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Ulpiano Bezerra de He: Como 6 0 lugar quando ninguém pa: Existe: Existe, existe o mundo apenas pelo olhar que 0 cria e@ lhe confere espacialidade? Concretitude das coisas: falacia de olho enganador, ouvido e falso Yo que brinca de pegar o n¥o Pegando-o concede-Ihe 2 ilusto da form: a {lusto maior a de sentido? (Carlos Drumond de Andrade, A _suposta exieténcia) © tema sobre o qual fui solicitado a diecorrer 6 "Patrim6nio cultural como documento"(1). Falarei, sobretudo, de objetos. N30 estou preocupado, inclusive, com definir qualquer noc%o de patriménio cultural, porque, pare os fins desta exposi¢%o, tomo a primeira expressdo como equivalente da segunda: patriménio cultura! e documento. S8o equivalen- tes, embora n¥o sejam idéntices © nem 2 equivaléncia bi-un{- veca, mas n¥o interess2, no momento, discutir onde n¥o dé @ identidade. Gostaria, inicialmente, de examinar o probl do documento sob oito aspectos diferentes. Primeiro, parto de uma no¢%o proviséria _ documento como suporte ffsico de _in- formac3o. A seguir, examinarei a poseibilidade de todo su- porte fisico, praticamente, poser coneiderar-se documento: (DEste texto € a reprocuséo ce un B ministrada no curse “PatrimSnio cultural: politicas © perspectivas’ organizaco pelo IAB/CONDEPHAAT em 198@. Foram suprimidas as redundan— cias € acrescentadas notas de rodapé, mas manteve-se o tom oral. qual o critério, entto, para que alguns de: suportes ff cos sejam considerados documentos, e outros no? 0 terceiro te o documento como suporte de infor- epecto ria just: agSes de tipo relacional, isto 6, sua carga enquanto ex- presea relacbes entre os honeni Outro aspecto seria o papel do documento na intermediac3o entre o observador e outras realidades. 0 sexto aspecto seria o aparente paradoxo de que no documento se dé um acréscimo do valor de troca, & medida que rn Finalmente, duas ditimas peque nas questtes para terminar. Uma 6 @ invers%o do valor de uso e de troca que os documentos podem assunir em certas clecuns- tanci @ outra 6 0 sentido do documento como carga de traba- Iho acupulado. A primeira tarefa, portanto, 6 discutir uma nocgto que sirva de partida para categoria “documento”, dentro da qual eu reflito sobre o préprio problema de patrim6nio cultural. Conviria examinar o proprio sentido literal dap lavra, pois a etmologia pode ser de algum auxflio. A palavra documento tem a mesma raiz latina do verbo doceo, que significa ensinar. Ensinar, sobretudo, nto no sentido de formar, mas no sentido de transmitir infor- ago, de comunicar informagZo 4 consolidada. Documentum, portanto, significa modelo, no sentido de que esta informacto parte de paradignas pré-fixados. ¢ dessa noco que se desen- voiveu a idéia de testenunho, de prova, a idéia de que o do- cumento 6 um vefculo de informac%o que eu obtenho. £ co rente, entre os historiadores, conceituar documento como sendo todos aqueles tracos que permanecem da atividade humana ou _do pensamento humano. E ¢ nesse sentido, inclusive, que se considera o problema das fontes para o conhecimento da histd- ria: por intermédic dos documentos que seriam esses testemu- nhos do pensamento e dz atividade do homen. Na presente dis- cuss%o considerarei esses testemunhos do ponto de vista do seu suporte fisico . Dessa forma _ por opcto do toma ex- cluire! uma série de outros aspectos da cultura que n¥o sto expressos por intermédio de euportes ffsicos, por exemplo, todos aqueles tracos do passado que sobrevivem em tradictes, hébitos corporais, fest: cerimont provérbios, na Ifngua, etc. # comum se distinguirem pelo menos duas categorias de documento como suporte de informac¥o: documento voluntério @ documento involuntério. uma distinc¥o que me perece um pouco dubia e muito discut{vel. “Documento voluntério” seria © documento no seu sentido original, aquele qu lendai e outra 1 @D no seu con- r suporte de entto, objetos cuja func¥o natural, — que Ihes dé existéncia _ 6 registrar @ conservar uma de- terminada informacto. texto primério, J& teria por fung3o prépria informag%o. Seri Documento, segundo esse conceito, seria, entto, uma Cimento, uma escritura de compra e venda, um texto de lei que se publica no Diério Oficial, a dedicatéria que se inscreve numa 14pide ou num monumento, uma ata de as~ sembiéia, uma crénica escrita e assim por diante. Portanto, todos esses suportes materiais de infor- certidto de ni mac%o seriam documentos por vocag%o inici a exist@ncia dessas coisas 60 fato de ela © que explicaria prestar registrar e conservar uma determinada informac%o. £ claro que por cause dessa predominancia de registro e de conservac8o de informac%o, por natureza prépria, hé uma predomin&ncia dos registros escritos. Por essa raz¥o, na propria pesquisa his- torica, quase se confundiu a