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© Beatriz Senoi Tari (Org) €m busca da mente musical Fasc ob ops ctis mite pecp igo 1.* reimpressdo: 2011 2. reimpressio Coordenagao Editorial Marildes Rocio Artigas Santos Projeto gréfico, capa e editoragio eletronica Eliane Ribeiro Campos Editoragdo de textos corrigidos Rachel Cristina Pavim Revisio Patricia Domingues Riba Revisio final Beatriz Hari Rodolfo Tari Série Pesquisa, n. 112 Goordenagio de Processos Técnicos. Sistema de Biblioteca. UFPR. ‘Em busca da mente musical: ensalos sobre os processos cognitivos em misica - da percepgio a produsio / Beatriz Senoi Hari (organizadora), colaboradores Beatriz Raposo de Medeiros... et al. ~ Curitiba : Ed, da UFPR, 2006. 454p. il; retrs.- (Pesquisa; n. 112) ISBN 8573351403 Inclui bibliografia e notas 1. Misica— Aspectos psicologicos. 2. Perceppio musical 3. Cognigio (Musica). I. Ilari, Beatriz Senoi. 11. Medeiros, Beatriz Raposo de. cpp 781.11 ISBN 85-7335-140-3 Ref. 422 Direitos desta edigao reservados a Editora UFPR Rua Joao Negrio, 280 - Centro Tel: (41) 3360-7489 / Fax: (41) 3360-7486 Caixa Postal 17309 8010-200 — Curitiba — Paran4 — Brasil editora@ufpr.br www.editora.ufpr.br 2013 Carmo 9 Fungées e modos de ouvir mdsica de criangas ¢ adolescentes, em diferentes contextos raga Boa! Palhetros A audicao musical de criangas, jovens € adultos tem sido estudada, quer na teoria, quer na pratica, por diversas areas cientifi- cas (entre outras, musica, musicologia, filosofia, educa¢ao, psicolo- gia, sociologia, antropologia, biologia, neurologia). Uma abordagem multidisciplinar toma-se hoje cada vez mais necessaria, para uma melhor compreensao da audic&o e de outras atividades musicais. A recente expansao da investigacdo e da reflexao teérica nos domini- os da psicologia do desenvolvimento, psicologia cognitiva e psico- logia social tem levado a considerar a importincia do estudo dos contextos social, cultural e educativo, nos quais ocorrem as diversas manifestacdes do pensamento e do comportamento musicais. Antropdlogos e etnomusicdlogos tém afirmado que a mti- sica esta presente em todas as sociedades, e realgam as diferentes fungdes que a musica tem desempenhado ao longo dos tempos e em diversas culturas (Gregory, 1997; Merriam, 1964; Nettl, 1956). Merriam (1964) distinguiu entre usos e fungdes da miisica: usos referem-se a situag6es nas quais as pessoas utilizam a muiisica, € fungées dizem respeito aos objectivos mais vastos para a sua utili- zagao. Merriam propés dez fungdes da musica, entre outras, ex- Ppressao emocional, apreciacdo estética, entretenimento, comuni- cagdo, contribuicdo para a integracfio da sociedade, e sugeriu que estas fungdes sao as mesmas na maioria das culturas e sociedades. No entanto, Sloboda et al. (2001) argumentam que essas funcdes derivam de “investigacdes antropolégicas de culturas no-ociden- tais” (p. 11), nas quais a misica € realizada principalmente em —38- Graga Boal Palhetras grupos. Pelo contrario, nas sociedades ocidentais contemporaneas, mais do que fazer misica, ouvir misica individualmente é a expe- riéncia musical principal da maioria das pessoas. As funcdes de Merriam foram reinterpretadas por Hargreaves e North (1999b), que propdem trés fungdes psicoldgicas principais para o indivi- duo: cognitiva, emocional € social. Sugerem também que as fun- ¢Oes sociais da musica podem ser manifestadas de varias manei- ras: na regulacao do humor e dos estados emocionais, no desenvolvimento da identidade e no estabelecimento de relagdes interpessoais. A fungdo emocional da miisica é realcada por Sloboda, quando afirma que “a raz3o pela qual a maioria de nds participa em actividades musicais, sejam elas, ouvir, cantar, tocar ou dirigir, 6 que a miisica tem a capacidade de suscitar emogdes profundas e signifi- cativas. Se os factores emocionais s4o fundamentais para a existén- cia da mtisica, a questio principal para a investigagdo psicolégica em musica € 0 modo como a misica é capaz de influenciar as pessoas” (Sloboda, 1985, p. 1). Varios especialistas estao de acordo sobre a presenca crescente da musica nas sociedades contemporaneas (Frith, 1996; Hargreaves & North, 1999b; Radocy & Boyle, 1997). A miisica desempenha um papel cada vez mais importante na vida das pes- soas, quer adultos quer criancas. As transformag6es sociais e tecnoldgicas que ocorreram na segunda metade do séc. XK e que continuam a ocorrer na actualidade (0 impacto do radio, da televi- sao, do cinema, da internet; a acessibilidade a equipamentos para reproduzir miisica) estao a mudar radicalmente a natureza da ex- periéncia musical (Koneéni, 1982; Hargreaves & North, 1999b). Enquanto que em sociedades menos industrializadas e em épocas anteriores, ouvir estava mais dependente da pratica musical, nas sociedades ocidentais contemporineas as pessoas ouvem musica em qualquer parte e qualquer momento. Tém a possibilidade de ouvir gravagdes que, por meio das novas tecnologias, chegam a adquiris uma qualidade que pode nao ser possivel atingir em inter- Pretacées “ao vivo”. A musica é mais acessivel em diferentes tempos e lugares e tornou-se inteiramente mével (Frith, 1996). A experiéncia musical parece ter-se tornado mais individualizada e Privada (Small, 1980; Storr, 1992). Fungies e modos de ouvir misica de criangas e adolescentes, em diferentes contextos Importincia da mdsica para criangas e jovens A mtsica é acessivel A maioria das criangas e dos jovens, em contextos variados, e ouvir misica € uma das suas principais actividades de lazer, pelo menos nas sociedades ocidentais. Eles ouvem mtisica em lugares ptiblicos ¢ por meio dos media, sozinhos ou na companhia da familia e dos amigos. Cantam em coros, tocam em grupos nas comunidades locais e frequentam aulas de instru- mento. Criam a sua propria musica em grupos de amigos, imitam os seus cantores preferidos e discutem musica com os seus pares. Embora muitas criangas nao participem na interpretacio musical, em situagées informais ou formais, a grande maioria delas ouve miisica regularmente: por vezes, ao vivo, mas, sobretudo, misica gravada. A investigacao tem revelado a enorme importancia da mu- sica para os adolescentes e os jovens (Fernandes et al., 1998; Fitzgerald et al., 1995; Garton & Pratt, 1991; Larson, 1995; Larson et al., 1989). Alguns estudos analisaram as razdes por que os adoles- centes ouvem tanta mUsica e os diferentes modos como ouvem (Behne, 1997; North et al., 2000; Tarrant, et al., 2000; Zillman e Gan, 1997). Outros estudos tém contribuido para uma maior com- preensio dos usos e fungdes de ouvir misica para jovens e adultos, em diferentes contextos e situagdes da vida didria (DeNora, 2000; Sloboda et al., 2001), mas a funcionalidade da musica em criangas tem sido pouco investigada. Numa revisdo de estudos sobre a actividade de ouvir musi- ca, Zillmann e Gan (1997) conclufram que o consumo da misica podera ser “a principal actividade de lazer dos adolescentes, pelo menos nas sociedades industrializadas” (p. 162). Varios estudos em paises ocidentais revelam a incrivel quantidade de tempo passado diariamente pelos teenagers a ouvir musica e a ver televisdo: crian- ¢as € jovens americanos dos 10 aos 18 anos de idade ouviam entre 2 e 4 horas diarias (Brown et al., 1986; Lyle & Hoffman, 1972; Sun & Lull, 1986); criangas britanicas dos 4 aos 14 anos ouviam radio cerca de 6 horas por semana (Welch, 2001) e adolescentes dos 13 aos 17 anos ouviam misica frequentemente, com médias de 2,35 horas por dia (North et al., 2000; Tarrant et al., 2000); jovens irlan- deses e suecos afirmaram estar muito interessados em mUsica (Fitzgerald et al., 1995; Roe, 1985), e estudantes portugueses de 11 a 20 anos também ouviam miisica com elevada frequéncia, entre outras actividades de lazer (Fernandes et al., 1998). Esses resultados mostram que a musica € importante para os jovens em varios paises —305- Graga Boal Palhetros ocidentais (Tarrant et al., 2000). No entanto, poderao existir algumas diferencas, reflectindo tradicdes culturais especificas de cada pais. Nesses estudos, os adolescentes e os jovens indicaram uma variedade de razSes por que ouvem misica, sendo a maioria del: relacionada com a satisfacao de necessidades emocionais e socia desenvolvimento da identidade, passar o tempo, aliviar 0 aborreci- mento € a solidao, distrair de preocupagées, descontrair, lidar com problemas, melhorar o estado de espirito, criar boa disposigio, di- vertir-se (Behne, 1997; Brown et al., 1986; Gantz et al., 1978; North et al., 2000; Roe, 1985; Sun e Lull, 1986; Tarrant et al., 2000). Também se verificou existirem diferentes raz6es para ouvir estilos de misica diferentes. Por exemplo, adolescentes britanicos ouviam musica pop por prazer, e misica ‘classica’ para agradar aos pais e professores (North et al., 2000). Zillmann e Gan (1997) afirmam que os estudos experimentais sobre esse t6pico sdo practicamente inexistentes, e que a maioria dos estudos utiliza a abordagem “usos- e-gratificagdes”, fornecendo aos participantes uma lista de razoes previamente preparada. Os resultados mostram pouca consisténcia, provavelmente porque os diversos estudos utilizaram amostras e métodos diferentes, e focaram diferentes modos de apresentacdo da misica (audlitivo € audiovisual). Mas os resultados também poderiio exprimir uma genuina variedade inter e intraindividual de razdes por que os jovens ouvem miisica, dado que eles tendem a usar a mtisica em diferentes modos e situagdes (Behne, 1997). A enorme diversidade de diferentes estilos de musica que as modernas tecnologias de reprodugao tomaram disponiveis tem contribuido para outra caracteristica importante da vida musical con- temporainea, pelo menos nos paises ocidentais: o pluralismo musi- cal oferecido pelas diversas culturas musicais coexistentes (Cook, 1998). A educacio musical tem procurado focar essa quest#o, pro- Pondo abordagens multiculturais da musica na escola, que incluem a mtisica popular e a world music (Campbell, 1997; Swanwick, 1968; Vulliamy & Lee, 1976). No entanto, essas tentativas de adap- tag4o ao mundo musical “teal”, tem frequentemente entrado em conflito com a visao tradicional da escola, cuja finalidade tem sido a de transmitir valores e culturas musicais de grupos dominantes da sociedade (Cook, 1998; Vulliamy, 1977). A miisica na escola define “o que conta como misica” (Vulliamy, 1977), valorizando as esco- lhas dos professores e negligenciando a variedade de estilos que os jovens habitualmente ouvem fora da escola. Apesar de tentar ir a0 encontro dos interesses dos alunos, a educagdo musical contempo- —398— Fungies e modos de ouvir mastoa de crlangas e adolescentes, em diferentes contexts. ranea € controlada por professores formados na tradi¢&o “classica”, que permanece uma referéncia, em relacdo a qual os outros estilos musicais sao comparados (Cook, 1998; Sloboda, 2001). A planificacao de actividades oferece ao professor oportu- nidades para reflectir sobre 0 repertério mais adequado para moti- var as criancas a ouvir, aprender e gostar de misica. Seleccionar miisica para as aulas coloca questdes com que os professores tm de lidar diariamente, na sua pratica. Deverao usar a miisica que € valorizada nas orientacdes curriculares, a sua musica preferida, a misica preferida das criangas, ou tentar um compromisso entre di- versas op¢des? A importancia crescente de ouvir musica na vida das criangas e dos jovens contrasta com o reduzido impacto que a mtsi- ca na escola parece ter sobre eles (Gammon, 1996; Lawson et al., 1994; Mills, 1994; Ross, 1995). Uma raz4o importante para esse facto podera ser 0 conflito entre o repertério musical ensinado na escola e a miisica fora da escola. Mas a principal raz4o para as dificuldades da abordagem da audicao musical na escola reside, talvez, no facto de que ouvir miisica é também uma actividade significativa fora do contexto