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Wilson Martins ISO Primeira parte — O livro manuscrito Capitulo 1 - Pré-histéria do livro 17 Alinguagem 19 Alinguagem e as linguas 28 Aescrita 33 Apictografia 36 Aescrita mneménica 39 Aoscrita fonética 40 Aescrita ideogréfica 41 Os cuneiformes 43 Os hierdglifos 46 Oalfabeto 49 Tipos de letras 53 Materiais e instrumentos primitivos empregados na escrita 59 Opapiro 61 Opergaminho 65 Os instrumentos da escrita 68 Capitulo 2 — As bibliotecas na Antiguidade e na dade Mé As grandes bibliotecas da Antiguidade 74 As bibliotecas medievais 82 As bibliotecas bizantinas 86 As bibliotecas universitérias 89 Capitulo 3— Os manuscritos medievais 93 Alldade Média 94 Aspecto material 100 Tipos de ilustragao 102 Acncadernagéo 108 Capitulo 4—0 papel 111 Fabricagaona Antiguidade 111 Introdugéio na Europa 113 Fabricagao moderna 115 Fontes da celulose 117 Transformagao da celulose em pasta de papel 117 Transformagao da pasta em papel 118 Osformatos 119 As grandes fébricas brasileiras 124 oes SA imprensa antes de Gutenberg 127 Diiwoxdogréfico 127 Asimpressiestabelares 130 Gs ceracteres méveis e aimprensa 135 Gs ceracteres méveis antes de Gutenberg 136 Parte - O livro impresso ji tipografia 139 Abistona de Coster 142 ‘AGistOria de Jodo Brito 144 Gutenberg 144 Gs processos de Gutenberg 148 GsGimos anos 150 Gimpressor Gutenberg 151 Gamera a historia da tipografia 156 "7A difusdo da imprensa_157 Gsincundbulos 157 ‘Game reconhecer um incunabulo 159 Asides princeps 164 ‘Gmleare se torna cotidiano 165 Dimpresso imita o manuscrito 167 Assbreviaturas 169 Gmperedoxo 174 ‘A Gtusco da imprensa 176 Aimprensa na ltélia 179 A’mprense na Franca 181 Grnove mundo comega 187 Greencnwilhada decisiva 187 Gre pouco de historia 193 Os grandes tipégrafos 199 Gine Gastia de tipdgrafos: os Aldo 202 ‘Ge sltario: Christophe Plantin 209 ‘# Seastia mais célebre: os Elzevir_ 211 Mes Bes solitarios: Baskerville, Bodonie Ibarra 213 ‘Duss andes dinastias francesas:|— os Estienne 217 ‘Duss srandes dinastias francesas: Il —os Didot 221 ‘As “assnaturas” dos impressores 223 (© LIVRO MANUSCRITO === O segredo que até entio envolvia a leitura ¢ decifragao dos frag- mentos terminou abruptamente em 1991, quando a Huntington Library, de San Marino (California), pés 4 disposigao dos interessados acolecdo completa; no mesmo ano, todos os fragmentos foram publi- cados pela Biblical Archaeological Society, em edigia de Robert Eisenman e James Robinson. Enyoltos em linho e¢ enrolados em fardos de couro, guardados, por sua vez, em vasos de argila, pensa-se que os 40 mil fragmentos até agora descobertos tenham sido escritos entre 200 a.C. e 100 da nossa era. Muitos repetem literalmente os textos biblicos, ao lado de doze fragmentos dos Salmos, outros do Livro de Daniel e numerosos comentarios biblicos. As bibliotecas medievais Pode-se dizer que a Idade Média conheceu trés espécies diferen- tes de bibliotecas, se as considerarmos pelo que chamariamos hoje a “entidade mantenedora”: as bibliotecas monacais (e entre elas inclui- remos, no sé por afinidade como por suas origens historicas, a Vaticana), as bibliotecas das universidades ¢ as bibliotecas particulares (mesmo as que eram constituidas pelos reis e grandes senhores perten- ciam-Ihes a titulo por assim dizer privado ou pessoal; s6 mais tarde € que, por forca de uma evolugao natural, clas se transformaram em bibliotecas “oficiais” ¢ publicas). Os mosteiros e conventos definiram-se, no periodo medieval, como bibliotecas: até arquitetonicamente isso ¢ verdade, sabendo-se, através de Rouveyre, que em muitos deles os armarios eram embutidos nas enormes paredes. As mais variadas formas de estantes de leitura existiam nesses conyentos para permitir um manuseio cémodo dos grossos in-folios medievais, inclusive as portéteis, mas nas quais se acorrentavam os livros. Veremos, ainda, ao tratar dos manuscritos, que certas ordens estipulavam em suas regras, como dever piedoso, o tra- balho escriturario, o trabalho na biblioteca. B verdade que 0 cético Lalanne nos adverte, em suas Curiosidades bibliograficas, que a regra dos convents, como todas as regras, indicava o que se devia fazer, nao 0 que na realidade se fazia; e, na sua opinido, a presericao do trabalho manuscrito era tdo observada quanto os votos de pobreza, de castidade e de obediéncia, que sabemos tantas vezes infringidos. Se, de um ponto de vista material, a opinido de Lalanne é desmentida pelo trabalho efe- tivo de cépia legado pelos monges, nao deixa de ser exato que a