palavra “documento” com "fonte textual”. Documento passou a ter a conotag¥o arquivfstica de suporte ff{sico que, por intermédio da escrita, registra e conserva uma certa informac%o. As vezes se admitiam, parale- lamente, outras formas de suporte, que n¥o fo escritas, como por exemplo, © campo da imagem e a iconografia. Mas sem- pre com uma fung3o secundéria, quase que ilustrative, da fungBo bésica fornecida pelo texto. Ao inverso dos documentos voluntérios, 8 "involuntérios” seriam aquel que _n¥o tives: priméria registrar e conservar informacto, mas qui disso, poderiam convenient m_como func%o apesar nte também fornecer uma certa_ coisas que, por sua prépria pre- Cariedade, no conseguirian conservar adequadanente © comple- tamente uma informac¥o, m registré-la. Por exemplo, w que esgota normalmente sua func¥o una vez que o receptor receba 8 a infor~ mo que posi macto forcosamente nto 6 conservads. Tambén ¢ 0 caso de un texto narrative de ficc¥o, que por destinac¥o priméria, nto tem a mesma func%o que um papel cartorério; no entanto, ele inclu uma série de outras informactes relatives @ todo um vaste contexto. t ainda o problema de uma série de outros ob- Jetos da vida corrente: uma receita médica que também pode dar toda uma vistio a respeito de uma determinada situacto nitéria, da prética médica, da nogtio de doenga, de aspectos s6cio-econémicos dos problemas da saude e assim por diante. E aqui hé uma nova categoria que, sos poucos, vai- se ampliando quanto a esta func¥o informativa: so os obJe tos, as coisas f{sicas. Todo tipo de artefato, tudo que ¢ rev sultado da a¢3o do homem sobre a realidade fisica artefatos desde os utens{lios até as estruturas de todo tipo inclu- sive, as paisagens, na medida em que elas sto alteradas pela acSo humana e apropriadas culturalmente. Hoje em dia se vem reconhecendo cada vez mais a0 objeto sua func8o de documento, ainda que @ predominancia dos textos seja inquestionével. A subdivis%o de documentos em voluntérios e invo~ luntérios, porém, como foi dita, ¢ ambiguae deve ser re- vieta. Com efeito, mesmo que a informac%o do documento volun- tério seja a cua destinago priméria ela mpre ultrap: ° alcance "voluntariamente” estabelecido. Um atestado de dbito, por exemplo, tem por fun¢¥o priméria, voluntéria, reconhecer formalmente que © indivfduc deixou de pertencer, fisicamente, ao corpo social. E isso precisa ser registrado de maneira n¥o 86 cient{fica, mas adpinistrativamente correta. Por qué? Por- que produz efeitos. Os efeitos todos n¥o esto embutidos nas fungSee primérias do documento, mas elas extravasam esta des- tinag¥o inicial: eu posso, por exemplo, extrair de um ates- tado de 6bito, uma série de informactes relativas 8 demogra- fia, a condictes de salubridade, @ direitos e obrigactes pre cisamente provocados pela morte do individuo. Isto 6, ven & tone todo um sister actonado a partir do momento em que o individue deixa © corpo social, @ a maneira de registré-lo como um dado capital de infor: sBo que n¥o faz parte de in- formag¥o que esse documento pretendia registrar, mas que esté nele embutida. Ainda por exe: documento legal. Um texto de lei que regule, por exemplo, um plo é também o que sucede com um certo tipo de contrato, registra informac¥o sobre a natureza partes, os direitos e obrigactes dele decorrentes, as eituactes novas que se instauram, as con- digtes © sancSes do rompimento, etc., etc. No entanto, a in- de um pacto entre dua formagto que este 0 documento pode oferecer- além do &mbito original (que dé origem ao préprio documento). Assim, interrogado esse texto de lei, posso chegar a conhecer quais s¥o as éreas que interessa & sociedade regulamentar como. Posso conhecer todo um mecanismo segundo o qual uma so- ciedade se auto-regulamenta e sobretudo o problema do exercf- cio do poder, ‘enfim os lugares do poder, analisando o regis- tro num texto de lei cuja fung%o priméria no era dar infor vai muito nag3o sobre todas essas questBes. Trata-se de informacdes que, mesmo n&o estando previstas, esto embutidas, nun certo suporte ffsico. Com isso J se pode fazer una importante af irmac é 56 em fung¥o de terceiros que existem condigbes para que alguma coisa se chame documento, exerca funco de documento, sirva de suporte de informag%o, independentemente de um pro- posito original deliberado de informar sobre certo assunto. Assim, poderemos ter objetos que #6 sero documen- tos, em Ultima andlise, fora do seu “sistema” préprio. Isto é, somente na perspectiva do observador externo € que ele ga- nha o seu sentido documental e que um objeto se transforma em documento ou deixa de ser simples objeto e passa a pertencer a uma categoria especffica de objetos: os documentais. Nes 5 condigBes, o documento vi a sor um objeto (minha referéncia aqui seré considerada sempre f{sica) que