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CDD: 918.1321
CDU: 918.132.1 RnN-UFsct
SUMÁRIO
guerrilheira doméstica
de quarenta anos de luta,
tristezas e alegrias
V
TURISMO DOS BRONZES...
O CASAL DE ESTUDANTES
No antigo Grupo Escolar Augusto Severo existiam duas es
tátuas lindíssimas em bronze, representando um casal de estudan
tes. O Mestre Cascudo já descreveu o valor, a beleza e a origem
dessas peças. No Grupo, a estátua masculina indicava a ala dos me
ninos e a outra, a seção feminina. Êles ornamentaram o Grupo por
quase meio século. Depois, as crianças foram removidas para a
Praça Pedro Velho, na porta da Escola Normal. Logo depois as
infelizes foram “bater” na Lagoa de Manoel Felipe e finalmente
plantadas no Colégio Estadual “Winston Churchill”, na Cidade
Alta.
Como sofrem crianças com Madrasta.. .
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Monumento da Independência.
(Foto: Nadelson).
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Monumento em homenagem
aos Mártires do Movimento
Republicano de 1817. —
(Foto: Nadelson).
Busto do Almirante Marquês
de Tamandaré. — (Foto:
Nadelson).
21
TRANSFERÊNCIA NA “MARRA”
OS BAIRROS
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ROCAS
O bairro das Rocas compreendia também a faixa de terra
denominada “LIMPA”, a começar do canal da Fortaleza dos Reis
Magos até as Rocas pròpriamente ditas, que se limitavam com a
Ribeira pelo Salgado, hoje Esplanada Silva Jardim, depois aterrada,
onde se encontra o edifício Fernandes Costa (Ministério da Agri
cultura), até encontrar o edifício da antiga Estrada de Ferro Sam
paio Correia. O nome Limpa se deu a uma vasta campina, cui
dadosamente plantada e conservada pela antiga Administração do
Pôrto de Natal, com o fim de fixar a areia e impedi-la de chegar
ao Rio Pontegi e, assim, não aterrar o canal.
Era o menor bairro habitado quase que exclusivamente
de pescadores, a gente mais pobre e abandonada de Natal. Tudo
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ali cheirava a peixe e a miséria. Eram porém os homens mais des
temidos e que todos os dias enfrentavam o mar cheio dc surpresas
e perigos, arriscando diàriamente a vida, em barcos frágeis e obso
letos, para um ganho ínfimo com a venda do pescado e deixando
que os “atravessadores” da venda bebessem seu sangue. E o mais
triste é que depois de séculos a situação é ainda quase a mesma.
Era o bairro esquecido, triste, sujo e mal afamado e sòmente
lembrado no dia 6 de janeiro de cada ano — DIA DE REIS —
quando todos de Natal se irmanavam religiosamente com os pobres
das Rocas para os festejos na Capelinha que, primeiramente, ficava
em um elevação perto do canal da Fortaleza e depois transferida,
já com a categoria de Igreja, para o lugar onde hoje se encontra.
No dia seguinte, 7 de janeiro, ninguém queria mais saber das
Rocas.. .
Entretanto, nesse bairro, que era tão renegado, muitos ho
mens de coração elevaram seus nomes e os dignificaram. Entre
eles me recordo no momento de dois. Primeiro, o Engenheiro Dé-
cio Fonseca que por muitos e muitos anos exerceu o cargo de Chefe
da Fiscalização do Pôrto. Era êle tão devotado ao serviço público e
amante das Rocas que lá foi residir nos terrenos da Limpa, deixando
uma casa confortável na cidade. O Dr. Décio era de pequena esta
tura, vermelho, magro, nervoso e explosivo quando encontrava um
serviço levemente imperfeito ou um pouco atrasado. Trabalhava
quase o dia todo, pois, findo o expediente, voltava para as Rocas
para fiscalizar os serviços em execução no canal. Duro no serviço,
mas homem de grande coração, muito fêz pelo bairro. Hoje seu
nome, e com muito justiça, figura em uma das princiapis ruas das
Rocas. O outro, o sindicalista e jornalista Café Filho que embora
com um pouco de barulho — e de outra maneira não era possível
fazer naquela época — tirou seu nome das Rocas, da lama e o le
vou até à Presidência da República. Café era o pai espiritual dos
pescadores e dos pobres do lugar. Embora com protetores grandes,
o bairro das Rocas sempre foi pequeno.
Assim esquecido pelos poderes públicos, o bairro sobreviveu
heroicamente. Se os pescadores eram bravos no mar, melhormente
o foram em terra e aguentaram firmes. Hoje tudo está melhor por
que cresceu e progrediu. Novas ruas, muitas casas, comércio regu
lar, já tem um hospital e um bom cinema; possui também vários
restaurantes com pratos típicos da Cidade. Movimento e vida. Mas
ainda pobre e não menos humilhado.
RIBEIRA
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Antiga “Escola Doméstica”.
Antigo jardim da Praça Leão
XIII, hoje, Capitão José da
Penha. Na casa em frente,
residia o Capitão José da
Penha por ocasião do bom
bardeio. Hoje, em seu lugar,
está edificado o Grande Hotel
29
das mulheres nordestinas, as filhas espirituais do imortal Hen
rique Castriciano. Há poucos anos, a Escola Domestica mudou-se
para o Tirol. Mas, quem, como eu viu tudo isto e hoje passa por
aquela casa grande e bonita onde atualmente funciona um depar
tamento do IN PS, ao lado da Faculdade de Direito, e que escolheu
naquele viveiro cheio dos pássaros mais lindos de Natal uma môça
para sua esposa, sente uma imensa saudade como se tudo já tivesse
passado na vida. Com a transferência da Doméstica, a Ribeira sofreu
mais um duro golpe.
