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UNIDADE 1 EDUCAGAO EM SAUDE Aspectos histéricos e conceituais Dener Carlos dos Reis 0 om saide & um campo de conhecimento e de pratica do setor safide ave Beare romeo ocupedo em promover a saide e em atuar na prevengéo de Hoot revert ror que o conceitoatual e que predomina nas reflexbes teéricas © 08 cae etidecomoum processo te6rico-pratico que visa integra os varios sabore popular ¢ do senso comum, possibilitando aos sujeltos envolvidos Ht visio Ber ctor paricinagdo reeponsével g auténome frente @ sade no cofidiano “As analisarmos historicamente a educagao em satide no Brasi. nove que, durante tempo, do século XIX até meados do século XX, esse proesse foi denominado Po tea, culo foce central esteve situado na relagéo do hornem com o Mee cate. Os contedidos que estavam presentes nessa concepgao orem ligados as regras Tnarmas de prevencao de doengas através da orientagao de um viver higiénico.’ esse contexto, 2 principals preocupagées eram a profiaxiadas doeneas infecciose® Fe fev. principalmente,o controle de epiderias, 6poca em que foram aiados.° a Seer to Wan po Pre 00 «aaron we ements erase ts cn agies de See ae. Cando aioe puta 9 rere dorsi, © ansn pw eensine uae © 8 erence, 2 destinagie d Io # dos sets. 20) seach wesscor implementados os servigos e programas de satide publica centralizados. A frente desses Servigos de satide publica, nesse momento, esteve Oswaldo Cruz, que adotou o modelo de “campanhas sanitérias” de estilo repressivo, centralizado, de intervengao médica nos. campos individual e social. Em tetygos de poder, nessa época, as ages de sade coletivas eram intervencionistas 3:9 egisetphtsoras dos comportamentos ehbitos que poderiam comprometer s sisters e OF controle das epidemias e outras doencas infecciosas e parasitarias. As abordagens ‘/€ducativas, nesse momento, seguiam as mesmas dirtrizes do chamado “sanitariao” ue, de forma ger, eram: prescrigées de normas “higiénicas” e regres para o “bom- estar social” (1-3), Segundo Teixeira (4), 0 sanitarismo dessa época buscava reduzir ou até mesmo livrar 2s cidades das epidemias, ndo no sentido de promogo a satide das comunidades, mas no sentido de evitar que essas epidemias ameagassem o sistema de produgdo, papel em Tungao do qual essas a¢bes educativas em saiide mais intervencionistas se mostraram muito eficientes na época A educagao em sade foi entéo institucionalizada com @ denominacéo de educacéo Sanitéria pela Organizagao Mundial de Satide (OMS), que considerou as praticas educativas Sanitaristas como um dos elementos essenciais dentro da Atengio Bésica para a saiide das comunidades (5). Isso possibilitou que a educagéo em satide no campo da saiide Publica se tomnasse um proceso importante e, além disso, que todos os programas € Projetos para a satide da coletividade devessem reservar um espago para atividades educacionais visando a incorporacdo de habitos sauddveis. Com isso, esse processo se {ornou necessério nas estratégias de prevencso, controle de doencas e da promogao da satide, ganhando forca e se fazendo intensamente presente nas acées concretas dos Profissionais de satide que atuavam na sade pblica Segundo Gastaldo (3}, a educagéo em saiide se desenvolveu procurando estabelecer Procedimentos de prevengéo de doenga, ou seja, para cada doenga ou agravo se esta. belecia um conjunto de medidas preventivas que os sujeitos deveriam incorporar em seu Cotidiano, medidas essas que, se intemnalizadas, garantiriam uma vida saudavel. A énfase {a educagio em satide nesse momento era, portanto, na orientagéo. Assim & que nesta abordagem da educacao em satide, questdes ligadas aos contextos Social, econbmico cultural nao eram consideradas, sendo, entéo a satide interpretada como de responsabilidade individual. Nessa situago, todos os individuos que, apés serem informados sobre as medidas de promogao a salide, optessem por “atitudes ndo saudé. LO - ZyNeistterem responsabilizados pelos