se exclui do seu contexto cultural original, com cacBes préprias desse contexto em que foi gerado, e que se intreduz no meu contexto cultural. #£ ni translacg%o de con- texto que o objeto ganha a natureza de docut mpre ¢3o. Esta sala, por exemplo, ¢ eignifi~ nto © como suporte ffeico de infori receptéculo de uma série de objetos: microfonei cae deiras, lumingri certa estruturacto do espaco ffsico e assim por diante. Isso tudo e%o objetos que existem em functo de determinados objetivos utilitérios. Estas fungBes inclu também conteudos simbélicos, mas de qualquer maneira sto fungBes imediatas que explicam a natureza e a pr moa a objetos neste espaco. No podemos, entretanto, chamar de do- ntos a nenhum 4 objetos, salvo, Just: tas funcBes primérias de cada um desses objetos se sobreponha a de fornecer informactes. # claro que eu posso user cada um nto, Bas 1660 significa que eu es- cu nte, se a es- desses objetos como docu teria alterando a propria natureza priméria desses objetos. Para explicitar melhor o problema, darei dois exem- plos de situacBes-limite: ada Arqueologia e a dos museus e colegbes. A Arqueologia pretende ser um estudo de sistema sé- cio-culturais, N¥o ¢ estudo de obyetos, de coisas, mas da es trutura e funcionamento de socidades. Trata-se, porén, em ge- ral, de sociedades cujo ciclo de vida se encerrou e, em gt ral, de sociedades iletradas, sociedades que n3o tinhan re- gistros escritos. 0 acesso a esse sistema sécio-cultural se dé, ent%o, por intermédio das coisas fieicas, dos restos me- teriais que esses sistemas sécio-culturais en funcionamento deixaram. Os artefatos, ent&o, e€ seus contextos 1e10-an- biente) _ num caso como no outro, coisas fisicas _ é que servem de suporte de informag%o que eu vou recuperar, reorge- nizar e interpretar para, através dessa informag$o, chegar ao entendimento dos sistemas sécio-culturais. Qual 6 0 tipo pr ponderante desses restos ffsicos que encontro em Arqueclogia? @ sécio-culturais com ciclo encer- J&é que se trata de sist nte de duas naturezas: ou 1ixo ou material funerério. Tanto num cago como noutro, trata-se rado, esse material 6 geral de coisas, de situac%o, de reJjeitos, quer dos objetos, quer dos préprios agentes culturais. Sé faz parte da documentac¥o arqueolégica aquilo que saiu realmente do ciclo da cultura, + lixo-coiga, 11xo-gente. Essa exclusto ¢ que faz com que o coisas Ffeicas sejan, para mim, docu- mento. A fungto do arquedlogo, di forma, 6 partir do docu- mento para chegar eo objeto. 0 que ele tem diante de si sto documentos, ex-objetos de um circuito cultural que nto é o weu. Deve 0 arquedlogo ent¥o procurar diminuir a distancia que existe entre o registro, o contexto de coservac¥o, de in- enquanto coisa viv formacto, de um lado e, de outro, a vida cultural @ 0 ciclo cultural. Deve, portanto, 6 re-introduzir, conceitualmente, o nte no ciclo vital do objeto, "desdocumentar” o docu- docut mento. Eliminar seu caréter documental, que 96 existe com re~ lacdo a terceiros, e de novo projeté-lo no ciclo vital da atividade cultural em que ele ¢ um objeto com functes deter- minadas pelo seu sistema cultural ¢ n¥o pelo observador ex- terno, que ¢ © arquedlogo. Se parto do lixo, que 6 rejeito, & para entender o consumo, a distribuic#o, @ conservacto, a fa- pricag%o, a aquieic3o da matéria-prime. Ento, 6 um caminho inverso da vida do artefato que o arquedlogo deve tracar, pare estabelecer esse ciclo de atividade viva, de coisa viva, inclusive levando em conta as reciclagens, que s¥o os novos ciclos dentro de um mesmo sistema. © outro exemplo mencionado ¢ 0 das colectes e dos museus. Nas colegBes, justamente, tem-se o esvaziamento total das fungBes originais das coisas, de maneira que, por exen- plo, um tapete deixa de ser uma cobertura de solo, uma arma de ser um artefate de ataque e defesa, em suma ,um vaso deixa de ser un vaso, um relogio deixa de ser um relégio e tudo teso se transforma em “objetos de cole8o”. O museu ¢ o lugar privilegiado em que esse esvaziamento se institucionaliza, om que se promove proprio, em que pécie de exfiio do objeto do seu campo dé, vamos dizer, essa altenacto di col- . £ preciso pois ter em mente que transformar um objeto en documento 6 quase sompre uma violéncia feita & sua natureza original de objeto. Porque quase sempre? A primeira porque Isto 6, coisas, os objetos, os fendmeno: etc., todos estes componentes da vida social, sto ¢ deven ser sempre us objeto de confronto, de questionamento, de leituras. Trans- formar, ent¥o, um objeto om documento ¢ fazer uma leitura que 6 apenas diferente da leitura que Jé faziam aqueles que fa- bricaram e usaram, em outros contextos, @: coisas. essa violencia 6 muitas vezes necesséri os Fatos, os hom © desvio existe a partir do momento em que minha leitura ¢ to- das, inclueive as