E, finalmente, na Ribeira existiu outro lindo jardim, em
frente à Igreja do Bom Jesus das Dores, hoje, Praça José da Penha
com os nomes anteriores de Campina do Bom Jesus e Praça Leão
XIII. A Campina era o lugar dos bons circos que apareciam em Natal.
Um jardim pequeno mas muito bonito e bem cuidado, com seu ma
jestoso coreto de alvenaria, bancos e árvores. Muito frequentado,
principalmente, nos dias de retretas. Também a Igreja teve seus
dias de glória. Muito bonito o mês de maio porque os padres es
trangeiros sabiam organizar festas. Era, naturalmente, a igreja fre
quentada pela Escola Doméstica. Hoje, não existe mais o jardim
que era tão formoso e muito menos o coreto. Atualmente, naquele
lugar, só encontramos sujeira e escombros. A Ribeira não merecia
tantos castigos.
Finalmente, não. Há mais a lamentar. Existiu na Ribeira um
mercado — o Mercado Público da Ribeira — que ficava localizado
na esquina do lado esquerdo na confrontação das ruas Ferreiras Cha
ves e Almino Afonso. Um prédio bonito e bem construído. No prin
cípio, tudo ia muito bem, mas depois a freguesia foi desaparecendo
e o mercado morreu. Hoje, onde foi o velho mercado é um depósito
da Prefeitura Municipal. Falando em mercado, é bom lembrai' que
neste bairro existiu uma grande feira, era a Feira da Tatajubeira
localizada no princípio da rua Ferreira Chaves, numa pequena praça
hoje edificada. O nome da feira provinha de um imenso pé de ta-
tajuba existente no local. Era uma feira tradicional, porque vinha
desde tempos imemoriais. Tudo ali era mais barato, razão pela
qual era muito frequentada. Acabou-se, também.
Nem tudo, porém, na Ribeira, como ainda hoje, é côr de rosa.
Como todo bairro tem seus defeitos, lacunas ou desvantagens, a Ri
beira tem inúmeros. Sendo a parte mais baixa de Natal, é a mais
quente, por ser menos ventilada. Muito baixa e quase ao nível do
Potengi, sempre foi alagada pelas chuvas, que, dia a dia, aumen
tam a alagação devido ao crescente calçamento e asfaltamento de
outros bairros. Ainda hoje, quando chove, a Ribeira torna-se um
imenso lago cujas águas chegam a invadir as casas. Águas sujas,
porque tôda a podridão da Cidade, e que não é pouca, vai de pre
sente para a desvalida Ribeira. O problema é antiquíssimo. Até
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hoje não houve um só prefeito que dedicasse especial atenção a essa
vergonha. E o bairro, úmido e abafado, facilita a proliferação dos
mosquitos.
Como principal defeito e, desde também tempos mais remo
tos, como até hoje, teve a Ribeira a pouca sorte de ser a Capital
Federal da prostituição profissional. Ali o meretrício era franco
e escandaloso e até funcionando perto das casas de famílias. Na
Ribeira sempre existiram as pensões alegres mais ricas e bem ser
vidas, como outras mais modestas. Da boate mais granfina até o
sórdido, imortal e já tristemente célebre Beco da Quarentena. Para
a Ribeira desciam os frequentadores do amor pago e lá encontra
vam os embarcadiços nacionais e estrangeiros. E neste setor a Ri
beira deu, como ainda hoje, muito trabalho à Polícia, porque a
prostituição é irmã gêmea do álcool e prima da baderna. Com a
saída das famílias para outros bairros, o meretrício aumentou. Em
bora pensões alegres estejam espalhadas por outros bairros, a Ri
beira não perdeu a posição de destaque no comércio de carne hu
mana viva.
Pelos motivos descritos, a Ribeira perdeu muito de sua im-
portância, alegria e movimento. Até o fim da última guerra a
Ribeira ainda ostentava a predominância da vida comercial. De
lá para cá entrou em decadência, pois quase tudo de importante
transferiu-se para a Cidade Alta ou para lá foram filiais de bancos,
casas comerciais, etc. Assim mesmo, algumas grandes firmas como
sejam: Lira Oliveira & Cia., Drogaria Brasil, Exportadora Ornar
Medeiros, A. Gomes Tecidos S/A, M.M. Costa. J. Resende Comér
cio, Sepan, Cesar S/A Comércio e Representação, Cooperativa Cen
tral de Crédito, Galvão Mesquita Ferragens. Armazém Elias Lamas,
Bazar Doméstico, Aureo Borges e outras, ainda estão estabelecidas
na Ribeira. Hoje, (piem tem negócio ou uma simples compra a
fazer, não necessita mais ir a lá à Ribeira, pois tudo é encontrado
na Cidade Alta ou no Alecrim. Fugiram da Ribeira a movimen
tação, os grandes “papos” e as constantes fofocas dos comerciantes
c industriais. A “Tipografia Comercial”, de José Pinto, que era
um admirável conversador, à Avenida Tavares de Lira, era o ponto
certo dos Desembargadores e lá estavam todos os dias: Dionisio
Filgueira, Benício Filho, Antônio Soares, Horácio Barreto, Fran
cisco Albuquerque, Silverio Soares, Felipe Guerra, Hemeterio Fer
nandes e outros, onde a palestra era mais refinada. A “Livraria
Cosmopolita”, de Fortunato Aranha, era a roda dos advogados e
intelectuais, presidida por Nestor Lima. E ainda na Tavares de
Lira, reunião em baixo das árvores comandada por Oscar Rubens e
Joaquim Freire. Era a roda mais perigosa.
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CIDADE ALTA
O“GRANDE PONTO”
NATAL-CLUBE
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37
Como em tôdas as sociedades, pois é difícil uma entidade
viver muitos anos sem os — abnegados — o Natal-Clube — pos
suía os seus, e entre os mais esforçados estavam: José Pinto, por
muitos anos Presidente, Teodorico Guilherme, Odorico Pelinca,
Antônio Artur, Mario Lira, Manoel Dantas, Clidenor Lago, Antô
nio Nesi, João Galvão e outros.
