo,
daí até o Rio Potengi e marginando o mesmo até a Fábrica de
Fiação e Tecidos, onde hoje está sediada a firma Nóbrega & Dantas.
A Cidade Alta tinha um privilégio, pois, ficavam lá as prin­
cipais repartições e entidades como sejam: Palácio dos Governos
Estadual e Municipal, Quartel da Fôrça Federal, onde esteve por
cem anos e onde hoje funciona o Colégio Estadual Winston Chur-
chill e transferido há poucos anos para o Tirol; Quartel da Polícia
Militar também transferido para o Tirol, o grande Mercado Pú­
blico Municipal desaparecido há pouco por um incêndio, Bispado
Catedral, Capitania dos Portos, Tribunal de Justiça, Igreja Pres­
biteriana, Liceu Industrial e outros que davam muita vida ao bairro.
Na Cidade Alta ficava o velho Atheneu Norte-Rio-Grandense
também transferido há poucos anos para Petrópolis. O velho
Atheneu era a pimenta do bairro, cujos numerosos alunos alegra­
vam as ruas com aquela euforia maluca peculiar à mocidade, em­
bora os alunos fôssem o tormento do Secretário e dos velhos Pro­
fessores João Tiburcio, Joaquim Torres, Padre Calazans Pinheiro,
Teódulo Câmara, Celestino Pimentel, Abel Barreto e outros.
Êste bairro era quase exclusivamente familiar e de popula­
ção mais numerosa. Muitas pessoas que trabalhavam na Ribeira
eram, entretanto, residentes na Cidade Alta. Depois as famílias
começaram a procurar outros bairros pela invasão do comércio.
Hoje é quase um bairro exclusivamente comercial.
O comércio de então era muito menor do que aquele da Ri­
beira como já vimos, mas assim mesmo existiam algumas grandes
firmas como sejam: Felinto Manso, José da Luz, Luís Veiga, Mi­
guel Barra, Urbano Petrizzi, Policiano Leite, Tomás da Costa, Ir­
mãos Palatinik, Albino Borges, Luís Bandeira, Graciano Melo e
outros. Hoje, existem um imenso comércio e algumas indústrias.
Muitos bancos. Algumas das firmas principais são: Casa Rio, Lo­
34
jas Brasileiras, Duas Américas, A Formosa Síria, Casa Rubi, Casas
Cardoso Tecidos, M. Martins 8c Cia., As Nações Unidas, Livraria
Universitária, ótica Brasil, Brasilgás e Heliogás, Casa Garcia, Ca­
sa Régio, A Nova Paris, Lojas Paulista, Casa Lux, Galeria Olímpio,
Armazéns Narciso, Casas Cebarros, Loj as Wacil, Casa da Música,
Lojas 1.100, Lojas Avenida, Ferragens Brasil e Santa Maria, Casa

espécie, importância. Cinemas, casas de lanche, companhias de


aviação, fotografias, armarinhos, etc.
Existiu neste bairro o maior ponto de concentração de ricos
e pobres, que era o antigo Mercado Público Municipal, construído
em 1892 e, posteriormente, demolido e um novo construído e inau­
gurado no dia l.° de maio de 1937, o qual foi totalmente destruído
por um pavoroso incêndio há poucos anos. Ainda hoje lá estão os
escombros.
No Mercado Público Municipal tanto o primeiro como o
segundo, onde todos adquiriam, diàriamente, suas mercadorias, era
o lugar onde se sabia de todos os acontecimentos, quer políticos
ou sociais e, principalmente, os ridículos enredos provincianos. Ali
bem cedo, já se tomava conhecimento do “bicho” que havia dado
no dia anterior. Comentava-se a mulher que havia largado o marido
e vice-versa. Tomava-se logo conhecimento de quem havia falecido,
quando o Estado abria pagamento, quem havia chegado do Rio,
quem o Interventor havia demitido, os desastres, etc. Havia os
boateiros e os que gostavam de transmitir notícias, principalmente,
as de morte. No Mercado sabia-se de tudo, sem precisar de qualquer
jornal, porque o Mercado era, por si mesmo, um jornal vivo. Como
era gostoso!
Os Mercados Públicos constituem um ponto de desabafo da
alma humana nos países subdesenvolvidos. Quem solta uma estória
verdadeira, e, principalmente, um boato contra o Govêrno, sente-se
bem e esquece momentâneamente os sérios problemas que vai en­
frentar naquele dia e segue assim com o espírito renovado. É uma
válvula por onde escapam os recalques, as misérias e as infelicidades.
Os sociólogos deviam estar atentos ao fato e, assim tão logo um
mercado desaparecesse por qualquer motivo, solicitassem a quem
de direito a construção imediata de outro. O Mercado de hoje de­
ve ser igual ao Circo dos romanos, cuja função era distrair o povo.
A construção de — mercadinhos — como estão fazendo, não re­
solve o problema, porque o povo tem mêdo de soltar ou dar curso
a boatos em ambientes acanhados.
( Bem se diz que Natal é “a terra do já teve”. \
Neste bairro ficava o falecido “Royal Cinema” que teve até
a honra de uma música imortal, com o seu nome, valsa de reper­
cussão universal e de autoria do grande compositor Tonheca. Êste
cinema dominou por muitos e muitos anos a vida alegre da cidade.
Prédio muito bonito para a época e muito grande porque, come­
çando na esquina da rua Vigário Bartolomeu com a esquina da
rua Ulisses Caldas até encontrar com o prédio da Prefeitura Mu­
nicipal. Ainda hoje é o mesmo, embora com mais de cinquenta
anos. Os proprietários eram os Srs. Américo Gentile, italiano, gor­
do, pesadão, bonachão, sempre de bengala e charuto e Alberto Leal,
pernambucano, magro, alto, vermelho, agitado, muito trabalhador
e sempre de branco, colete c uma enorme corrente de ouro atra­
vessada.
Como único cinema da Cidade Alta era muito frequentado.
Aos domingos, na sessão vespertina, o canalhismo era tremendo,
orquestrado pelos líderes absolutos: Otávio Pinto, Jessé Café e José
Herôncio. O porteiro, Jorge Palito, um dos tipos mais populares
de então, comia fogo na mão dos insubordinados. Todos os dias o
filme era nôvo e raramente repetido. Havia uma coisa interessante:
a sessão noturna somente começava quando Donana (D. Ana Maria
Câmara Cascudo) mãe do nosso querido Luís da Câmara Cascudo
(Cascudinho) chegava, embora com o atraso dc meia-hora. Naquele
tempo o povo era cheio de bom humor e assim ninguém reclamava./
A orquestra do “Royal Cinema” era uma das melhores de
Natal. Ao piano o maestro Paulo Lira, violino Augusto Coelho,
clarinete João Morais, flauta Manoel Petit e contrabaixo Calazans
Carneiro. Só a música pagava o ingresso.
Em determinada época houve uma divergência entre os dois
sócios e, então. Alberto Leal separou-se e construiu o ‘‘Cinema Rio
Branco” esquina da rua Auta de Souza com a avenida Rio Branco
n.° 461, que teve duração efêmera, pois os antigos sócios fizeram
as pazes. O prédio do Rio Branco ainda hoje é o mesmo.
Quando o proprietário Américo Gentile recebia uma recla­
mação. porque o filme era muito ruim, êle respondia calmamente:
“Besteira. O povo gostou”. “Um homem bom e calmo. Êste cinema
entrou para o rol “do já teve”.

O“GRANDE PONTO”

Ontem, como ainda hoje penso, ainda perdurará por mui­


tos anos, o maior e mais movimentado ponto de reunião dos “pa­
pos” de Natal: a fortaleza denominada Grande Ponto. Lugar de
reunião das conversas infindas, dos partidos políticos em assem-
36
bléias extra-oficiais, dos encontros amorosos, das discursões espor­
tivas, da exibição de vestidos novos, dos aposentados e vagabundos,
das fofocas e, mais ainda, do falatório da vida alheia. Sempre foi
assim, como em todas as cidades. Antigamente, essas reuniões em
Natal, como nos diz o historiador General Pessoa de Melo em seu
livro “Natal de Ontem”, tinha o nome de — Cantões —, cêrca de
cem anos atrás, e o principal em malícia e vivacidade era o conhe­
cido por “Cantão da Cameleira” situado na Praça da Alegria, hoje,
Praça João Maria.
Assim o nosso Grande Ponto é o Cantão de 1970. Sendo que
o de hoje é mais feroz. Ali nada se perdoa e a língua é a mais fe­
rina do mundo. A pessoa que passa ali — posuda — é logo taxado
de côrno, filho da puta, ladrão ou pederasta passivo, seja ou não.
É preciso assim, passar humildemente e a todos cumprimentar com
um leve sorriso. Do contrário o pau come, sem qualquer distinção
social.
O Grande Ponto é a maior fonte de informações do Estado.
Quem tem em primeira mão uma notícia sensacional corre para
transmiti-la nas rodinhas. Os fatos escabrosos são ali analisados,
discutidos e julgados. As boas notícias são pouco comentadas.
Quando há um boato alarmante, aquilo fica fervendo. Há gente
que não passa ali de jeito nenhum, principalmente os que têm
imenso — rabo de palha. Conheço um natalense que frequenta o
Grande Ponto há quase 30 anos, sem ter faltado um só dia! Cam­
peão de assiduidade e irreverência.
Ali no Grande Ponto existiu o maior e mais movimentado
clube recreativo, o “Natal Clube”, que dominou a vida alegre da
cidade por mais de meio século. Muitas gerações ali se divertiram.
Fundado no dia 22 de julho de 1906 e dissolvido no dia 5 de no­
vembro de 1968; viveu assim 62 anos. Era uma das mais antigas
sociedades de Natal, pois antes dela somente existiam a Loja Ma-
çônica “21 de Março”, a Irmandade do Santíssimo Sacramento, a
“Previdente Natalense” e a “Liga Artístico-Operária”.

NATAL-CLUBE

O leitor encontrará no final dêste livro uma fotografia muito


antiga, onde figuram 36 sócios e apenas um se encontra vivo que
é o Sr. João Emilio Freire, filho do antigo comerciante Avelino
Alves Freire que foi Presidente da Associação Comercial. Hoje,
banqueiro aposentado, reside nesta cidade.
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Neste prédio funcionava o


famoso café “COVA DA
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ONÇA” e está localizado na
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Avenida Tavares de Lira,


ns. 40 e 44. (Foto do autor)
Casa onde viveu e morreu o
Professor João Tibúrcio da
Cunha Pinheiro localizada na
Praça que tem o seu nome,
na Cidade Alta. (Foto do
f autor).
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Antiga Rua Coronel Pedro


Soares, hoje, João Pessoa,
com a esquina da Avenida
Rio Branco. Vê-se à esquerda
o antigo Café Avenida, onde
atualmente se ergue o Edifí­
cio Amaro Mesquita. Vê-sc,
também, as enormes mon-
subeiras.
I

Trecho da Av. Rio Branco


em direção à Ribeira. Antiga
fotografia em que vemos as
mongubeiras que iam até à
Rua Juvino Barreto.
Histórica e rara fotografia apanhada há mais <le meio
século, pelo fotógrafo João Gaivão Filho, dos sócios
do "Natal Clube”, no salão de dança cia sede.
Da esquerda para a direita, sentados: Alexandre Reis,
X
Manoel Dantas, Odorico Pelinca, Moisés Soar/ x
Monteiro Chaves, José Mariano Pinto (Presidente),
Pedro Soares, Tosca no de Brito, Teóíilo Brandão,
Ezequiel Wanderley e Nestor Lima. De pé, 11a fila cio
meio, também da esquerda para a direita: Galclino
Lima, Julio Rezende, Teodorico Guilherme, Solon
Gaivão, João Emilio Freire, Mário Lira, Ponciano
Barbosa, Brito Guerra, não identificado, (eram
engenheiros das Secas), Alipio Barros, não identificado,
João Sizenando e Núnzio Gianatazio. Na última
carreira, também da esquerda para a direita: Antônio
Artur, Rogério Afonso Costa, Cliclenor Lago, João
Gaivão, Antônio Silva, Silvino Dantas, Luís Potiguar
Fernandes, Antônio Nesi, Luís Ávila, Antônio Gurgel e
Miguel Barra. Dos identificados, o único vivo é o
Sr. João Emilio Freire, residente nesta cidade. Outros
sócios não puderam comparecer como sejam:
Cel. Francisco Cascudo, Cel. Joaquim Anselmo e
Dr. Alberto Roselli.
O resto da miséria do sempre
miserável “PASSO DA
PÁTRIA”. É como disse
Nabuco: “São quatro paredes
separadas no interior por
uma divisão em dois ou três
cubículos infectos, baixas,
esburacadas, abertas à chuva
e ao vento, pouco mais que
o curral, menos do que
a estrebaria”.
(Foto do autor).

V 5'.

X-’ <. X ‘'


Vó'.

Prédio onde funcionava o


histórico café “MAGESTIC”.
(Foto: Nadelson).
Santa Cruz da Bica. (Foto:
Nadelson).