leituras do contexto original de producto ¢ consumo desses objetos. Ha virtual quando se considera algupa coisa como documento, mai n¥o uma violéncia total, que #6 se redutora, isto 6, anulae neutralize as outras leitur pre, portanto, uma violéncia nifesta quando a minha transformacdo de coisa em documento esvazia todos os outros possiveis contetidos de significaco do objeto e principal- mente aqueles associados & sua origem como colea ffsic: 0 terceiro problema proposto ¢ um paradoxo que de- corre do que acaba de ser dito e dessa nocto de documento como vetor fisico de informac3o. Como praticamente todo ob- yeto, coisa ffeica, pode ser suporte de informacto, eu teria a concluir que tudo € documento. # uma quest¥o andloga que alguns historiadores levantaram dizendo que tudo é historia, tudo aquilo que diz respeito ao homem, & sua atividade, 6 histéria. Ent%o, o que é histérico? Histérico 6 tudo que diz respeito ao homem, tudo que diz respeito & histéria. No fundo s%o faleas questBes, porque af hé critérios de relevancia que devem ser aplicados. Eetudando, por exemplo, o problema do fato historico, Reymond Aron dizia ser leg{timo considerar fato historico, n¥o qualquer fato associdvel ao homene ae suas atividades, mas apenas aqueles fatos que s%o capazes de produzir consequéncias. Eles tém ur caréter motriz, capaci- dade de colocar as coisas em movimento e, portanto, um caré- ter matriz, de gerer realidade novas. Eo historiador Paul Veyne, que também levantou a questo da possibilidede de pondia dizendo: ¢ histérico, final, 1 nem gingular, toto 6, 0 que n¥o se situa nos dois extremos. 0 da universalidade serie e homogeneidade total, absolut: ab- solutamente iguais, idénticas a si prdprias, n¥o existiria historia também todas as cot absolutamente irrepetiveis, absolutamente singulal ente vinic também n¥o haveria historia. Haveria uma heterogeneidade ir- redutf{vel. Histérico 6 exatamente aquilo que fica no espaco intermedi ério entre o que é universal e@ o que é singular. En- tre a homogeneidade absoluta @ a heterogeneidade irredut{vel. Portanto, 6 através da diferenca que existe histéria. £ 2 dialética da diferenca, e@ dialética implic tudo ser histérico, rm aquilo que n¥o 6 nem unive: Se todas as coisas fos! fos absolut Mas Justamente, 0 movimento. Entto, o que é relevante para instaurar a dife- renga num quadro de processo, eis o que é histdrico. Em wl- tima andlise, é aquilo que ¢ capaz de acarretar mudanca. A pudanca é que ¢ a substancia da histéria. Da’ mesma forma, podemos concluir que nem todas as coisas pass{veis de carrear informagtes s%o documentos. Nem tudo, pois, 6 documento. ¢ apenas o suporte da informac&o re~ levante, daquela informag3o que me ensina algo sobre os meca nismos por intermédio dos quais uma sociedade se organiza a £1 propria, age e, sobretudo, se transforma. Sociedade como produto da ag%o humana e,portanto, as formas segundo as quais nt © homem continuamente cria e recria sua realidade: doci essencialmente, ¢ apenas o que me permite chegar a co- nhec iment: © quarto problema é © do documento como suporte de um tipo especffico de informag%o, de natureza relacional. teto é, 2 informacto que © docusento me dé 6, sobretudo, in- formaco relativa a relag3o entre homens. Antes de mais nada porque o suporte dessa informac%o ¢ um objeto. Ora, os obJe- tos s%o produtos da a¢%o hu na, Kem que fo poritério de um| nae yetores da ago hu por este razto, todo e qualquer objeto ¢ sempre r informacio sobre relacSes entre os homens. Eu dirta até m considerar 0 que, em Ultima anélise, pode: epécie de resfduo ffsico das © artefato, 0 objeto, como uma relactes socia: Eu gostaria, slide, a esse respeito, de fazer un uma andlise, ¢ um pequeno exercfcio. N¥o 6, absolutament mero exercfcio. Uma caneta esferogréfica ¢ um artefato. £ um objeto fabricado pelo homem, que encerra vérios niveis de in- formaco, mas o dominante ¢ o problema das relac&es entre os homeng. Convém examinar trés aspectos: tecnoldgicos, morfold- gicos e funcionais (que incluem tanto as functes utilitér: como as funcBes simbélicas). Sob o aspecto tecnoldgico, ou a atencio 6 a heterogeneidade da forma, o que significa ter eu embrével em uni~ onto essa canetae o primeiro ponto que me chama a diante de mim um artefato decompontvel, de: dades auténomas, mas que se articulam entre si. Essa hetero- geneidade de partes articulares também vai de par com a hete~ rogeneidade da matéria-prima: metal, plastico, uma soluc3o quimica. A multiplicag%o de formas, que corresponden a uma nultiplicag$o de matérias-primas, significa uma complexidade do artefato que vai levar-se, 1 terogeneidade, diversificaczo © complexidade em n{veis rela~ diatamente, a pressupor he- cionais. Mencionare: um 66 problema. Essa diversidade de ma~ térias-primas significa todo um quadro