agravos a sua satide ou tides como “rebeldos” ost oh Jace “AyaBslise desse perlodo hist6rico se fez importante porque & do modelo sanitarista, Cula énfase esté na transmissao de normas e regres comportamentais, que emerge a base que ainda sustenta a maioria das préticas educativas nos tempos atuais. De central importancia neste modelo 6 a idéia de que o conhecimento cientifico o unico a dar respostas efetivas & satide do individuo e da coletividade. Um exemplo claro de presenga atual dessa concepcao de “normas para o viverhigié- nico” se encontra na citagéo do Didrio Oficial Municipal de Belo Horizonte/MG, de 27 de margo de 2003, que ao tratar da importéncia da estratégia do Programa Salide da Familia. (PSF] @ das funcoes da equipe de sade da familia para a comunidade diz: “Os profissio. nals devem realizar trabalhos de orientagao sobre higiene pessoal e sanitaria.” Como so ssrcesusiinowcannas |21 pode ver, permanece a idéia de “orientacdo”, mesmo reconhecendo-se a complexidade de que se revestem as préticas educativas em sate, principalmente aquelas que tm ‘como objetivo final mudangas de postura e de comportamantos frente ao processe de sade Esta perspectiva histérica da educagao em satide aqui tratada 6 importante néo s6 no sentido de permitira andlise da teoria e préticas atuais, mas também das transformagoes. ocortidas nas tiltimas décadas, Aesse respeito, pode-se afirmar que ocorre no final século XX uma das mudangas mais essenciais no discurso da agdo educativa, segundo a qual detecta-se um deslocamento do paradigma das “mudancas comportamentais por meio da informagao" para o paradigma das “agbes educativas participativas". Em relagao a esse, a Ultimo paradigma, o que parece caracterizé-lo, em termos tedricos, é a possibilidadSfieco™ se abre para a construgdo de préticas educativas pautadas numa concepgao que visava Interagdes entre os saberes cientificos, do senso comum e popular, objetivando, assim, ‘a melhoria das condigdes de satide das populagdes (2-3). A despeito da ocorréncia dessa mudanca de paradigma, observa-se, também, um forte descompasso entre esses avancos tedricos* em torno da educagao em sade, ou seja, entre esta prética idealizada ea prdtica efetivamente realizada. Ainda, hoje, notamos a educagéo em satide pautada exclusivamente em conteddos do saber cientifico, tendo como alvo priortério induzir 2s pessoas a atitudes vistas como desejéveis. Enquadra-se perfeitamente neste contexto a educagéo em saide voltada para 0 combate © controle de doencas epidémicas e endémicas no Brasil, tais como a malétia, a dengue, a esquistossomose, a febre amarela, a leishmeniose, cujas agdes de controle 380, em geral, coordenadas pelo Ministério da Satde através da Fundagao Nacional da Saiide (6). Assim, embora em intencao, jé se detecte uma mudanca paradigmética na educagdo em satide, a concepgao intervencionista voltada pera endemias se mostra ain- da hegeménica, uma vez que em termos dos efeitos imediatos nos comportamentos e pposturas, tanto individualmente como coletivamente®, esta concepgéo é ainda necesséria @ eficaz, sendo entendida pela Funasa como Um processo potenciaizador da descentralizagso das agbes @ servigos na rede hierarquizada do Sistema Unico de Sadde - SUS @ 0 exercicio do controle social sobre esses servigos, no sentido de que esses respondam as necessidades da ee eae ce ea ante sama ae de vida, e da coletividade (6) 4 Dentro dessa perspectiva, por conseguinte, as praticas educativas em saide, além de prescreverem normas gerais de higiene e profilaxia respaldadas pelo conhecimento cientifico, exercem um controle sobre os carpas individuais e um esquadrinhamento dos espagos urbanos; um exemplo ¢ a atual fiscalizagdo dos domicilios exercida pelos agentes sanitarios no combate & dengue. ‘Assim, a tentativa € de disciplinar os comportamentos e posturas de forma e garantir a satide para as comunidades, com um forte argumento vinculativo que é 0 da promogao (2,8, 10,11,12,3, 