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MINISTERIO DA EDUCACAO, Secretaria de Educagio Continuada, Alfabetizagao, Diversidade e Inclusto Diretoria de Politicas de Educagio em Direitos Humanos ¢ Cidadania Coordenagao Geral de Direitos Humanos Nota Técnica n° 18/2015 - CGDH/DPEDHUC/SECADIMEC HISTORICO 1. A partir da aprovagtio do Plano Nacional de Educagfio - PNE (Lei n? 13.005, de 25 de Junho de 2014), iniciou-se a construgdo dos correspondentes planos dos Estados, do Distrito Federal ¢ dos Municipios ¢, nesse proceso, uma série de temas ganhou significativa visibilidade, dentre eles, 0 debate em torno da dimensio de género ¢ orientago sexual nos planos de educagiio, 2. Neste contexto, a Comissio de Direitos Humanos ¢ Minorias da Camara dos Deputados encaminhou Oficio n° 274/2015-P, que demanda posicionamento do Ministério da Educagio quanto a este debate nos planos de educagio em construgao, CONSIDERAGOES INICIAIS 3. O conceito de género diz respeito & construgao social de priticas, representagdes identidades que posicionam os sujeitos a partir de uma relagdo entre masculinidade ¢ feminilidade. E conceito fundamental para compreender a dimensio histérica, social, politica e cultural das diferengas e do proprio processo de construgdo subjetiva de homens e mulheres. 4. © coneeito de orientagiio sexual, apesar de uma consideravel polissemia que Ihe & caracteristica, diz respeito a como cada sujeito vivencia suas relagdes sexuais ¢ afetivas. F impreseindivel para a compreensiio dos aspectos sociais, culturais © histéricos da sexualidade © tem implicagdes imediatas no entendimento sobre arranjos familiares e parentalidade, por exemplo, 5. Em primeiro lugar é preciso reafirmar que os conceitos de género e de orientagio sexual, sem negar-lhes sua televaneia politica, stlo conceitos cientificos, construidos em bases académicas. Os estudos de género ¢ sexualidade formam um campo de pesquisa € produgao de conhecimento reconhecido internacionalmente, apropriado no Brasil desde a década de 1970. Ha mais de 1.000 grupos de pesquisa cadastrados no Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnolégico (CNPq) que tem género como um eixo de estudo. A Associagtio Nacional de Pesquisa em Edueagdo (Anped) tém Grupo de Trabalho especifico sobre educagilo, géneto e sexualidade AS DIMENSOES DE GENERO E ORIENTACAO SEXUAL NO CONTEXTO EDUCACIONAL 6. © que este campo de pesquisa aponta é que o proceso de construgdo de pritieas Tepresentagdes de género e sexualidade ocorre em diferentes espagos sociais: na familia, na comunidade, no trabalho ¢, também, na escola. A escola, historicamente, vem ensinando o que se institui como comportamento de meninos e meninas e organiza um contetido curricular com base em conceitos heteronormativos que grande parte das vezes ndo reconhecem a diversidade de desejos e de relagdes sexuais e afetivas. As distingdes sexistas nas aulas, na chamada, nas filas de meninos ¢ de meninas, nos uniformes, no tratamento e em relagdo as expectativas sobre alunos ou alunas, a tolerancia da violéncia, verbal ¢ até fisica entre os meninos, as representagbes de homens ¢ mulheres nos materiais didéticos, a abordagem quase exclusivamente bioldgica da sexualidade no livro didético, a estigmatizagfio. referente a manifestagio da sexualidade das adolescentes, a perseguigio sofrida por homossexuais, travestis , tudo is evidencia 0 quanto a escola (jé) ensina, em diferentes momentos © espagos, sobre masculinidade, feminilidade, sexo, afeto, conjugalidade, familia, 7. Esse curriculo produz resultados: a escola participa ativamente na construgtio dos corpos e identidades dos sujeitos da educagdo, especialmente, das suas ¢ dos seus estudantes Obviamente as escolas brasileiras nto 1m um tnico jeito de ensinar sobre género sexualidade, mas pesquisas evidenciam curriculos e priticas pedagégicas ¢ de gestao mareadas pelo sexismo, pela misoginia e pela discriminagio contra suj heterossexuais ou que descumprem expectativas hegeménicas de género. 