extremamente complexo de relag&es comerciais e basta lembrar, por exemplo, que o pléstico € derivado do petrdleo para se entender conc, atra vés do exame dessa caneta, eu seria levado a examinar até al- guns aepectos da dependéncia econdmica. Os aspectos morfold- gicos e30 ainda mais ricos de informac&o nesse sentido, pois 2 ceracterfetica da articulac3o significa decomposicto de operactes. Hé unidades diferentes de operac$o na fabricac3o desse artefato, que 2 forme incica. Unidades de operacto oig- nificando, portanto, um certo tipo de divis%o social do tra- balho. A divereificac%o da materia-prima também leva & mesma directo, porque, inclusive, o processamento desss matéria- prima é altamente especializado: nto se trata o metal da a fort que a solugto quimica ou o pléstico. As qualifi- cagd Para © desenvolvimento de cada uma de: unidades operatives na fabricacto desse artefato articulado, sto diferentes. Por outro lado, a regularidade das for: superficie absolutamente lisa, om algupas partes, ou a super- ff{cle regularmente canelada em outras, indica procedimentos que n¥o sSo manuais. Essas unidedes de operacto so toda: elas mecanizadas © eu posao estabelecer como inferéncia 56 a produg¥o mectnica, mas, também, a linha de pro- ducto _ producto em série _ de Estou qui em pleno tot izagto da divisto social do trabalho, fragmentacto nas operactes da fa: bricag¥o de um artefato. Se eu examinar agora os aspectos funcionais, vou também extrair informactes nei 0 sen- tido, desembocar nos aspectos relacionais fungBes utilitérias revelam uma converg@ncia de todos ess aspectos morfoldgicos, etc., para uma func3o que 6 transmitir necesséria nto or Por exemplo, as @ uma ponta, @ carga qufmica que se encontra dentro do arte- fato, e protegida por uma carapaca externa. Além do mais, o mecanismo retrdtil me faz com que essa ponta apareca ou desa- parece e uma vez que ela aparece, posso executar um traco gréfico (2 solug¥o quimica ¢ composta de pigmentos), com va- 2¥0 regulada. Em outras palavras, isto ¢ uma canetae serve Pere escrever. Vimos, porém, uma série de outras caracterfs- ticas desse artefato que terfanos que associar a esta func3o de notec%o gréfica, como, por exemplo, certas caracter{feticas morfolégicas e em especial aquelas que indicam portabilidade (observar 0 peso e 0 gancho na tampa). Relacionando, ein, a Fung%o de notac¥o gréfica com esse caréter portétil do arte- fato e, mais ainda, com as condig&es de producto industrial i- zada em massa, chego 2 questdes importantes de nivel relacio- nal: @ significac%o da escrita como func%o relevante de comu- RicagSo nessa sociedade que a produziu e que dela necessita a todo instante. Tenho, assim, pistas para entender, nessa so- ciedade em que a crita @ to importante, o caréter de comu- nicag%o intermediada e a nec: sim, inferir que as relagtes entre os homens pai idade do registro. Posso, ai uma série de canais caracter{sticos de uma sociedade fragnentada, de dominacio, por ex plo. A escrita, onipresente, numa sociedade fragnentada, supte também que o registro escrito tenha, entre suas functes prioritérias, assegurer a distribuiglo de direitos @ obri- gacd tadas, como a durabilidade do artefato, da carga, sua possi- bilidade, ou nto de reciclagem, etc. Ainda mencionarei, aqui, rapidamente, os aspectos de func¥o no nivel simbélico, semio- légico: aspectos de desenho industrial, de forma estética, de percepctes formais, etc., que poderiam, igual © que implica hierarquizacto, for: Inimeras outras questtes poderiam, ainda, ser levan- nte, fornecer informactes relativas a gosto, moda, status e questtes equi- valentes. 0 que se v8, entto ¢ que, tanto no nfvel das infor- mactes funcionais, quanto das informactes tecnolégicas © mor~ folégicas termino sempre por desembocar no mundo das relactes sociais. Penso estar agora esclarecida a afirmacto de que, em Witima anélise, um artefato € sempre um _res{duo material (resfduo porque ele no expressa a totalidade do fen6meno) das relagbes cociais. Esta caneta é, portanto, um resfduo fossilizado, cristalizado, congelado materialmente, das for~ mas segundo as quais se organizavam os homens que a produzi~ ram e utilizaran © quinto problema geral relativo ao documento e 20 artefato € um aspecto deste sentido relacional. Trata-se de um tipo especffico de relac¥o que eu diria ser n¥o sé a re- lag%o entre um observador e os demais indivfduos, mas entre um observador e outras ordens de realidade. Sto relagtes que n&o se esgotam no nfvel da curiosidade, do conhecimento cien- tifico, por exemplo, mas t@m rafzes em camadas existenciais do homem. Daf, inclusive, um certo fasc{nio que os artefatos podem provocar, principaimente os objetos antigos, porque eles se referem a um mundo que n3o é o meu, quer dizer, um mundo de uma coisa outra, um