escolar. Se o ensino da misica tiver em conta o grande envolvimento das criangas em experiéncias mu- sicais informais, podera certamente se beneficiar de uma melhor compreensao deste outro lado das suas vidas musicais. Neste capitulo, investiga-se 0 significado de ouvir musica na vida das criangas, e as influéncias de diferentes contextos na audico musical. Abordam-se as fungdes cognitiva, emocional e so- cial da misica, para as criancas e os adolescentes, bem como os seus modos de ouvir e as suas respostas 4 musica, em diversos contextos. Consideram-se as perspectivas das prdprias criangas so- bre a sua actividade de ouvir musica. Uma compreensio alargada da audio musical das criangas exige uma exploragao das suas per- cepcdes, mais do que das perspectivas dos professores e dos elaboradores de curriculos, que sao geralmente discutidas em edu- cacao musical. A definicao de “ouvir musica” aqui apresentada vai para além da audic4o musical realizada nas aulas, a par de actividades de interpretacao e de composi¢ao, e do desenvolvimento de outras competéncias (Swanwick, 1979). Assim, ouvir mtisica na escola re- fere-se 4 audi¢Ao que ocorre nas aulas e em outras actividades curriculares; ouvir em casa equivale a ouvir fora da escola, € inclui a casa e€ outros lugares onde as criangas passam o seu tempo. Nao sao feitos juizos de valor sobre a “seriedade” dos diversos tipos de miisica que as criangas ouvem, nem sobre a “utilidade” dos diferen- —30- raga Boal Palhetros tes modos como ouvem. Musica “boa” ou “ma”, musica usada como actividade principal ou secundaria, todos sao repertorios e modos de ouvir legitimos. Das diversas formas em que a misica pode ser apresentada, foca-se a miisica gravada em Audio, porque esta é a forma mais comum de ouvir musica, pelas criangas. Considera-se ouvir misica como uma actividade do dia a dia, na qual as criangas participam de diferentes maneiras e em dife- rentes situagdes, e com diferentes objectivos e graus de envolvimento. Aborda-se ouvir musica numa perspectiva sociopsicologica, procu- rando compreender o seu significado na vida das criangas, e numa perspectiva educacional, comparando as experiéncias musicais das criangas na escola com as suas experiéncias musicais fora da escola. Essa questao é particularmente relevante no ambito das recentes trans- formag6es do curriculo nacional ocorridas no Reino Unido e em Por- tugal. Uma das mudangas significativas em ambos os paises € que a disciplina de Mtisica tende a tornar-se mais aberta a uma grande variedade de estilos musicais. No Reino Unido, as orientagdes curriculares para a disciplina também indicam a importncia da misi- ca para o desenvolvimento emocional e social dos alunos (Department for Education and Employment, 1999). Em Portugal, as mudancas nos programas de Misica tém sido influenciadas por correntes contempo- raneas da educagio musical no Reino Unido e nos Estados Unidos, por exemplo, na énfase colocada em actividades préticas (Departa- mento de Educag3o Basica, 2001). Neste capitulo, serao apresentados os resultados de dois estudos, que utilizaram metodologias de investigacio complementa- res, a entrevista e o experimento, para investigar questdes sobre o Papel da audicao musical no conjunto de actividades de lazer das criangas, € as suas respostas a musica em contextos especificos. O primeiro estudo analisa as razGes por que as criancas ouvem mitis ca, € oS modos como ouvem, em diferentes contextos sociais e educativos (a casa e a escola) € nacionais e culturais (dois paises ocidentais). Considerando perspectivas desenvolvimentais, educaci- onais e culturais, este estudo examina efeitos potenciais da idade e da nacionalidade naquelas diferencas. Foram entrevistadas criancas de duas nacionalidades e duas faixas etarias e correspondentes graus de ensino. O segundo estudo foca a questo mais especifica da influéncia de diferentes contextos interpessoais (estar sozinha ou em grupo), em respostas emocionais das criancas a miisica. Consi- derando também perspectivas desenvolvimentais, esta investigagio utiliza a abordagem experimental para analisar as respostas emocio- —308-— Fungées e modos de ouvir misica de crfangas e adolescentes, em diferentes contextas nais de criangas de dois niveis de idades, apés a audicao de varios excertos musicais. Ouvir misica em diferentes contextos A misica tem miltiplas fungdes na vida das pessoas, € ocorre em diversos contextos (Russell, 1997). As diferentes manei- ras de ouvir e “usar” mtisica podem estar relacionadas com as fun- des da miisica, e podem depender de caracteristicas pessoais do ouvinte (idade, formagao musical), da situagao (intengao de ouvir, aten¢ao) e do contexto (fisico, social, cultural, educativo). Consideremos as diferengas entre a casa (fora da escola) e a escola (aulas de mtisica) como contextos em que as criangas ou- vem miisica habitualmente. Em casa, as criangas geralmente deci- dem por que, quando, quantas vezes e durante quanto tempo ou- vem misica. Também escolhem onde, como e com quem ouvem (habitualmente, familia e amigos), ¢ selecionam os seus estilos, i térpretes e pegas preferidos. Embora algumas situacdes informais de ouvir mUisica sejam condicionadas por factores que escapam ao controle das criancas (por exemplo, miisica “de fundo” em lugares puiblicos), na maioria dos casos, ouvir misica depende dos préprios ouvintes. Na escola, pelo contrario, a audicao musical é apresentada as criancas como uma actividade formal com frequéncia, duracao, objectivos ¢ contetidos pré-determinados. As criancas ouvem misi- ca com os colegas de turma, que nao escolheram, e o programa e 0 professor definem que estilos € pecas musicais sao incluidos. Essas diferengas contextuais implicam que as criangas poderao desenvol- ver diferentes atitudes relativamente 4 audicio em cada contexto: ouvir musica em casa pode ser uma actividade mais significativa, porque possui fungdes que sdo mais valorizadas pelas criangas do que as funcées de ouvir misica na escola. Questies desenvolvimentafs, educactonats e cultuncts As relacdes entre ouvir misica em casa e na escola podem ser bastante influenciadas pela idade do aluno. As teorias psicolégi- cas tentam explicar as transformagdes desenvolvimentais que ocor- rem entre a infancia tardia e a adolescéncia precoce, realcando a importancia relativa das relagdes com a familia e com o grupo de pares no processo de socializacio e formagao da identidade (McGurk, —3e- Graga Boa! Palhetras 1992). Um conjunto crescente de resultados de investigacio tem evidenciado 0 papel da audicao musical no desenvolvimento da identidade pessoal e social, na formagao de relacées interpessoais e na regulacao do humor e da emogao (Crozier, 1997; Larson, 1995; Hargreaves & North, 1999b; North & Hargreaves, 1999; Zillman & Gan, 1997). A investigagao também se tem debrucado sobre as mudan- ¢as no significado de ouvir musica, ocorridas com a idade. Behne (2997) investigou como e por que os jovens ouvem musica, e iden- tificou nove estilos de audicao em participantes entre os 11 e os 20 anos de idade, relacionados com componentes emocionais, cognitivas € fisicas. O autor verificou desenvolvimentos significativos na audi- ao e apreciagao de miisica na adolescéncia tardia: a frequéncia dos estilos de audigao aumentava, e alguns estilos mudavam com a idade. Verificou também que os adolescentes ouvem miisica para lidarem melhor com problemas. Os conceitos de estilo musical tam- bém se desenvolvem com a idade (Hargreaves & North, 1999a), € existem diferencas identificdveis no grau de “tolerincia” dos estilos preferidos. A literatura sugere que a “abertura de ouvido”, ou seja, a tolerncia relativamente a uma série de estilos diferentes, aumenta na infancia, diminui no inicio da adolescéncia, volta a aumentar na adolescéncia tardia, e diminui mais uma vez na idade adulta (Hargreaves, 1982; LeBlanc et al., 1996). No Reino Unido, existe um consenso crescente acerca da ideia de que a musica é uma das 4reas mais populares e bem sucedidas do curriculo do ensino primario, mas que se torna uma das menos populares no ensino secundario (Harland et al., 2000), e € classificada como uma das menos bem ensinadas neste grau de ensino (Welch, 2001). Parece haver trés explicacdes possiveis para este facto. A primeira, na sequéncia da anterior breve revisio da literatura, € a de que este facto reflecte um fenémeno desenvolvimental. A adolescéncia precoce é um periodo critico na motivagao dos alunos para aprender, e as suas atitudes negativas e a baixa motivacao perante a escola, em geral, podem resultar da mu- danga das suas convicgdes sobre a natureza das suas capacidades. Quando as criangas entram na adolescéncia, comecam a pensar nas suas capacidades como sendo bastante estaveis, em vez de maledveis (Austin & Vispoel, 1998); preocupam-se mais com os seus pontos fracas do que com os aspectos em que sao fortes, e a aprendizagem da miisica poder fazer parte desse quadro de desmotivacio, —80— Fungies e modos de ouvir misica de crlangas e adolescentes, em diferentes contextos A segunda explicacao para o declinio de popularidade da miisica no ensino secundario é a de que existe uma “dissonancia” cultural entre o contetido das aulas de miisica e a misica que os adolescentes ouvem fora da escola (Gammon, 1996; Mills, 1994; Ross, 1995). A miisica da escola € provavelmente associada em certa medida 4 miisica “classica” ocidental, aos pais e aos professo- res, enquanto a mtisica “pop” é associada a actividades fora da escola, aos pares e aos media. Este conflito de valores surge nos resultados de um estudo de North, Hargreaves e O'Neill (2000), realizado com 2.465 criancas britanicas de 13 e 14 anos de idade, que afirmaram que ouviam e tocavam miisica “classica” principal- mente para agradar aos pais e professores, enquanto isso nao suce- dia com a misica “pop”. A terceira explicacdo € a de que a falta de motivacao dos alunos do ensino secundério para aprender mtisica pode simplesmente ser 0 resultado de um ensino fraco e inadequa- do (Austin & Vispoel, 1998). Os professores de miisica das escolas secundarias sao frequentemente misicos formados na tradi¢ao “clas- sica”, que, consciente ou inconscientemente, se consideram mais compositores ou intérpretes do que professores. Ross (1995), por exemplo, sugere que muitos professores de mtisica no Reino Unido tém mantido a sua maneira tradicional de ensinar, em vez de se adaptarem aos novos desafios das recentes tentativas para moderni- zar o curriculo, ‘A aprendizagem musical das criancas é determinada pelo contexto social e cultural em que ocorre, e a revisio de Hargreaves e North (2001) examina os modos como as tradigées musicais, os sistemas educativos e os curriculos escolares nacionais condicionam a aprendizagem musical em varios paises do mundo. Em que medi- da a situagao observada no Reino Unido é semelhante 4 de outros paises? Uma perspectiva cultural sobre os diversos aspectos de ou- vir miisica em casa e na escola sera abordada, comparando criangas britanicas e portuguesas, das mesmas idades e graus de ensino. No Reino Unido, como vimos, uma clara divergéncia pare- ce emergir entre a mtisica em casa e a mtisica na escola, no ensino secundario genérico. Em Portugal, essa divergéncia parece ser me- nos clara, talvez em fungao do reduzido lugar que a musica ocupa nesse grau de ensino. No 1° ciclo do ensino basico (do 1° ao 4° anos de escolaridade; anteriormente designado ensino primario), a misi- ca nao € abordada de maneira sistematica pelo professor generalista, que geralmente possui uma formac&o musical reduzida e revela pouca confianga no seu ensino da mtisica. Nesse grau de ensino, as cis Gnaga Boa! Palhefras, orientagdes curriculares para a musica sio formuladas de maneira vaga € nao oferecem uma base consistente para 0 desenvolvimento e a avaliacao dos alunos (Mota, 2001). No 