8. Estudantes ndo-heterossexuais, em especial aqueles e aquelas que transgridem mais fortemente as expectativas de comportamento de género, enftentam processos de discriminagdo ¢ exclusio em sua trajetéria escolar que prejudicam seu desempenho, quando nao inviabilizam seu direito educagio, A experiéncia educacional destes sujeitos, .descrita em diferentes estudos, é atravessada por varias formas de violéncia fisica © simbélica (agressdes fisicas e verbais, discriminagao, isolamento, negligéncia, assédio) que acontecem dentro do espago escolar, perpetradas nfo sé por estudantes, como também por gestores e profissionais da educagao. 9. Este ambiente discriminatério € evidenciado também em estudo produzido pela Universidade de Sio Paulo, em parceria com 0 MEC (Mazon, 2009)', que levanta indices de discriminagao, preconceito e distanciamento social em escolas brasileiras, com diferentes recortes, entre eles género e orienta dio sexual. A pesquisa, aplicada em 501 escolas de 27 Estados, com a participagio de 18,599 pessoas (estudantes, responsiveis, professores/as, diretores/as e outros profissionais), indicou que 93,5% dos/das entrevistados/as apresentaram algum nivel de preconceito com rela 87, io a género % quanto a orientago sexual. 10. Segundo a pesquisa, o preconceito e a discriminagio nfo ocorrem de maneira isolada e nfo afetam apenas um ou poucos grupos sociais. Nas escolas que apresentam maior nivel de preconceito cm relagio a um determinado tema, também se observam maiores niveis em relagao aos demais, apontando para a necessidade de estratégias articuladas de enfrentamento a discri jinagio que considerem diferentes dimensdes (género e orientagtio sexual se colocam como centrais). Além disso, a pesquisa aponta para uma associagdo entre indicadores de preconceito/discriminagio e um menor desempenho escolar, indicando 0 quanto os conceitos de género e orientagiio sexual se mostram fundamentais tanto para a garantia dos direitos, em especial do direito a educago e no enfrentamento as diferentes formas de violéncia, quanto no conjunto de esforgos para qualificagio do ensino e da aprendizagem. 11. A dimensto de género é importante para compreender a trajetoria escolar de nossos ¢ nossas estudantes. Ha desigualdades sociais que afetam de modos distintos 0 acesso, a permanéncia ¢ o desempenho de meninos € meninas. Além disso, cada profissional de educago traz consigo um conjunto de representagdes sobre masculinidade © feminilidade que interfere na forma como desenvolvem o seu trabalho pedagdgico com cada estudante, Ha expectativas distintas, conduzidas muitas vezes por estigmas esteredtipos, que produzem efeito negativos no desenvolvimento escolar de alunos ¢ alunas - com implicagdes que chegam ao ensino superior. Hi modelos de comportamento atribuidos a homens e mulheres que, embora nfo instituides por nenhuma diretriz pedagégica, sio recorrentemente reforgados, produzindo a reiteragio de desigualdades e, em casos mais extremos, de discriminagdes ¢ violéncias. 