V.’.VA

.•.*.• V
37
Como em tôdas as sociedades, pois é difícil uma entidade
viver muitos anos sem os — abnegados — o Natal-Clube — pos­
suía os seus, e entre os mais esforçados estavam: José Pinto, por
muitos anos Presidente, Teodorico Guilherme, Odorico Pelinca,
Antônio Artur, Mario Lira, Manoel Dantas, Clidenor Lago, Antô­
nio Nesi, João Galvão e outros.
Os bailes, os piqueniques e os carnavais organizados por êste
clube eram assombrosos em organização, alegria e ordem. Todos
os anos o Natal Clube fazia o Natal dos filhos sócios e uma grande
árvore era plantada no meio do vasto salão e a distribuição de
brinquedos era generosa. Todos saíam satisfeitos. Entre os muitos
piqueniques organizados, o maior e que causou melhor impressão,
íoi o reahzado no Engenho Cajupiranga. Seguiu para lá uma com­
posição de trem que ia lotada. Um verdadeiro sucesso. E também
todos os anos o clube promovia, dias antes do Carnaval, um mag­
nífico “Zé Pereira”, com todos os sócios fantasiados, em um bonde
enfeitado e música. O Zé Pereira assaltava casas dos sócios prèvia-
mente determinados e eram verdadeiros banquetes, com tôda sorte
de bebidas, principalmente nas casas de Antônio Artur, Manoel
Cristino e Odorico Pelinca e outras. Quanto aos bailes, impecà-
velmente organizados eram brilhantíssimos, A melhor orquestra*
da cidade tinha contrato permanente. E uma coisa curiosa: não
havia qualquer briga, como acontece quase sempre hoje nos clubes
mais ricos da cidade. E é preciso notar que a bebida naquele tempo
era gratuita. Hoje, se a cerveja e as demais bebidas de teor alcoó­
lico mais elevado fôssem de graça, não havería briga, e sim, um
conflito municipal.. .
Para não dizer que nada houve nos bailes de antigamente,
verificou-se um fato que ia degenerando cm seríssimos aborreci­
mentos para o clube. Naquela época já existia a invencível insti­
tuição dos — penetras. A Diretoria então resolveu que só ingres­
saria no baile o convidado exibindo o convite e sem exceção. Fal­
tava, porém, um sócio para o espinhoso cargo da Portaria, pois
muitos consultados não aceitaram. Afinal foi escolhido o Dr. Júlio
de Melo Resende, conhecido por suas qualidades de homem duro,
porém muito calmo e educado. O escolhido fêz ver a delicadeza do
encargo, de vez que as instruções eram severas. A Diretoria insis­
tiu e o Dr. Resende aceitou a missão. Naquela época os bailes co­
meçavam às 21 horas e já às 19, o Dr. Resende estava no pôsto de
sacrifício. Alguns penetras foram barrados sem qualquer problema.
Mas eis que chega um automóvel com o Gapitão dos Portos, far­
dado, acompanhado da esposa e duas filhas. Na porta foi exigido
o convite e o militar disse que havia deixado o mesmo, mas se
não tivesse sido convidado ali não estaria. O Dr. Resende disse
então que a família entraria, mas que êle voltasse para apanhar
38
o convite. O Capitão dos Portos não aceitou a sugestão e o “bôlo”
estava formado. Começou a juntar o pessoal do sereno. A Dire­
toria, como era de esperar, interveio em favor do ilustre mari­
nheiro. Entraram. E o Dr. Resende, sem perder a calma, apanhou
o chapéu e deu o fora.
Depois dos dias mais gloriosos do Natal-Clube, sócios mais
jovens tomaram conta da sociedade, que, embora sem o brilhan­
tismo de antigamente, foi teatro de muitas festas. Edificaram, en­
tão, a nova sede. Depois o clube foi declinando em festas e flo­
rescendo em jogos. Transformou-se em sociedade anônima. Quan­
do o prédio estava muito valorizado, foi o mesmo vendido e o clube
morreu. Desapareceu uma das maiores tradições da cidade.
Da esquina do Natal-Clube partiram no dia 14 de janeiro
de 1923, em reide pedestre Natal — Rio — São Paulo, os escotei­
ros José Pessoa, Humberto Lustosa da Câmara, Henrique Borges,
Aguinaldo Vasconcelos e Antônio da Silva, da sociedade “Escotei­
ros Andantes”. Chegaram no Rio, no dia 02 de agosto e em Sao
Paulo, no dia 2 de setembro de 1923. Êste reide não foi um passeio
à toa, e sim, tecnicamente organizado, estudado e planejado. O
itinerário teve de ser prèviamente aprovado pela Federação dos
Escoteiros de São Paulo. Não é possível dizer em poucas linhas o
quanto de sofrimento e sacrifícios aguentaram nossos “raidmen ’
pelo longo caminho. Picadas de mosquitos, encontro com índios,
febres, ferimentos, sêde e fome. Afinal venceram. E a recepção, em
São Paulo, foi a maior já verificada na história do escotismo. Basta
dizer que o povo se aglomerou na estrada nove quilômetros antes
do ponto final. Hoje, quarenta e sete anos depois do grande acon­
tecimento, ainda estão vivos os cinco heróis natalenses.
As ruas e praças da Cidade Alta são quase as mesmas de
hoje, com algumas modificações para pior. Assim é que a Praça
André de Albuquerque era constituída de um lindo jardim, com
árvores, bancos e um lindíssimo coreto como o que existiu na Praça
Augusto Severo, na Ribeira. Fizeram nesta praça várias reformas
que não deram certo por falta dc cuidado. Hoje, é uma praça aca­
bada. O mesmo aconteceu com as Praças Pio X e João Tibúrcio.
Apenas surgiu uma pracinha nova que é a John Kennedy, no co­
ração do Grande Ponto.
Conforme disse, as ruas e praças são as mesmas de antiga­
mente, variando apenas com as mudanças de nomes, que em alguns
casos foram infelizes porque substituiram nomes tradicionais e já
na alma do povo, como foram as das ruas: “Estrela”, “Dos Tocos”,
“Vai-quem-quer” e outras.
( Mas hoje, como ontem o Grande Ponto, a Cidade Alta é o
coração de Natal. O movimento hoje é enorme. Lojas e estabele­
39
cimentos modernos e artisticamente ornamentados. Ótima ilumina­
ção. Pelas 17 horas temos até a impressão de que estamos em uma
cidade grande?.
Local predileto para o término dos grandes comícios polí­
ticos. Local para ações mais rápidas de aprovação ou de rebeldia.
Não é de hoje este ambiente reinante no GRANDE PONTO.
Sempre foi assim. Em 1917, o bonde de Petrópolis descia para a
Ribeira e, ao cruzar com a rua Coronel Cascudo, (Beco da Liga
Artístico-Opcrária), atropelou e matou uma pobre velha. A rapa-
lo Gilbert prendeu o motorneiro
ou o galego da Empresa de Tração
Torça e Luz. Ficou patente que o motorneiro não tinha culpa, pois
a mulher era quase surda e muito deficiente da vista. A coisa es­
tava assim quase que resolvida, quando o galego da Empresa disse

Artur Coelho, começou a depredar o bonde. Vidros quebrados, ban­


cos danificados, etc. Mas o veículo era duro e a coisa ia ser demo­
rada. Resolveram, então, incendiá-lo. E chega o Antônio Coutinho
Madruga com uma lata de querosene. O bonde foi lavado de ponta
a ponta e o fogo foi o maior. Em pouco tempo, o carro estava re­
duzido a um monte de ferros retorcidos. Mário Gurgel, também
baderneiro e fotógrafo amador, bateu uma bela chapa do bonde
rodeada pelos heróis. A Polícia fêz uma investigação e só encontrou
filhos de gente graúda dentro dos incendiários. Inquérito abafado.
E, ainda hoje, depois de mais de meio século, o motorneiro ainda
está bem vivo para contar o incêndio. Fábio Zambrotti foi a pes­
soa que gritou: “Fogo no bonde!’’.
Também no Grande Ponto, no dia 5 de outubro de 1930, o
Dr. Ornar Lopes Cardoso detonou a primeira e última dinamite
por ocasião da Revolução. O estampido foi tremendo e diversas casas
tiveram suas vidraças partidas. O prejuízo maior foi o verificado
no Cais Tavares de Lira. Um rebocador estava atracado com uma
corda segura na balaustrada do Cais. O rebocador ia levar gover­
nantes que se retiravam do Estado com a aproximação das forças
rebeldes. Quando o estrondo foi ouvido o rebocador arrancou sem
a prévia retirada da corda e levou a metade da balaustrada.
Até à supressão dos bondes, Natal não teve mais do que
quatro linhas que eram: Petrópolis, Tirol, Alecrim e Circular.
Houve apenas variação quanto à extensão. Assim c que o carro de
Petrópolis que usava farol vermelho, ia até o fim da balaustrada
da Avenida Getúlio Vargas, passando depois a ir até à Areia Preta,
voltando depois ao ponto de origem. O bonde do Tirol que tinha
o farol verde, ia até o antigo Aéro Clube. O do Alecrim, com farol
40
roxo, ia até à Praça Gentil Ferreira e depois até à Lagoa Seca. O
Circular, sem luz específica, rodava somente entre a Cidade Alta
e a Ribeira.

O PASSO DA PÁTRIA

Penso que as duas últimas gerações de natalenses nunca sou­


beram o que foi o Passo da Pátria, muito embora descrito pelo
Mestre Câmara Cascudo, em “História da Cidade do Natal”, pois
o livro foi publicado em 1947 pela Prefeitura Municipal do Natal
c prontamente esgotado. Mas, assim mesmo, diremos alguma coisa
do que foi o velho logradouro, porque hoje êle só existe pelo nome.
Só a tradição.
Passo da Pátria fica na parte mais baixa da Cidade Alta,
à beira do Rio Potengi. Dois caminhos nos levam para lá, um pela
rua João da Matta e o outro pela rua Passo da Pátria.
O local era constituído de um grande quadrado: à frente
o rio Potengi, à direita um grande galpão de alvenaria e coberto de
telha onde os barcos atracavam com a maré cheia, à esquerda uma
fileira de bodegas e, atrás, a linha da Estrada de Ferro. No centro
do quadrado, a grande feira.
O Passo da Pátria vivia em função da feira que era perma­
nente para venda de madeira, caibros, ripas, telhas, tijolos e lenha.
Aos sábados, havia a feira geral c vinha muita gente de tôda Natal
fazer compras. Em matéria de artigos de barro o sortimento era com­
pleto: potes, alguidares, panelas, jarros,etc. Para crianças, os cobiçados
cavalinhos e panelinhas de barro comum e branco. Em redor do qua­
drado, dezenas de tabuleiros com grude, sequilho, cocada, tapioca,
milho assado, garapa de cana, farinha de milho, suspiro, alfenim,
etc. As bodegas vendiam pão, palma, bolacha, rapadura, farinha
ordinária, peixe sêco, querosene, cachaça, espoleta, chumbo e pól­
vora marca “Elefante”. Havia um batalhão de mendigos, cegos, alei­
jados e ébrios, sendo que muitos dêles vinham dos povoados vizi­
nhos para aproveitar os dias de sábado. Era o lugar mais sujo,
nobr
das, doentes, desgraçadas, cachaceiras, imorais e infelizes de Natal
e talvez do Mundo. Ali havia mais fome, doença e miséria do que
obscenidade ou prazer sexual. Ali a condição humana atingiu o
máximo em infelicidade e degradação. Tanto assim que o maior
desaforo e a ofensa mais ferina era o de chamar a qualquer me-
41
retriz, mesmo sendo de baixa classe, de “puta do Passo da Pátria”.
E mais ainda para agravar a desventura das mesmas, eram elas co-
mumente vítimas de “seixos”. É como diz o ditado: “No mundo há
gente para tudo e ainda sobra”.
Felizmente, não existe mais aquele cancro no velho e tradi­
cional Passo da Pátria e, para compensação, ou homenagem àque­
las que ali tanto sofreram e morreram, o Destino plantou no mes­
mo local uma casa de luz, ou seja, uma bonita escola. Foi o único
presente nobre e generoso que o Passo da Pátria recebeu depois
de duzentos anos.
A feira do Passo da Pátria marcou época. Aos sábados, pela
tarde, muitas famílias faziam compras. A garotada comprando grude,
sequilhos e cavalinhos de barro. À noite, porém, o espetáculo era
outro: forrobodó e cachaça. Mulher e punhal, pois naquele tempo
não usava “peixeira”. Mas tudo já passou. O Tempo, a Civilização,
o Progresso e o Destino devoram tudo: coisa boas e ruins. \

CAFÉ MAGESTIC

Na Cidade Alta existiram dois famosos pontos de reunião


que foram: o Salão Rio Branco e o Café Magestic.
O “Rio Branco”, casa de bilhar e jogo, ficava na esquina
da Avenida Rio Branco, n.° 57, com a rua Ulisses Caldas, n.° 163.
Amplos salões com diversos bilhares e lá para o interior a grossa
jogatina. Casa muito movimentada onde a rapaziada praticava o
jogo francês. Ali fazia ponto o campeão potiguar de bilhar, o Fran­
cisco Lopes, conhecido por Chico Lopes, alto funcionário da Prefei­
tura Municipal. Chico Lopes era um homem finamente educado,
calmo, simpático e de palestra atraente. Manteve o cetro de cam­
peão absoluto por muitos anos. Eram animadíssimas as partidas tra­
vadas entre êle e outro campeão carioca ou o potiguar Dr. José Fer­
reira Chaves, filho do Governador Dr. Joaquim Ferreira Chaves.
Depois, Chico Lopes, já adoentado, pois faleceu muito moço, pas­
sou o bastão para os novos campeões José Wanderley e Manoel
Avelino. Deu muita vida porque era ponto dos estudantes que aguar­
davam as atdas ou esperavam as namoradas. Aos domingos, a casa
ficava cheia, não só pelos jogadores e mais ainda pelo grande nú­
mero de “perus”, pois, eram empolgantes as partidas travadas entre
os campeões. Ainda hoje parece que estou ouvindo os gritos da
rapaziada e as bolas batendo umas nas outras. Desapareceu o gran­
de Salão.
42

Mas a casa de diversões mais importante dêste bairro foi


o “Café Magestic’’ que teve vida quase centenária. Primeiro, com

e intelectuais do fim do século passado para começo do atual. Êste


Café já foi descrito pelos nossos historiadores. Depois surgiu o Ma-
gestic no mesmo o uina da rua Vigário
Bartolomeu, n.° 549 com a rua Ulisses Caldas, n.° 101. O prédio
ainda é o mesmo, tendo sofrido apenas modificações internas. Imó­
vel, baixo e feio, mas ao gôsto da época de sua construção. A única
coisa interessante na sua arquitetura é a coluna curva na esquina
do prédio.
O “Magestic” tem muitas estórias, nas diversas épocas de
muitas gerações. o mais vibrante, mais cheio de vida,
onde a boêmia e o bom humor dominavam o tradicional Café, foi,
mais ou menos, entre os anos de 1919 a 1935. Os fatos, as anedotas
e as peças verificadas e planejadas ali dariam para grosso volume,
poderíam ser escritas tal a irreverência
ocorrido, mesmo porque alguns autores já foram para o outro
mundo.