Os bailes, os piqueniques e os carnavais organizados por êste
clube eram assombrosos em organização, alegria e ordem. Todos
os anos o Natal Clube fazia o Natal dos filhos sócios e uma grande
árvore era plantada no meio do vasto salão e a distribuição de
brinquedos era generosa. Todos saíam satisfeitos. Entre os muitos
piqueniques organizados, o maior e que causou melhor impressão,
íoi o reahzado no Engenho Cajupiranga. Seguiu para lá uma com
posição de trem que ia lotada. Um verdadeiro sucesso. E também
todos os anos o clube promovia, dias antes do Carnaval, um mag
nífico “Zé Pereira”, com todos os sócios fantasiados, em um bonde
enfeitado e música. O Zé Pereira assaltava casas dos sócios prèvia-
mente determinados e eram verdadeiros banquetes, com tôda sorte
de bebidas, principalmente nas casas de Antônio Artur, Manoel
Cristino e Odorico Pelinca e outras. Quanto aos bailes, impecà-
velmente organizados eram brilhantíssimos, A melhor orquestra*
da cidade tinha contrato permanente. E uma coisa curiosa: não
havia qualquer briga, como acontece quase sempre hoje nos clubes
mais ricos da cidade. E é preciso notar que a bebida naquele tempo
era gratuita. Hoje, se a cerveja e as demais bebidas de teor alcoó
lico mais elevado fôssem de graça, não havería briga, e sim, um
conflito municipal.. .
Para não dizer que nada houve nos bailes de antigamente,
verificou-se um fato que ia degenerando cm seríssimos aborreci
mentos para o clube. Naquela época já existia a invencível insti
tuição dos — penetras. A Diretoria então resolveu que só ingres
saria no baile o convidado exibindo o convite e sem exceção. Fal
tava, porém, um sócio para o espinhoso cargo da Portaria, pois
muitos consultados não aceitaram. Afinal foi escolhido o Dr. Júlio
de Melo Resende, conhecido por suas qualidades de homem duro,
porém muito calmo e educado. O escolhido fêz ver a delicadeza do
encargo, de vez que as instruções eram severas. A Diretoria insis
tiu e o Dr. Resende aceitou a missão. Naquela época os bailes co
meçavam às 21 horas e já às 19, o Dr. Resende estava no pôsto de
sacrifício. Alguns penetras foram barrados sem qualquer problema.
Mas eis que chega um automóvel com o Gapitão dos Portos, far
dado, acompanhado da esposa e duas filhas. Na porta foi exigido
o convite e o militar disse que havia deixado o mesmo, mas se
não tivesse sido convidado ali não estaria. O Dr. Resende disse
então que a família entraria, mas que êle voltasse para apanhar
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o convite. O Capitão dos Portos não aceitou a sugestão e o “bôlo”
estava formado. Começou a juntar o pessoal do sereno. A Dire
toria, como era de esperar, interveio em favor do ilustre mari
nheiro. Entraram. E o Dr. Resende, sem perder a calma, apanhou
o chapéu e deu o fora.
Depois dos dias mais gloriosos do Natal-Clube, sócios mais
jovens tomaram conta da sociedade, que, embora sem o brilhan
tismo de antigamente, foi teatro de muitas festas. Edificaram, en
tão, a nova sede. Depois o clube foi declinando em festas e flo
rescendo em jogos. Transformou-se em sociedade anônima. Quan
do o prédio estava muito valorizado, foi o mesmo vendido e o clube
morreu. Desapareceu uma das maiores tradições da cidade.
Da esquina do Natal-Clube partiram no dia 14 de janeiro
de 1923, em reide pedestre Natal — Rio — São Paulo, os escotei
ros José Pessoa, Humberto Lustosa da Câmara, Henrique Borges,
Aguinaldo Vasconcelos e Antônio da Silva, da sociedade “Escotei
ros Andantes”. Chegaram no Rio, no dia 02 de agosto e em Sao
Paulo, no dia 2 de setembro de 1923. Êste reide não foi um passeio
à toa, e sim, tecnicamente organizado, estudado e planejado. O
itinerário teve de ser prèviamente aprovado pela Federação dos
Escoteiros de São Paulo. Não é possível dizer em poucas linhas o
quanto de sofrimento e sacrifícios aguentaram nossos “raidmen ’
pelo longo caminho. Picadas de mosquitos, encontro com índios,
febres, ferimentos, sêde e fome. Afinal venceram. E a recepção, em
São Paulo, foi a maior já verificada na história do escotismo. Basta
dizer que o povo se aglomerou na estrada nove quilômetros antes
do ponto final. Hoje, quarenta e sete anos depois do grande acon
tecimento, ainda estão vivos os cinco heróis natalenses.
As ruas e praças da Cidade Alta são quase as mesmas de
hoje, com algumas modificações para pior. Assim é que a Praça
André de Albuquerque era constituída de um lindo jardim, com
árvores, bancos e um lindíssimo coreto como o que existiu na Praça
Augusto Severo, na Ribeira. Fizeram nesta praça várias reformas
que não deram certo por falta dc cuidado. Hoje, é uma praça aca
bada. O mesmo aconteceu com as Praças Pio X e João Tibúrcio.
Apenas surgiu uma pracinha nova que é a John Kennedy, no co
ração do Grande Ponto.
Conforme disse, as ruas e praças são as mesmas de antiga
mente, variando apenas com as mudanças de nomes, que em alguns
casos foram infelizes porque substituiram nomes tradicionais e já
na alma do povo, como foram as das ruas: “Estrela”, “Dos Tocos”,
“Vai-quem-quer” e outras.
( Mas hoje, como ontem o Grande Ponto, a Cidade Alta é o
coração de Natal. O movimento hoje é enorme. Lojas e estabele
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cimentos modernos e artisticamente ornamentados. Ótima ilumina
ção. Pelas 17 horas temos até a impressão de que estamos em uma
cidade grande?.
Local predileto para o término dos grandes comícios polí
ticos. Local para ações mais rápidas de aprovação ou de rebeldia.
Não é de hoje este ambiente reinante no GRANDE PONTO.