mundo do outro, 0 mundo da 0 decorre de "alteridade”, divereo da minha experiéncia. I percepc%o fundamental do universo, a 0 tempo como algo de unitério e como coisa fragmentada. Minha percepcto ne dé um mundo concomitantemente uno @ multiplo, que eu consigo aprisionar dentro de certos e1xos e que Jé n¥o sou mais capaz de digerir, porque ele se fragmenta en aspectos multiplos ¢ diferenci ado miltiplo, eu me percebo como um ponto, numa teis extremamente complexa. Percebo, também, @ insalubridade da minha posic¥o: ac coieas mudam, o tempo desagrega, n¥o hé estabilidade, tudo 6 movedico e precério, a morte é um fato corriqueiro e inelu- Dentro deste quadro de percepc¥o, do uno e do tavel. £ ento nesse quadro de percepstic e de mudanca, de inetabilidade, de percepc%o de que eu @ meu cotidiano ¢ aquilo que conheco _ @ minha existéncia _ nlf sto 2 e limiteda do que existe, 6 d contexto que ele sim, 6 tlimitado por no ul parcela fnft emerge o problema do invisfvel qu definig%o. Dentre do quadro de oposite entre visfvel e invi- sivel é que se afirma a fung%o do objeto da qual deriva o 4 aludido fascfnio que ele pode exercer. £ dentro do vis{vel, considerando como sendo o quintal da minha experiéncia, por oposig#o a todas as experiéncias que so poss{veis mas est¥o fora de meu Sngulo de vis%o, que se insere a functo de certos objetoe, cepezes de mediac3c entre o mundo ilimitado (do in- viefvel) e © mundo limitado do meu cotidiano e da minha visi- bilidade. E nesse nivel visual de transferéncia do invisi{vel para o viefvel que se encontra uma das principais fungBes de- sempenhadas pelo artefato, pelo objeto, pelo documento. Esse invisfvel, pele sua extens%o, € considerado n¥o sé superior ao meu viefvel, mas por ser superior, pode transformar-se en matriz, fonte, nucleo gerador do visivel Num estudo extremamente interessante sobre estas questtes € 2 Gee coiestes, Krystoff Ponian acen- tua as fungdes visuais exatamente como ponto central, e os objetos como o canal de comunicag¥o entre o visivel e o invi- sivel. Juntam-se objetos, forman-se colegbes @ 0 uso concreto que se faz do resultado 6 a mera contemplacio, o consumo vi- sual. Ponian considerou tel problema em diversas categor! de colegtes, por exemplo, os contextos funerérios, as ofertas votivas, os tesouros reais, os museus, as colectes public privadas, e em todas elas observou exatanente a predominancia das fungtes visuais. Esses objetos, entYo, s¥o segregados da- quilo que chamei de seus ciclos vitais, das fungtes primé- Trias, e s%o colocados em exibic¥o, para uma fruic¥o puramente visual. S¥o coisas fora do circuito. ¥ de circuito 6 estabelecer uma troca. Qual a troca que se dé tirar alguma cots: aqui? t Justamente a do visfvel pelo invisfvel. O invisivel 6 tudo aquilo que esté longe do meu espaco, quer esteja acima, quer abaixo (espaco ffsico, geogréfico, social, cultural, es- paco do meu tempo, do tempo passado ou futuro, ou, mesmo, do que n&o esté ado nem no futuro, dade). Invisfvel, entto, tudo aquilo que realmente nto associado & minha experi@ncia concreta, direta. Ora na eterni- ° trumento que secreta o invisfvel, por exceléncia, ¢ a lingua- gem, que ¢ responsdvel pela formac%o da cultura. £ a lingua~ oria. Sem a , toda atividade hu- mana seria uma experiéncia a cada momento recomecada e os gem que 6 0 mecanismo de exercfcio da m no existiria a vida humana. Sem meméri comportamentos estariam embutidos, previamente no equipamento bioldgico do homem. A meméria, porém, assegura que toda acto humana seya permeada pelas experéncias anteriores. N¥o existe ac%o humana puramente como resposta a um impulso externo. Em toda resposta que o homem dé existe a presenca das experién- cias anteriores, a ac3o da meméria. Toda ago humana é uma ago com carga de menéria e se n¥o houvesse meméria, a cul- tura n&o seria poss{vel. A linguagem ¢ uma forma de comuni- cag%o articulada de meméria. Fica evidente, assim, porque @ linguagem desempenha esse pape! de secretag%o do invis{vel, estabelecendo linhas de continuidade. A linguagem responde as necessidades de assegurar, pela comunicag&o, a associacto das geracSes e a continuidade cultural da espécie bioldgica do homen. Acontece, entretanto, que sé a linguagem no basta, verbal ou gestual. Ele no 6 suficiente porque pode ser dete- Tiorada pelo erro, pela arbitréria £6, pode ser wentirosa, errén Ent¥o, 6 preciso que @ linguagem seja validad geja ceucionade por outros recursos. Af entram as coi ff sicas: os objetos. Junto com a linguagen @ dando validade 8 linguagem, © objeto, que n¥o pode ser erréneo, que n¥o pode ser mentiroso nem arbitrério (embora meu discurso sobre ele posse desfiguré-lo), serve de cauc¥o para a linguagem, nessa fungto de articulacto da meméria, de ligacto do visfvel ao ou invistvel. Nessa perspectiva, os objetos