grupo de poetas, escritores, intelectuais e de bons bebedores e co­


medores: Jorge Fernandes, Francisco Madureira, Baroncio Guerra,
Valdomiro Dias, Pedro Lagreca, José Laurindo, Teodorico Guilher­
me, João Carvalho Cruz, Américo Pinto, Eurico Seabra, Francisco
Pignataro, Lustosa Pita, Damasceno Bezerra, Luis Maranhão e
muitos outros. Todos amigos e “irmãos da opa”. Ninguém tinha o
direito de ficar aborrecido, por mais pesadas que fôssem as brin­
cadeiras.
( Assim é que o Francisco Madureira foi vítima de uma peça
que quase o levou ao cemitério. Madureira era baiano e, como tal,
gabava-se de ser grande comedor de pimenta. Foi-lhe armada uma
cruel cilada. Adquiriram no Mercado, que ficava próximo, um pa­
cote de pimenta malagueta e mandaram preparar porco assado,
camarão, etc. À noite, quando Madureira chegou, formaram uma
grande roda e a cerveja jorrou sem parcimônia. Quando Madu-

Baliia e pimenta. Um da roda disse que Madureira era um falso


baiano, porque não comia pimenta como um baiano autêntico cos­
tuma fazê-lo e era assim um baiano desmoralizado, o que foi apro­
vado por todos os outros. Madureira protestou aos gritos e disse
ovar como
caiu na esparrela. Pediu pimenta e veio um prato cheio. Começou
então a devorar camarões e mastigando pimenta. Quando então
folgava um pouco, os amigos da onça diziam: “Só isso ! Fulano de
Tal, que não é baiano, come muito mais”. E o infeliz Madureira
43
comia mais pimenta e quando parava um pouco vinha a mesma
alegação. Pimenta, pimenta e pimenta. Com pouco tempo, o ho­
mem, como se diz a gíria: “botou p’rá morrer”, sufocado, agoniado
e com os olhos querendo sair das órbitas. Foi então levado para
sua casa e passou vários dias muito doente. A turma teve, no Ma-
gestic, vibração por muitos dias, r
De outra feita, o imortal Jorge Fernandes estava tomando
umas e outras quando apareceu um homem vendendo, em uma
gaiola, um galo-de-campina cantador. Jorge chama o homem e per­
gunta quanto custava o concriz. O homem então responde que o
pássaro não é concriz e sim um galo-de-campina. Jorge Fernandes
retruca que o bicho é um concriz e o vendedor reafirma que é um
galo-de-campina. Ora, Jorge, velho conhecedor de pássaros, sabia
que o animal era realmente um galo-de-campina, e então, convida
o homem para sua mesa, e dá logo a êle uma grande “talagada”.
A conversa animou-se ainda mais quando Jorge recita aquêles versos
maravilhosos, inclusive o “Banho da Cabocla”. Quando o vende­
dor já estava "com meio lastro” levantou-se para ir embora e então
Jorge Fernandes disse: “Vá amigo vender seu galo-de-campina”. Aí
então o vendedor que havia recebido tantas atenções e mais ainda
encantado com a palestra de Jorge Fernandes, disse: “Não, doutor.
Agora é que reparo bem: o passarinho é mesmo um concriz”.
Outra ocasião, também no Magestic, estava uma vasta roda
de “comes e bebes”, quando chega um homem, amigo da turma,
que era dono de um barracão na antiga feira externa do velho
Mercado da Cidade Alta. O homem lamentava-se então do fiado,
que estava acabando com seu negócio. O poeta Jaime Wanderley,
que nesta época gostava de cerveja c já “meio triscado” disse:
"O amigo precisa de colocar um aviso em seu barracão para acabar
com o fiado. Quer um aviso ?”. O comerciante então disse que
aceitava com muito gosto. Jaime, então, tomou de um pedaço de
papelão e escreveu:
P’rá que não haja transtorno
Aqui no meu barracão,
Só vendo fiado a corno,
Feia da puta e ladrão.

O homem colocou o aviso e o fiado acabou-se.


O Café Magestic ficava em um ponto muito movimentado
porque estava bem cm frente ao “Royal Cinema” c à noite o mo­
vimento era grande. Bem na esquina do Magestic fazia ponto com
sua carrocinha, o sorveteiro português “Seu Silva”, que ali traba­
lhou por muitos e muitos anos, até a data do seu falecimento.
44

Nunca Natal tomou um sorvente tão bom e exclusivamente de


frutas, sem qualquer complicação dos sorvetes hoje usados.
O Magestic era também o “quartel general” da brigada de
choque comandada pelo jovem Renato Wanderley, hoje próspero
homem de negócios residente na Guanabara.
INaquela época, como se sabe, o transporte era quase que
exclmivamente marítimo, c como sempre havia navio no Pôrto,
os passageiros saíam para conhecer a terra. Também naquela época
os passageiros, principalmente, os rapazes eram mal-educados e quan­
do chegavam em uma cidade pequena como a nossa era para escu­
lhambar. Hoje se diz: “bagunçar o coreto”. Natal, então, cidade
pequena e pobre, era vítima daqueles canalhas e até as moças so-
friam pilhérias quase sempre grosseiras. Chafurdavam tôda a ci­
dade. Bondes, cafés, jardins e cinema>. Renato que era rapaz vivo,
valente e, sobretudo, muito querente de Natal, resolveu tomar uma
providência, já que o policiamento era muito benevolente. Esco­
lheu uma dúzia de rapazes dispostos, deu instruções e esperou os
acontecimentos. Assim, quando havia vapor no Cais, principalmente
à noite, Renato ficava na espera e destacava uma pessoa para acom­
panhar de longe os viajantes, isto é, saber se estavam ou não bem
comportados. Quando, então, os mal-educados começavam a escu­
lhambação, o vigia corria para o Magestic e dava o alarma. Renato
então descia com a brigada de choque e o braço comia. Depois da
refrega eram levados para o Cais Tavares de Lira e obrigados a
embarcar. As vezes a luta era gro sa porque do outro lado também
havia gente valente. Aí então a Polícia aparecia e dava uma mão­
zinha ao Renato. O fato é que, em pouco tempo, a notícia cor­
reu mundo e os canalhas desapareceram. Renato prestou assim ines­
timáveis serviços a Natal e à família natalense. Entretanto, Renato
não recebeu nenhuma condecoração. E há por aí tanta gente com
medalha ao mérito sem nenhuma ação prestada com o risco de
suas ventas, .j.

HISTÓRIA SENTIMENTAL

Um dos marcos de mais elevada significação histórica e sen­


timental de Natal localizado também no bairro da Cidade Alta e
no fim da rua Vigário Bartolomeu, quase desconhecido por muitos
natalenses que o são só n > nome, é a “SANTA CRUZ DA BICA”
que já conhecemos através de diversos livros de nossa história.
3? BIBLIOTEI
£ CENTRA
45
“Era a cruz que se plantou dando os limites austrais do sítio
da Cidade, na orientação norte-sul” (Câmara Cascudo — História
da Cidade do Natal). Santa Cruz da Bica porque ali havia a bica
para o abastecimento. Daí então começou a veneração e até hoje
no dia 3 de maio é festejado com terço e cantorias. Dias mais fes­
tivos e outros mais tristes. Dias mais lembrados e outros mais
esquecidos. Mas a velha e Santa Cruz ficou na história e na lem­
brança e já hoje no coração dos natalenses, embora (pie alguns
não a conheçam de perto. Eu tenho um sobrinho, natalense e ca­
tólico, que por duas vêzes fêz a volta ao Mundo, mas nunca estêve
ao pé da Santa Cruz da Bica !
[Nos colégios devia haver aulas práticas de história-sentimen-
tal e, assim, o professor saía com os alunos e ia explicando e in­
dicando: “Aqui nesta casa nasceu, no dia 17 de novembro de 1788,
o patriota Miguel Joaquim de Almeida Castro, Padre Miguelinho;
aqui nasceu o saudoso poeta Ferreira Itajubá, no dia 21 de agosto
de 1875; aqui faleceu no dia 7 de fevereiro de 1901 a poetisa e
santa Auta de Souza”. Assim, pelo menos uma vez na vida, o estu­
dante ficava conhecendo de perto os lugares históricos e sentimen­
tais de nossa Cidade. E meu parente, assim, antes de conhecer ou­
tras terras ficaria conhecendo o que é mais importante para nósJ
Conforme já disse, a Santa Cruz da Bica fica às vêzes esque­
cida e outras lembrada, dependendo do grau eleitoral e do catoli­
cismo dos Prefeitos. Ültimamente, os Prefeitos têm sido bons cató­
licos e com carinho dos particulares, o Cruzeiro está uma beleza,
boa iluminação e jardim bem cuidado. A antiga Cruz está protegida
em zinco, para melhor conservação.

O VELHO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O Tribunal de Justiça sempre foi “Xaria”, isto é, tôda vida


na Cidade Alta. É bem verdade que em determinada época quase
era “Canguleiro” quando passou a funcionar no palacete, antiga
residência do Sr. Aureliano Medeiros, à Avenida Junqueira Aires.
O Tribunal de Justiça estêve por muitos c muitos anos onde hoje
está o Instituto Histórico e Geográfico, entre a Catedral e o Palá-
cio do Govêrno.
Neste prédio havia duas amplas salas, uma dando para a
Praça João Maria e que era a sala das-conversas, e outra para a
Praça André de Albuquerque, recinto das sessões.
46
A sala das palestras parecia mais uma casa de boa família,
com meia dúzia de cadeiras de balanço onde os Desembargadores
discutiam assuntos jurídicos e políticos, sendo o último só para —
uso interno.
O Desembargador João Dionísio Filgueira exerceu por mui­
tos anos o cargo de Presidente. Reeleito por dezenas de vêzes. Ho­
mem culto e finalmentc educado. Cavalheiro em todos os sentidos,
no falar, no andar, no proceder. Sempre bem vestido, colarinho e
punhos duros, e sempre empunhando uma fina bengala. Voz macia.
Testa larga e cheia de rugas. Tinha realmente todos os predicados
para o cargo de Presidente, pois, além disso, era um bom jurista.
Desembargador Luis Lira, grande e gordo. Seu indispensá­
vel colête branco, como indispensável também era o seu charuto.
Calmo, paciente e bom. Desembargador Francisco Albuquerque, o
mais elegante de todos. Alto, vermelho, espigado e sempre risonho.
Vestia-se ao rigor da moda. Sempre de roupas leves, combinando a
fazenda com a gravata e sapatos. Chapéu de palha, gravata borbo­
leta e uma pequena pasta. Fazia questão de ter as unhas bem cui­
dadas. Estudioso e cuidadoso. Desembargador Celso Sales, Procu­
rador Geral do Estado. Muito alto, elegante, bem parecido, sem­
pre de roupas escuras e colete. Chapéu “gelô” e bengala. Parecia
um lord, e em lugar do cachimbo, um vasto charuto. Também es­
tudioso e grande conhecedor dos segredos jurídicos. Desembargador
Benício Filho, um dos grandes juristas do Brasil. Alto e forte. Vivia
dando trabalho ao bibliotecário, pois revirava todos os grossos vo­
lumes e quase sempre para um pequeno detalhe. Questão em sua
mão ficava completamente estudada e esclarecida. Também usava
bengala e quando estava parado, vez por outra, ajeitava com o
braço são, o outro defeituoso. Desembargador Horácio Barreto,
muito alto e magro. Caladão c o homem de maior bom-senso que
conheci. Só dava sua opinião quando era chamado. E sua opinião
era prèviamente analisada, estudada c muito pensada. Calmo, voz
suave e muito paciente. Estudioso c meticuloso. Também usava ben­
gala. Como os desembargadores gostavam de bengala ! Desembar­
gador Silverio Soares, culto e um grande jurista. Também botando
os livros abaixo. Morreu de tanto estudar. Alegre e comunicativo.
Desembargador Antônio Soares, um pouco baixo, rosto largo e sem­
pre de roupa escura. Jurista e primoroso poeta. Ouvia com muita
atenção os Relatores e sua opinião era a mais acertada. Não usava
bengala, mas enfiava um cigarro atrás do outro. Desembargador
Silvino Bezerra, jurista nato. Cuidadoso em evitar uma injustiça.
Baixo, sempre bem vestido, também com a sua bengala. Foram êstes
os desembargadores com quem convivi de mais perto, e assim co­
nheci certos fatos, como sejam:
cie defloramento. Tudo resumia-se em uma questão de prova, onde

O Desembargador Luís Lira gostava de dar uns cochilos em


plena sessão. Fato, em parte, justificado, porque naquela época a
sessão começava cedo, logo depois do almoço. O certo é que, em
uma das reuniões, o Presidente começou a relatar um pedido de
habeas-corpus quando o Desembargador Lira entrou na soneca. Aí
então, o Presidente notou que havia um pedido de férias de um
juiz e como fôsse matéria administrativa que precede os julgamen­
tos, suspende o feito, relata o pedido e diz: condenado. O Desem­
bargador Lira chamado a pronunciar-se, abre os olhos e pensando
tratar-se do habeas-corpus, exclama: concedo também habeas-corpus.
Até o Desembargador Silvino Bezerra, que era o mais austero, deu
uma gostosa gargalhada.
Noutra ocasião, quando os desembargadores estavam na sala
do café, o Desembargador Dionísio Filgueira disse para o seu colega
Antônio Soares: “O jornal da oposição de ontem falou mal de
você”. O Desembargador Soares, calmo como sempre, bateu a cinza
do cigarro e exclamou: “Eu só não quero que o jornal fale de bem”.
Eram homens bons, cultos, educados e compenetrados na
grande missão. Hoje, de vivos, só o Desembargador Antônio Soares,
por sinal um dos mais humanos.
Mas, assim mesmo, com todo êsse grupo de desembargadores
competentes, honestos e altamente capacitados para o ofício de bem
julgar, o axioma “Errare humanum est” fica sempre de pé. Assim
é que, certa vez, o trêfego advogado Flávio Massa teve denegado
pelo Tribunal Pleno um pedido de habeas-corpus, e por votação
unânime. Recorreu para o Supremo Tribunal Federal e teve ganho
de causa. Quem estava errado? Só quem estava certo era o trêfego. . .
Como estamos falando sôbre Natal e mais particularmente
de coisas ligadas à Cidade Alta, pouco importa que variemos de
assuntos contanto que não sejam ligados, mesmo porque, a ordem
dos fatores não altera o produto. Assim vejamos outro ponto.