22 ciclo do ensino basico (5* e 6 anos de escolaridade), a mtisica é obrigatéria e tem um lugar definido no curriculo nacional, com duas a trés horas sema- nais, ensinadas por um professor especialista. No entanto, grande parte dos alunos ainda estao relativamente pouco desenvolvidos musicalmente. No 3° ciclo do ensino basico (do 72 ao 9° anos de escolaridade; anteriormente designado ensino secundario), a musica é opcional, sendo apenas oferecida em algumas escolas (Boal Pa- lheiros, 1993). Por isso, o ntimero de alunos que frequentam aulas de mtisica neste grau de ensino nao é significativo nacionalmente. Assim, ndo € surpreendente que a aprendizagem musical de muitos alunos ocorra fora da escola, em grupos pop e rock formados entre amigos ou, em zonas rurais, nas bandas de musica locais. Mota (2001) afirma que todo © sistema da educacao musical formal portuguesa ignora cons- cientemente este outro lado da vida musical dos alunos, que fazem uma distingio clara entre “a nossa mijsica” € a “miisica eles’, As orientagdes curriculares do curriculo nacional afirmam claramente a necessidade de se introduzir misica popular na sala de aula. No en- tanto... os professares, ou ndo seguem esta orientagio, porque nao estio familiarizados com a misica popular, ou incluem a misica po- pular nas suas aulas de uma maneira acritica, baseada no pressuposto de que “os alunos gostam’ (p. 160). Essa é uma questao pertinente, que sugere algumas dife- rencas importantes entre os dois paises, quanto aos contetdos curriculares ¢ as praticas musicais no ensino genérico. Enquanto a musica popular foi introduzida nas escolas do Reino Unido a partir das Gltimas décadas do séc. XX (Swanwick, 1968), as escolas portu- guesas mantiveram o seu repertério “classico”, baseado no reperté- tio dos conservatérios de misica, instituigdes em que os professores tinham adquirido a sua formacdo. Na sociedade portuguesa, apés a revolugao de 1974 ¢ a partir do final dessa década, ocorreu um extraordinario movimento de divulgacao da mtsica popular portu- guesa, realizado pelos media e por diversas instituigées culturais (Boal Palheiros, 1993). No entanto, sé mais recentemente os curri- culos € as praticas do ensino da musica parecem vir assimilando esse movimento. —39— Fungies e mados de ouvir masica de riangas e adolescentes, em diferentes confextas Entrevista com crigngas: ouvir mdsica, em casa e na escola Este estudo examinou as relagdes entre ouvir mGsica em casa e na escola, comparando criangas britinicas e portuguesas, de dois niveis de idade e graus de ensino. As mais novas, de 9 e 10 anos, frequentavam escolas primérias / 1° ciclo (5% ano de escolari- dade na Inglaterra e 4° ano em Portugal), ¢ as mais velhas, de 13 € 14 anos, frequentavam escolas secundarias / 3° ciclo (92 ano na Inglaterra e 8° ano em Portugal). A amostra consistiu em 120 partici- pantes, em quatro grupos de 30 criancas, tendo cada grupo um numero igual de meninas e rapazes. A amostra foi seleccionada conforme a vontade de colaboracdo das criancas e dos seus profes- sores; em Portugal, apenas foram seleccionadas as escolas que ofe- reciam miisica, sendo a amostra final proveniente de duas escolas inglesas (primdria e secundaria) e seis escolas portuguesas (trés do 1° ciclo e és do 3° ciclo). Realizou-se uma entrevista estruturada, com quest6es aber- tas: a informalidade deste método favoreceu a espontaneidade e a motivagao das criangas para responder. As questées abertas originaram respostas imprevistas (Cohen, Manion & Morrison, 2000), mas as difi- culdades posteriores na andlise e categorizacdo dos dados foram com- pensadas pela sua riqueza e qualidade (Robson, 1993), que resultou do envolvimento e da expressividade dos participantes. Apés um estu- do piloto realizado com criangas inglesas mais novas, as perguntas originais mantiveram-se e os participantes foram incluidos na amostra do estudo principal. Cada crianga foi entrevistada individualmente, na escola, durante aproximadamente 12 minutos. As entrevistas, realiza- das em escolas inglesas e portuguesas, foram gravadas e transcritas nos idiomas originais, e foram posteriormente traduzidas. A entrevista consistiu em 25 perguntas, 12 das quais serao analisadas neste capitulo. As perguntas 1 a 5 questionaram os parti- cipantes sobre ouvir mtisica em casa: ouvir mtisica como parte das actividades de lazer, frequéncia, modos de ouvir, raz6es para ouvir € sentimentos enquanto ouvem; as perguntas 6 a 12 focaram a audicao musical na escola: opinides sobre as aulas de mitisica, ra- zOes por que escolheram a disciplina de Musica (esta pergunta dirigiu-se apenas as criancas portuguesas mais velhas que frequen- tavam a opcao Musica no 3° ciclo), frequéncia da audicao, modos de ouvir e atitudes ante a musica que ouvem nas aulas. Na anilise dos dados, foram elaboradas categorias, basea- das nas respostas das criangas mais novas. Essas categorias foram aoe Graga Boal Palhetras, tevistas e aperfeicoadas, considerando as respostas das criancas mais velhas, e todas as respostas foram codificadas e incluidas numa das categorias finais, 3 a 5 para cada resposta (transcritas no Quadro 1). Realizou-se entdo um teste de fidedignidade, apresentando as res- Ppostas de dez participantes e as respectivas categorias a uma avalia- dora independente (doutoranda em educagao musical). A porcenta- gem média de acordo entre as duas investigadoras nas classificagdes do total de respostas foi 85,9% (variando entre 68,7% e 100%), tendo sido considerada bastante elevada. Quadro 1. Perguntas da entrevista e categorias de respostas Perguaras da entrevista Categorias de respostas 1. O que preferes fazer nos eus tempos livres? Actividades de lazer Musicals; jogar; ver televisio; intelectuais/artisticas; no exterior 2. Quantas vezes ouves miisica em casa? Freqtiéncta de ouvir misica em casa Todos os dias; quase todos os dias; 88 vezes 3. Quando owves miisica, fazes mats alguma coisa ao mesmo tempo? Modos de ouvir miisica em casa Actividades musicals; Actividades extra-musicais; $6 4. Porque € que ouves miisica? Razdes para ouvir misica Fruigio; estado emocional; relagoes socials 5. Quando ouves a tua miisica proferida, o que sentes? Sentimentos enquanto ouvemn Fruigio; estado emocional 6. Oque acbas das aulas de miisica / educagao musical na escola? ‘Opinioes sobre as aulas de musica Boas; algumas boas, outras no; aborrecidas 7. Porque escolbeste a opgao Musica? lapenas para os potugueses mais velhos) Razdes para escolher miisica na Gostar; aprender/estar activo; socializar escola 8. Quanias vezes ouvem masica nas auilas? Freqiitncia de ouvir miisica nas Todas as qulas; as vezes; rarimente ow nunca aulas 9. Quando ouvem misica, fazem também ournes actividades? ‘Modos de ouvir miisica na escola Actividades musicals; S6 ouvir; Actividades extra-musicais 10. Gostas da misica que ouves nas aulas? Opinives sobre o repert6rio musical Gostar da musica; gostar de alguma misica; nao gostar da masica 11. Porqué?/ Porque nao? RarOes para as opinides sobre 0 Estlo musical; elementos mustcais; estado emocional; repertorio lo-masicals 12, Preferias ouvir outra miisica, em vez dessa? Altemativas sugertdas Nenhum outso estilo; pop; outros estilos; estos nao especificadas Fungles e modos de ouvir mistoa de riangas e adolescentes, em diferentes contextas Fungies de ouvir mastca Nesta sec¢do serio analisados os resultados das respostas das criangas as perguntas da entrevista relacionadas com as fungdes de ouvir mtisica em casa e na escola, considerando quer a totalidade dos participantes quer as diferengas entre os quatro grupos: inglesas mais novas, portuguesas mais novas, inglesas mais velhas e portu- guesas mais velhas. Apresentam-se as porcentagens de cada cate- goria, relativamente ao ntimero total de respostas obtidas: em algu- mas perguntas, este excede o numero total de participantes, dado que cada crianca deu mais do que uma resposta. Actividades de lazer das ertangas As respostas a pergunta “O que preferes fazer nos teus tempos livres” foram codificadas em cinco categorias: actividades musicais (26,5%), jogar (24,7%), ver televisio (17,8%), actividades intelectuais e artisticas (17,6%), e actividades externas (13,4%). Os testes estatisticos nao revelaram associagGes significativas entre a nacionalidade e a distribuigao de respostas pelas cinco categorias, mas revelaram associac6es significativas com a idade. Jogar, incluin- do jogar computador e jogos tradicionais, foi a actividade de lazer mais frequentemente mencionada pelas criangas mais novas, e a terceira mais frequente, pelas mais velhas. Estas jogavam significati- vamente menos e participavam mais em actividades musicais do que as mais novas. Ver televisao foi a actividade com a distribuig&o mais regu- lar de frequéncias entre os quatro grupos, sem diferengas significa- tivas entre idades ou nacionalidades. As actividades intelectuais e€ artisticas englobam ler, estudar e fazer o trabalho de casa, desenhar. As criangas portuguesas referiram mais actividades intelectuais do que as inglesas, embora esta diferenca nao seja estatisticamente significativa. As actividades externas incluem varios desportos, como futebol e nadar, e outras actividadess fora de casa, como sair com amigos ou ir ao cinema. As criangas mais velhas participavam mais nessas actividades do que as mais novas, o que é natural, dada a sua maior autonomia na vida do dia a dia. A categoria actividades musicais inclui duas subcategorias: ouvir musi tocar, cantar, e dancar. A distribuicao de actividades nesta categoria revela algumas diferengas interessantes entre idades e entre nacionalidades, relativamente a ouvir misica. As criangas ty Gnaga Boal Palhefros mais velhas ouviam mais mtisica do que as mais novas (58,0% versus 42,0%), corroborando a ideia de que a misica podera ser o princi- pal objectivo de lazer dos adolescentes (Zillmann & Gan, 1997). As criangas portuguesas também ouviam mais musica do que as ingle- sas (65,2% versus 34,8%), 0 que vai de encontro aos resultados do estudo, ja referido, com estudantes portugueses entre os 11 e os 20 anos de idade (Fernandes et al., 1998). Frequéneta de ouvir mdsica em cust e na escola Em casa, 4 maioria dos participantes ouvia mtisica frequen- temente — “todos os dias” (55,0% do numero total de Tespostas), incluindo varias vezes por dia. Muitos ouviam regularmente — “qua- se todos os dias” (29,2%), e alguns ouviam “as vezes” (12,5%). Estas respostas apenas revelaram diferengas entre idades. As criancas mais velhas ouviam significativamente mais “todos os dias” e menos “quase todos os dias” do que as mais novas. Este resultado é coeren- te com as respo: anteriores sobre 0 lugar ocupado pela audigao musical entre as actividades de lazer, e também com os resultados de outro estudo: a porcentagem de criancas mais velhas que ouviam “todos os dias” (62,1%) 6 semelthante 4 da amostra de 2.465 criancas inglesas de 13 e 14 anos investigadas por North, Hargreaves e O'Neill (2000), 61% das quais afirmaram que ouviam mrisica diaria- mente. Quanto a frequéncia da audicAo musical na escola, a distri- 10 de respostas pelas categorias foi mais equilibrada: “todas as aulas” — uma ou duas vezes por semana (35,8%), “as vezes” (29,2%), € “raramente ou nunca” (25,0%). Algumas criangas (10%) nao sou- beram responder a esta pergunta. Embora ouvir mtsica na escola nao seja comparavel a ouvir em casa, por estar mais dependente de outros factores (como 0 curriculo, o professor, 0 contetido das au- las), podem fazer-se algumas comparagées. Verificaram-se diferen- ¢as nacionais significativas entre as respostas das criangas mais no- vas: as inglesas disseram ouvir musica significativamente mais “todas as aulas” do que as portuguesas e, de facto, nenhuma das inglesas mencionou “raramente ou nunca”. Entre as mais velhas, no entanto, no houve diferengas nacionais significativas