19, azcoivem ives a considera os representog5s, prteas oa exper com a dosngs ) relat que © sentareme tatau de at 8 2.05 portos da Bas da grands epider que 02 22) covastorussice da salide. Essa garantia tem como resultado a aceitabilidade por parte da populacao, da imposi¢ao de um saber: o saber cientifico ou o saber dos profissionais de sadde, visto como um preceito, como uma receita. Tal esforco destes programas 6 questionado por diversos autores que atestam sua ineficécia em promaver as mudancas de atitudes & praticas ligadas & sadde (7-9) Se é verdade que 0 modelo de educacao e satide intervencionista ainda predomina, 6 importante pensar que, hoje, ele vem acompanhado da idéia da participacéo que toma corpo nas décadas de 1970 e 1980, num cenério nacional de abertura politica, tendo como fatores influenciadores as idéias e concepgdes de Paulo Freire sobre educaco popular, (0s movimentos sociais em prol da reforma sanitéria, a expanséo da medicina individu da medicina hospitalar e dos servigos de atengdo a saiide privada. Assim, as abordagens de educagio em sadde para o controle de doencas endémicas e epidémices comecam 2 realizar-se no sentido de apontar novos rumos. O foco volta-se para a “participagao”, & 8 agdes educativas adquirem a marca da exposigéo dialogada de seus contetidos Entretanto, dizer que uma pratica educativa 6 baseada na participagéo nao significa, €m sua totalidade, defender uma ruptura com o seu caréter intervencionista, Sabemios que ha abordagens participativas que se caracterizam por adotar como principio basico a interagao de saberes nao no sentido de consideré-los dotados de legitimidade, mas como forma de adaptar a linguagem do saber cientifico a uma linguagem acessivel para as comunidades assistidas, favorecendo, assim, a assimilagao passiva dos contetidos, Tegras @ normas prescritas pelos profissionais de satide, tal como nas abordagens de caréter mais vertical A consolidagao do Sistem Unico de Satide ~ SUS no final da década de 1980 ¢ as mudangas ocorridas no contexto da satide publica reafirmam a tendéncia da “partic pagéo", sendo que no campo da educagao em satide essa participagao traz em si uma Contradi¢éo, “tanto pode significar uma maior apropriagdo do poder pela populago como uma forma de controle” (3), Quorn oo = ‘ _Atualmente, a educaco em satide 6, na maioria das vezes, realizada de forma inst cionalizada, ou seja, nos servigos publicos de sade e de educagéo, nos programas Sovernamentsis de controle, prevengdo e promogéo a sauide, organizagbes ndo-gover namentais (ONGs) ¢ instituig6es privadas. A educaco em salide permeia também todos 05 niveis de assisténcia a satde, mas é na Atengao Bésica que vem encontrando pleno ‘espaco para o seu desenvolvimento. A Atencao Basica é entendida como 0 conjunto de Culdados primérios ou essenciais & sade de uma comunidade, baseada em métodos Praticos accitos cientifica e socialmente. Dentro desse espaco, a Organizagéo Mundial de Satde - OMS insere a educacao em sade na Atengéo Bésica como um cuidado essencial, ou seja, fundamental a satice das comunidades (6) Como conseqiiéncia, a educagéo em satide tem chamado a atengao pela sua regu- laridade, implicagées a satide, complexidade e finalidade, nos niveis individual, familia © comunitério. Contudo, a importéncia dada & educagao em satide, aliada aos avancos te6ricos atuais que pontam para processos educativos que considerem o saber popular, a8 representagdes socials, o senso comum eas interagdes entre as dimensoes polltica, econémica, social, cultural e subjetiva do processo sadde-doenga, néo assegura, na Pratica, a ruptura com as concepgées pedagégicas e ideoldgicas que continuam a pres. crever regras para o bem viver pautadas exclusivamente no conhecimento cientifico ou uma relagao determinista e linear entre representagées e praticas. O que se observa, Be pres- fico ou Bbserva, ssrerosustromeomies |23 a partir deste exame histérico oritico das permanecer ainda preso a essas