COORDENADA GEOGRÁFICA DE NATAL

Ali bem perto do antigo Tribunal de Justiça, na Praça An­


dré de Albuquerque, existe um marco, que certamente muitos na-
48
lalenscs não conhecem, do Serviço dê Meteorologia Federal datado
do ano de 1903. Este marco fixa a coordenada geográfica da cidade
de Natal, assim: 5.° 46’ 41” de latitude sul e 35° 12’ 24” longitude
W. Gr.
Os moleques danificaram a placa de cobre da inscrição, mas
ainda em bons tempos eu consegui anotá-la.
Já no livro “Cenários Municipais” (1941-1942) Departamento
Estadual de Estatística, página 233 — Anfilóquio Câmara, está a
seguinte coordenada geográfica: Latitude sul — 5.° 47’ 00” — Lon­
gitude W. Gr. 35.° 11’ 36”.
E em “Coleção de Monografias”, n.° 171 — IBGE — fls. 7
— Conselho Nacional de Estatística — Inspetoria Regional do
IBGE, a seguinte coordenada: 5.° 45’ 46” de latitude sul e 35.°
12’ 04” longitude W. Gr.
Como vemos as coordenadas não estão uniformes, se bem que
com pequenas diferenças. Mas acontece que na espécie geográfica
a simples diferença de um segundo importa em muitas léguas.
Embora não seja eu técnico, meu pensamento é o seguinte:
uma» está certa e as duas outras erradas. Ou então as três estão erra­
das. Também poderá ter acontecido o seguinte: Natal ia mudando
de lugar sempre que cada coordenada estava sendo apurada. ..
assunto precisa ser esclarecido e resolvido. Natal não pode
ficar cg n três coordenadas desiguais. Dou a palavra ao egrégio Ins­
tituto Histórico e Geográfico ou ao Departamento competente da
nossa Escola de Engenharia.

O PÔRTO DE NATAL
Ainda Natal, embora um pouco afastado da Cidade Alta.
Assim, não importa o bairro.
Quando Deus fêz o Mundo deixou, propositadamente, umas
complicações marítimas constantes de umas pedrinhas e banquinhos
de areia, na embocadura de uma barra onde descia um rio, tudo
tão somente para testar a operosidade de um povo que haveria de
ali edificar uma cidade. A cidade veio depois de mais de mil anos
a chamar-se NATAL. O rio passou a ser o POTENGI. E o povo
são os “papa-jerimuns”. O fato é verdadeiro porque nos mapas dos
holandeses de 1630 já descreviam tudo isto.
O caso, como vimos, já muito antigo e assim depois de quase
dois mil anos continuam os mesmos obstáculos na barra e no pôrto.
Nossa operosidade foi testada e com nota zero.
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Busto do Padre João Maria.


(Foto: Nadelson).
I

I I
Busto de Dom Pedro II.
(Foto: Evaldo).
49
Muitos historiadores e peritos já se pronunciaram a respeito
em livros e relatórios, notadamente Tavares de Lira em seu subs-

a 139 e o Dr. Manoel Dantas em “O Rio Grande do Norte — En­


saio Chorográfico”, página 35.
Se os dinâmicos holandeses tivessem se demorado mais uns
dois anos em Natal, teriam feito o serviço da barra e do pôrto de
Natal. O problema não é tão difícil e tudo depende somente de
querer. Os holandeses tomaram na raça um pedaço do mar para
a construção de uma parte da Holanda. Assim, para êles, o ser­
viço seria “sopa”. Hoje, já se está construindo em pleno mar —
ilha artificial. E também é comum a construção de — plataforma
marítima — para a extração de petróleo. Mas as pedras e os ban­
cos de areia não são removidos. . .
Não estamos aqui para o esclarecimento do caso em sua parte
técnica, porque não é de minha competência. O que eu afirmo é
que o assunto é muito antigo e fácil de ser resolvido. Se o banco
de areia denominado Baixinha ou das Velhas impede a navegação,
que o removam com um serviço de dragagem sério e não fazendo
o que se tem feito. Se na bôca da barra tem pedras, como a “Ca­
beça do Negro’’ ou outro rochedo qualquer, que sejam dinamita­
dos. Se as areias movediças obstruem o canal, que se construam
muros antidunas e plantação do capim recomendado.
Tudo conforme já disse é só uma questão de querer. O sau­
doso Presidente Epitácio Pessoa quis fazer um pôrto em João Pes­
soa e o fêz. Os antigos Itas foram até lá. Só depois que deixou a
Presidência foi que a barra entupiu.
É bem verdade que já se fizeram muitos serviços, pois se
assim não fôsse a barra não daria passagem nem para jangadas.
Desde a antiga Comissão de Melhoramento do Pôrto que se
vem trabalhando, mas sem solução definitiva. Mesmo os navios de
pequeno calado só entram com a maré alta. Quando ela está baixa-
mar ficam lá fora aguardando água. Vapor de maior calado não
entra. Ültimamente, porém, surgiu um nôvo batalhador na pessoa
do Almirante Deputado Tertius Rebêlo. Agora ainda melhor por­
que o dinâmico marinheiro foi eleito Vice-Governador do Estado.
Se o Almirante, que está credenciado para o problema c, sobretudo,
é homem do Mar, não resolver o caso é de dizer como na gíria:
“Adeus viola 1”.
Agora outro aspecto triste, digo mal, muito triste, que é
o têrmo certo, do caso do Pôrto.
Assim é que, mesmo removido todos os obstáculos da barra
arrasadas todas as pedras, ficando a bôca da mesma com a largura
de mais ou menos oitenta metros; dragados c removidos todos os
bancos de areia e deixando o canal com a profundidade de 15 me­
50
tros de calado na baixa-mar, desde o Forte até à Ponte de Igapó
e fixadas as areias movediças para que as mesmas não atinjam o
canal, e que assim os vapores de grande calado possam traçar no
Cais, mesmo assim nada feito. Por que então?
Simples e tristemente porque nosso parque industrial, nosso
comércio e nossa agricultura não têm carga para os vapores, para
os grandes cargueiros. Temos, sim, uma pequena carga de algodão,
sisal, cera, açúcar e minérios. Os armazéns das Docas quase sempre
vazios. Não precisamos assim dc grandes cargueiros. Quanto à im­
portação, a carga também é pequena, porejue a mercadoria vem
direta dos depósitos dos vendedores de São Paulo, Rio, etc., para
a porta do comprador em apenas três ou quatro dias de viagem.
Vapor grande para passageiros, também não é rendável. Nós aqui
vamos mesmo de ônibus, que é mais barato. . .
Mas o melhor é fazer o serviço do Porto. Algum dia seremos
grandes.

O RIO POTENGI

Por ter falado acima em — Rio Potengi — (outro assunto


que eu não devia meter minha colher de pau). Certo ou errado, lá
vai fogo: — Será que o mesmo ainda existe? Tenho minhas dúvi­
das c o assunto me oprime a cabeça há muitos anos.
Na fraca qualidade de pescador amador, devidamente re­
gistrado, natalense de mais de sessenta anos, menino moleque que
fui do “Esporte Clube de Natal”, sou assim conhecedor do Potengi
de ponta a ponta, inclusive das gamboas.
A impressão que tenho é a de que não existe mais o Rio
Potengi pròpriamente dito, c sim, de que o mesmo já foi um Rio,
há muitíssimos anos passados. Hoje, êle é apenas um braço de mar.
Dizem uns que o Potengi nasce no lugar “Apertada Flora”,
no Município de Santa Cruz. Outros, na Serra de Santa Ana, no
Município de Currais Novos e outros ainda em outros lugares. Es­
tive lá c não vi nenhuma nascente. O certo é que, quando chove
muito, ano de bom inverno, as águas descem das serras, grotas, etc.,
formando correntes, recebendo água de outras serras e vai termi­
nar na bacia do Potengi. Mas não existe nascente perene. Assim,
quando não chove e não vai água, o Potengi continua sendo o
mesmo. Que diabo de nascente é esta que não tem nenhuma influ­
ência no Rio?
51
Quero crer que no princípio o Potengi lenha sido realmente
um Rio. Isto há mais de trezentos anos atrás. Isto porque suas
cabeceiras eram cobertas de extensas e grandes matas. Vegetação
espessa e abundante. Matas virgens. As águas das chuvas, abri­
gadas pelo matagal, impediam a evaporação rápida. As serras, as
grotas, etc., assim muito úmidas, iam soltando água aos poucos e
com a junção de outras correntes formadas da mesma maneira em
outros pontos — os afluentes — avolumavam-se c formava-se en­
tão o Rio Potengi.
Formado assim o rio, as águas vindas das serras altas com
violência em virtude da fôrça da gravidade, dominavam a bacia
do Potengi e impediam que o mar invadisse seu leito, pois tinha
mais a vantagem de ser estreita a abertura da barra. O rio, com
sua fôrça, neutralizava a ação do mar.
Também é possível que com o ambiente propício das gran­
des matas nas cabeceiras, conforme já vimos acima, permanecendo
o solo sempre molhado, provocasse o aparecimento de olheiros de
água subterrânea, o que aumentaria o volume do rio e torná-lo-ia
perene. A hipótese não é absurda porque nos mapas dos holandeses
já apontavam muitos olheiros no Rio Potengi. Ainda há uns pou­
cos olheiros. Aqui bem perto de nós, quase junto ao mangue, te­
mos o olheiro que produz a água mineral “Santos Reis”.
É provável, também, que realmente tivesse existido uma nas­
cente ou várias delas nos lugares indicados como nascedouro do
Rio Potengi, corrente forte que justificasse a formação de um rio.
Fontes perenes, mas que depois secaram pelos motivos já indica­
dos. As fontes abastecedoras foram assim parando lentamente e
então o mar foi tomando conta do leito do rio, até formar um —
braço de mar — o que é hoje o Potengi.
Meu pensamento é amparado pelas seguintes observações:
Rio Potengi — rio dos camarões. Não existem mais os ca­
marões e os raros encontrados são da fauna marítima. Também
da fauna marítima são todos os peixes que habitam o rio, como
sejam: tainha, carapeba, espada c outros. Só em águas salgadas é
encontrada a ostra espécie mais ou menos abundante nos mangues
do Potengi. Caranguejo também.
Nunca pesquei e nem tive notícia de que alguém tivesse pes­
cado no Potengi: piranha, traíra, curimatã, etc., tão somente apa­
nhados em águas doces.
O Potengi, cm tôda sua extensão, tem as margens cobertas
de mangue, vegetação das águas salgadas. Já vi centenas de rios
no Brasil, do Paraná ao Ceará, principalmente em Minas Gerais e
Goiás e alguns da Europa, e jamais notei a existência de mangues
em suas margens. E não poderia ter encontrado porque onde há
água doce não existe mangue. Assim, se o Potengi fôsse realmente
um rio, na expressão fluvial e geográfica da palavra, não teria
os mangues que tem.
Mais ainda: as águas do Potengi são salgadas e como tal se
prestam para a extração de sal (cozinha). E há algumas salinas em
todo o Rio, com extração de um bom produto. Os índios dos tre­
mendos interiores de Goiás, Mato Grosso e do Pará vivem no meio
de inúmeros rios. Entretanto, quando os civilizados chegam até eles,
pedem em primeiro lugar: facão e sal. Assim, não é possível extrair
sal de rio.
Há, entretanto, um ponto interessante. As águas do Potengi
não são totalmente salgadas em tôda a sua extensão, se bem que
tôda ela produza cloreto de sódio. Parte do Rio, mais ou menos
do Cais Tavares de Lira para montante, digamos, para Macaíba,
a água é salobra. Mas só por isto, o Potengi não firma sua con­
dição de rio pròpriamente dito, pois existindo vários pequenos
olheiros em suas margens, como o de “Água Doce”, perto dos
Guarapes, diminui a salinidade da água.
Sabemos também que os rios enchem quando são abundantes
as águas em suas cabeceiras ou nas nascentes. E o Potengi enche
e vaza diariamente *em tomar conhecimento do volume das águas
doces.
Uma observação convincente da inexistência do rio é que
quando a maré está completamente baixa-mar, nesta fase não se
nota a menor corrente d’água doce alimentando o rio. E onde en­
tão está a água (pie dizem vem das cabeceiras ou do seu nasce­
douro? Eu pelo menos não sei.
Tudo indica (pie as nascentes do Potengi foram se esgotando
aos poucos, e então o mar foi invadindo o leito do rio até domi­
ná-lo completamenle e, transformá-lo em um — Braço de Mar.
Parece que esta é a conclusão lógica e mais coincidente com a
realidade que vemos.
Mas, acontece, que o Rio Potengi faz parte de tôda nossa
História, está incorporado ao nosso folclore, há em sua homena­
gem várias modinhas e está, afinal, em nossos corações. Mudar de
denominação vai ser uma complicação tremenda, uma confusão de
todos os diabos. Pode até alterar o próprio nome do Estado, de
vez que êle proveio do rio.
O bom senso ordena que deixemos o rio como está, desa­
parecido ou não. Assim, pelo menos, o povo não vai nos chamar
de — malucos.
53

COLÉGIO SANTO ANTÔNIO > '