Sempre foi assim. Em 1917, o bonde de Petrópolis descia para a
Ribeira e, ao cruzar com a rua Coronel Cascudo, (Beco da Liga
Artístico-Opcrária), atropelou e matou uma pobre velha. A rapa-
lo Gilbert prendeu o motorneiro
ou o galego da Empresa de Tração
Torça e Luz. Ficou patente que o motorneiro não tinha culpa, pois
a mulher era quase surda e muito deficiente da vista. A coisa es
tava assim quase que resolvida, quando o galego da Empresa disse
O PASSO DA PÁTRIA
CAFÉ MAGESTIC
HISTÓRIA SENTIMENTAL
O PÔRTO DE NATAL
Ainda Natal, embora um pouco afastado da Cidade Alta.
Assim, não importa o bairro.
Quando Deus fêz o Mundo deixou, propositadamente, umas
complicações marítimas constantes de umas pedrinhas e banquinhos
de areia, na embocadura de uma barra onde descia um rio, tudo
tão somente para testar a operosidade de um povo que haveria de
ali edificar uma cidade. A cidade veio depois de mais de mil anos
a chamar-se NATAL. O rio passou a ser o POTENGI. E o povo
são os “papa-jerimuns”. O fato é verdadeiro porque nos mapas dos
holandeses de 1630 já descreviam tudo isto.
O caso, como vimos, já muito antigo e assim depois de quase
dois mil anos continuam os mesmos obstáculos na barra e no pôrto.
Nossa operosidade foi testada e com nota zero.
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Busto de Dom Pedro II.
(Foto: Evaldo).
49
Muitos historiadores e peritos já se pronunciaram a respeito
em livros e relatórios, notadamente Tavares de Lira em seu subs-
O RIO POTENGI
que não eram poucas, a palavra final era a de Ângelo Roselli, pois
êle era inconstestàvelmente o mais ilustrado italiano daquela época.
Homem rico, desembaraçado, maneiroso e com vastas amizades em
todos os círculos sociais, chegou mesmo a pontificar até perante o
mundo oficial. O seu filho, Alberto Roselli, foi educado na Suíça
e posteriormente diplomado em Ciências Jurídicas e Sociais pela
Faculdade de Direito do Recife. Exerceu por muitos anos, com ex
cepcional brilhantismo, a advocacia no Estado. Foi também Depu
tado Federal.
Foi assim, Ângelo Roselli, um bom imigrante que muito
concorreu para as boas relações entre a colônia italiana e gente da
terra, “leader” comercial e com relevantes serviços prestados ao
Estado, inclusive na fundação da Associação Comercial. Faleceu em
Natal aos 69 anos.
Outro imigrante que também conheci muito foi Domingos
Brando. Estatura média, moreno, muito forte e com pouca instru
ção. Viveu tôda vida na Rua Correia Teles, onde hoje é o n.° 229,
onde tinha um pequeno sítio. Era um competente vaqueiro. Pos
suiu uma vasta propriedade no Tirol, onde hoje está o I/16.° Re-
*pimento
> de Infantaria. Ali, criava suas vacas e extraía madeira
para vender. Era “curandeiro” não só para suas vacas, mas também
para as pessoas. Era uma boa pessoa. Casado com D. Querobina,
não deixou descendentes. Faleceu em Natal.
Outro querido imigrante aqui chegado nos primeiros tempos
foi João Nesi, casado com D. Gabriela Nesi, também italiana e já
com a filha Cristina. Aqui estabeleceu-se com um armarinho à Ave
nida Rio Branco, onde hoje é o n.° 538. Homem bom, pacífico
e amigo de todos. Aqui nasceram os seguintes filhos: Filomena, An-
tonio, Maria Cristina, João, Cristina Maria, Ester, Teresa, Adélia
e Alberto. Uma ninhada de filhos magníficos. O João é êste João
Nesi Fillio, que muito conhecemos, um dos homens mais puros
que já conheci em minha vida. Homem de muitas virtudes e pou-
A? BIBLIOTECA e*
CENTRAL *
61
cos defeitos, sendo que entre estes, os mais graves são: não bebe,
não fuma, vegetariano intransigente e nada usa daquilo (jue tenha
sido extraído de animal. Se houver CÉU, vai ter um lugar espe
cial. Conheci também o Antonio Nesi, que também era conhecido
por tôda Natal. Homem correto, educado e sabendo fazer e man
ter amizades. Alto funcionário da Fazenda Estadual, competente e
criterioso. Gostava de uma lindíssima môça, Leonor Ura, e como
a família se opusesse ao casamento, Antônio a raptou e levou para
a casa do meu pai, donde saiu casada. Depois a paz se fêz entre
as famílias, como não era possível de outra maneira. Casamento
feliz, com um único filho, este querido Humberto Nesi. Conheci
também e lui muito amigo do Alberto Nesi, um dos rapazes mais
bonitos e elegantes de Natal. Alto, forte e campeão pelo “América
Futebol Clube’’. Um dos jogadores mais inteligentes e perigosos no
ataque. Alto funcionário federal. Aos 21 anos, atacado de tifo,
morreu de fome pois a terapêutica da era de vinte consistia em
não alimentar o doente porque a doença atacava sobretudo os in
testinos. Quantos não morreram assim I Conheci também Adelia,
pessoa muito estimada em Natal, funcionária federal. Casou-se com
o Sr. Absalão Simonetti, também muito estimado em Natal. Já é
falecida.
Na turma dos primeiros veio também José Barra, casado
com a italiana Rafaela Barra e aqui chegados com a ninhada de
italianinhos: Miguel, Nicolau, Rosinha, Filomena e Concceta.
O que mais se sobressaiu foi o Miguel Barra que chegou
a ter uma rua com o seu nome. Foi realmente um homem de bem,
trabalhador e muito popular. Proprietário da grande loja “ROSA
DOS ALPES’’, à rua Ulisses Caldas, onde hoje tem os números
122/124. Depois tornou-se o maior proprietário de casas de Natal
c por incrível que pareça nunca martirizou os inquilinos. Pessoa
de grande projeção social e comercial. Foi um dos fundadores do
“Natal-Clube”, sociedade recreativa já descrita.