visbes. ticas educativas em sade, é 0 quanto é facil Concluindo, o esquema a seguir apresenta uma sintese histérica da educagdo em satide no Brasil, nos Gitimos anos. Aspectos histéricos e concepgdes de educagaio em saude Educagio Sanita | | Educagio paras Saide | [Eaucagioom Saude | | Poropoctvas A Gintervangéo epres- | | orientagso} (oantcpags . ergo} Ateraggo) rcio da séeuioXX | [Moados doséauioxx ] [Fraldosccuoxe —] [Frnardoseaua ya pani dos anos Rogres enoimas | | nearas para o bom a pareum “vverigt | | estar sco, mentale Interagto de sabe tivo social considere qe. | | Partcipagio econ- | | ras-viséo mult moc parte das pes xtualzagea sociat | | dimensional dos a nao tem in Reforme Sarita e | | suits outonomia ses sobre sadde ou | | Fauio reve de decist0~con ossul ait cognitive tole so Podemos verificar na sintese desse esqueme que, inegavelmente, o discurso da educa: (g80 em satide tem trazido para o debate educacional um novo e importante componente: a “Interagdo de saberes’, pondo em relevancia, na aco educativa, aspectos que ultrapas- 5am a porspectiva cognitivista, tais como a da prética cotidiana, a das representagoes Sociais, a da afetividade e subjetividade (2, 7, 10-13). Porém, o mesmo no pode ser dito das praticas educativas que ocorrem no concreto, onde tais principios explicitados neste ensaio ainda constituem um desafio. Enfim, © campo teérico da educagao em satde vem historicamente apresentando mudancas conceituais € de concepedes que séo significativas, entre essas, destacamos © proceso educacional fundamentado em uma interagao de conhecimentos e experi. Encias sobre salide © doenga. Entretanto, faltam estudos de caréter experimental que demonstrem no concreto néo s6 a aplicabilidade desses novos conceitos e concepeées, mas os efeitos produzidos pelos mesmos, dentro desta “nova” maneira de pensar ¢ agir proposta para a educacao em satide na atualidade, Referéncias 1. LUZ, MT Notas sobre spo 2. VASCONCELOS, EM. Eaucasto popular como instrument dereodentato ds estat infeccioeasopareiiras. Cadomes do Sade Publica, Riad Janae 12s 3997, 1208 8 GASTALDO,O.€ 4 THEA, 5. onla de doengas ucopto em sade sucsvel? Educaezoe Readsde, 21) 147-18, 1967, ma sant: em buses da uma tera, S40 Polo: Cortez. 1988, SS MENDES, EV Acangi priméia 6 Bras. no SUS 1a Unico da Sede, 2002, Mineogratee, Lehomniose Tegumentsr Americans, Sass: Minis de Sado, 2002 7.NALLA.WME OLNEIRA, AM. As con ge © a0 oxpeiéncis de grpos papules noi Jani: epensand B.VALLA. WV Edvesgtow saddle do pont evista popu ns VALLA oat (Ed). vaso sxe Fi Jone DFA, 2000p, 7-32 8.C0CCO..1. M.Aideologa doen 10. SCHALL: STRUCHNER, M.Eduaiio em soide: noves prepecvs. Caemnos do Se neko. 15 (25 45,1988, "ermaio: rice edvatva om sae clea, Campinas: Uiesiade Eatadual ie Pibce, Ro de devas ope Ta? 8 ue nove sbonagem. Ceres Ge Sade Abe, Rie de Jeske, 1 81-490, 1968 Yate Te anna nt PMA todos doo dectagas Cadet de Suite Pe, Re oro Serene MLE Detnetuatbando »doenga: ura propos eda» pai en rep ora © pics 8 Wshmaniose Bla Hozons, 2002. Mimecoretece = Organizadores =) Pret geo Pal Shit Monagen de capa Eduaréo Ferrera Formaiagho le Flo Perse esi enonalayio Mara do Carmo Lete bro rao de tos Am Mari de Moars Peso ge pons Mckel Gare Pia con ele Prodiin ca Waren M Sante (© 20060 aves | 2005, Eder UME Eel our dlr pode ser erupt me sem aor cca do Etc: tua nie ten amg rs a hel, DC es hades gastro Herse ra , Terps Dat si, ga i Rs OCs des Elaborads pela Cental de Controle de Quaidode da Catalogo de Biblioteca Universiti da UPMG Este livro recebeu apoio financeiro da Pré-Reitoria de Graduagso de UFMG Editora UFMG ‘Ai Cros, 6627 -Aa eta Bec ental Tren Camps Panputa CEP 31270901 - Bol orzorsiM Tk (21) 3488-4850 | Fa (31) 34994768 | Emalectora@uing | menedorautngbe PrésReitorla de Graduagio tet Crs, 6627 Retin andar Campus Panpuba CEP 31270901 ~ Belo Hoare Tes (31) 3498-4054 | Fax (31) 3488-4080 | Ema o@pegadutngr

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