A Cidade Alta está querendo tomar o livro todo, o que não


é possível. Assim, fechemos as coisas dos xarias com um assunto que,
como alguns outros, não poderia ficar esquecido, dadas as suas
imensas tradições dentro do ensino de Natal.
Assim, o quase septuagenário “Colégio Santo Antonio” não
poderia ser omitido dentre as coisas aqui descritas. Seria um pe­
cado imperdoável de nossa parte, pois, além dos ensinamentos ali
aprendidos, jamais esqueceremos as amizades adquiridas naquele
viveiro de moços inteligentes e bons, que tão assinalados serviços
prestaram em todos os setores da vida do nosso Estado. Contamos,
assim, com inúmeros médicos, juizes, professores, dentistas, farma­
cêuticos, engenheiros, eclesiásticos, comerciantes, industriais, funcio­
nários, etc., que estudaram naquele velho casarão da rua Santo An­
tônio.
O “Colégio Santo Antônio” foi fundado pelos padres da Dio­
cese de Natal no dia l.° de março de 1903, e sempre funcionou
anexo à Igreja do mesmo nome.
Era um velho prédio e com instalações precárias, principal­
mente o sistema sanitário. Carteiras rudimentares e bancos duros.
Sempre pobre. Área do recreio muito pequena. A água potável,
pelo menos no meu tempo, provinha de uma cisterna que recebia
água dos telheiros velhos da Igreja e do próprio prédio, o que
motivou em 1919 um violento surto de febre tifóide, ceifando a
vida de seis estudantes, o que obrigou o fechamento do Colégio.
O Colégio funcionava com internato, externato e semi-inter-
nato. Naquela época era o único estabelecimento de ensino com
internato, razão pela qual o Colégio tinha uma enorme matrícula.
Também era muito grande o número de alunos das outras cate­
gorias.
O corpo docente era composto dos melhores professores de
Natal e entre êles se contavam os Doutores Alberto Roselli, Oscar
Wanderley, Aprigio Câmara, Senhor João Peregrino, Padres João
da Matha, Calazans Pinheiro e Pedro Paulino e Professores Abel
Furtado, João Tibúrcio, Flodoaldo de Góis e outros.
Sendo o Colégio mais antigo, embora não oficializado, mas
muito disciplinado e tendo bons mestres, era muito querido, não
só na Capital, como em todo Estado. Muitos alunos do interior
estudavam no estabelecimento. Não sendo um colégio oficial e assim
não sendo válidos os seus exames, os alunos prestavam exames no
Atheneu, os preparatórios, no regime parcelado. E no fim de cada
ano o número de estudantes de fora era superior aos estudantes do
próprio Atheneu e com provas mais brilhantes.
54
Muitos Diretores estiveram à frente do Santo Antônio e por
mais tempo Monsenhor Manoel de Almeida Barreto e Padre Ma­
noel da Costa, que foram grandes amigos dos estudantes, além de
bons mestres e conselheiros espirituais.
Na época em que estudei no velho Santo Antônio, o Semi­
nário “São Pedro” estava funcionando ao lado da Igreja, no pavi­
mento superior que dava para a hoje rua Expedicionário Rodoval
Cabral. Tudo muito pobre, como o Colégio. Só muitos anos depois
foi construído o Seminário “São Pedro”, prédio bonito e grande.
O Seminário funcionou também em uma casa muito mais espaçosa,
onde hoje está o Cinema “Rio Grande”. Nas aulas e refeições os
alunos e seminaristas ficavam juntos. Eu tive a honra de ter como
companheiro de banca o então seminarista Luís Monte. Amizade
encaixada. Depois tudo foi muito diferente: êle, Padre, inteligente,
culto e voltado unicamente para a vida espiritual, o encanto do
Céu. Eu, depois, Bacharel, e sem aquêles predicados e voltado para
as boas coisas da Terra. . .
Dos professores o único com cara de poucos amigos era o
Padre Calazans Pinheiro, e por isto, mais cuidado nós tínhamos em
suas lições. Era a única vantagem.
Certa vez, em uma aula de História do Rio Grande do Nor­
te, o Padre Calazans viu-me com um escudo do “América Fu­
tebol Clube” na lapela do paletó. O Padre tinha verdadeiro ódio
ao futebol. Imagine se êle hoje fôsse vivo, que ódio não teria do
Rei Pelé?
Êle disse com aquela voz nasal: “O senhor aí, é, que está
com emblema de futebol, é, e que deve saber muito, é, quem é o
Governador do Estado?”
Eu então respondi que era o Dr. Joaquim Ferreira Chaves.
O Padre então retrucou: “Não senhor. O Governador são os Pala-
tiniks, que fazem e desfazem”. Era mais uma birra do reverendo.
Tudo tão somente porque êles eram judeus e aqui chegados po­
bres ficaram ricos com muito trabalho, abnegação e sabedoria. In­
troduziram na cidade o sistema dc prestações.
Conforme disse acima, no violento surto de tilo verificado no
Colégio em maio de 1919. muitos alunos foram atacados e vieram
a falecer os seguintes: Lidio Cabral da Fonseca, Absalão Pinheiro,
José Anisio Gomes, Artur Tupã e outro que não me recordo no
momento. O estudante Manoel Bezerra Cabral já bem doente, com
muita febre, porém ainda lúcido, vendo colegas morrerem e sem
assistência médica, mesmo porque naquele tempo não havia re­
médio específico para o mal, lembrou-se de que no interior usava-se
alho para tôdas as doenças dos intestinos. Realmente, o alho
é um poderoso desinfetante pulmonar e intestinal. Então Manoel
Cabral reuniu suas forças, desceu do dormitório e foi até à co­
55

zinha. Ali preparou um fortíssimo chá de alho com muitos dentes,


dose para dinossauro e tomou de uma vez queimando tudo por onde
passava. Passou vários dias suando alho por todos os poros, arro­
tando alho e bombardeando todo o dormitório com gases asfixian-
tes de alho e escapou. Depois de mais de cinquenta anos êle está
vivo para contar a estória. É alto funcionário da Fazenda Estadual
e ainda hoje adora alho.
Em diferentes épocas estudaram no antigo Colégio os seguin­
tes alunos que, no momento, recordo: José Tavares da Silva, José
e Antônio Gomes da Costa, Adamastor e Lauro Pinto, João e José
Tinôco, João Maria Furtado, Oton Ozorio de Barros, Manoel Bran­
dão, Gil Fernandesi Campos, Teódulo Avelino, Antônio Gentil
Fernandes, Epitácio Galvão, Bianor Fernandes, Francisco Baldô-
mero Chacon, Clodoal e Salviano Batista, Agenor de Araújo Lima,
João Maria Cavalcanti, Luis Cabral de França, João Wanderley,
Luis Magalhães, Gutemberg Brito, Severino Bezerra, Francisco Fer­
nandes da Costa, Otacilio Alecrim, Edgar Ferreira Barbosa, Miguel
Seabra Fagundes, Antônio de Macêdo Freire, Aderson Lisboa, Adal­
berto Garcia, Isauro Nono Rosado e Waldemar Varela.
Em 1930, o Colégio Santo Antônio passou para a Ordem
dos Irmãos Marista, e em 1938, passou a funcionar no majestoso e
belo prédio à Avenida Deodoro com a rua Apodi. Quem visita o
nôvo estabelecimento e já estudou no velho, pode bem comparar
a imensa diferença entre êles. O que tinha o antigo de feio, sujo,
velho, pequeno e com instalações precárias, tem o atual de bonito,
grande, limpo, quadra de esportes e com magníficas instalações de
tôda espécie. Tem mais: vacaria, horta e apicultura.
E como não podia deixar de ser com uma nova mentalidade,
e assim, já estabelecimento misto e grau de ensinamento muito
superior. No gênero, o maior Colégio do Estado. E a tradição dos
bons alunos do antigo educandário tem o nôvo Santo Antônio
mantido e assim já centenas de homens que estão brilhando na
vida pública estudaram sob a orientação dos Maristas, que são
eméritos professores. O atual Corpo Administrativo: Francisco das
Chagas Costa Ribeiro — Superior; José Geraldo Alencar — Vice-
Superior e José Artur Câmara Cardoso, José Machado Dantas e
Severino de Souza.
Por falar em — PROFESSOR — lembrei-me de como é in­
feliz a classe de Professores entre nós, isto é, os abandonados, mal­
tratados e pobres mestres do nosso Estado.
Diplomados pela Escola Normal vão servir nos inóspitos ser­
tões do Estado, com um vencimento quantum-satis para não morrer
de fome. Quase sempre preparados e educados vão enfrentar bar­
reiras imensas a começar pelas péssimas instalações escolares na
maioria dos Grupos e Escolas. E não vale pedir e reclamar por ofí­
56
cios porque as medidas pleiteadas ficam sem atendimentos. O pro-
fessor ou a gentil professora ficam ilhados de tudo. Trabalho árduo,
porque, além de tudo, a má compreensão de alguns pais que dão
sempre razão aos filhos embora sejam legítimos canalhas. E o Pro­
fessor vai levando a pesada carga e a imensa tarefa de uma vila
para outra, de uma cidade para outra, mal vestido e mal alimen­
tado. Só de uma coisa êle está cheio: Desilusão. E quando chegam,
no fim da carreira, para a Capital, estão no fim de tudo.
Conheço alguns professores que estando nas condições aci­
ma, conseguiram salvar-se. Deixaram a angústia do fim do mês, do
criminoso ordenado do Estado e foram lecionar na Marinha ou em
estabelecimentos federais ou autárquicos com bons vencimentos.
Outros ingressaram na Fazenda Estadual mas com muito melhores
vencimentos. Outros ainda arranjaram outros empregos, passando
a principal profissão, o magistério, a ser um “bico”. Quem ficou só
como professor arrasou-se.
Mas a infelicidade dos nossos professores não se verificou
tão somente quanto ao magistério estadual. Até mesmo como mes­
tres particulares c proprietários de colégios, a profissão foi também
ingrata, conforme os exemplos que vemos.
Um dos estabelecimentos mais antigos — Externato Maga­
lhães — fundado no princípio do século pelas irmãs Magalhães,
Áurea, Julia e Marieta, em um prédio onde hoje está o nôvo edi­
fício do INPS, na Avenida Deodoro. Funcionou por muitos e mui­
tos anos, instruiu com amor e sabedoria a muitas gerações, inclu­
sive um aluno chegou à Presidência da República. Entretanto, as
Magalhães morreram pobres e esquecidas porque não receberam a
menor ajuda dos Podêres Públicos, a que faziam jus pelos relevan­
tes serviços prestados à instrução.
Outro professor que comeu por inúmeras ocasiões o pão que
o Diabo amassou foi Clementino Câmara, talvez o mais sofredor.
Bom mestre e amigo sincero. Dinâmico, trabalhador e competente.
Estatura mediana, morenão, alegre e dono de uma gostosa garga­
lhada. Fumante inveterado. Andou quase a vida tôda com os te-
réns na cabeça, fundando colégios e escolas, sem nunca se aprumar
e organizar sua vida. Fundou o primeiro Colégio 7 de Setembro
em Natal, em 1910. Depois em Palmares, Pernambuco, o Colégio
Seis de Março. Depois o Externato José Augusto em Ceará Mirim
e também na mesma cidade o Colégio Rio Branco. Depois voltou
para Natal onde fundou outras escolas. Professor em vários esta­
belecimentos e com aulas em sua residência. Uma vida tôda em
prol da Educação. Caindo e levantando-se, mas sempre batalhador,
altivo e independente. Morreu pobre, como tantos outros. Se tivesse
nascido em São Paulo e lá exercido a profissão para a qual veio
ao mundo, teria comido do pão que Deus fêz.
57
Outro saudoso e bom mestre foi o Professor Fontes Galvão.
Competente e cuidadoso. Instruiu centenas de jovens, muito em­
bora prêso a uma cadeira de rodas. Infeliz a vida tôda. Mas, en­
quanto a moléstia o permitiu, manteve sua escola. Lutou muito
para morrer muito pobre.
Outro que manteve a infeliz tradição da pobreza dos nossos
mestres, foi o Professor Severino Bezerra de Melo, falecido recen­
temente. Outra vida dedicada exclusivamente ao ensino. Instruiu,
educou e ilustrou muitas gerações, até que a idade o impediu. Di­
plomado em 1910, pela primeira turma da Escola Normal, chegou
a exercer durante alguns anos o cargo de Secretário da Educação.
Fundou e manteve, por muitos anos, o Colégio Pedro II e depois
com a denominação de Rui Barbosa, na antiga chácara do italiano
João Batista Toselli, ao lado do Teatro Alberto Maranhão. Colé­
gio de Respeito e Admiração. Ajudado por quase tôda sua família,
manteve no colégio um alto padrão de instrução e disciplina. Ins­
truiu muitas gerações. Quando ensarilhou as armas, estava pobre e
desiludido.
Há muitos outros casos idênticos. Todos nós conhecemos.
Esta estória de — nobreza de profissão — não está dando mais pé
na época que o homem foi até à Lua. Nobreza para ser Professor
nos confins do Estado, p’ra comer o ano inteiro carne seca com
feijão ? Assim, quem tiver seu filho e se êle não quiser estudar
para ser professor e tiver vocação para jogar futebol, julgue-se o
pai mais feliz do Mundo. Será amanhã um Milionário !
PRIMEIROS IMIGRANTES ITALIANOS
EM NATAL