Miguel Barra era homem de bom humor, alto, vermelho e
sempre impecavelmente de branco. Adquiriu um vasto círculo de
amizades em Natal. Casado com D. Joaninha Barra, brasileira, teve
apenas uma filha, Elisa, que casou-se com Urbano Maia.
Conforme já disse acima, os outros irmãos de Miguel Barra
são: Nicolau Bana casado com a italiana Angelina, com os seguin
te*’» filhos: José e Angelina. Rosinha Barra casada com Braz Fili-
zola, italiano, com os seguintes filhos: Luís, Lulu e Luizinha. Fi
lomena Barra casada com o italiano Francisco Lagrota. com os
seguintes filhos: Rafael, José, Antônio, Linda, Francisco, Adelia,
Alberto, Garibaldi, Honório, Resiero, Fioravanti, Helena e Cris-
62
grancle comerciante em Natal, com uma boa loja à rua Dr. Ba-
rata. Baixo, gorclo, bigodudo e sempre em mangas de camisa,
Grande proprietário de prédios c com uma bonita residência. Mui-
to seguro no dinheiro mas os filhos faziam grandes “pintos” para
Clube ” do qual eram “doentes”. Ho
gastar com o• “ABC Futebol Clube
mem pacato e bom e com muitas amizades. Gostou sempre de pos
suir um bom carro. Era sua única diversão.
Antônio Pípolo (Sobrinho) casou-se com a brasileira Maria
Alexandrina, com os seguintes filhos: Cecília, Genésio, Pedro, José
e Ester.
Antônio Pípolo casado com Alcina, brasileira, com os se
guintes filhos: Diniz, Antônio, Duze, Sofia e Carminela.
Temos ainda daquela época: Giovani Visco casado com Edite,
brasileira. Miguel Martorano casado com Francisca Martorano, bra
sileira, com os seguintes filhos: Santos, Florinha, Juca e Antônio.
Paulo Fassanaro casado com Antônia Fassanaro, com os seguintes
filhos: Braz, Manuel, Rosa, Angela, Maria, Francisco, João, Antô
nio e duas do mc.mio nome, Filornena. José Fassanaro Peppino
casado com Francelina Cunha de Azevedo, brasileira, com os se
guintes filhos: Lindalva, Afrânio, Ninita, Benito, Marconi, Tere-
zinha e José.
Vicente Cicco casado com a brasileira Ana e com os seguin
tes filhos: Januário. Salvador, Augusto, Celso, Alceu, Maria Ju-
lieta. Joana, Carminha e Alcides.
Os filhos do imigrante Vicente merecem registro especial por
que foram figuras (pie prestaram elevados serviços ao Estado e
outros por serem muito populares e sabendo fazer amigos.
O Januário formou-se em Medicina e clinicou por tôda vida
em Natal. Homem dinâmico, trabalhador, inteligente, culto e, so
bretudo. grande profissional. Era clínico e operador. E ainda lhe
sobrava tempo para escrever e assim publicou entre outros os gran
des livros: “Como se Hygienizaria Natal” (Natal — 1920) e “He
rança Mórbida” (Natal — 1922).
Alto, forte, bigode bem aparado. Sempre muito elegante,
!impo e perfumado. Rico e posudo. Muitos amigos mas só na “caixa
alta”. Idealizador da Faculdade de Medicina. Edificou com suor,
lágrimas e dinheiro a MATERNIDADE que hoje tem o seti nome,
justa homenagem da Universidade do Rio Grande do Norte. Há
no Estado um município com o seu nome.
Alcides Cicco, meia-estatura, gordo e sem a preocupação do
irmão em bem vestir. Tinha um vasto círculo de amizades em to
das as classes sociais e, ao contrário do irmão, principalmente na
5
65
“caixa baixa”. Querido por tôda a cidade por seu espírito vivo ale
gre e humanitário. Nunca eu o vi contrariado. Vivia cantarolando
pela Ribeira. Tenor dramático, voz sonora e forte. Andou pelo Rio
dc Janeiro estudando canto, mas nunca se firmou por desleixo.
Não soube aproveitar a voz que trouxe do berço. Fundou e man
teve no antigo Teatro “Carlos Gomes”, hoje, “Alberto Maranhão”
por poucos anos o Instituto de Música “Santa Cecília”. Era um
admirável gastrônomo. Natal tem uma rua com o seu nome. Foi
Diretor do Teatro, cargo cm que se aposentou. Faleceu em 1959.
Salvador exerceu os mais altos cargos na Estrada de Ferro
Central, hoje, Rede Ferroviária Federal. Celso escolheu a vida
eclesiástica e faleceu já Monsenhor.
João Batista Toselli. alto, magro, louro, elegante e educado.
Rico comerciante e chefe de uma firma importadora e exportadora,
à rua Chile, junto ao Centro Náutico Potengi. Viveu em fechado
círculo de outros homens ricos. Tenho a impressão de que era
orgulhoso. Não era um italiano popular como a quase totalidade
dêles. Sempre residiu na “Vila Toselli”, numa bela casa comprada
a Herculano Ramos, ao lado do antigo Teatro “Carlos Gomes”.
Casou-se com a potiguar Herotidcs, com os seguintes filhos: Gio-
vanni, Ida, Marcina, ítala, Gilda e Iolanda. As filhas eram belíssi
mas. Se era por isto o seu orgulho — está perdoado. Deixou Natal
com tôda família, mais ou menos em 1920, para residir no Rio de
Janeiro. Mas foi infeliz e. pouco depois, suicidou-se.
Reinaldo Toselli, irmão de João Batista e muito parecido
com êle. Também alto e magro. Casado com Albcrtina e com os
seguintes filhos: Irene e Dolores. Residiu por muito tempo na Ri
beira, em uma casa junto à atual Recebedoria de Rendas e depois
foi para o Tirol. Era proprietário de umas salinas e terras do
outro lado do Potengi, entre o antigo Porto do Padre e Serraria.