na frequéncia de audi- ¢40 musical, que podera depender mais de determinados professo- res € actividades especificas das aulas. a8 Fungies e modos de ouvir mastoa de ‘eriengase adalescentes, em diferentes contextns Ravées para ouvir mésica em casa e sentimentas enquunto ouvem Foram elaboradas trés categorias de sazdes para ouvir mu- sica em casa, referidas pelas criancas: fruicdo (63% do total de respostas), que inclui prazer e divertimento, apreciagio de elemen- tos musicais, e passatempo, estado emocional (27,2%), € relagdes sociais (3,5%). Alguns participantes (cerca de 10%) nao souberam responder a esta pergunta. A maioria das respostas 4 pergunta se- guinte, sobre o que as criancas sentem enquanto ouvem a sua misi- ca preferida, pode ser incluida nas duas primeiras categorias, fruigio (55,7% do total de respostas) ¢ estado emocional (33,6%). Isto reflecte resultados de investigagées anteriores (eg. Zillmann & Gan, 1997) acerca das razes pelas quais as criangas e os jovens ouvem miisi ‘As respostas a essas duas perguntas relacionadas serio consideradas em conjunto. Frui¢ao foi claramente a fungao principal de ouvir mtsica em casa, especialmente para as criangas mais no- vas (64,2% do total de respostas, contra 35,8% das criangas mais velhas). As mais novas deram significativamente mais respostas nesta categoria do que as mais velhas. A maioria das criangas descreveu sentimentos positivos sobre ouvir musica, tais como sentir-se bem, feliz, alegre, enérgica, excitada. Algumas respostas foram muito expressivas: “E muito excitante e estimulante”; “Sinto paixao pela misica”. A afirmacao de uma adolescente portuguesa ilustra o seu grande envolvimento na audicao: “Sinto-me muito bem, parece que estou no céu. O dia pode ter sido muito mau mas, quando ougo miisica, sinto-me realmente bem.” Estado emocional, a segunda categoria, foi dividida em duas subcategorias para ambas as perguntas: relaxamento e reaccdo emocional. As respostas exprimindo relaxamento foram bastante directas: a miisica fazia as criancas sentirem-se descontraidas, quan- do estavam cansadas ou excitadas. As respostas exprimindo uma reac¢ao emocional foram mais complexas ¢ interessantes: as crian- ¢as pareciam usar a musica conscientemente, para esquecerem as suas pfeocupagdes, ou para ficarem mais contentes, quando esta- vam aborrecidas ou tristes: “Faz-me acalmar, quando estou muito zangado com alguém’”. “Distrai-me enquanto faco o trabalho de casa.” “Se estou triste, a musica anima-me.” RelagGes sociais, a terceira categoria de respostas, inclui ‘az6es para ouvir musica: identificacdo e reduzir a solidao. iF Graca Boa! Palhetras Algumas criancas identificavam-se com o pai, a mae, ou um irmao ‘ou uma irma mais velhos, que habitualmente ouviam 0 mesmo tipo de misica. Outras usavam mtsica para Ihes fazer companhia, quan- do se sentiam sozinhas. As respostas seguintes ilustram esses dois tipos de raz6es: “Gosto de mtisica desde pequena, quando ouvia misica com 0 meu pai.” “Com a miisica, sitto que tenho uma companhia.” Opinides sobre as aulas de méstca na escola Esta pergunta inquiria sobre as aulas de miisica em grupo, com a turma (nas escolas inglesas, leccionam-se também aulas indi- viduais de instrumento). As opinides dos participantes foram geral- mente favordveis: a maioria deles classificou as aulas de “boas” (60,0%), € os restantes consideraram “algumas boas, outras nao” (20,0%) ou “aborrecidas” (14,2%). Considerando a sugestao de que a mtisica € bem sucedida nas escolas primarias, mas nao nas escolas secundarias inglesas (Gammon, 1996; Mills, 1994; Ross, 1995), po- deriamos esperar que muitas criangas inglesas mais velhas nao gos- tassem das aulas de misica. No entanto, os resultados mostram pou- cas diferencas entre os grupos etdrios: as porcentagens das criancas mais novas e das mais velhas que classificaram as aulas de “boas” foram, respectivamente, 51,4% e 48,6% , e de “aborrecidas” foram, respectivamente, 47,1% e 52,9%. Houve, contudo, algumas diferen- ¢as nacionais: as criangas portuguesas emitiram significativamente mais opinides positivas e menos opinides negativas sobre as aulas de miisica do que as inglesas. Vale também a pena referir que alguns participantes mais novos de ambos os paises disseram nio terem aulas de musica. Uma professora primaria admitiu que tinha estado tio ocupada com ou- tras disciplinas que nao tinha tido tempo suficiente para ensinar musica. A afirmagdo de uma aluna poderd ser reveladora: “Tivemos bastante miisica no inicio do periodo, mas — pouco a pouco deixa- mos de ter’. A recente énfase nas competéncias de numeracia e literacia no ensino primério britanico corresponde aos objectivos que tém prevalecido, durante décadas, no ensino primario portugu- és (Boal Palheiros, 1993), e esta situagdo poderd causar 0 efeito indesejavel de diminuir 0 estatuto da musica e das artes entre as criangas. Por exemplo, algumas criangas portuguesas mais velhas —31g— Fimngies e modos de ouvir maistca de criangas e adolescentes, em diferentes contextos gostavam das aulas de mtisica por serem faceis (“mais faceis do que Francés” — outra disciplina opcional), enquanto algumas inglesas nao gostavam das aulas, pela mesma razao: “Nao fazemos nada. Fazemos 86 coisas basicas no teclado”. “Acabamos por ver um video antigo, e nao fazemos nada de weil”. ‘As raz6es para as opinides positivas e negativas expressas anteriormente reflectem duas preocupag6es principais: motivagao Para aprender e estar activo, e contetido das aulas. Gostar do pro- fessor e conviver com os colegas também foram razées referidas. Muitas criangas gostavam de aulas em que estavam activas e apren- diam coisas novas, e nao gostavam de aulas passivas e dificeis. Preferiam actividades praticas, como tocar instrumentos, a aulas te6- ricas, como histéria da miisica. De facto, muitos professores de musica dao énfase a actividades mais teéricas (ouvir, analisar, aprender factos), enquanto os alunos preferem estar activos e interpretar (Austin e Vispoel, 1998). Alguns participantes mais velhos, que tinham dei- xado de aprender o instrumento que tocavam na escola primaria, comentaram sobre um decréscimo na sua motivagao para a mtisica. Pareciam preferir aulas com um grau de dificuldade compativel com a percepcao das suas capacidades. Um rapaz inglés disse: “Bem, nao sou muito bom em miisica, a tocar. Por isso, nao estou muito entusiasmado com as aulas de misica”. A fraca motivacao das criangas mais velhas pode também resultar da mudanca das suas conviecées sobre as suas capacidades (Austin e Vispoel, 1998): ou seja, poderao considerar a musica como uma disciplina em que tém menos probabilidades de obter bons resultados (Gammon, 1996). Opinives sobre o repertirto musical das aulas Quanto & opiniao sobre a miisica ouvida nas aulas, cerca de metade dos participantes afirmou gostar (47,5%), e os outros declararam gostar de alguma musica (28,3%) ou nao gostar da misi- ca (18,3%). Nao houve diferencas significativas entre os grupos etarios nem entre os grupos nacionais, embora os participantes in- gleses fossem mais criticos sobre o repert6rio musical. Os portu- gueses mais velhos foram geralmente mais positivos, talvez porque a misica que ouviam nas aulas era frequentemente sugerida por eles, e nao pelos professores. a8 Graga Boa! Palhetros As crian¢as apontaram quatro categorias de razoes para apreciar ou ndo a miisica ouvida nas aulas; estilo musical (39,7% do total de respostas), estado emocional (20,6%), elementos musicais (15,9%), e razGes no musicais (10,3%). Algumas delas (13,4%) nao responderam a esta pergunta. Verificaram-se diferengas signifi vas entre os grupos etarios nas categorias de razdes para as opinides sobre 0 repertério musical das aulas. As criancas mais velhas referi- ram significativamente mais 0 estilo musical e menos os elementos musicais do que as mais novas. Do numero total de respostas, 61,5% foram positivas e 38,5% negativas, sendo este resultado coerente com as opinides anteriores sobre as aulas de musica e o repertério musical. Também aqui se verificaram diferengas entre idades: os Participantes mais novos apontaram significativamente mais razdes Positivas e menos negativas do que os mais velhos. As criangas preferiam claramente mtisica moderna/pop a miisica antiga/classica: “Nao gosto de mtisica do séc. XV, e coisas do género... sinto que é antiga”, “Nao gostei daquela miisica da Idade Média, estavam a gritar ‘Aleluia”; A musica Classica “é longa e aborrecida, nao € dramitica”; A mtsica pop “é dramética, mais rapida e tem muita variedade de instrumentos”. Os elementos musi- cais mencionados mais frequentemente foram o andamento e o tim- bre. As criangas preferiam musica “vocal” ¢ “ripida”, associando & musica Classica caracteristicas como “instrumental” e “lenta”: “Nao tem palavras, nao percebo 0 que estou a ouvir’; “N30 apanho a batida”; “F lenta, nao dé para dangar”. Quanto ao estado emocional, a maioria das criangas preferia musica “viva” ou “calma”, ¢ nao gostava de miisica “aborrecida”. Um rapaz inglés mais velho expri- miu assim a sua dificuldade em compreender a miisica das aulas: “Nao consigo ‘entrar’ na musica, & aborrecida. Ndo gosto, 6 mesmo aborrecida". Algumas criancas referiram raz6es no musicais, como socializar com os colegas, e a misica ser “divertida” e “facil”. No entanto, em resposta a pergunta sobre se preferiam ouvir outra musica nas aulas, muitos participantes nado sugeriram estilos alternativos (41,7% do total de respostas). Entre os que suge- riram, a misica pop foi claramente a primeira escolha (27,5%), principalmente dos ingleses. Algumas criangas (14,2%) referiram caracteristicas musicais (por exemplo, miisica “forte”, “com bate- ria”), em vez de especificarem um estilo, e poucas (5,8%) mencio- naram outros estilos (por exemplo, rock, jazz, cléssico). As criangas pareciam estar conscientes dos estilos apropriados para 0 contexto escolar e das percep¢des dos professores sobre isso: —8— Fungoes e modos de ouvir masica de riangas e adolescentes, em diferentes contesctos “Nao gostaria de ouvir ‘rave’ na escola, porque podia ser um bocado rude.” “Preferia misica pop, miisica mais excitante do que Opera. Mas duvido que a professora desse musica pop nas aulas.” “Acho que o professor quer aulas de miisica a sério, para tocar teclados, em vez de se ouvir musica pop.” “A musica pop nao tem nada a ver com o que estamos a dar, nao ‘encaixaria’ nas aulas.” Estes resultados mostram claramente que ouvir musica tem diferentes fungdes na vida das criangas, em diferentes contextos. Em casa e noutros contextos informais, ouvir musica parece ter principalmente fun¢des emocionais e sociais, enquanto na escola tende a ter principalmente funcgdes cognitivas. As fungdes emocio- nais nao parecem ser salientadas na escola: no entanto, o prazer de ouvir e 0 estado emocional foram as principais fungdes de ouvir miisica em casa atribuidas pelas criangas. Em casa, as criangas de- senvolvem uma identidade pessoal e social, fruindo a misica com a familia e os amigos, com quem estabelecem fortes ligacdes emocio- nais, enquanto na escola interagem com os professores e os cole- gas. Por isso, a maior importancia que as criangas atribuem as fun- des emocionais € sociais da mUsica em casa poderd constituir uma das principais razdes para nao gostarem da misica na escola. A escola realca fungdes cognitivas, que podem nao ser tao valorizadas pelas criangas, no que diz respeito A musica (Behne, 1997). Na Inglaterra, as orientagdes do Curriculo Nacional para Mu- sica tém acentuado aspectos cognitivos da audigao musical (Department for Education, 1995), e a importancia da misica no desenvolvimento emocional e social apenas é reconhecida na ver- sao recente do Curriculo (Department for Education and Employment, 1999). Nas aulas, os alunos ouvem mitisica para conhecerem historia da