Era meu desejo descrever sôbre os primeiros italianos che­


gados em Natal, não só por ser a colônia mais numerosa, como
continua até hoje, deixando assim dentro do sangue potiguar uma
enorme corrente de gene europeu da melhor espécie, como também

prestar uma humilde homenagem àqueles que nos ajudaram no


progresso de nossa terra.
Mas as dificuldades que encontrei foram enormes. Era um
capítulo que deveria ter sido escrito há vinte ou trinta anos pas­
sados, quando as fontes informativas eram mais claras e precisas.
Agora, transcorridos mais de cem anos, de vez que os primeiros
italianos chegaram aqui mais ou menos em 1860, não é possível
um estudo perfeito. Os filhos (e são poucos) dos primeiros italia­
nos estão com mais de 70 anos, memórias fracas, chegando até à
confusão de nomes, lugares e datas. Não encontrei, como desejava,
qualquer documentação.
Fiz assim um trabalho incompleto e mesmo com omissões.
Entretanto, constitui um ponto de partida para quem quiser apro­
fundar-se no assunto e obter melhores e mais perfeitas notas, que
eu não consegui obter. Quero deixar aqui consignado meu agrade­
cimento aos elementos que mais me ajudaram, como sejam, os
filhos dos primeiros imigrantes: João Nesi Filho, Fabio e Vicencia
Zambrotti e Francisco Pignataro.
O primeiro italiano que conheci foi o Sr. Ângelo Roselli (de
Ancona), pois nasci perto da mansão onde êle residia, à Avenida
Rio Branco, prédio que até há pouco estava de pé e agora destruí­
do para a construção de um hotel. “Mente Libon”, homem de
60

meia-estatura, forte, sacudido, conversador e com olhos pequenos e


vivos através de uns óculos diminutos. Era um homem muito in­
teligente e trabalhador. Sabido como pode ser um italiano.
Como todo imigrante, Ângelo Roselli chegou pobre e foi
trabalhar com o seu patrício Giovanni Pipolo que era comerciante.
Giovanni Pipolo era casado com a também italiana D. Sofia Pi­
polo com dois filhos nascidos em Natal: Ana Maria e João. Com
o falecimento de Giovanni Pipolo, Ângelo Roselli casou-se com a
viúva e dêste segundo matrimônio, nasceram aqui em Natal os
seguintes filhos: Alberto, José, Clélia e Cristina.
Ângelo Roselli era o Conselheiro e representante da colô­
nia italiana em Natal, situação que perdurou por muitos anos.
Nada se fazia sem consultá-lo. Até mesmo nas questões domésticas,
—r~i_ • « • •

que não eram poucas, a palavra final era a de Ângelo Roselli, pois
êle era inconstestàvelmente o mais ilustrado italiano daquela época.
Homem rico, desembaraçado, maneiroso e com vastas amizades em
todos os círculos sociais, chegou mesmo a pontificar até perante o
mundo oficial. O seu filho, Alberto Roselli, foi educado na Suíça
e posteriormente diplomado em Ciências Jurídicas e Sociais pela
Faculdade de Direito do Recife. Exerceu por muitos anos, com ex­
cepcional brilhantismo, a advocacia no Estado. Foi também Depu­
tado Federal.
Foi assim, Ângelo Roselli, um bom imigrante que muito
concorreu para as boas relações entre a colônia italiana e gente da
terra, “leader” comercial e com relevantes serviços prestados ao
Estado, inclusive na fundação da Associação Comercial. Faleceu em
Natal aos 69 anos.
Outro imigrante que também conheci muito foi Domingos
Brando. Estatura média, moreno, muito forte e com pouca instru­
ção. Viveu tôda vida na Rua Correia Teles, onde hoje é o n.° 229,
onde tinha um pequeno sítio. Era um competente vaqueiro. Pos­
suiu uma vasta propriedade no Tirol, onde hoje está o I/16.° Re-
*pimento
> de Infantaria. Ali, criava suas vacas e extraía madeira
para vender. Era “curandeiro” não só para suas vacas, mas também
para as pessoas. Era uma boa pessoa. Casado com D. Querobina,
não deixou descendentes. Faleceu em Natal.
Outro querido imigrante aqui chegado nos primeiros tempos
foi João Nesi, casado com D. Gabriela Nesi, também italiana e já
com a filha Cristina. Aqui estabeleceu-se com um armarinho à Ave­
nida Rio Branco, onde hoje é o n.° 538. Homem bom, pacífico
e amigo de todos. Aqui nasceram os seguintes filhos: Filomena, An-
tonio, Maria Cristina, João, Cristina Maria, Ester, Teresa, Adélia
e Alberto. Uma ninhada de filhos magníficos. O João é êste João
Nesi Fillio, que muito conhecemos, um dos homens mais puros
que já conheci em minha vida. Homem de muitas virtudes e pou-
A? BIBLIOTECA e*
CENTRAL *
61
cos defeitos, sendo que entre estes, os mais graves são: não bebe,
não fuma, vegetariano intransigente e nada usa daquilo (jue tenha
sido extraído de animal. Se houver CÉU, vai ter um lugar espe­
cial. Conheci também o Antonio Nesi, que também era conhecido
por tôda Natal. Homem correto, educado e sabendo fazer e man­
ter amizades. Alto funcionário da Fazenda Estadual, competente e
criterioso. Gostava de uma lindíssima môça, Leonor Ura, e como
a família se opusesse ao casamento, Antônio a raptou e levou para
a casa do meu pai, donde saiu casada. Depois a paz se fêz entre
as famílias, como não era possível de outra maneira. Casamento
feliz, com um único filho, este querido Humberto Nesi. Conheci
também e lui muito amigo do Alberto Nesi, um dos rapazes mais
bonitos e elegantes de Natal. Alto, forte e campeão pelo “América
Futebol Clube’’. Um dos jogadores mais inteligentes e perigosos no
ataque. Alto funcionário federal. Aos 21 anos, atacado de tifo,
morreu de fome pois a terapêutica da era de vinte consistia em
não alimentar o doente porque a doença atacava sobretudo os in­
testinos. Quantos não morreram assim I Conheci também Adelia,
pessoa muito estimada em Natal, funcionária federal. Casou-se com
o Sr. Absalão Simonetti, também muito estimado em Natal. Já é
falecida.
Na turma dos primeiros veio também José Barra, casado
com a italiana Rafaela Barra e aqui chegados com a ninhada de
italianinhos: Miguel, Nicolau, Rosinha, Filomena e Concceta.
O que mais se sobressaiu foi o Miguel Barra que chegou
a ter uma rua com o seu nome. Foi realmente um homem de bem,
trabalhador e muito popular. Proprietário da grande loja “ROSA
DOS ALPES’’, à rua Ulisses Caldas, onde hoje tem os números
122/124. Depois tornou-se o maior proprietário de casas de Natal
c por incrível que pareça nunca martirizou os inquilinos. Pessoa
de grande projeção social e comercial. Foi um dos fundadores do
“Natal-Clube”, sociedade recreativa já descrita.
Miguel Barra era homem de bom humor, alto, vermelho e
sempre impecavelmente de branco. Adquiriu um vasto círculo de
amizades em Natal. Casado com D. Joaninha Barra, brasileira, teve
apenas uma filha, Elisa, que casou-se com Urbano Maia.
Conforme já disse acima, os outros irmãos de Miguel Barra
são: Nicolau Bana casado com a italiana Angelina, com os seguin­
te*’» filhos: José e Angelina. Rosinha Barra casada com Braz Fili-
zola, italiano, com os seguintes filhos: Luís, Lulu e Luizinha. Fi­
lomena Barra casada com o italiano Francisco Lagrota. com os
seguintes filhos: Rafael, José, Antônio, Linda, Francisco, Adelia,
Alberto, Garibaldi, Honório, Resiero, Fioravanti, Helena e Cris-
62

tina. Concceta Barra casada com Urbano Petrizzi, italiano, com os


seguintes filhos: Angelina, Rafael, Miguel, Clelia, Vitor, Filomena,
Adelia, João e Violeta.
Na mesma época, mais ou menos entre 1860 e 1870 chegou
Miguel Zambrotti casado com a brasileira Maria Leocáclia e com
os seguintes filhos: Fábio Inácio Zambrotti e Vicência.
Merece um registro especial o filho do imigrante Miguel Zam­
brotti — Fábio. Foi o homem mais habilidoso e curioso que conheci.
Posso mesmo dizer: excepcional para a época dos fatos, porque hoje,
doente, com grande deficiência de visão e aposentado.
Fábio Zambrotti, tôda vida grande e fino. Trabalhador, dinâ­
mico, sempre de bom humor, especialista na modalidade de verso —
pé quebrado — escrevendo em todos os jornais críticos da Cidade, o
que trouxe muitos aborrecimetos ao meu pai, que era padrinho e pai
espiritual dêle, de vez que muito cedo ficou órfão dos pais.
Fábio foi comerciário por muitos anos e depois ingressou em
“A República”, hoje orgão oficial, onde se aposentou. O homem era
de uma habilidade assombrosa. Foi o mais perfeito pirotécnico da­
quele tempo e fabricava tôda espécie de fogos de artifício. Manipu­
lava as fórmulas mais complicadas de pólvora. “Doutor” em traques
de chumbo e bomba “transvaliana”. Depois abandonou os fogos e co­
meçou a fabricar espelhos de uma perfeição admirável. Tinha um
acanhado e sujo laboratório químico e nunca viu um livro técnico
a respeito. Cortava o vidro em qualquer modalidade e fazia o espe­
lho — o aço — conforme chamava. Fabricou graxa para sapatos, anil,
licores e vinho. Concertava guarda-sol e máquinas. Fazia os mais lin­
dos papagaios de papel e as gaiolas mais bonitas. Não tendo mais
nada para fazer, organizou, em tempo de Carnaval, uma indústria fa­
miliar de lança-perfume. Aproveitava os tubos vazios e os enchia.
Não era uma perfeição quanto ao perfume, mas resolvia. Um dia
deixou essa indústria porque um dos tubos explodiu em seu rosto.
Fábio fazia tudo quanto lhe dava na cabeça. Mas de nada
serviu tanta habilidade e tanta curiosidade. Chegou ao ponto de
ser um ótimo ator em qualquer modalidade e representou em mui­
tos Conjuntos. E de nada lhe serviu tanto engenho porque foi sem­
pre pobre e cada dia mais pobre. As telhas que tem por sôbre a
cabeça foi ainda herança do seu pai. Tivesse nascido nos Estados-
Unidos, seria hoje um milionário.
Chegaram também na mesma época os irmãos: João e Cae-
tano Pintolli. casou-se com a brasileira El vira Barros e teve
um único filho: José Mariano Pinto, meu pai. O povo alterou o
nome Pintolli para Pinto e assim ficou.
O casal Giuseppe Pignataro e Rosa Maimoni, ambos da lo­
calidade Trecna, com o filho Francisco, chegaram em Natal e fo-
63
cência Marinho, falecido em 1900 e deixou os seguintes filhos:
Rosa, Carmelo e Francisco que tôda cidade conhece, homem bom,
prestativo e trabalhador. Ocupou o cargo de Tesoureiro da Rece­
bedoria de Rendas Estadual da Ribeira e hoje é aposentado.
João Batista Simonetti, de Gênova. Faleceu muito môço em
Goianinha. Casado com a brasileira Gertrucles Simonetti, deixou
os seguintes filhos: João Batista Simonetti Filho e Américo Vespú-
cio Simonetti. Tudo indica que tenha sido êste o mais antigo imi­
grante, pois nascido em Gênova no ano de 1820 e falecido em
Goianinha em 1945. Não há notícia de outro chegado antes desta
data e sim depois de 1860.
Braz Gianini — que o povo chamava de Janini — muito
gordo e pesadão. Sempre vestido de zuarte, sem gravata e um largo
cinto de uns quatro dedos de sola e uma vasta fivela. Comerciante
especialista em rendas e toalhas. Residiu a vida tôda à Avenida Rio
Branco n.° 689, que faz esquina com a “Casa Cebarros”. Era um
italiano rude e muito estimado em Natal. Casado com a italiana
Catarina com os seguintes filhos: Nicolau, Vicente, Maria, José e
Antônio. Os velhos falecidos aqui em Natal e os filhos já cresci­
dos foram para o Rio de Janeiro. Era uma família muito esti­
mada, principalmente por seus filhos que lograram lugar de desta­
que na sociedade.
Pascoal Romano Sobrinho também dos primeiros aqui che­
gados e quando pisou o solo natalense tinha apenas quinze anos
de idade. Alto, magro, ossudo e com um vasto bigode quando o
conheci. Também, como a grande maioria dos italianos, era um
homem bom, calmo, trabalhador e firmando as amizades feitas.
Pascoal era de Nápoles (Salerno) como o maior número dos imi­
grantes. Aqui casou-se com a brasileira Estefânia da Fonseca Ro­
mano e com os seguintes filhos: Carmino, Garibaldi, Cristovam,
Vicente, Jorge, Maria, Leonora, Ana, Stela, Consuêlo, Anadir e
Maria de Lourdes. Uma dúzia de brasileiros. Era comerciante e
com uma grande sapataria à rua Dr. Barata — SAPATARIA RO­
MANO. Construiu uma grande casa dentro de um imenso sítio à
rua Trairi, onde hoje é o número 467. Faleceu em Natal no ano
de 1931. Dos filhos os que mais sobressaíram foram: Carmino, gran­
de violinista e Garibaldi, consagrado maestro e pianista, muito es­
timado em Natal. Pascoal, se nada tivesse feito, bastava para lou­
vá-lo a dúzia de natalenses que nos deixou.
José D’Alessio casado com Vicência. Filhos do casal: João
Antônio e Vicente, todos italianos.
Vicente Farache (ou Farachi ?) casado com Ana Farache,
italianos. José e Anita, também italianos. Jo;é Farache casou-se com
a brasileira Maria e com os seguintes filhos aqui nascidos: Vicente,
Carlos, Antonio, Adalberto e Ernani. O velho José Farache foi um
64

grancle comerciante em Natal, com uma boa loja à rua Dr. Ba-
rata. Baixo, gorclo, bigodudo e sempre em mangas de camisa,
Grande proprietário de prédios c com uma bonita residência. Mui-
to seguro no dinheiro mas os filhos faziam grandes “pintos” para
Clube ” do qual eram “doentes”. Ho­
gastar com o• “ABC Futebol Clube
mem pacato e bom e com muitas amizades. Gostou sempre de pos­
suir um bom carro. Era sua única diversão.
Antônio Pípolo (Sobrinho) casou-se com a brasileira Maria
Alexandrina, com os seguintes filhos: Cecília, Genésio, Pedro, José
e Ester.
Antônio Pípolo casado com Alcina, brasileira, com os se­
guintes filhos: Diniz, Antônio, Duze, Sofia e Carminela.
Temos ainda daquela época: Giovani Visco casado com Edite,
brasileira. Miguel Martorano casado com Francisca Martorano, bra­
sileira, com os seguintes filhos: Santos, Florinha, Juca e Antônio.
Paulo Fassanaro casado com Antônia Fassanaro, com os seguintes
filhos: Braz, Manuel, Rosa, Angela, Maria, Francisco, João, Antô­
nio e duas do mc.mio nome, Filornena. José Fassanaro Peppino
casado com Francelina Cunha de Azevedo, brasileira, com os se­
guintes filhos: Lindalva, Afrânio, Ninita, Benito, Marconi, Tere-
zinha e José.
Vicente Cicco casado com a brasileira Ana e com os seguin­
tes filhos: Januário. Salvador, Augusto, Celso, Alceu, Maria Ju-
lieta. Joana, Carminha e Alcides.
Os filhos do imigrante Vicente merecem registro especial por­
que foram figuras (pie prestaram elevados serviços ao Estado e
outros por serem muito populares e sabendo fazer amigos.
O Januário formou-se em Medicina e clinicou por tôda vida
em Natal. Homem dinâmico, trabalhador, inteligente, culto e, so­
bretudo. grande profissional. Era clínico e operador. E ainda lhe
sobrava tempo para escrever e assim publicou entre outros os gran­
des livros: “Como se Hygienizaria Natal” (Natal — 1920) e “He­
rança Mórbida” (Natal — 1922).
Alto, forte, bigode bem aparado. Sempre muito elegante,
!impo e perfumado. Rico e posudo. Muitos amigos mas só na “caixa
alta”. Idealizador da Faculdade de Medicina. Edificou com suor,
lágrimas e dinheiro a MATERNIDADE que hoje tem o seti nome,
justa homenagem da Universidade do Rio Grande do Norte. Há
no Estado um município com o seu nome.
Alcides Cicco, meia-estatura, gordo e sem a preocupação do
irmão em bem vestir. Tinha um vasto círculo de amizades em to­
das as classes sociais e, ao contrário do irmão, principalmente na