12. A dimensio de género aleanga também os/as profissionais da educagao e ja se provou fundamental para compreender a constituigao hist6rica do magistério ¢ imprescindivel para as politicas de valorizagaio da carreira docente, ' MAZZON, José, A. Apdes Discriminatérias no dmbito escolar (relatério de pesquisa) Sdo Paulo: MEC- INEP ¢ FIPE-USP, 2009 13, Por fim, a dimensdo de género ¢ orientagdo sexual tem sido componente fundamental das politicas piblicas de edueagao, saide, trabalho, assisténcia social, seguranga publica, dentre tantas outtas, em especial aquelas voltadas ao enftentamento da desigualdade social, ao combate & fome, pobreza e a extrema pobreza e & promogaio dos direitos das mulheres e da populagio LGBT. CONSIDERAGOES FINAIS 14, O conhecimento cientifico jé produzido neste campo nos leva & compreensto de que 0 centro do debate no esta em se a escola deve ou niio falar sobre género ¢ orientagiio sexual, mas sim em perceber como ela jé fala — onde, quando, por que caminhos e com que efeitos, 15. Diferentes areas de conhecimento investiram e seguem investindo nos conceitos de género e orientagiio sexual como categoria de anilise na Histéria, na Sociologia, na Ciéncia Politica, na Economia, no Direito, na Geografia, nas Ciéncias Biologicas ¢ da Satide, entre outras. Isso significa que hé um volume expressivo de conhecimento ja produzido a partir destes conceitos, conhecimento que precisa ser incorporado a0 currfculo escolar, nos seus diferentes componentes e de maneira transversal. Hé contetidos © competéneias relacionados ao conceito de género que podem ser trabalhados, de maneiras distintas, na educagdo infantil, no ensino fundamental e no ensino médio, em todas as suas diferentes modalidades, 16. Os conceitos de género ¢ orientagio sexual podem ajudar a compreender as desigualdades histéricas entre homens e mulheres, além de ser central na compreensaio (€ enfrentamento) de diferentes formas de discriminagfio e violéncia, incluidos o machismo, 0 sexismo, a homofobia, o racismo e a transfobia, que se reproduzem também em espagos escolares. 17. Os conceitos de género ¢ orientago sexual podem coniribuir também para fortalecer a relagdo da escola com as familias. Ha hoje uma diversidade de arranjos familiares que precisa ser reconhecida e respeitada pelos sistemas de ensino, Familias que, nas suas diferentes configuragdes, ém 0 mesmo direito constitucional de participar da educagao de seus filhos e filhas, 18. Tudo isso evidencia o quanto é urgente ampliar estratégias de formagiio ¢ gestdio que permitam que gestores/as ¢ profissionais de educagdo reflitam sobre como a educagio escolar incide na produgdio de representagdes, priticas identidades de género ¢ sexualidade. Sobre como estes aspectos vem sendo tratados no cotidiano da escola. Sobre suas implicagdes para o curriculo, a pratica pedagégica e a gestio escolar 19. Diante do exposto e tendo em vista as Diretrizes Nacionais para a Educagao em Direitos Humanos, que definem como seus fundamentos, entre outros, a dignidade humana; a igualdade de direitos; 0 reconhecimento e valorizagao das diferengas e das diversidades; a laicidade do Estado ¢ a democracia na educagio, 0 Ministério da Educagao reitera a importincia dos conceitos de género e orientagao sexual para as politicas educacionais ¢ pata 0 proprio proceso pedagdgico. E conhecimento cientificamente produzido que nao pode ser excluido do curriculo. E categoria-chave para a gestdo, para a formagao inicial © continuada de profissionais do magistério e para a valorizagio da carreira docente, Por fim, & tegoria central no processo de construgo de uma escola efetivamente democratica, que reconhega ¢ valorize as diferengas, enfrentando as desigualdades violéncias ¢ garantindo o direito a uma educagiio de qualidade a todos e todas. Brasilia, 17 de julho de 2015. brn ALEXANDRE SILVA BORTOLINI DE CASTRO Coordenador Geral de Direitos Humanos Substituto (CGDH/DPEDHUC/SECADI/MEC A considerago superior. Brasilia, 17 de julho de 2015. eran den CLAUDIA PEREIRA DUTRA Diretora de Politicas de Educagtio em Direitos Humanos e Cidadania SECADIJMEC

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