Também infeliz como o irmão, morreu em consequência de uma
queda de cavalo partindo o pescoço, mais ou menos em 1922.
Tom azo Babini, muito alto, forte, vermelho, narigudo e sem
pre elegante em suas roupas brancas. Deve ter chegado a Natal,
mais ou menos em 1917. No princípio, sua luta foi muito grande
porque se desconhecia que êle era um grande professor de mú
sica. Emérito violoncelista e competente professor. Depois que se
firmou não dava conta dc tantos alunos c cursos. Muitos e muitos
anos professor da E>cola Doméstica. Quando o aluno dava a lição
certa, Babini esboçava um riso c sentia-se feliz. Mas, do contrário,
a cara se fechava e tornava-se até grosseiro. Deu muita vida e mes
mo contribuiu eficazmente para a elevação de nossa cultura mu
sical. Aqui, viveu por mais de trinta anos e depois retirou-se para
o Recife, onde faleceu.
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Foram estes os primeiros imigrantes, pròpriamente ditos, que
aqui vieram pobres e com a luta enorme que tiveram chegaram a
vencer e constituir família. É bem verdade que nem todos fize
ram fortuna, mas venceram porque sempre houve uma mudança
de vida para melhor. Dentre os imigrantes aqui chegados entre os
anos de 1860 e o começo deste século, conforme informação que
obtive, o primeiro foi João Batista Simonetti que pisou nosso solo
muito antes de 1860.
A corrente emigratória italiana nunca parou e continua a
ser a maior de Natal.
Agora vamos enumerar mais alguns italianos, que, muito
embora não tenham sido pròpriamente imigrantes, pois quando
aqui chegaram uns já com família e bens e outros mais ou menos
remediados. Mas de qualquer forma aqui viveram, trabalharam,
produziram, fizeram amizades, tiveram filhos e tornaram-se por
isso autênticos natalenses. Não poderíam passar desapercebidos.
Assim vejamos:
Antônio Campitelli, gordo, forte, vermelho, pesado no an
dar. Homem caladão e era entretanto um grande “papo”. Sempre
de branco e bem pôsto. Voz macia. Era um homem inteligente.
Aqui andou costruindo calçamento, estradas e casas, pois era com
petente no assunto. Tenho a impressão de que era preguiçoso, en
tretanto muito produziu. Casou-se com Pierina, ex-atriz de teatro,
italiana. Não sei se deixou descendente.
Era muito amigo de meu Pai, José Mariano Pinto, que, fi
lho de italiano, tinha grande afinidade com todos eles. Meu Pai
também era um grande conversador e assim se ajustava bem com
Campiteili. A propósito, não posso deixar de passar um fato ocor
rido entre os dois.
Campitelli ia quase diàriamente palestrar com meu Pai na
Tipografia Comercial, primeiro e por muitos anos na Avenida Ta
vares de Lira, ponto de reunião elegante, e depois transferida para
a rua Câmara Cascudo.
Nesta época, Benito Mussolini andava com seus fascistas re
volucionando a Itália para tomar conta do Govêrno. A luta estava
ainda no início. Papai pergunta então a Campitelli se o Musso
lini era homem de valor, um estadista ou simplesmente um impos
tor. Responde então Campitelli: “Seu majore. . . tá, tá, tá”, e pas
sou meia-hora falando sem dar sua opinião. Tempos depois Papai
faz a mesma pergunta e Campitelli torna a responder: “Seu ma
jore, tá, tá, e tá”, ainda sem nada de positivo afirmar. Meses de
pois, quando Campitelli vai chegando na Tipografia, Papai disse
com os seus botões: “Hoje eu pego Campitelli”. E quando êste sen
tou-se, Papai apanha um tinteiro e um pêso de papéis e diz: “Cam
pitelli êste tinteiro representa o homem bom e êste pêso de papéis,
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o homem ruim”. E os colocou sôbrc a mesa perguntando: “De que
lado está o Mussolini, do lado do tinteiro ou do lado do peso”?
Campitelli com a mesma calma responde: “Seu majore, tá, tá, tá.. .”
e tornou a falar mais de mcia-hora e inteligentemente nada de po
sitivo deu como resposta. Papai ficou na mesma e resolveu aban
donar o caso.
Tempos depois veio a vitória de Mussolini e Campitelli en
tra na oficina, radiante, alegre e corre para abraçar Papai excla
mando: “Não lhe dizia sempre, majore, que o homem cra Musso
lini”? Papai, então, com aquêle espírito crítico que lhe era pe
culiar, abraça Campitelli e diz: “Realmente Campitelli. Há muito
tempo que você vem me afirmando aqui, reiteradamente e sem
qualquer sombra de dúvida ou vacilação que o Mussolini era o
homem certo para a Itália. Outro abraço. Campitelli faleceu em
Natal, em 1948.
América Gentile, gordo, barrigudo e sempre de bengala e
também com seu inseparável charuto. Casado com a italiana Car-
mela De Libero Gentile, com os seguintes filhos: Marianina, Geno-
veva, Ida, Alberto, Benvinda, Hercila e Clóvis. Quando aqui che
gou vindo do sul, já era homem de posses. Aqui desenvolveu o
serviço de bondes e cinema. Muito embora pesadão, era homem
dinâmico, inteligente e trabalhador. Quando aqui chegou vindo
de São Paulo e Paraíba, já trazia todos os filhos, menos o Clóvis
que é “papa-jerimum”. Gentile chegou em 1915 e faleceu cm 1949.
Viveu assim entre nós 34 anos.
Miguel Micucci, um grande arquiteto, que deixou planta
dos em Natal vários prédios que sua inteligência planejou para nós.
Entre muitos dêles, basta citar os edifícios do Hospital de Crian
ças Dr. Varela Santiago, à Avenida Dcodoro c o da Prefeitura Mu
nicipal de Natal. Homem competente, bom. calado e quase hu
milde. Trabalhou muito c morreu pobre. Casado com a brasileira
Querubina, com os seguintes filhos: Maria, Américo e Humberto.