misica, estilos, elementos musicais e instrumentos, e aprende- rem a tocar, cantar e compor. Tende a atribuir-se maior importancia a aprendizagem do que ao prazer: os professores preocupam-se principalmente com transmitir informagdes e desenvolver compe- téncias técnicas. Nas actividades de audigao, geralmente pede-se aos alunos que reconhegam elementos musicais, vozes, instrumen- tos, e menos frequentemente que identifiquem o car4cter emocio- nal da misica, exprimam os seus estados emocionais, ou comentem. sobre os sentimentos e as imagens que a miisica lhes suscita. ‘raga Boa! Palheiros Esses resultados revelam que as criancas preferem ouvir misica em casa, onde tém privacidade, escolhem a musica, e parti- lham o prazer de ouvir por meio de interaccées sociais significati- vas. Os patticipantes pareciam estar bem conscientes das diferen- gas entre os contextos casa e escola: “Em Casa, estou sozinha com o meu irmao, e pomos a miisica que gostamos de ouvir, ndo a miisica que ouvimos nas au- las.” “A casa nao tem nada a ver com a escola. Em casa, ouvi- mos muisica porque nos apetece, Na escola, ouvimos, porque é uma actividade das aulas,” Neste estudo, foram também investigadas as diferengas entre idades e graus de ensino (factores desenvolvimentais e edu- cacionais) e as diferengas nacionais (contextos culturais e educacio- nais). Os resultados gerais indicaram mais diferencas significativas entre os grupos etarios na audigo musical em casa do que na audigao na escola. Em geral, os participantes mais velhos afirmaram ouvir mais musica de que os mais novos, o que esti de acordo com outros estudos anteriormente referidos. Para eles, ouvir musica é uma actividade de lazer particularmente importante, preenchendo fungdes emocionais e de socializac4o, Quanto a audigo musical nas aulas, verificaram-se poucas diferencas entre as idades: em geral, os alunos exprimiram atitudes moderadamente Positivas, e mencio- naram a motivagdo para aprender e 0 contetido das aulas de misica. Poucas diferengas claras emergiram entre as nacionalidades. Os par- ticipantes portugueses afiemaram ouvir mais mtisica em casa e gos- tar mais de misica na escola do que os ingleses, e os ingleses mais novos afirmaram ouvir mais musica na escola do que os portugue- ses da mesma idade. No entanto, é dificil extrair conclusdes gerais destes resultados. Um resultado claro, e algo frustrante, € 0 de que a musica na escola parece possuir um estatuto pouco elevado em ambos 0s paises. Modos de ouvir mésica Como vimos, a mtsica tem miiltiplas fungdes e ocorre em diversos contextos. As pessoas escolhem misica para acompanhar Varias actividades e ouvem activa ou passivamente com diferentes graus de atencao (Hargreaves, 1986). A aten¢ao implica selectividade 2 Fungies e modos de ouvir misica de riangas e adolescentes, em diferentes contextos de processamento, foco e concentrag&o. Pode ser focada, respon- dendo-se a um de varios estimulos, ou dividida, respondendo-se a todos os estimulos (Eysenck & Keane, 1990). Investigacio sobre a atencao dividida revelou que podem executar-se duas tarefas com- plexas simultaneamente, quando usam diferentes sentidos (visual e auditivo) ou sao distintas (Eysenck & Keane, 1990). Ou seja, “os Processos podem ocorrer simultaneamente desde que nao usem o mesmo tipo de mecanismos cognitivos” (Sloboda, 1985, p.167), por exemplo, conduzir e conversar. Ouvir atentamente é dificil, e os ouvintes “escolhem 0 que querem focar” (Aiello, 1994, p. 276). Estudos indicaram que muisicos e nao mtisicos se concentravam em diferentes elementos musicais (Madsen & Geringer, 1990; Madsen, 1997), e ouvintes misicos mudavam a atengao durante a audigao (Clarke & Krumhansl, 1990). Sloboda (1985) colocou a hipétese de que “a misica polifénica é percepcionada como um padrao ambi- guo, susceptivel de alternancia ‘figura-fundo” (p. 168): presta-se atengio focada a uma linha melédica de cada vez, e as restantes linhas formam o fundo. Um padrao semelhante pode propér-se para a atengao das criangas quando ouvem miisica: esta pode ser a “figu- ra” ou 0 “fundo”, 0 foco de atengao principal ou secundario. Sloboda et al. (2001) verificaram que a frequéncia com que adultos ouviam misica era diferente em contextos diferentes, sendo maior em lugares ptblicos. Ouvir musica acompanhava o lazer activo (sair com amigos), mais do que o trabalho intelectual ou o lazer passivo (ler, ver televisio). Memérias autobiograficas da infancia revelaram que a fruigdo musical estava ligada ao contexto: havia muito mais memérias positivas da musica em concertos ou em casa, do que em actividades escolares (Sloboda, 1990). O contexto e as fungdes da musica podem influenciar a maneira de ouvir das criangas € o seu grau de atengao e envolvimento emocional. Por exemplo, em casa € noutros lugares privados, ouvir mtisica depen- de das criangas. Na escola e em lugares ptiblicos, nao depende: na escola, a mtisica € determinada pelo curriculo e pelos professores, e em igrejas e lojas, tem sobretudo fungdes extramusicais, como fortalecer sentimentos religiosos (Crozier, 1997), ou estimular os consumidores (North & Hargreaves, 1997c). Graga Boa! Patheinas Quatro modes de ouvir musica Embora a literatura refira estilos de ouvir (Behne, 1997; Kemp, 1997), as expressées maneiras ou modos parecem ser mais adequadas: enquanto estilo implica caracteristicas estaveis dos ou- vintes, modo sugere mudanga de situagdes (um ouvinte pode experienciar diferentes modos). Sdo aqui propostos quatro modos de ouvir musica, mental e fisicamente passivos ou activos, impli- cando diversos graus de envolvimento. As criancas podem usar diferentes modos, em diferentes contextos (ouvir sentadas nas au- las; ouvir e cantar, em casa, sozinhas ou com amigos) ou durante a mesma mitisica, dependendo da sua atencao e da sua intengio de ouvir. Essa visdo dinamica pressup6e que os modos variam confor- me o contexto, a mtisica e as expectativas do ouvinte (Becker, 2001). O termo habitus de ouvir, adaptado por Becker, de Bourdieu, sugere uma “disposigdo para ouvir com um determinado tipo ‘de enfoque, esperando experimentar certas emocoes” (p. 138). Os quatro modos sao indicados no Quadro 2: ouvir misica “de fundo”; ouvir como acompanhamento de actividades; ouvir como actividade principal; ouvir e interpretar actividades musicais. Quadro 2. Modos de ouvir musica Modos de ouvir misica —Intenglo—_Actividade Nivel de atengoContexto ‘Ouvir msica ‘de fundo" Nao Passiva Nenhum Lugares pablicos Ouvie como acompanhamento sim Passiva Baixo/moderido Casa, outros ‘Ouvie como actividade principal sim Mentalmente activa Alto Casa, sozinho Fisicamente passiva ‘Ouvir e interpretar sim Activa Alto Sozinho, geupo Ouvir musica “de fundo”. A miisica “de fundo” decorre enquanto as pessoas fazem outras actividades, e ndo prende a aten- ao delas (Radocy & Boyle, 1997). A mtisica é ouvida, “mas nao activa nem intencionalmente” (Musselman, 1974, p. 93). Geralmen- te, as criangas nao est&o conscientes desta mtisica: nao tencionam ouvi-la, nem lhe prestam atengio. Ouvir como acompanhamento de actividades. As funcdes da misica variam conforme os ouvintes e a natureza da tarefa (Radocy & Boyle, 1997). As criancas seleccionam musica, para acompanhar actividades extramusicais (ler, jogar no computador). Podem prestar atencao a musica, mas geralmente estao concentradas nessas i Fungies e modos de ouvir misics de rlangas e adolescentes, em diferentes contextos actividades. Verificou-se que a mtsica € usada mais como actividade secundaria do que principal, quer por adolescentes (Larson & Kubey, 1983) quer por jovens ndo mtisicos (Sloboda et al., 2001). Ouvir como actividade principal. As criancas ouvem misi- ca intencionalmente. Embora possam usar a misica para relaxar e possam variar o seu grau de atengdo, em geral concentram-se men- talmente na misica. Ouvir com atengio focada e envolvimento emo- cional pode ter fungdes emocionais e cognitivas, como o prazer estético. Ouvir e interpretar. As criancas ouvem atentamente a mé- sica e respondem fisicamente: cantar e dangar uma cancio implica conhecer bem os seus elementos. Esta interpretacao, individual ou em grupo, pode ser uma expressdo de prazer, uma maneira de as criancas aumentarem a sua participagio na mtisica, ou ainda um modo de exprimirem a sua identificag4o com os seus cantores pre- feridos, ou com os seus pares. Modos de ouvir mdstea, em casa Na seccao anterior, discutimos as razGes por que as crian- cas ouvem miisica, focando as diferencas entre os contextos casa € escola. Considerando perspectivas desenvolvimentais e culturais, foram analisadas as diferengas entre criangas de dois grupos de idades e de nacionalidades. Prosseguindo a andlise das respostas das criangas 4 entrevista referida, nesta seccd0 sao discutidas as relagGes entre os diferentes modos como as criangas ouvem misica € os contextos em que ouvem, a casa e a escola. Os modos como as criangas ouvem musica em casa e na escola foram investigados em duas perguntas semelhantes: “Quan- do ouves miisica, fazes mais alguma coisa ao mesmo tempo?”; “Quan- do ouvem miisica, fazem também outras actividades?”. As respostas foram organizadas em trés categorias. A categoria ouvir musica “de fundo” nao foi referida, porque as perguntas inquiriam apenas so- bre a audicao intencional. Em casa, a maioria das criangas preferia realizar actividades musicais enquanto ouvia (42,9%), e ouvir acom- panhando actividades extramusicais (40,5%); algumas preferiam sé ouvir (14.7%) e poucas nao responderam (1,9%). Nao se verificaram diferengas significativas entre as idades ou as nacionalidades, na distribuigao de respostas pelas trés categorias. S6 ouvir (ouvir como actividade principal). Este foi o modo de ouvir mtsica menos frequentemente referido, particularmente 85 naga Boal Pathefros pelos participantes ingleses mais velhos. Por vezes, este modo de ouvir dependia do tipo de miisica: por exemplo, duas participantes mais novas geralmente dancavam, ficando sentadas a ouvir apenas quando a miisica era calma, As criancas ouviam atentamente, en- quanto relaxavam ou se concentravam na musica, com niveis de intensidade diferentes. “Fico deitada na minha cama a ouvir.” “Gosto de me concentrar na miisica, gosto de saber que tipo de instrumentos usam.” Realizar actividades musicais. Interpretar enquanto ouviam musica foi o modo mais frequentemente referido, sobretudo cantar e dancar cangdes pop (respectivamente, 25,0% e 15,9% do nimero total de respostas). Algumas criancas disseram tocar um instrumen- to, quando tentavam aprender uma melodia, ouvindo a sua grava- Ao. Verificaram-se algumas diferengas entre idades: as criancas mais velhas afirmaram cantar significativamente mais do que dancar. As criangas cantam frequentemente, talvez porque ouvem muito mais miisica vocal do gue instrumental. Cantam de varias maneiras, des- de trautear a melodia até “encenar” a canc4o, sendo esta tltima maneira utilizada principalmente pelas participantes mais nove “Vestimo-nos como uma banda pop e cantamos: fingimos que temos um microfone.” “Imagino que estamos no palco, e temos muita gente a olhar para nés. Fingimos que somos as cantoras. Eu salto na minha cama, e a minha irma pequena faz de piblico. Adoro fazer isto. Adoraria ser cantora.” Contudo, alguns rapazes pareciam ter timidez em cantar, como mostram estas afirmagGes: “Canto a cangao, quando nao esta ninguém na sala.” “Canto baixinho, porque me ralham se canto muito alto.” “As vezes canto, mas a minha irma disse-me que nao canto muito bem.” Acompanhar actividades extramusicais. Ouvit musica acom- panhando outras actividades (sobretudo, estudar, ler, jogar, mas tam- bém ver televisio, comer, conversar) foi o segundo modo preferido de ouvir, especialmente pelos participantes mais velhos (62,7% de respostas nesta categoria, contra 37,3% de respostas dos mais no- —%8— Fungées e