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Capituto VIL © ATO ADMINISTRATIVO. VIL1) A definicao de ato administrativo Ato administrativo é uma manifestagdo de vontade funcional apta a gerar efeitos juridicos, produzida no exercicio de fungdo administrativa, VIL.1.1) Ato administrativo é uma manifestagio de vontade ato administrativo é uma “manifestagdo de vontade”, no sentido de que exterioriza a vontade de um sujeito dirigida a algum fim. Isso significa a existéncia de dois aspectos inconfundiveis na vontade. Hi a exteriorizacio. fisica, consistente numa ago ou omissdio. Mas h4 um aspecto interno, vo- litivo, que € a causa da aco ou omissio. (© ato administrativo nao ¢ uma “declaracio”, se a expresso for utili- zada para indicar simplesmente uma alterag2o no universo dos fatos. Nao hé ato administrativo quando se passa um simples evento fisico. Assim, a queda de um edificio nao ¢ um ato administrativo, tal como também nio 0 € uma manifestagao fisica provocada apenas pelo funcionamento do orga- nismo. O progresso tecnol6gico produz algumas dificuldades nesse tema, pois a atividade administrativa passa a ser desenvolvida com auxflio e por inter- médio de aparatos automatizados. Produzem-s® efeitos jurfdicos por meio de equipamentos, sem a intervencao direta de um ser humano. Ha o exem- plo clissico do controle de tréfego de veiculos por meio de seméforos, que sio implantados, mantidos ¢ programados pela Administragao Publica. E necessirio verificar se eventos dessa ordem so qualificdveis ou ndo como atos administrativos. HA duas explicagGes jurfdicas para a situacao, Ou se reputa ausente qualquer manifestagdo volitiva no funcionamentodos referidos equipamentos, ou se entende que a vontade humana opera indiretamente por meio deles. Configurando-se a primeira alternativa, o resultado seria a auséncia de um ato administrativo. Existiria atividade administrativa, para indicar um conjunto de atuagées que correspondem ao desempenho da fungao admi- nistrativa, E a operagao de um seméforo seria um “fato administrativo”, no sentido de existir um evento apto a gerar efeitos juridicos no ambito da funcdo administrativa, Essa concepcio nao é a mais adequada. Prefere-se a segunda opgio, que reconhece a existéncia de um ato administrativo, o que significa admitir uma manifestago de vontade, ainda 316 ADM RIT ZATINC 5. ED. SBOFatlo. Sv que exteriorizada de modo indireto. A manifestasio de vontade pode tradu- Jirse de modo direto ou indireto, por meio de movimentaglo fisica do Corpo humano ou por instrumentos. Assim, quando uma peticio recebe 0 arimbo de um equipamento, no protocolo de uma repartigao publica, exis- te manifestagdo indireta de vontade. O mesmo se poe, alids, quanto aos atos, formalizados por via eletrénica. F possivel avengar um contrato por meio da Internet. Existem preg6es por via eletrénica. Quando um particular ou tum agente staal, no curso de uma comunicagao por meio eletrénico, exer- cita opgdes que exteriorizam sua vontade, verifica-se um ato juridico. Ali, essa consideragao jé tinha sido admitida pelo direito hé muito tempo, desde 2 difusdo dos primeiros equipamentos de comunicagio a distancia [Na quase totalidade dos casos, a utilizagdo de equipamentos ¢ outros instrumentos no significa a ausncia de uma vontade que ordene e coman- de seu funcionamento, Portanto, no deixa de existir uma vontade da Ad- rinistragdo Publica quando ela se vale de instrumentos automatizados para ‘multiplicar e simplificar sua atuagao. ‘Ou seja, existe uma vontade humana que cria os instruments, progra- ma o seu funcionamento e determina 0 modo como eles afetardo os admi- nistrados. Nao seria correto afirmar que a queda de uma ponte ¢ a luz ver- ‘metha de um seméforo seriam fenémenos juridicamente idénticos, simples- mente porque ambos os eventos induzem os motoristas a interromper 0 seu pereurso Eevidetediferena entre as situagBes, que osemaforo € um instrumento cuja operagio é resultado da intencionalidade humana. Em vez de 0 comando ser exteriorizado perante os administrados mediante a atuacio fisica e direta de um ser humano, hé um equipamento que produz certos eventos, os quais sio juridicamente qualificados como sinal da existéncia de um comando juridico. ‘VIL.1.2) funcional essencial considerar que a vontade no ato adi : daquela verificada quanto aos atos jurfdicos de direito privado. O ato juri- ico de direito privado é uma manifestagdo da vontade aut6noma. 14 0 ato ‘administrativo é uma manifestacdo da vontade funcional. ato administrativo aperfeigoa-se por meio de uma vontade objetiva- mente vinculada & satisfagio das necessidades coletivas, e no como pro- cesso psicol6gico de satisfagao de um interesse individual. Talvez se pudesse aludir a uma vontade institucional, indicando 0 vvinculo entre a decisao do individuo e a realizagio dos fins que norteiam a instituiglo em que ele se integra. 