Este último vive entre nós c todos da cidade o conhecem, Micussi
faleceu em 1924, em Natal.
Gugliclmo Lettieri chegou no Brasil em 1904, mas só mais
ou menos em 1915, instalou-se em Natal. Estatura regular, corado,
inteligente, trabalhador c sempre bem vestido. Quando aqui che
gou, meteu-se no comércio hoteleiro, arrendando e montando ho
téis, ramo de negócio em que cra competente. Desenvolveu o “Ho
tel Avenida” e o “Internacional”, c montou o “Grande Hotel” que
existiu no edifício velho e assobradado da rua Chile. Depois in
gressou no comércio onde se firmou e chegou a desfrutar uma ele
vada situação econômica. Exerceu a função de Vice-Consul da Itá-
lia. Casado em primeiras núpcias com Paulina Lettieri, brasileira,
com os seguintes filhos: Alzira c Argentina. Casado cm segundas
núpcias com Angela Wanderley, também brasileira, com os seguin
tes filhos: Galilleu Pedro, Yolanda e Conceta. Registrou como seus
filhos: Josélia e Emanoel. Para moradia construiu o mais belo pa
lacete à rua Câmara Cascudo, onde hoje funciona a Bolsa de Va
lores. Fa’eceu em Natal em 1957.
I.uigi Maria Smido se não foi dos primeiros aqui chegados,
não foi também dos últimos, mas uma coisa é certa: foi o que mais
assinalados serviços prestou à arte musical em Natal. Chegou no
segundo período do govêrno Alberto Maranhão, o conhecido in-
centivador das artes no Estado. Aqui viveu por muitos anos e sem
pre ocupou uma casa que hoje tem o número 179, da rua General
Glicério. bem atrás da Igreja Bom Jesus, residência que continha
uma placa com seu nome. Eu sempre o \ ia debruçado a janela.
Afirmou-me um seu aluno de harmonia, o nosso Maestro Ga-
ribaldi Romano, que foi o professor mais competente e completo
(pie teve, pois além de exímio pianista e maestro, era também
compositor.
Há inúmeras canções e hinos escolares e do Estado musi
cados por Smido c com letra do Dr. Nestor Lima. Foi por muitos
anos Regente da Banda Policial Militar do Estado, tendo-a reor
ganizado c tornado uma das melhores do Brasil. Professor de vá
rias gerações. Competente, cumpridor dos seus deveres, cuidadoso
e humano. Chegou aqui solteirão e assim permaneceu.
Smido tinha um problema político ou sentimental que o
obrigou a emigrar, primeiro para a Argentina e depois para o Bra
sil, ficando no Rio de Janeiro, vindo depois para Natal. Êstc pro-
l^ema ninguém soube. Como também diziam que Smido tinha san
gue real. Também nada confessou.
Depois de viver muitos anos aqui. deixou Natal e voltou
para o Rio de Janeiro, onde faleceu cm extrema pobreza. A arte,
ao que parece, é inimiga de dinheiro.
Luigi Morclli, um dos italianos mais interessantes que Na
tal já possuiu. Baixo, bigodudo, óculos de elevado grau, sempre de
chapéu preto, colete aberto e cm mangas de camisa. Muito inteli
gente, culto, jornalista em sua terra, vivo, ativo, pronto nas res
postas c uma excelente palestra.
Morelli tinha um vasto círculo de amigos cm Natal, prin-
cipalmente entre os comerciantes da Ribeira, onde tinha uma casa
comercial à rua Chile. Foi o orador da colônia italiana na chegada
a esta capital, do Marechal do Ar — ítalo Balbo. Casado com
brasileira, deixou vários filhos, entre os quais: Aclerbal, Julio, Gino
c Yolanda. Faleceu em 1951.
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Há muitas estórias em Natal a respeito cio espírito vivo cie
Morelli e aqui vão sòmente duas que constatei de perto.
Morelli esqueceu ou perdeu o segrêdo do seu cofre. Estava
aflito. Foi aconselhado a mandar chamar Inácio Vimarano de Paiva,
pessoa indicada para o caso, pois era, como ainda hoje é, um me
cânico de comprovada competência. Inácio chegou e em poucos
minutos abre o cofre. Morelli ficou admirado pela competência do
rapaz e perguntou quanto devia do serviço. Inácio cobrou cem
mil réis, serviço um pouco caro para a época, mas atrás de Inácio
estavam vinte anos de prática. Morelli, que era muito “amarrado”,
achou exorbitante o preço, reclamou e então Inácio disse: “Não
há dúvida seu Morelli” e imediatamente fechou o cofre, desfazen
do o segrêdo e foi embora. Morelli, sem outra solução, mandou
chamar Inácio que, pelo mesmo portador, mandou dizer que o
serviço seria então duzentos mil réis. Mas, a pedido de um amigo,
Inácio fêz o serviço por apenas cem mil réis. Quando Inácio saiu,
Morelli então disse: “Se a coisa demora mais, o Inácio ficava com
o cofre”.
De outra feita, Morelli, pela madrugada, ia em seu carro
descendo a Avenida Junqueira Aires para comprar um medica
mento na farmácia de plantão, na Ribeira. Ia, como sempre, cau
telosamente dirigindo seu veículo. Na contra-mão vinha o Simplí-
cio Cristino (filho de comerciante rico, gastou muito dinheiro e
acabou abandonando o estudo, porque não pegava nos livros. De
dicou-se ao comércio em várias modalidades e sem acertar. Espí
rito folgazão, estróina e boa vida. Era um excelente amigo numa
formidável farra). Os carros se chocaram sem outras consequências
e apenas o veículo de Morelli teve os faróis quebrados. No dia
seguinte, logo que Morelli chegou ao escritório, recebeu uma in
timação para comparecer à Inspetoria de Trânsito. Ali chegado,
o Inspetor mandou-o sentar-se e disse: “Senhor Morelli, recebemos
agora uma queixa contra o senhor que, conduzindo o seu carro em
grande velocidade e ainda mais em contra-mão, chocou-se com o
carro do Senhor Simplício Cristino”. Atônito, Morelli disse: “Seu
Inspetor, só uma coisa tenho a dizer ao senhor. De contra-mão vem
o palhaço Simplício Cristino desde que nasceu”. Havia sido mais
uma brincadeira do Simplício só para aborrecer o Morelli.