5
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“caixa baixa”. Querido por tôda a cidade por seu espírito vivo ale­
gre e humanitário. Nunca eu o vi contrariado. Vivia cantarolando
pela Ribeira. Tenor dramático, voz sonora e forte. Andou pelo Rio
dc Janeiro estudando canto, mas nunca se firmou por desleixo.
Não soube aproveitar a voz que trouxe do berço. Fundou e man­
teve no antigo Teatro “Carlos Gomes”, hoje, “Alberto Maranhão”
por poucos anos o Instituto de Música “Santa Cecília”. Era um
admirável gastrônomo. Natal tem uma rua com o seu nome. Foi
Diretor do Teatro, cargo cm que se aposentou. Faleceu em 1959.
Salvador exerceu os mais altos cargos na Estrada de Ferro
Central, hoje, Rede Ferroviária Federal. Celso escolheu a vida
eclesiástica e faleceu já Monsenhor.
João Batista Toselli. alto, magro, louro, elegante e educado.
Rico comerciante e chefe de uma firma importadora e exportadora,
à rua Chile, junto ao Centro Náutico Potengi. Viveu em fechado
círculo de outros homens ricos. Tenho a impressão de que era
orgulhoso. Não era um italiano popular como a quase totalidade
dêles. Sempre residiu na “Vila Toselli”, numa bela casa comprada
a Herculano Ramos, ao lado do antigo Teatro “Carlos Gomes”.
Casou-se com a potiguar Herotidcs, com os seguintes filhos: Gio-
vanni, Ida, Marcina, ítala, Gilda e Iolanda. As filhas eram belíssi­
mas. Se era por isto o seu orgulho — está perdoado. Deixou Natal
com tôda família, mais ou menos em 1920, para residir no Rio de
Janeiro. Mas foi infeliz e. pouco depois, suicidou-se.
Reinaldo Toselli, irmão de João Batista e muito parecido
com êle. Também alto e magro. Casado com Albcrtina e com os
seguintes filhos: Irene e Dolores. Residiu por muito tempo na Ri­
beira, em uma casa junto à atual Recebedoria de Rendas e depois
foi para o Tirol. Era proprietário de umas salinas e terras do
outro lado do Potengi, entre o antigo Porto do Padre e Serraria.
Também infeliz como o irmão, morreu em consequência de uma
queda de cavalo partindo o pescoço, mais ou menos em 1922.
Tom azo Babini, muito alto, forte, vermelho, narigudo e sem­
pre elegante em suas roupas brancas. Deve ter chegado a Natal,
mais ou menos em 1917. No princípio, sua luta foi muito grande
porque se desconhecia que êle era um grande professor de mú­
sica. Emérito violoncelista e competente professor. Depois que se
firmou não dava conta dc tantos alunos c cursos. Muitos e muitos
anos professor da E>cola Doméstica. Quando o aluno dava a lição
certa, Babini esboçava um riso c sentia-se feliz. Mas, do contrário,
a cara se fechava e tornava-se até grosseiro. Deu muita vida e mes­
mo contribuiu eficazmente para a elevação de nossa cultura mu­
sical. Aqui, viveu por mais de trinta anos e depois retirou-se para
o Recife, onde faleceu.
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Foram estes os primeiros imigrantes, pròpriamente ditos, que
aqui vieram pobres e com a luta enorme que tiveram chegaram a
vencer e constituir família. É bem verdade que nem todos fize­
ram fortuna, mas venceram porque sempre houve uma mudança
de vida para melhor. Dentre os imigrantes aqui chegados entre os
anos de 1860 e o começo deste século, conforme informação que
obtive, o primeiro foi João Batista Simonetti que pisou nosso solo
muito antes de 1860.
A corrente emigratória italiana nunca parou e continua a
ser a maior de Natal.
Agora vamos enumerar mais alguns italianos, que, muito
embora não tenham sido pròpriamente imigrantes, pois quando
aqui chegaram uns já com família e bens e outros mais ou menos
remediados. Mas de qualquer forma aqui viveram, trabalharam,
produziram, fizeram amizades, tiveram filhos e tornaram-se por
isso autênticos natalenses. Não poderíam passar desapercebidos.
Assim vejamos:
Antônio Campitelli, gordo, forte, vermelho, pesado no an­
dar. Homem caladão e era entretanto um grande “papo”. Sempre
de branco e bem pôsto. Voz macia. Era um homem inteligente.
Aqui andou costruindo calçamento, estradas e casas, pois era com­
petente no assunto. Tenho a impressão de que era preguiçoso, en­
tretanto muito produziu. Casou-se com Pierina, ex-atriz de teatro,
italiana. Não sei se deixou descendente.
Era muito amigo de meu Pai, José Mariano Pinto, que, fi­
lho de italiano, tinha grande afinidade com todos eles. Meu Pai
também era um grande conversador e assim se ajustava bem com
Campiteili. A propósito, não posso deixar de passar um fato ocor­
rido entre os dois.
Campitelli ia quase diàriamente palestrar com meu Pai na
Tipografia Comercial, primeiro e por muitos anos na Avenida Ta­
vares de Lira, ponto de reunião elegante, e depois transferida para
a rua Câmara Cascudo.
Nesta época, Benito Mussolini andava com seus fascistas re­
volucionando a Itália para tomar conta do Govêrno. A luta estava
ainda no início. Papai pergunta então a Campitelli se o Musso­
lini era homem de valor, um estadista ou simplesmente um impos­
tor. Responde então Campitelli: “Seu majore. . . tá, tá, tá”, e pas­
sou meia-hora falando sem dar sua opinião. Tempos depois Papai
faz a mesma pergunta e Campitelli torna a responder: “Seu ma­
jore, tá, tá, e tá”, ainda sem nada de positivo afirmar. Meses de­
pois, quando Campitelli vai chegando na Tipografia, Papai disse
com os seus botões: “Hoje eu pego Campitelli”. E quando êste sen­
tou-se, Papai apanha um tinteiro e um pêso de papéis e diz: “Cam­
pitelli êste tinteiro representa o homem bom e êste pêso de papéis,
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o homem ruim”. E os colocou sôbrc a mesa perguntando: “De que
lado está o Mussolini, do lado do tinteiro ou do lado do peso”?
Campitelli com a mesma calma responde: “Seu majore, tá, tá, tá.. .”
e tornou a falar mais de mcia-hora e inteligentemente nada de po­
sitivo deu como resposta. Papai ficou na mesma e resolveu aban­
donar o caso.
Tempos depois veio a vitória de Mussolini e Campitelli en­
tra na oficina, radiante, alegre e corre para abraçar Papai excla­
mando: “Não lhe dizia sempre, majore, que o homem cra Musso­
lini”? Papai, então, com aquêle espírito crítico que lhe era pe­
culiar, abraça Campitelli e diz: “Realmente Campitelli. Há muito
tempo que você vem me afirmando aqui, reiteradamente e sem
qualquer sombra de dúvida ou vacilação que o Mussolini era o
homem certo para a Itália. Outro abraço. Campitelli faleceu em
Natal, em 1948.
América Gentile, gordo, barrigudo e sempre de bengala e
também com seu inseparável charuto. Casado com a italiana Car-
mela De Libero Gentile, com os seguintes filhos: Marianina, Geno-
veva, Ida, Alberto, Benvinda, Hercila e Clóvis. Quando aqui che­
gou vindo do sul, já era homem de posses. Aqui desenvolveu o
serviço de bondes e cinema. Muito embora pesadão, era homem
dinâmico, inteligente e trabalhador. Quando aqui chegou vindo
de São Paulo e Paraíba, já trazia todos os filhos, menos o Clóvis
que é “papa-jerimum”. Gentile chegou em 1915 e faleceu cm 1949.
Viveu assim entre nós 34 anos.
Miguel Micucci, um grande arquiteto, que deixou planta­
dos em Natal vários prédios que sua inteligência planejou para nós.
Entre muitos dêles, basta citar os edifícios do Hospital de Crian­
ças Dr. Varela Santiago, à Avenida Dcodoro c o da Prefeitura Mu­
nicipal de Natal. Homem competente, bom. calado e quase hu­
milde. Trabalhou muito c morreu pobre. Casado com a brasileira
Querubina, com os seguintes filhos: Maria, Américo e Humberto.
Este último vive entre nós c todos da cidade o conhecem, Micussi
faleceu em 1924, em Natal.
Gugliclmo Lettieri chegou no Brasil em 1904, mas só mais
ou menos em 1915, instalou-se em Natal. Estatura regular, corado,
inteligente, trabalhador c sempre bem vestido. Quando aqui che­
gou, meteu-se no comércio hoteleiro, arrendando e montando ho­
téis, ramo de negócio em que cra competente. Desenvolveu o “Ho­
tel Avenida” e o “Internacional”, c montou o “Grande Hotel” que
existiu no edifício velho e assobradado da rua Chile. Depois in­
gressou no comércio onde se firmou e chegou a desfrutar uma ele­
vada situação econômica. Exerceu a função de Vice-Consul da Itá-
lia. Casado em primeiras núpcias com Paulina Lettieri, brasileira,
com os seguintes filhos: Alzira c Argentina. Casado cm segundas
núpcias com Angela Wanderley, também brasileira, com os seguin­
tes filhos: Galilleu Pedro, Yolanda e Conceta. Registrou como seus
filhos: Josélia e Emanoel. Para moradia construiu o mais belo pa­
lacete à rua Câmara Cascudo, onde hoje funciona a Bolsa de Va­
lores. Fa’eceu em Natal em 1957.
I.uigi Maria Smido se não foi dos primeiros aqui chegados,
não foi também dos últimos, mas uma coisa é certa: foi o que mais
assinalados serviços prestou à arte musical em Natal. Chegou no
segundo período do govêrno Alberto Maranhão, o conhecido in-
centivador das artes no Estado. Aqui viveu por muitos anos e sem­
pre ocupou uma casa que hoje tem o número 179, da rua General
Glicério. bem atrás da Igreja Bom Jesus, residência que continha
uma placa com seu nome. Eu sempre o \ ia debruçado a janela.
Afirmou-me um seu aluno de harmonia, o nosso Maestro Ga-
ribaldi Romano, que foi o professor mais competente e completo
(pie teve, pois além de exímio pianista e maestro, era também
compositor.
Há inúmeras canções e hinos escolares e do Estado musi­
cados por Smido c com letra do Dr. Nestor Lima. Foi por muitos
anos Regente da Banda Policial Militar do Estado, tendo-a reor­
ganizado c tornado uma das melhores do Brasil. Professor de vá­
rias gerações. Competente, cumpridor dos seus deveres, cuidadoso
e humano. Chegou aqui solteirão e assim permaneceu.
Smido tinha um problema político ou sentimental que o
obrigou a emigrar, primeiro para a Argentina e depois para o Bra­
sil, ficando no Rio de Janeiro, vindo depois para Natal. Êstc pro-
l^ema ninguém soube. Como também diziam que Smido tinha san­
gue real. Também nada confessou.
Depois de viver muitos anos aqui. deixou Natal e voltou
para o Rio de Janeiro, onde faleceu cm extrema pobreza. A arte,
ao que parece, é inimiga de dinheiro.
Luigi Morclli, um dos italianos mais interessantes que Na­
tal já possuiu. Baixo, bigodudo, óculos de elevado grau, sempre de
chapéu preto, colete aberto e cm mangas de camisa. Muito inteli­
gente, culto, jornalista em sua terra, vivo, ativo, pronto nas res­
postas c uma excelente palestra.
Morelli tinha um vasto círculo de amigos cm Natal, prin-
cipalmente entre os comerciantes da Ribeira, onde tinha uma casa
comercial à rua Chile. Foi o orador da colônia italiana na chegada
a esta capital, do Marechal do Ar — ítalo Balbo. Casado com
brasileira, deixou vários filhos, entre os quais: Aclerbal, Julio, Gino
c Yolanda. Faleceu em 1951.
69
Há muitas estórias em Natal a respeito cio espírito vivo cie
Morelli e aqui vão sòmente duas que constatei de perto.
Morelli esqueceu ou perdeu o segrêdo do seu cofre. Estava
aflito. Foi aconselhado a mandar chamar Inácio Vimarano de Paiva,
pessoa indicada para o caso, pois era, como ainda hoje é, um me­
cânico de comprovada competência. Inácio chegou e em poucos
minutos abre o cofre. Morelli ficou admirado pela competência do
rapaz e perguntou quanto devia do serviço. Inácio cobrou cem
mil réis, serviço um pouco caro para a época, mas atrás de Inácio
estavam vinte anos de prática. Morelli, que era muito “amarrado”,
achou exorbitante o preço, reclamou e então Inácio disse: “Não
há dúvida seu Morelli” e imediatamente fechou o cofre, desfazen­
do o segrêdo e foi embora. Morelli, sem outra solução, mandou
chamar Inácio que, pelo mesmo portador, mandou dizer que o
serviço seria então duzentos mil réis. Mas, a pedido de um amigo,
Inácio fêz o serviço por apenas cem mil réis. Quando Inácio saiu,
Morelli então disse: “Se a coisa demora mais, o Inácio ficava com
o cofre”.
De outra feita, Morelli, pela madrugada, ia em seu carro
descendo a Avenida Junqueira Aires para comprar um medica­
mento na farmácia de plantão, na Ribeira. Ia, como sempre, cau­
telosamente dirigindo seu veículo. Na contra-mão vinha o Simplí-
cio Cristino (filho de comerciante rico, gastou muito dinheiro e
acabou abandonando o estudo, porque não pegava nos livros. De­
dicou-se ao comércio em várias modalidades e sem acertar. Espí­
rito folgazão, estróina e boa vida. Era um excelente amigo numa
formidável farra). Os carros se chocaram sem outras consequências
e apenas o veículo de Morelli teve os faróis quebrados. No dia
seguinte, logo que Morelli chegou ao escritório, recebeu uma in­
timação para comparecer à Inspetoria de Trânsito. Ali chegado,
o Inspetor mandou-o sentar-se e disse: “Senhor Morelli, recebemos
agora uma queixa contra o senhor que, conduzindo o seu carro em
grande velocidade e ainda mais em contra-mão, chocou-se com o
carro do Senhor Simplício Cristino”. Atônito, Morelli disse: “Seu
Inspetor, só uma coisa tenho a dizer ao senhor. De contra-mão vem
o palhaço Simplício Cristino desde que nasceu”. Havia sido mais
uma brincadeira do Simplício só para aborrecer o Morelli.
Núnzio Gianatazio, meia-estatura, gordo e alegre. Não se
dava bem com o calor de Natal e tomava toneladas de gêlo. Che­
gou aqui como funcionário do Ministério da Agricultura. Muito
cordial e assim em pouco tempo fêz muitas amizades. Casado com
a italiana Pascoalina e já veio com os seguintes filhos: Aída, Norma
c Amélia. Figura entre os sócios do “Natal-Clube” neste livro. Nún­
zio demorou-se pouco tempo em Natal e depois foi para o Rio de
Janeiro.
70
Os irmãos Fulco. Chegaram aqui em 1922 e 1924. Francisco
Fulco casou-se com a brasileira Argentina, filha de italiano. Do
matrimônio nasceram os seguintes filhos: Itália e Ilka. Instalou a
alfaiataria “Amazonas”, à Avenida Tavares de Lira. Como todos
os Fulco, era um bom rapaz c muito competente em seu ofício.
Faleceu cm 1934.
Biagio Fulco casou-se com a brasileira Maria e do casamento nas­
ceram os seguintes filhos: Paulo, Julio, Giovanni e Angela. Comer­
ciante.
Giovanni, que tôda Natal conhece. Comerciante e vive na
Ribeira de casa cm casa batendo “papo” com os amigos. É ótima
pessoa. Conhece tôda a Colônia e é amigo prestativo de todos. Ca­
sado com a brasileira Francisca, tem um filho, médico, o Dr. Marcos.
Amadeu Grandi, estatura média, forte, calado e compene­
trado. Comprou ao seu patrício Francisco Fulco a alfaiataria “Ama­
zonas” e por muitos e muitos anos foi um dos mestres da tesoura.
Era lá que se vestiam os jovens elegantes da cidade. Calmo, acei­
tando de bom humor qualquer exigência. Era uma das pessoas
queridas da cidade. Casou-se com Emilia Lamas, brasileira e do
matrimônio nasceram os seguintes filhos: Wanda, Walter e Wallig.
Chegou em Natal em 1924 e faleceu em 1967.
Domenico D’Anclréa, alto, magro, vivo e conversador. Sem­
pre falando alto e cheio de gestos. Um competente perfumista e
instalado à Rua Frei Miguelinho. Casou-se com a brasileira Olga
Barbosa e com um só filho, o Dr. Sabato Barbosa D'Andréa. Juiz
de Direito. Chegou a Natal em 1924.
Francisco Maiorana que também é um dos italianos mais
queridos de Natal, onde chegou em 1939. Sempre servindo bem e
com carinho os fregueses no seu estabelecimento, “Casa Vesuvio”.
Tem os seguintes filhos: Rômulo, jornalista e comerciante, hoje,
em Belém e Francisco Maiorana Junior, comerciante.
Conforme já dissemos a corrente italiana, além de ter sido
sempre a maior, está também aumentando. Dezenas e dezenas de
italianos têm aqui chegado, sendo que estão registrados mais de
duzentos, inclusive os nossos conhecidos Rocco Rosso, Aldo Ca-
riello, Rosinha Ponteiro Orrico, Pio Gionnotti (Frei Damião), To-
gneei Eurico (Frei Antônio), Zenobi Pacífico Luigi (Frei Agatán-
gêlo), Emilio Russo, Cornelio Giordanetti.
Muitos italianos aqui chegados se naturalizaram, uns por
amor à nova pátria e outros por necessidade, o que é justo. Mas
mesmo os que se naturalizaram, para nós continuam a ser os mesmos
italianos — gringos, galegos ou marinheiros — mas, sobretudo,
bons brasileiros e mais ainda excelentes amigos, que desta ou da­
quela forma contribuíram para nosso engrandecimento. A todos,
nossa gratidão.
CASAS PATRIARCAIS