modos de ouvir mastea de rtangas eadolescentes, em diferentes contextns vos). Na distribuicao de respostas pelas actividades verificam-se diferencas significativas entre idades. Os participantes mais velhos referiram mais trabalhos de casa do que os mais novos talvez por- que no ensino secundario os professores marcam mais trabalhos. Outra razdo para esta diferenca podera ser a crescente fun¢do emo- cional da mtisica, para os mais velhos. Ouvir miisica ajudava-os 2 diminuir 0 aborrecimento ou a concentrarem-se melhor numa tarefa dificil: por exemplo, dois deles disseram que a miisica Ihes dava “inspiragao” e “energia” para estudar “Quando faco o trabalho de casa, ponho musica, ajuda-me a relaxar.” “Ponho sempre miisica. Gosto de ouvir, quando estou a estudar.” Muitas criangas ouviam musica fazendo outras actividades. Mas algumas criancas mais velhas manifestaram dificuldades em realizar simultaneamente duas actividades intelectuais (ouvir misica e estudar), enquanto outras realizavam duas actividades de tipo di- ferente (ouvir musica e ver televisao): “Quando estou a estudar gosto de estar concentrado, por isso desligo a miisica.” “Muitas vezes ouco mtisica enquanto vejo as imagens na televisdo, sem som. Estas descrigées estio de acordo com investigacio, que revelou ser possivel prestar atengao a estimulos visuais e auditivos simultaneamente (Allport et al., 1972; Eysenck & Keane, 1990), e com a explicagéo de Sloboda sobre a atengao. As criancas podem ouvir musica realizando simultaneamente actividades nao intelec- tuais (comer), porque sao actividades de tipo diferente. Quando outra actividade intelectual simultanea (estudar) exige grande aten- ¢Ao, elas concentram-se apenas numa de cada vez. Algumas diferengas significativas verificadas entre os gru- pos etarios nos modos de ouvir miisica em casa poderao relacionar- se com quest6es educacionais (por exemplo, quantidade de estu- do), mas, sobretudo, com quest6es desenvolvimentais. Por exemplo, os participantes mais velhos preferiram cantar a dancar, e também ouviam miisica mais vezes para acompanhar actividades didrias (prin- 8 6rmga Boa! Palhetros cipalmente, 0 trabalho de casa) do que os mais novos. Nao emergi- ram diferencas significativas entre as criangas inglesas e portugue- sas, talvez porque partilham aspectos sociais, culturais, e musicais, das sociedades ocidentais (Tarrant et al., 2000). Modas de cuir méisica, na escala As respostas das criancas sobre os modos como ouvem musica nas aulas da escola foram organizadas em trés categorias semelhantes. Ouvir e realizar actividades musicais foi o modo refe- tido mais frequentemente (56,8% do total de respostas), seguido de 86 ouvir (33,1%). Apenas alguns participantes mais novos (4,2%) referiram ouvir mUsica acompanhando actividades extramusicais e alguns ndo responderam a esta Ppergunta (5,9%). Nao se verificaram diferengas significativas entre as idades ou as nacionalidades, na distribuigao de respostas pelas trés categorias. S6 ouvir (ouvir como actividade principal). Segundo as criancas, $6 ouvir ocorria moderadamente nas aulas de musica, so- bretudo para a aprendizagem de estilos, elementos musicait ou instrumentos. Por exemplo, os professores pediam aos alunos para reconhecerem a pulsacao, adivinharem o estilo de misica ou os instrumentos que tocavam. Realizar actividades musicais. Os professores propunham actividades musicais antes, durante ou apés a audic&o, para ajudarem os alunos a compreender a miisica, As respostas dos pacticipantes foram organizadas em trés subcategorias de actividades musicais: And- lise e historia da misica (21,3% do nimero total de respostas), Inter- pretar-cantar, tocar, e Compor (19,5%), € Treinar competéncias (16,0%). As diferengas significativas entre os grupos de idades nes- tas actividades estavam relacionadas com as praticas pedagégicas em cada grau de ensino. O treino de competéncias foi referido mais ea anilise e a histéria da musica foram referidas menos nas escolas primarias do que nas secundarias, Ao longo destes dois graus de ensino, parece haver uma mudanga, de uma abordagem baseada em actividades ritmicas e de movimento para uma abordagem mais analitica da miisica. As competéncias ritmicas eram treinadas por meio da percussio corporal (por exemplo, bater palmas). Na andli- se musical, pedia-se frequentemente aos alunos Para se concentra- rem em elementos musicais, e raramente no cardcter emocional da misica. Interpretar durante a audic4o era mais frequente nas escolas secundarias do que nas escolas primarias. Incluia cantar ou dancar 8 Fungies e modos de ouvir mistea de criangas e adolescentes, em diferentes contextos com a miisica, tocar instrumentos na pulsa¢ao, ou improvisar alguns ritmos para acompanhar a misica. Acompanhar actividades extramusicais. A realizacao de actividades extramusicais durante a audigao foi referida apenas por alguns participantes mais novos. Os professores colocavam miisica para facilitar a aprendizagem de outras matérias (lingua, artes) € para motivar as criancas para diversas actividades das aulas (traba- Ihos de grupo, testes). Esta estratégia de ensino pode estar relacio- nada com o curriculo generalista da escola priméria, ensinado por professores nao treinados musicalmente, cujo objectivo € diferente dos objectivos especificos da disciplina de Musica na escola secun- daria. As diferencas entre os grupos de idades nos modos de ouvir musica na escola parecem estar relacionadas com estratégias pedagogicas especificas em cada grau de ensino. Quanto as dife- rengas entre as nacionalidades, parece verificar-se uma tendéncia geral para uma abordagem mais pratica e baseada na interpretacao, nas escolas britanicas, e uma abordagem mais teérica e baseada na audigado nas escolas portuguesas. No entanto, a variedade existente em cada escola, entre os professores e entre as varias aulas torna dificil a generalizacao. Assim, as diferencas nacionais podem ser atribuidas mais a abordagens especificas de determinados professo- res do que a diferengas gerais entre os curriculos de miisica de cada pais. Embora os modos de ouvir mtisica referidos pelas criancas sejam idénticos em casa e na escola, a sua frequéncia relativa é diferente, em cada contexto. Os participantes referiram significati- vamente mais actividades extramusicais e actividades musicais € referiram menos s6 ouvir em casa do que na escola. Ou seja, ouvir como actividade principal ocorria menos frequentemente em casa e moderadamente na escola. As actividades musicais eram frequentes em ambos os contextos, embora a interpretacio (cantar, dangar) fosse muito mais frequente em casa, enquanto as actividades extramusicais ocorriam frequentemente em casa, e raramente ou nunca na escola. Os resultados revelam que as criangas usam diversos mo- dos de ouvir miisica, que implicam varios niveis de atengio e de envolvimento emocional com a miisica. Os seus diferentes modos de ouvir em casa e na escola poderao resultar de diferencas entre os dois contextos no repertério musical e na frequéncia de audigio, mas também nas fungdes da miisica. Como vimos, ouvir musica em a Graga Boal Palheiros casa parece ter principalmente fungdes emocionais, enquanto a au- digao musical na escola realca o objectivo da aprendizagem. Em geral, os modos de ouvir em casa sio fisicamente mais activos, e os modos de ouvir na escola estao mais relacionados com actividades musicais especificas, € muito menos com actividades extramusicais. Compreender os diferentes modos de ouvir das crian¢as e os seus varios niveis de atengio 4 musica é uma questao relevante, que podera ter implicagdes importantes para a educacado musical. Respostas emocionais a misica Na literatura sobre respostas 4 miisica, termos como expe- riéncia estética, resposta afectiva, resposta emocional, preferéncia € gosto musicais tém sido usados quase indiscriminadamente. Dois tipos de respostas tém sido conceitualizados: uma resposta afectiva mais superficial, e uma resposta estética, mais intensa, englobando uma componente afectiva (Abeles & Chung, 1996). Abeles e Chung (1996) propuseram um continuo de respostas 4 misica, no qual as Tespostas emocionais sao mais imediatas, as de preferéncia reflectem © gosto temporario do individuo, e as de gosto reflectem um gosto mais definitivo. A nova estética experimental proposta por Berlyne, nos anos 70, sugere que as propriedades dos estimulos artisticos, como a complexidade e a familiaridade, produzem prazer a partir da manipulacao do nivel de excitagao do observador. As pessoas geralmente preferem estimulos que produzam um nivel intermédio de excitacao. No caso da miisica, elas gostam de miisicas que sejam moderadamente familiares e que percebam como tendo uma com- plexidade média (Berlyne, 1974). Varios estudos sobre as preferén- cias musicais do dia a dia parecem confirmar essa teoria. North e Hargreaves (1997a) sugerem ainda outro factor importante na deter- minacao das preferéncias musicais: a adequacao da musica a uma determinada situagao de audigao. As preferéncias musicais podem ser influenciadas por uma diversidade de factores inter-relacionados: caracteristicas da musica, como elementos musicais, estilo e interpretacio (instrumentos, in- térpretes), complexidade e familiaridade (repeticao), caracter emo- cional (emogdes da miisica e estados emocionais que a musica pode suscitar); caracteristicas pessoais, como idade, sexo, nacionalidade, estatuto socioeconémico, personalidade, formagdo musical; e factores extramusicais, Como 0 contexto social (situacao de audigao), agen- 380 Fungies e modos de ouvir misioa de criangas e adolescentes, em diferentes contextos tes de socializagdo (familia, amigos, professores, os media), efeitos de grupo (por exemplo, conformidade e prestigio), e aculturagao (meio musical). Os estudos sobre as respostas afectivas, estéticas e emocio- nais A mUsica tém focado a miisica, o ouvinte, ou o contexto de audicao: o modo como o ouvinte percebe e descreve as caracteris- ticas da miisica; o modo como o seu estado emocional é influencia- do pela mtisica, dependendo das suas caracteristicas pessoais; 0 contexto social das situagdes em que ele ouve musica (Gabrielsson & Lindstrém, 1993; Hargreaves, 1986). Segundo Sloboda e Juslin (2001), o contexto, desde a situagdo de audi¢ao ao contexto social € cultural mais vasto, tem sido um dos aspectos menos investigados. Os autores sugerem que a emocio intrinseca é determinada princi- palmente pelas caracteristicas estruturais da mUsica e a emogao extrinseca é fortemente determinada por factores contextuais. Caracteristicas da mtisica. As caracteristicas da musica in- cluem elementos musicais (entre outros, tempo, dinamica, ritmo, timbre) e outras propriedades formais. A investigacao tem identifi- cado elementos que suscitam determinadas emog6es: por exemplo, © tempo rapido provoca alegria, € o tempo lento provoca iristeza (Abeles & Chung, 1996). Um estudo realizado com misicos identifi- cou diferentes tipos de estrutura musical que podem provocar emo- des distintas, acompanhadas por reacgées fisicas (Sloboda, 1991). Caracteristicas pessoais do ouvinte. As diferentes respos- tas emocionais 4 musica também sao influenciadas pelas caracteris- ticas pessoais do ouvinte (entre outras, idade, sexo, formagao musi- cal). Por exemplo, um estudo com estudantes revelou que as meninas gostavam mais de musica do que os rapazes, e os mtisicos, mais do que os nao miisicos (Wheeler, 1985). As diferencas de idade nao tém sido sistematicamente investigadas, mas alguns estudos focaram. © desenvolvimento da percepgao da expressdo emocional na misi- ca. Terwogt e Van Grinsven (1991) estudaram as respostas de trés grupos etarios (5 anos, 10 anos e adultos) na identificagao de quatro estados emocionais expressos na miisica, e representados por ex- pressoes faci: alegria, tristeza, medo e cdlera. Os