317 ‘A funcionalizagao da vontade administrativa significa sua objetivagio, com as trés decorréncias apontadas acima: + controle jurfdico exacerbado sobre a fornagiio da vontade estatal; + insuficiéncia da vontade psicol6gica pare a existéncia e a validade do ato; e + necessidade e suficiéncia da compatibilidade objetiva entre a mani- festagdio externa da vontade € a satisfacdo das necessidades coletivas. ‘VIL1.3) apta a gerar efeitos juridicos O ato administrativo é uma manifestagdo de vontade A qual o direito vincula efeitos. Esses efeitos podem ser diversos e variados. Tanto podem coincidir com a vontade do sujeito como ser desvinculados de seu intento. VII.1.4) produzida no exercfcio da fungio administrativa Por fim, 0 ato administrativo € produzido no exercicio da fungio ad- ministrativa, Isso significa excluir da categoria de ato administrativo aque- le que, embora produzindo efeitos no Ambito de direito administrativo, seja praticado por um particular no exercicio de sua autonomia privada’. Assim, formulagio de proposta numa licitaco nao é um ato administrativo, j4 ‘que 0 licitante ndo desempenha funcao administrativa, VI1.2) A qualidade do sujeito produtor do ato O ato administrativo é produzido no desempenho de fungi adminis- trativa, seja por agente estatal, seja por quem Ihe faga as vezes. Assim se passa porque se admite que particulares desempenhem de modo anémalo fungdes administrativas. Isso se passa com os delegatarios de servigo pi- blico. Essa possibilidade, alids, vem sendo ampliada, fenémeno reiterada- mente destacado nesta obra. Existem entidades privadas (organizagoes so- ciais e organizagdes da sociedade civil de interesse piblico) investidas do desempenho de fungdes administrativas, o que importa inclusive na possi- bilidade de gestio de bens, pessoal e recursos estatais. Talvez nfio se possa identificar, em todos 0s casos, os atos praticados por esses particulares ¢ os atos estatais. Mas é inquestiondvel que o regime juridico dos atos praticados Por esses particulares nio é disciplinado exclusiva e preponderantemente fessa-se que essa exclusto reflete mais a tradigfo do que uma rao lgica, 318 Jo direito privado. Em algumas hip6teses, existiré claramente um ato rrministrativo, Isso se passaré quando se configuraro desempenho de fun- o administrativa. sie A definigdo proposta remeteo intérprete a0 conceito de fungio adm nistrativa. Entio, nfo possivel compreender 0 ato administrativo sem identificar a fungio administrativa. Isso no € um defeito da definigao. ‘Tentar definir ato administrativo dispensando 0 conceito de fungio admi- nistrativa € tarefa impossfvel. Nao existe uma esséncia prépria no ato ad- ministrativo, que o diferencie da funga0 administrativa. O conceito de fungio administrativa é logicamente anterior a0 de ato administrativo, Portanto, o ato é administrativo porque exercitado no desempenho da fun- do administrativa. VIL3) Os fatos e atos no direito administrativo E cabjvel estabelecer uma distingdo entre fato administrative ¢ ato administrativo. Fato administrativo (em sentido amplo) é todo evento previsto em uma norma jurfdica como condigo para a produgio de efeitos jurfdicos atinen- tes A fungdo administrativa, género (ato administrativo em sentido amplo) contempla duas es pécies. A primeira é 0 fato administrativo em sentido restrito, que consiste numa ocorréncia no decorrente da vontade, que produz efeitos no direito ‘administrative. A segunda espécie é o ato administrativo, que compreende diversas subespécies. ‘Mas o ponto crucial para definir o ato administrativo reside na influén- cia da vontade em sua formagao. ‘VIL3.1) A questo genérica da vontade na formagio dos atos juridicos Para o direito, a “vontade” ndo deve ser interpretada numa acep¢30 psicoldgica, 0 que geraria sérias e intermindveis disputas nao jurfdicas. Bastaria uma simples indagagio (0 que é “vontade”?) para produzir dvidas insuperdveis. Para fins jurfdicos, a vontade & um processo psicolégico in- terno ao individuo, que comanda suas decisdes e que diferencia 0 ser hu- mano de outros seres vivos* se CARLOS 7 Pars prfundamentodoexame do ems sb um prim urn confi se CARLO Ccossto, Rodografa dla eortaegldgia del derecho, Bucnos Ate: Deals 1987, 1.182 319 ‘VIL3.2) A vontade das pessoas juridicas E evidente que as pessoas juridicas ndo sto dotadas de vontade em sentido préprio. Até se pode aludir ao “interesse" de uma entidade associa, tiva, mas nfo & vontade. Somente 0 ser hurmano ¢ titular de vontade, Mas as pessoas juridicas formam sua vontade por meio de drgios, tal come antes exposto. Portanto, a vontade da pessoa juridica correspone A vonta, de de seres humanos enquanto érgios dela, VIL3.3) A autonomia da vontade privada e a atuacdo das pessoas Jurfdicas Tal como antes apontado, o direito privado se fundamenta no postula- do da autonomia da vontade privada, o que significa a legitimidade da rea- lizagao egoistica do proprio interesse. De modo geral, a formagao defeituosa ¢ reprovivel da vontade da pessoa juridica é um problema que no produz efeitos externos a entidade. No direito privado, a regra ¢ que a pessoa juridica responde por todos os atos praticados por seus administradores, ressalvada a mé-fé de terceiros, Prevalece a teoria da aparéncia. Reduz-se o risco e se remete aos sécios 0 encargo de arcar com os danos derivados de condutas inadequadas dos gestores da pessoa juridica. Muito diversa € a situagao da Administrego Pablica. VIL3.4) A fungio piblica e a vontade dos que a exercem O regime de direito publico visa, em grande parte, a impedir que a vontade do ser humano, que atua como érgio piblico, seja orientada A sa- tisfagdo de conveniéncias individuais antes do que a produgao de resultados satisfat6rios para a comunidade. Para fins de direito administrativo, a vontade do ser humano (ou de um conjunto de seres humanos) € imputada ao ente administrativo. Portanto, alude-se a “vontade da Administragio Publica” numa acepgio juridica. E.o direito que transforma a vontade humana em vontade da pessoa juridica. Mas essa vontade é prestigiada nao como manifestago de um ser aut6- ‘nomo, titular de dignidade insuprimivel. A vontade do individuo que exerci- ta fungdo piiblica ¢ legitimada pelo direito como instrument necessério a0

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