Núnzio Gianatazio, meia-estatura, gordo e alegre. Não se
dava bem com o calor de Natal e tomava toneladas de gêlo. Che
gou aqui como funcionário do Ministério da Agricultura. Muito
cordial e assim em pouco tempo fêz muitas amizades. Casado com
a italiana Pascoalina e já veio com os seguintes filhos: Aída, Norma
c Amélia. Figura entre os sócios do “Natal-Clube” neste livro. Nún
zio demorou-se pouco tempo em Natal e depois foi para o Rio de
Janeiro.
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Os irmãos Fulco. Chegaram aqui em 1922 e 1924. Francisco
Fulco casou-se com a brasileira Argentina, filha de italiano. Do
matrimônio nasceram os seguintes filhos: Itália e Ilka. Instalou a
alfaiataria “Amazonas”, à Avenida Tavares de Lira. Como todos
os Fulco, era um bom rapaz c muito competente em seu ofício.
Faleceu cm 1934.
Biagio Fulco casou-se com a brasileira Maria e do casamento nas
ceram os seguintes filhos: Paulo, Julio, Giovanni e Angela. Comer
ciante.
Giovanni, que tôda Natal conhece. Comerciante e vive na
Ribeira de casa cm casa batendo “papo” com os amigos. É ótima
pessoa. Conhece tôda a Colônia e é amigo prestativo de todos. Ca
sado com a brasileira Francisca, tem um filho, médico, o Dr. Marcos.
Amadeu Grandi, estatura média, forte, calado e compene
trado. Comprou ao seu patrício Francisco Fulco a alfaiataria “Ama
zonas” e por muitos e muitos anos foi um dos mestres da tesoura.
Era lá que se vestiam os jovens elegantes da cidade. Calmo, acei
tando de bom humor qualquer exigência. Era uma das pessoas
queridas da cidade. Casou-se com Emilia Lamas, brasileira e do
matrimônio nasceram os seguintes filhos: Wanda, Walter e Wallig.
Chegou em Natal em 1924 e faleceu em 1967.
Domenico D’Anclréa, alto, magro, vivo e conversador. Sem
pre falando alto e cheio de gestos. Um competente perfumista e
instalado à Rua Frei Miguelinho. Casou-se com a brasileira Olga
Barbosa e com um só filho, o Dr. Sabato Barbosa D'Andréa. Juiz
de Direito. Chegou a Natal em 1924.
Francisco Maiorana que também é um dos italianos mais
queridos de Natal, onde chegou em 1939. Sempre servindo bem e
com carinho os fregueses no seu estabelecimento, “Casa Vesuvio”.
Tem os seguintes filhos: Rômulo, jornalista e comerciante, hoje,
em Belém e Francisco Maiorana Junior, comerciante.
Conforme já dissemos a corrente italiana, além de ter sido
sempre a maior, está também aumentando. Dezenas e dezenas de
italianos têm aqui chegado, sendo que estão registrados mais de
duzentos, inclusive os nossos conhecidos Rocco Rosso, Aldo Ca-
riello, Rosinha Ponteiro Orrico, Pio Gionnotti (Frei Damião), To-
gneei Eurico (Frei Antônio), Zenobi Pacífico Luigi (Frei Agatán-
gêlo), Emilio Russo, Cornelio Giordanetti.
Muitos italianos aqui chegados se naturalizaram, uns por
amor à nova pátria e outros por necessidade, o que é justo. Mas
mesmo os que se naturalizaram, para nós continuam a ser os mesmos
italianos — gringos, galegos ou marinheiros — mas, sobretudo,
bons brasileiros e mais ainda excelentes amigos, que desta ou da
quela forma contribuíram para nosso engrandecimento. A todos,
nossa gratidão.
CASAS PATRIARCAIS
(Foto do autor).
Prédio conhecido por “Véu
c!a Noiva”. Construído pelo
Sr. José Alexandre Gomes
de Meio, Senhor do Engenho
•pit inõu” entre os anos de
1818 a i 820. Fica localizado
à Rua da Conceição, n.° 630.
O mais antigo de Natal,
razão pela qual foi tombado
pe o L enartamento do
Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional.
Restaurado com tôda sua
pureza arquitetônica pelo
Dr. Hélio Galvão, então,
Presidente da Fundação
“José Auausto”
(Foto: Nadelson).
Chalet construído no princí
pio do século, pertencente
aos herdeiros de Augusto Se
vero, fica localizado na
Avenida Junqueira Aires. Um
dos mais interessantes e bem
imaginado, pois, há ampla
ventilação. Hoje, pertence aos
herdeiros de Sérgio Severo
de Albuquerque Maranhão,
recentemente, falecido. (Foto
do autor).
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Palacete construído pelo rico comerciante Jorge
Barreto de Albuquerque Maranhão, no ano de
1910, que nêle passou a residir. Prédio bem
construído, muito elegante para a época, com
estatuetas no jardim e com dois pavimentos.
No ano de 1920, quando Jorge Barreto retirou-se
para o Rio de Janeiro, foi vendido a outro
comerciante, o português Manuel Duarte
Machado e hoje pertencente a sua viúva,
D. Amélia Duarte Machado. (Foto: Nadelson).
Palacete construído pelo mé
dico Afonso Moreira * de
Loiola Barata, em 1911, ten
do custado a soma_.de 30 con
tos de réis. Fica localizado à
Rua Ulisses Caldas, n.° 20.
Tem um vasto porão perfei-
tamente habitável. Hoje, é de
propriedade de D. Alice Ba
rata China, filha do Dr-
Afonso Barata e viúva do Dr-
Armando China. — (Foto:
Nadelson).