considerados documen- tos por exceléncia, os objetos “antigos”, “histéricos”, sto dotados de uma significac%o especial, que faz com que e! representem o invis{vel. # por isso que eles n¥o s¥o mais ma- nipuléveis, esveziados das suas funcBes utilitért £6 por isso que eles s¥o, prioritariamente, expostos ao olhar. Ponian chama a esse objetos, excepcignalmente dota- xcepcanalmente, ¢ dos para exerc{cio desta fung¥o, de "semidforos”, isto 6, “portadores de sentido”. Numa linha semelhante, Jean Baudrillard demonstra como o homem n¥o fica & vontade num meio que seya exclusivanente funcional, se 0 seu contexto for composto por objetos apenas utilitérios. Diz ele: "0 homes n¥o se sente em casa num meio funcional, ele tem necessidade de uma espécie de “lasca de lenha da verdadeira cruz”, uma espécie de relfquia do lenho sagrado, que santificava as igrejas primitivas. Tem necessidade de alguma coisa como um talism¥, um pormenor, uma por¢%o da realidade absoluta que esteja no corag3o do rea!, encaixado no real para Justificer esse mesmo real. E assin é que funciona o objeto antigo, que reveste sempre no seio do ambiente um valor do embrito, de célula matriz. Através dele, através do obyeto antigo, o ser disperso se identifica & sua situag3o original, & situacso ideal do enbriso e involui para a situac3o microscépica e central do ser antes do seu nascimento. Esses objetos feti- chizados no s%o, portento, acessdriog nem somente signos culturais entre outros. Eles simbolizam uma transcendéncia interior, o fantasma de um coracto de realidade, do qual vive toda consciéncia mitoldgic: Se examinarnos os critérios de validade de um ob- Jeto utilitério, temos de concluir que 6 a eficécia. Se, den- tro dessa linha de idéias, examinarmos os critérios de vali- dade de um objeto antigo, de um documento, de uma coisa his torica, 6 a plenitude, isto 6, 0 bom objeto utilitério 6 toda consci@ncia individual”. aquele que ¢ eficiente; o bon objeto histérico 6 aquele que é capaz de se apresentar como sendo alguma coisa de acabad: pronta, plen ainda acrescentar alguma coisa. Ele Jé se perfez, Jé se fez inteiramente. Qualquer acréscimo 6 externo 8 sua propria rea- lidade. Ele é invulnerével por causa disto. N¥o esté sujeito 8 degradag¥o @ que eu, por exemplo, como um ser em trénsito, estou. 0 objeto histérico, n¥o. Ele esté terminado na sua propria finalidade e realidade ffsica. € um ser definido, Um artefato antigo n¥o 6 algo ac qual se po: imune & mudanca, invulnerdvel. Esté no presente, mas como J tendo existido e permanecido. No se pode dizer que os obje- tos hietéricos que, por exemplo, circulam entre nés sejan bélica, testemunho nostélgico de um passado, sinais de anacronismo, apenas sobrevivéncia de uma ordem tradicional e ceminhos de evasto. N&o ¢ isso que € 0 objeto histdrico, Jus~ tamente porque ele faz parte da nossa podernidade. Ele também a. OD objeto antigo se dé ai sim como um mito de origen, dentro de nosso sistema, diz ainda Baudrillard. Nosso sistema n¥o apresenta muitas possi- bilidades de mitos de orige ests introduzido no nosso sis' } mas os objetos histéricos Ihe d3o uma delas. £ por 1ss0 que ele se apresenta como uma espé- cie de revelac3o mftica de nascimento, de origem, de fun- dac8o, de princfpio e@ € sabido que todas as legitimactes, JustificagSes, validacSes, n&o costumam dispensar referéncias as origens. £ a origem que determina, n3o sé 0 futuro das coisas @ n¥o sd 0 co so delas, mas a realidade exemplar das A origem nYo ¢ 0 ponto de partida, mas de chegade que, depois, va degradar no tempo. Falar de objeto histo- cots: rico, na nossa sociedade, 6 também buscar fora dela, fora da: quilo que ela propria fornece, a origem ¢ o fundamento das como validag%o para uma certa configuragio sécio-cul- tural. Ent¥o, em Ultima anélise, o que se ten 6 o seguinte: ue falta ao homem ele investe no objeto. Aquilo que o ntos externos & cot aquilo homen 6 incepaz de ser, ele procura nos el sua propria realidade imediata, para garantir a invulnerabi~ lidade, ® permanéncia, a legiti (que para fung¥o 6 eficiente), vai, em lugar dele, pre- encher esses vazios. Daf o fascinio, Jé mencionado. 