autores verifi- caram que a escolha tinha um consenso aprecidvel, que este con- senso aumentava com a idade, e que todos os participantes distinguiam entre emogdes com valéncia positiva e com valéncia negativa. Kratus (1993) examinou a capacidade de criancas de 6 a 12 anos de idade de interpretar as emogées de alegria, tristeza, excitaciio e calma expressas na misica. Verificou que as criangas —88t- Graca Boal Pathetros interpretam 0 caracter emocional da musica com grande consistén- cia, e que nao havia diferencas quanto ao sexo e a idade. Em investigaco sobre os efeitos do treino musical, encontraram-se di- ferencas entre misicos e nao misicos nas respostas emacionais a miisica. Hargreaves e Colman (1981) estudaram reaccdes de estu- dantes adultos a diversos excertos musicais, e concluiram que os ouvintes musicalmente experientes tinham reaccdes mai: objectivas € técnicas, enquanto os menos experientes tinham reaccdes mais subjectivas e afectivas. Lehmann (1997) verificou que estudantes de misica tinham atitudes, e respostas 2 musica, mais fortes do que os nao miisicos. Contexto sociocultural da situagao de audigao. North e Hargreaves (1996) verificaram que os jovens tendem a escolher miisica com certas caracteristicas para ouvirem em determinadas situagdes e contextos da sua vida do dia a dia, por exemplo, aulas de aerdbica e yoga. Um determinado contexto social, por exemplo, um concerto de rock, pode gerar uma experiéncia musical forte, como um jovem ouvinte descreve: o sentimento incrivel de estar junto a milhares de pessoas, que estio 14 com 0 mesmo objetivo: ouvir e dar tudo aquela musica maravilhosa” (Gabrielsson & Lindstrom, 1993, p. 136). O contexto sociocultural mais vasto e o meio musical tam- bém influenciam as respostas emocionais 4 musica. Gregory e Varney (1996) compararam respostas de jovens provenientes de meios cul- turais europeus € asidticos as miisicas indiana e New Age. Os resul- tados revelaram diferengas culturais sutis na escolha de adjectivos para descrever 0 cardcter emocional dos excertos, e sugerem que a resposta afectiva 4 mtisica é determinada mais pela tradi¢So cultural do que pelas qualidades inerentes a musica. Swanwick (1973) refe- riu a importancia da aprendizagem na resposta a misica, que se verifica, por exemplo, quando as pessoas nao conseguem gostar da misica de outras culturas. Ou seja, as respostas sdo aprendidas e culturalmente diversas. Sloboda (1991) também sugeriu que a capa- cidade de se sentir uma resposta emocional intensa em relacao a estruturas musicais especificas na misica classica é aprendida, o que indica que as criancas podem ser ensinadas a sentir respostas emocionais 4 mtsica. Fungies e mnodos de ouvir mistea de Criangas e adolescaptes, em diferentes confextns Medigdo de respostas emocionats @ mdstea A investigacao nesta drea tem usado diferentes aborda- gens metodoldgicas, instrumentos de medigao e estimulos musicais. Tem focado diferentes componentes da resposta emocional e da relacio complexa entre 0 ouvinte e a msica, como a influéncia da isica no estado emocional do ouvinte (Wheeler, 1985), ou as percepgdes do ouvinte das emogdes expressas na mtisica (Giomo, 1993; Kratus, 1993; Terwogt & Van Grinsven, 1991). Hargreaves (1986) distingue entre abordagens “experimentais” e “naturalistas”, que sao usadas em maior ou menor grau em todos os estudos. Os estudos experimentais utilizam estimulos, como sequéncias tonais ouvidas em condi¢des laboratoriais, enquanto os estudos naturalistas tendem a utilizar miisica “real” e técnicas mais abertas. AS respostas emocionais envolvem certos sentimentos € estados emocionais, assim como um comportamento expressivo (por exemplo, chorar) e reacgdes fisiolégicas. Estas respostas tém sido avaliadas por meio de metodologias descritivas, ¢ medidas comportamentais e fisiolégicas (Sloboda & Juslin, 2001). As descri- Ses dos participantes incluem relatos verbais livres, pelos ouvintes (Pike, 1972), listas de adjectivos (Hevner, 1936), escalas de avalia- ¢40, escalas semanticas diferenciais, e comparagdes com pares, to- das elas apresentadas aos ouvintes. Alguns estudos comparam dife- rentes técnicas, por exemplo, respostas verbais € respostas 4 audi¢ao (Geringer, 1982), ou respostas depois da audi¢ao e respostas basea- das na memoria (Lehmann, 1997; Russell, 1986). As dificuldades em definir e medir as respostas afectivas e emocionais 4 musica tém s Causas, como as caracteristicas instaveis das respostas (Abeles & Chung, 1996), a grande variabilidade entre pessoas e em cada individuo, € a interferéncia com o processo de ouvir (Sloboda e Juslin, 2001). Por exemplo, os relatos verbais durante a audicao interferem com a audicao, € apés a audigio correm o risco de distorcao, porque se baseiam na meméria (Gabrielsson & Lindstrom, 1993). As abordagens verbais podem também ser problemiticas no estudo de respostas emocionais de criangas, por causa do seu voca- bulario relativamente limitado (Kratus, 1993). Modelo cfroumplexo de emogio © modelo circumplexo de emogao proposto por Russell (1979; 1980) tem gerado muitos estudos sobre respostas emocionais Oe Graga Boal Palheiros: 4 mtisica. Consiste numa estrutura bidimensional, circular, baseada nas dimensées bipolares de valéncia (gostar-desgostar) e activacao (elevada-baixa), 0 que d4 origem a quatro quadrantes, cada um dos quais representado por emogées semelhantes. Este modelo tem sido criticado por nao capturar todas as caracteristicas interessantes e diferenciag6es subtis dos processos emocionais (Larsen & Diener, 1992; Scherer, 1996). No entanto, o modelo pode ser wil para de- senvolver estudos empiricos sobre as respostas emocionais de criangas, porque fornece uma maneira eficaz de organizar as emo- ges em termos do afecto (agradavel ou desagradavel) e das reacges fisiolégicas (excitagao elevada ou baixa), e especifica uma maneira de selecionar adjectivos para utilizar como medidas de emogao na investigagio (Larsen & Diener, 1992; Sloboda & Juslin, 2001). A figura apresenta uma adaptacao do modelo de Russell: cada um dos quadrantes é representado por dois adjectivos, que foram adaptados de um estudo anterior (North & Hargreaves, 1997b). Fig. 1. Uma adaptagaio do modelo citcumplexo de emogao de Russell Gostar Relaxado: Excitado: Tranquilo Enérgico 7 2 Excitagao Excitagéo baixa 4 elevada Aborrecido Zangado Sonolento Irritado Desgostar Respostas emocfonats a mdsica, em diferentes contextos tnterpessoals A misica tem fungoes fisicas, cognitivas, emocionais e , @ Hargreaves e North (1999b) sugerem que estas dltimas tém sido bastante neglicenciadas pelos investigadores empiricos. A evidéncia sugere que as fungées sociais da musica existem em irés formas principais: na regulagao das relagdes interpessoais, do esta- do emocional e da identidade pessoal. As pessoas usam musica para definir os grupos sociais a que pertencem, para estabelecer a identidade pessoal, e para regular os seus estados emocionais, que 3 Fungies e modos de ouvir mastoa de criangas e adolescentes, em diferentes contertns sao mediados pelo meio social préximo em que ouvem miisica. As preferéncias musicais podem revelar a que grupos sociais as pesso- as pertencem ou nao pertencem. Esta é uma parte importante do desenvolvimento do sentido de identidade, que é particularmente clara no caso das preferéncias musicais dos adolescentes e dos jovens. Estas preferéncias sio tio importantes na vida deles que, para muitos deles, formam uma “etiqueta de identidade”, que comu- nica aos outros os seus valores, atitudes e opinides (Frith, 1983). Na entrevista analisada, verificou-se que a maioria das 120 criangas britanicas e portuguesas de 9-10 e 13-14 anos de idade preferiam ouvir mtisica sozinhas e na privacidade dos seus quartos (Boal Palheiros & Hargreaves, 2001). Outros estudos revelam que os jovens tendem a ouvir misica sozinhos: estudantes americanos ouviam mtsica em privado, sobretudo em casa, nos seus quartos (Larson & Kubey, 1983), e 60% de adolescentes britanicos ouviam mtisica principalmente sozinhos (North et al., 2000). No entanto, alguns jovens referiram niveis mais baixos de afecto quando ouviam sozinhos do que quando ouviam com outras pessoas (Csikszentmihalyi & Kubey, 1981), e outros jovens afirmaram passar igual quantidade de tempo a ouvir sozinhos e na companhia dos amigos (Tarrant et al., 2000). A reflexdo sobre estes resultados levou a investigacao dos efeitos do contexto interpessoal nas respostas emocionais 4 misica, uma vez que ouvir musica sozinho ou com outras pessoas pode ter diferentes funcdes emocionais. Ouvir mtisica sozinho ajuda 0 ado- lescente a desenvolver a sua identidade pessoal e a cultivar o seu self (Larson, 1995), e a regular a sua vida emocional (Armett, 1995; Hargreaves & North, 1999b). Ouvir mtisica com os outros (a familia, ‘os amigos, os pares) também € significativo para o desenvolvimen- io da identidade social e das relagdes interpessoais (Crozier, 1997; Zillman & Gan, 1997). Ouvit em pequenos grupos pode ser particu- larmente importante no inicio da adolescéncia, por causa da cres- cente importancia das relagdes do adolescente com os seus pares, no processo de socializagao (McGurk, 1992). Ou seja, ouvir musica tem fung6es sociais, que podem ser quer pessoais quer orientadas para o grupo. Ao focar esta questio, € necessdrio ter em conta fenomenos psicoldgicos sociais que surgem em situagées de pe- queno grupo: efeitos de conformidade, nos quais as respostas indi- viduais tendem a convergir para uma média do grupo (eg. Finns, 1989); e efeitos de polarizagao, nos quais as decisoes de grupo ae Graga Boal Palheiros. tendem a ser mais extremas do que o nivel médio de decisdes dos individuos do grupo (Brown, 1986). Experimento. ouvir mésica sozinho ou em grupo O estudo experimental descrito nesta seccao ira investigar a influéncia relativa destas duas fungdes sociais, focando especifica- mente os efeitos do contexto interpessoal (estar sozinho ou em pequenos grupos) nas respostas emocionais das criangas a misica, apds 4 audio de varios excertos musicais. Se as funcdes pessoais predominarem, pode predizer-se que as criancas deverao exprimir niveis mais polarizados de resposta emocional quando ouvem sozi- nhas do que quando ouvem em pequenos grupos. Mas se predomi- narem as fungdes de grupo, devera verificar-se 0 contrario. Para se compreenderem melhor estas influéncias, consideram-se também perspectivas desenvolvimentais, e comparam-se participantes de dois niveis de idades (os mesmos do estudo anterior: 9-10 anos e 13-14 anos). Por causa da importancia dos efeitos do grupo de pares no inicio da adolescéncia pode predizer-se que, quando ou- vem em grupos, os participantes mais velhos exprimirio niveis mais polarizados de resposta emocional do que os pasticipantes mais novos. Também poder haver interaccdes com a valéncia das diferentes respostas emocionais: as respostas positivas e as negati- vas podem ser afectadas de maneira diferente nas situag6es indivi- duais de ouvir musica e nas situacdes de grupo; e os participantes de cada nivel de idades podem também ser afectados de modo diferente quanto a este aspecto. Podemos entaéo formular as questées de investigacao da seguinte maneira: 1. Em que medida 0 contexto interpessoal - ouvir sozinho ou em pequenos grupos — influencia as respostas emocionais das criangas a miisica? 