Natal, como todas as velhas capitais — e Natal é uma das


mais velhas — já possuiu seus palacetes, “chalets”, chácaras e man­
sões, edificados em sua maioria em fins de século passado e nos
primeiros anos do presente, no fim da “bellc époque”. Depois, o
tempo avançou e foram aparecendo novos estilos arquitetônicos,
belas mas simples casas, depois os chamados bangalôs, vieram pos­
teriormente as construções com dizem —funcionais — , e ,final-
mente, as modernas construções de hoje, os grandes blocos de ci­
mento e ferro, apartamentos para habitação coletiva. Ainda há
porém inúmeras construções de casa simples nos bairros longe do
centro, casas populares financiadas pelo Banco Nacional de Habi­
tação. Mas o tempo de palacetes, chalets, etc., passou, deixando
apenas a saudade daquelas edificações tão bonitas.
Em tôda parte as casas patriarcais foram, em sua maioria,
destruídas, outras descaracterizadas, outras ainda de maior valor
histórico foram tombadas pelo Departamento do Patrimônio His­
tórico e Artístico Nacional. No Rio de Janeiro, antigo Distrito Fe­
deral, principalmente nos bairros de Botafogo, Flamengo e Tijuca
onde existiam as casas e palacetes mais belos e ricos do Brasil, edi­
ficações ainda perfeitamente conservadas, foram destruídas para dar
lugar aos imensos edifícios de apartamentos. Fazia pena ver, como
vimos, tantas belezas arquitetônicas serem pulverizadas. Imposição
da vida.
Guardadas as devidas proporções com as cidades mais ricas,
conforme já dissemos, Natal também teve casas imponentes. Algu­
mas já foram destruídas como as grandes mansões “Vila Cascudo’’,
onde residiu por muitos anos o nosso Mestre Câmara Cascudo e
“Pretória” do Dr. Manoel Dantas. Também pulverizados foram os
palacetes do Dr. Antonio Josc de Melo e Souza, do Dr. Augusto
Leopoldo e de outros.
Restam ainda algumas, mas já bastante danificadas e, antes
que desapareçam, eu desejo aqui que elas fiquem gravadas para a
história arquitetônica que naturalmente se escreverá amanhã. O
nosso intuito é tão somente fazer um documentário positivo, o fo­
tográfico. Será, assim esperamos, uma valiosa contribuição.
*

Palacete do Coronel Aureliano


Medeiros. Um dos mais impo­
nentes. Construído no ano de
1910, tendo custado 63 contos
de réis, inclusive o terreno.
Palacete dentro de uma imensa
área, com inúmeras fruteiras,
garagem e cavalariça. Salas e
quartos imensos. Havia até
dentro do prédio uma Capela.
Hoje, pertencente a uma au­
tarquia, está caindo aos peda­
ços. Fica localizado à Avenida
Junqueira Aires, n. 417. Êste
palacete já serviu de sede do
Tribunal de Justiça, por alguns
anos. Também nêle já funcio­
nou um hotel. (Foto do autor).

Palacete também pertencente ao


Coronel Aureliano Medeiros, ainda
na Junqueira Aires, anexo ao pri­
meiro, adquirido ao Sr. João Alfredo,
residente então em Nova Cruz, no
ano de 1908, por doze contos de réis
Também está muito deteriorado. —
(Foto do autor).
Mansão que pcrteceu ao Sr
Jovino Cesar Pais Barreto c
construída peio mesmo no prin­
cípio do século, dentro de um
imenso sítio abrangendo todo
um quarteirão. Propriedade
bem cuidada, com pomar, ca
cimba, dependência, etc. Orna­
da com pelas palmeiras impeii
ais. Fica localizada no Larro
Dom Bosco e hoje pertencente
aos Irmãos Salesianos. Anexo
ao prédio, uma Capela ainoa
aberta aos fiéis. Foto do autor

Palacete construído ern fins de 1900,


por Afonso Saraiva de Albuquerque
Maranhão, industrial, que nêle pas­
sou a residir. Ern 1910, retirando-se
de Natal, vendeu-o por 15 contos de
réis ao Dr José Teotônio Freire,
Juiz Federal, que nêle residiu até
seu falecimento em 1914. Hoje, o
prédio pertence ao Mestre Câmara
Cascudo. (Foto do autor).
Velho e grande sobrado da
antiga Rua do Comércio,
hoje, Rua Chile, onde estêve
instalado o Govêrno do
Estado durante 33 anos.
Quando o prédio foi alugado
ao Govêrno, no ano de 1369,
pertencia ao rico comerciante
Domingos Henrique de
Oliveira e naturalmente pelo
mesmo construído. Tem
passado por muitos
proprietários e servido para
variados fins. Nêle já foi
instalado um bom hotel. Há
muitos anos vem servindo .
como boate. « •

(Foto do autor).
Prédio conhecido por “Véu
c!a Noiva”. Construído pelo
Sr. José Alexandre Gomes
de Meio, Senhor do Engenho
•pit inõu” entre os anos de
1818 a i 820. Fica localizado
à Rua da Conceição, n.° 630.
O mais antigo de Natal,
razão pela qual foi tombado
pe o L enartamento do
Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional.
Restaurado com tôda sua
pureza arquitetônica pelo
Dr. Hélio Galvão, então,
Presidente da Fundação
“José Auausto”
(Foto: Nadelson).
Chalet construído no princí­
pio do século, pertencente
aos herdeiros de Augusto Se­
vero, fica localizado na
Avenida Junqueira Aires. Um
dos mais interessantes e bem
imaginado, pois, há ampla
ventilação. Hoje, pertence aos
herdeiros de Sérgio Severo
de Albuquerque Maranhão,
recentemente, falecido. (Foto
do autor).

Palacete construído pelo Sr.


Francisco Rodrigues Viana,
industrial, no ano de 1910. -X •
SR ■
• •...

Localizado à Rua São Tomé, ■ J5

n. 421. Prédio bonito, muito


bem construído, assim, ainda
guardando suas linhas sere­
nas. Hoje, pertence ao Sr.
Ubaldo Bezerra de Melo.
Mansão construída pelo
Coronel Avelino Alves Freire,
antigo comerciante e
proprietário. Edificada no
ano de 1898, à Avenida
Rio Branco, localizada
justamente atrás do Teatro
Alberto Maranhão, o que
prejudicou a visão da
mesma. Casa com imensas
salas e muitos aposentos e
cercada de um vasto sítio com
muitas fruteiras. Na época
dessas construções quase todo
o material era importado, e
sendo de ótima qualidade tem
resistido ao desgaste do
tempo. Êste prédio que não
mais pertence aos herdeiros
do primitivo proprietário, foi
demolido recentemente.
(Foto do autor).
Mansão construída no ano de 1911 pelo Major
José Mariano Pinto, funcionário e industrial, à
Avenida Deodoro, n.° 446. Ficava localizada em
um imenso sítio com cem metros de frente por
oitenta de fundo. Quase todo material foi
importado da Bélgica, como sejam: vidros,
mosáico, forros, etc. Não era luxuosa, mas de
bom gosto e sólida construção. No vasto quintal,
pomar com uma variedade de fruteiras mais
diversas: coqueiros, mangueiras, sapotizeiros,
pitangueiras, abacateiros, jaqueiras, pitombeiras,
cajueiros, bananeiras, romãzeiras, genipapeiros,
maracujá, abiu, laranjeira, fruta-pão, goiabeira,
araçàzeiro e jambeiro. Para coroar: quatro pés de
café. Hoje, é de propriedade dos herdeiros do Sr.
Oscar Rubens de Paula. (Foto: Nadelson).
Mansão construída no ano de
1900 pelo rico comerciante
João Crisóstomo Galvão, que
nêle residiu até seu faleci­
mento. Fica localizada à Praça
André de Albuquerque, 534,
com frente para a Praça Dom
Vital. Prédio hoje pertencente
ao Tribunal Regional Elei­
toral. — (Foto: Nadelson).
Palacete construído pelo comerciante Irineu
Pinheiro, no ano de 1916, situado à Avenida
Deodoro, onde hoje está instalado a sociedade
ASFAE. Como os demais construídos naquela
época, quase todo material era importado e
alguns com especialidade e, assim, ainda vemos
os vidros com as iniciais — IP — entrelaçadas,
significando o nome do seu proprietário. A
cúpula foi modificada, pois, a primitiva era de
metal. Prédio hoje pertencente a terceiros.
(Foto: Nadelson).

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Palacete construído em 1922 pelo Dr. Moist


Soares, advogado e grande orador. Estava o-....
prédio quase pronto para seu proprietário, logv.
que se casasse, ir nêle residir, quando morreu.
Fica na esquina da Avenida Deodoro com a
João Pessoa. Hoje, pertence aos herdeiros da
família Soares, está sempre desocupado.
Edifício conhecido por tôda a cidade. Prédio
que nasceu morto e, por isso, sempre triste.
(Foto: Nadelson).

í
Palacete construído pelo rico comerciante Jorge
Barreto de Albuquerque Maranhão, no ano de
1910, que nêle passou a residir. Prédio bem
construído, muito elegante para a época, com
estatuetas no jardim e com dois pavimentos.
No ano de 1920, quando Jorge Barreto retirou-se
para o Rio de Janeiro, foi vendido a outro
comerciante, o português Manuel Duarte
Machado e hoje pertencente a sua viúva,
D. Amélia Duarte Machado. (Foto: Nadelson).
Palacete construído pelo mé­
dico Afonso Moreira * de
Loiola Barata, em 1911, ten­
do custado a soma_.de 30 con­
tos de réis. Fica localizado à
Rua Ulisses Caldas, n.° 20.
Tem um vasto porão perfei-
tamente habitável. Hoje, é de
propriedade de D. Alice Ba­
rata China, filha do Dr-
Afonso Barata e viúva do Dr-
Armando China. — (Foto:
Nadelson).

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