0 papel do exstico e, em suma, do diferente As duas Witimas questBes com relac¥o & natureza do documento sto, talvez, um pouco mais simples. A primeira 6 0 fato de que se tem, no caso do objeto histor ico, /do documento histérico, o esvaziamento completo do seu valor /de uso: 0 ob- Jeto histérico nfo ¢ mais normalmente manipuldvel segundo so da sua acto. O objeto sues caracter{sticas morfoldgicas e funcionais. Ele n&o ten mais un uso que se explique na manutencto daquelas funcdes pare as quais foi projetado e produzido. Esse esvaziamento de seu valor de uso, entretanto, no significia que ele n%o te nha valor. Pelo contréric, basta exazinar o cuidado com que se cercam tais objetos € sua inser¢%o num mercado em que eles 8% artigos de alto preco. £, pois, usa relag%o inversa a que se estabelece entre valor de uso e valor de troca, de um ob- Jeto histérico. Quanto mais “documento” for um objeto, mais esvaziado ele se torna de seu valor de uso e mais acrescido € seu valor de troca. Ora, na colecto se dé o esvaziamento to- tale absolute dae funcSes de uso de um artefato. Mesmo um ob, to de arte, que eventualmente pudesse servir para decorar a fung%o deco- um ambiente, tem, na cole¢o, eliminade até rativa. Isto significa cue estamos aqui naquele jogo dae prestactes sociais, de que falava Marcel Mauss e proximos de algumas instituigBes como o “potlatch”, cujos contextos e fung6es so diversos, mas que também implica num esvaziamento do valor de uso dos objetos que pode chegar & sua destruicto ffeica; com isto, porém, o proprietério tem, como reterno, © prest{gio. Estes mecanismos de prestagtes © contra-prestactes 6 que intervém na cole¢to, no ar zenamento de documentos histéricos. 0 objeto hietérico ¢ retirado de sey circuito. econémico original e, por isso mesmo, tem seu valor de uso drenado, enquanto sobe seu valor de troca. Essa retirada do circuito econSmico precisamente traz contrapartida no quadro das relactes sociais. ¢ dentro desse quadro que o objeto his- térico funciona como instrumento de determinacto de status, de prest{gio. Hé casos, entretanto, em que pode haver o de- mo tempo, também do valor pre Ses se de de prestacSes e contra- eréecimo do valor de uso e, a0 de troca. Sto aqueles em que outral nvolveran que interviess sist ant prestacSes. Assim, na especulac¥o imobiliéria, em que o baixo valor de uso de um ediff{cio antigo, por exemplo, raranente consegue fundamentar, nos m anismos simbélicos, um valor de troca que se contraponha ao elevado valor de troca do ter- 1 © edif {cio € ent%o posto abaixo e seu espaco 6 recupe- Hé, finalmente, um uvltimo aspecto do documento (objeto) a ser discutide. € algo sobre o objeto (documento) como suporte de relac%o, como jé se viu. Agora, porém, eu de seyaria especificar melhor uma face da relacic, que ¢ a do trabalho. Trata © do trabalho inscrite no objeto, do objeto como produto do trabalho humano. Permito-me retomar, aqui, parte das consideragSes com que apresentei, ac CONDEPHAAT, yustificac%o para o tombamento da cidade de Iporanga, entre outros motivos por seu “valor histérico”. Em Iporanga encon- tra-se, ainda, a presence de seu passado, que remonta ao sé- culo XVIII. O valor histérico, contudo, n¥o representa apenas anos paseados: 10, 50 anos, um século, vérios séculos. No se trata de tentar prolongar testemunhos de épocas que no vol- tam mais. Tratase, essencialmente, de considerar o passado como produto de um trablaho passado. O que existe em Ipo- ranga, de époces passadas, me toca porque eu tiro ainda bene- ffeto do esforco e labor dos que af vieram antes de mime af ergueran as suas casas, construfram a Igreja, tracaram as pracas, plantaram os Jardins @ as hortas @ os campos, fabri- caram os equipamentos e objetos ne dade cotidiana @ seu relacionamento uns com os outros. £ 86 0 trabalho é sen%o o fruto do trabalho coincidéncia que #6 exista respeito pelo patriménio histérico érios para a sua ativi- consti a ria outr: quando também existe respeito pelo trabalho do homem. 0 re- sultado d trabalho ao longo do tempo, trés séculos, foi dar a Iporanga fisionomia prdépria, uma care que 6 sue, uma cara feita em série, esterectipada, como uma salsiche, eificeda, mas uma “cara feita B nto”, uma nto homogeneizada, m “cara propria Lembro, ainda, pera terminar, uma obra que trata de que Ecléa Bos! recapturou @ nenéria memérias de velhos e de cinco ou seis velhos na cidade de Sto Paulo e despois as inseriu num quadro de menéria social. E descobriu que o e@ixo de conclue%o das biografias em Ultima anéli do trabalho. Ela termina seu livro com o seguinte trecho, que era a nondria acredito importante citar: "h menéria do trabalho 6 0 sentido, 6 a Justificac3o de toda uma bibliografia. Quando o Sr. Amadeu (um dos entrevista- dos) fecha a histéria da sua vida, qual ¢ © conselho que dé? De tolerancia para com os velhos, tolerancia mo com aqueles que se transviaram na Junventude: “Eles também trabalharam’. BIBLIOGRAFIA BASICA 4. Douglas & B. Ishervord, The vorid of goods. Harmondsvorth: Penguin, 1978. J. HM. Pesez, L’histoire de la cultura matérielle, La Nouvelle Histoire, Paris: Les Encyclopédies du savoir moderne 1978. J. Baudrillard, Le system Dentel, 1968. des objets. Paris: Gonthier/ Pour une critique de 1“économie poligue du signe. Paris: allimard, 1972. A. Moles, Théorie des objets. Pari Ede. Universitaires, 1972. Les objets, Communications, no. especial, 13, 1969. 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