2. Como estas diferengas sao influenciadas pela idade, con- cretamente em pré-adolescentes e adolescentes 3. Estes efeitos variam conforme a valéncia das emogdes (positiva ou negativa)? Cada uma das variaveis independentes deste estudo expe- rimental tinha duas condigdes: contexto interpessoal (ouvir musica sozinho ou em grupo) e idade (“mais novos”, com 9-10 anos e “mais velhos”, com 13-14 anos). Metade dos participantes de cada —335— Fungies e modos de ouvir mdstea de riangas e adolesoentes, em diferentes conbextas grupo etério foi aleatoriamente atribuido a cada uma das duas condi- ges de ouvir. Os pequenos grupos consistiram em “grupos de trés criangas”, porque este é€ um tamanho de grupo frequente nas interacg6es sociais das criancas, no dia a dia (Lansford & Parker, 1999), € também porque € um tamanho facilmente manejavel. Nes- te estudo, participaram voluntariamente 120 criangas inglesas, fre- quentando escolas primdrias e secunddrias em Londres. A amostra consistiu em quatro conjuntos de 30 criangas: “mais novas” e “mais velhas”, sozinhas ou em pequenos grupos. Cada um dos conjuntos tinha um numero igual de meninas e rapazes, e os pequenos grupos de trés criancas eram femininos, masculinos ou mistos. Foram utilizadas escalas de avaliagio das emogées, elabo- radas a partir do modelo circumplexo de emogio de Russell, apre- sentado anteriormente: escalas de cinco pontos para cada um dos oito adjectivos, nas quais 1 representava “nada” e 5 representava “muito”. Os participantes respondiam a questo sobre como a misi- ca os fazia sentir usando cada uma das oito escalas, pela mesma ordem, para cada excerto musical: relaxado, excitado, zangado, abor- recido, tranquilo, enérgico, irritado, e sonolento. Uma outra escala de cinco pontos foi também incluida, por meio da qual os partici- pantes respondiam 4 questo sobre quanto gostavam da misica, Fig. 2. Escalas derivadas do modelo de Russell 1. Por favor, indica como esta mifsica te faz sentir numa escala de 1 (nada) a 5 Gnuito). ~ relaxado(a) 1 2 3 4 5 ~ excitadota) 1 2 3 4 5 - zangado(a) 1 2 = 4 5 + aborrecido(a) 1 2 3 4 5 = tranquilota) 1 2 3 4 5 ~ enérgico(a) 1 2 = 4 5 ~ ieritadota) 1 2 3 4 5 - sonolentofa) 1 2 a 4 5 2. Por favor, indica quanto gostas desta miisica numa escala de 1 (nada) a 5 (muito). 7 Zi 3 4 5 Foi utilizada musica “New Age” instrumental, tal como em estudos anteriores (eg. North & Hargreaves, 1996), por varias ra- z6es: esta musica evoca reacgdes emocionais diferentes (Gregory e Varney, 1996); evitam-se associagées com as letras; podem ser seleccionados excertos que nao sejam familiares para os ouvintes; e porque este estilo musical € suficientemente proximo da musica pop para evitar reaccdes imediatas de rejeig&o, que poderiam ocor- — Bt Graga Boal Palhefros rer com participantes destas idades, por exemplo, relativamente 3 musica “classica”. Para selecionar o material musical foi realizado um estudo piloto, no qual criancas mais novas e mais velhas, ouvin- do sozinhas ou em grupos, classificaram 16 excertos musicais, esco- Ihidos de modo a representarem um dos quatro quadrantes do mo- delo circumplexo, As médias destas classificagdes foram usadas para seleccionar os quatro excertos finais para 0 estudo principal. Os participantes ouviram as misicas e responderam as escalas de avaliacao nas suas escolas, sentados em pequenas salas, perto das salas de aula. Receberam instrugées claras e familiariza- fam-se com as escalas respondendo a um exemplo, cujos dados foram posteriormente excluidos da andlise. Os quatro excertos, cada um com a durag4o aproximada de um minuto, foram dados a ouvir em duas ordens aleat6rias, para controlar os efeitos da ordem de apresentacao. As criangas classificaram o seu estado emocional e o seu gosto por cada excerto musical imediatamente apés a audicao. Para controlar os efeitos potenciais da ordem de apresen- tacao, foi calculada uma correlagao entre as duas ordens aleatérias, usando as médias das pontuagées dos participantes em cada um dos quatro excertos e em cada uma das nove escalas. O coeficiente de correlagao foi positivo e significativo (Pearson r = 0,90, N = 36, p < 0,01), pelo que a ordem de apresentagao dos excertos nao foi con- siderada em andlises posteriores, Eettos do conéexto Inéerpessoa! e da dade nas respostas emocfonats @ meistea Foi calculada uma andfise multifactorial de variancia (MANOVA) das médias das pontuagdes dos quatro excertos musi- cais, para as oito escalas de emogio, tendo o contexto interpessoal ea idade como os dois factores intergrupos. Uma andlise de variancia simples (ANOVA) foi calculada de maneira semelhante para cada escala de emogao e para a escala de gosto: os efeitos es indica- dos na Tabela. Nao se verificaram interaccdes significativas entre o contexto interpessoal e a idade na andlise das oito escalas em con- junto, nem em cada uma das escalas individuais, Fungies e mados de ouvir mistoa de riangas e adolescentes, em diferentes contextos Tabela. Médias e efeitos MANOVA para as oito escalas de emogio. Médias e efeitos ANOVA para cada escala de emog4o e para a escala de gosto Soxinhotay Grupo Contexto | tdade Interpessoal Mais novos | Mais vethos | Mais novos | Mais velhos | F (6/6) FO Muli 326 sa variada Relaxadota) | 292 299 338 320 oe Ne Tranguilota) | 3.00 3.08 332 34 443" Ns Excitadota) | 2.24 177 242 187 Ne. 182 Enérgicota)_| 2.27 174 244 193 Ns. 16.90% Zangadota) | 165 192 192 187 Ns Ns Irritadot)_|!1.78 195 197 234 6.56" 5.50" ‘Aborrecidaca)] 1.92 233 zu 28 167 300 Sonotentota) | 2.12 2.28 224 2.42 Ns Ns Gostar 328 233 342 2.46. Ns SAI "p< 0.05 #5 <0.0 ***p< 0,001 Ns—ndo significativo A Tabela mostra que houve efeitos significativos para ambas as varidveis, contexto interpessoal e idade. Quatro das escalas de emogao (relaxado, tranquil, irritado e aborrecido) revelaram efei- tos significativos para o contexto interpessoal, que ocorreram todos na mesma direcgao: em todos os casos, as médias eram mais eleva- das quando os participantes ouviram as misicas em grupo do que quando ouviram sozinhos. Quatro das oito escalas também revela- ram efeitos significativos para a idade, mas estes nao eram na mes- ma direccao. As criancas mais novas atribuiram, em média, pontua- ¢6es significativamente mais elevadas do que as criangas mais velhas, a duas emog6es “positivas” e de excitagio elevada (excitado, enér- gico), enquanto se verificou o inverso para duas emogdes “negati- vas” (irritado, aborrecido). Também se verificou um efeito significa- tivo para gostar: as crian¢as mais novas deram pontuacdes significativamente mais elevadas do que as criancas mais velhas. O resultado de que as respostas emocionais dos partici- pantes foram mais polarizadas quando ouviam misica em grupo do que quando ouviam sozinhos sugere que as fungdes sociais da mu- sica relacionadas com as fungées de grupo foram mais pronunciadas do que as relacionadas com as fungdes pessoais. Este resultado est4 de acordo com as teorias do desenvolvimento que realcam a impor- tancia do grupo de pares no desenvolvimento social do adolescente (McGurk, 1992), € o contributo de ouvir miisica com os outros, para o fortalecimento da identidade social e das relacg6es interpessoais (Crozier, 1997; Zillman & Gan, 1997). Os efeitos significativos da idade revelam um padrao inte- ressante, diferenciado entre emogées positivas e negativas. As —339- ‘rage Boal Palheinos criangas mais novas atribuiram pontuagdes mais elevadas a duas emogées positivas e também a “gostar”, enquanto as criangas mais velhas atribuicam pontuag6es mais elevadas a duas emog6es negati- vas. Ou seja, as mais novas pareceram ficar mais excitadas e gostar mais da miisica, enquanto as mais velhas pareceram ficar mais irrita~ das e aborrecidas. Este resultado poderia ser explicado a luz da investigagao desenvolvimental, que sugere um decréscimo geral na motivacio dos jovens adolescentes para algumas actividades (eg. ‘Austin & Vispoel, 1998). Também poderia ser explicado em termos da pesquisa sobre tendéncias nas preferéncias musicais, conforme a idade. Tem-se verificado que a “tolerdncia” das criangas a diferentes estilos musicais declina no inicio da adolescéncia, quando as suas preferéncias se tornam bastante mais restritas do que no final da infancia (Hargreaves & North, 1999a; LeBlanc et al., 1996). Assim, neste estudo, as criangas mais novas terio respondido mais positiva- mente, € pareceram revelar maior tolerancia um estilo nao familiar, do que as criancas mais velhas. A razio pela qual as criangas mais velhas exprimiram mais emocées negativas do que as mais novas podera também resultar da sua atitude geral ante a musica New Age. Finniis (1987), por exem- plo, verificou que muitas criangas nas idades de 13-14 anos desejam jdentificar-se com musica “forte”, excitante e rebelde, que vai ao encontro da autoimagem tipica do adolescente, como uma pessoa “dura”, Se a musica nado é percebida como tendo estas caracteristi- cas, os adolescentes nao a consideram apropriada e nao se identifi- cam com ela. Por isso, tendem a mostrar 0 seu aborrecimento e a sua irritagdo, o que, na sua opinido, sao respostas apropriadas. Por outro lado, as criangas mais novas tém uma atitude mais positiva relativamente a uma maior variedade de estilos, incluindo a misica New Age. Os resultados deste experimento revelam que o contexto interpessoal tem alguma influéncia nas respostas emocionais das criancas & musica, pelo menos 4 masica New Age, e que esta influén- cia parece interagir com outros factores, incluindo a valéncia das emogées, a idade das criancas e a sua familiaridade e 0 gosto por um determinado estilo musical. A musica New Age foi selecionada como material para este estudo por varias razGes, anteriormente referidas. Pareceu ser uma escolha adequada, na medida em que nao evocava reaccdes extremas. Todos os quatro excertos foram apreciados moderadamente, e nao foram imediatamente aceitos nem Hi Fungies e modos de ouvir mastea de rlangas ¢ adolescentes, em diferentes contextos rejeitados, como alguns estilos de mtisica “pop” ou “classica” pode- riam ter sido (Boal Palheiros & Hargreaves, 2001). Embora este material fosse adequado para os objectivos deste estudo, nao se pretende ter lidado com os efeitos emocionais poderosos, gerados por estilos musicais que so fortemente preferidos pelas criangas destas idades: esta poder ser uma tarefa para investigagdes poste- riores. Concluséio Este capitulo analisou o significado de ouvir mtisica como actividade diaria da vida das criancas, e as influéncias da idade e de diferentes contextos na audigdo musical, concretamente os contex- tos interpessoal (ouvir sozinho ou com outros), socioeducativo (casa e escola), e cultural-nacional. As teorias e os estudos mencionados referem uma variedade de factores que influenciam as preferéncias musicais das criangas e as suas respostas emocionais 4 mtisica. Dis- cutiu-se o problema de investigar estas respostas e foi apresentado um modelo de emog¢ao que é util para medir estas respostas. Estes topicos sao relevantes para a compreensao das reaccées das crian- ¢as a mtisica, em diversos contextos. A luz das diferentes perspecti- vas te6ricas discutidas, emerge um conceito vasto de audi¢ao musi- cal das criangas, que realca a funcionalidade de ouvir musica no dia a dia, a visio dinamica dos modos de ouvir misica das criancas, os factores desenvolvimentais e a influéncia dos contextos sociais educativos. Os resultados da entrevista sobre as razOes por que as criancas ouvem miisica poderao contribuir para esclarecer o signifi- cado da audi¢ao musical informal e formal das criangas, e para explicar, em parte, o seu desinteresse pela mtisica na escola. O prazer € a emogo sio geralmente negligenciados no ensino da audi¢ao musical. No entanto, estes aspectos estéo entre as funcdes mais importantes da musica para as criancas, e por isso merecem ser mais abordados no ensino. A “dissonancia cultural” entre ouvir miisica em casa € na escola precisa de uma maior aten¢ao por parte dos educadores musicais. Este estudo sugere que o desenvolvimen- to e a aprendizagem musicais tém mais probabilidades de florescer fora da escola do que no curriculo escolar. Esta divergéncia podera aumentar, 4 medida que a tecnologia avanca e a misica se torna um elemento preponderante na vida da maioria das pessoas.

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