reli- gidio combatia como heréticas, destruia sempre que possivel, as pro- meee AS BIBLIOTECAS NA ANTIGUIDADE E NA IDADE MEDIA decdes “pagis” ou discordantes. O incéndio da biblioteca de Alexandria seria um elogtiente exemplo histérico, se outros nao existissem. Assim, por exemplo, alguns concilios tinham proibido aos bispos a leitura dos livros pagiios: o bispo de Viena, Didier, é severamente repreendido por SGo Gregorio pelo fato de ensinar gramdtica. A informagao é prestada por um sacerdote, 0 padre Fleury (Maurs des chrétiens) e esti, por eonseguinte, acima de qualquer suspeita. Lembremos que nesses tem- pos a expressfio “ensinar” ou “aprender” gramatica era sinénima de ensinar ou aprender latim?. A tradigao atribui, de resto, a Si Gregorio 2 incineracao de numerosas obras da Antiguidade, inclusive as de Tito Livio: 0 mesmo Lalanne ajunta que se esse papa no queimou 0s auto- ses antigos era, pelo menos, bem capaz de fazé-lo, dado o seu despre- 20 pela literatura profana. Apesar disso, 0 pensamento predominante na Idade Média era favordyel a existéncia ea manutengao das bibliotecas monasticas, tanto mais que a propria impiedade conhecida de muitos clérigos “literatos” contribuia para salvar, através de cépias sucessivas, muitas obras anti- 25 que outros, mais zelosos, preferiam lancar a fogueira. E um monge euja piedade parece modelar, Thomas A Kempis, escrevia: A biblioteca é 0 verdadeiro tesouro de um mosteiro; sem biblioteca, ele seria como uma cozinha sem cagarolas, uma mesa sem alimentos, um poco sem Agua, um rio sem peixes, uma capa sem roupas, um jardim sem flo- res, uma bolsa sem dinheiro, uma vinha sem uvas, uma torre sem guardas, uma casa sem mobilia. E, da mesma forma por que se conserva cuidado- samente uma jéia num escrinio bem fechado, ao abrigo da pocira e da fer- rugem, a biblioteca, suprema riqueza do convento, deve ser atentamente defendida contra a umidade, os ratos ¢ os bichos. Com maior ou menor interesse profano, com maior ou menor penetragiio leiga, sfio os mosteiros que salvam, para o mundo moder- no, a riqueza literdria da Antiguidade. Um provérbio entdo corrente afirmava que “mosteiro sem livros, praga de guerra sem armas”: Claustrum sine armario, quasi castrum sine armamentario. Que eram, desde 0s primeiros séculos da nossa era, essas bibliotecas monésticas que durante to longo tempo vio permitir, ao menos a uma élite, 0 con- facto com as fontes da ciéncia antiga e da f& crist? pergunta Charles Samaran, Sua resposta resume 0 que hoje se conhece a esse propésito: Colecdes essencialmente particulares, mas que desempenhavam, por forga das coisas, o mesmo papel que tinham representado e que representardio de {CE 0 meu A entca eriria no Brasil, v1 © LIVRO MANUSCRITO. novo, a partir da Renascenga, certas bibliotecas, isto é, 0 de instituigdes iblicas. Tanto quanto podemos saber, elas eram 20 mesmo tempo centros de confeceao de livros e depésitos de obras antigas e modernas, e, ainda, Postos de venda, de trocas e de empréstimo. Mas, estavam reservadas quase unicamente as necessidades do culto e a curiosidade dos clérigos letrados. O aspecto novo do livro (codex ¢ niio mais volumen) obrigava & adogdo de méveis adaptados as novas circunstancias: armérios e estantes, nos quais os livros deitados, as vezes acorrentados, eram confiados a um especialista, conservador da livrariae, simultaneamente, chefe do seripto- ‘rium. Desses livros confeccionados ali mesmo, adquiridos, doados, lega- dos ou trocados, classificados, existem catélogos, e até, algumas vezes, Catélogos coletivos: nao se viram, no fim do século XIV, os franciscanos ingleses estabelecer 0 catilogo geral de todos os livros possuidos pelos conventos da Ordem na Inglaterra? O livro, na Idade Média, se identifica de tal forma com os mos- que Louis-Marie Michon pode afirmar que 2 hist6ria das origens do livro no Ocidente se confunde quase com a da fundagao das grandes ordens monésticas no VI século. As abadias de entao, Luxeuil ou Bobbio, fundadas por Sao Columbano, monge irlandés viajante, sobretudo a de Monte Cassino, onde Sio Benedito se instalara a Partir de 529 e que logo possuiu numerosas filiais, foram, no seio da bar- barie ambiente, os tinicos refiigios da civilizago. Duas horas de trabalho intelectual eram previstas pela regra beneditina ao lado das horas de ora- 40 e de trabalhos manuais. A cépia dos manuseritos antigos, a difuusdo dos textos sagrados ou das obras dos Padres da Igreja estavam antes de mais nada nessas preocupaydes intelectuais. Pode-se lamentar que os monges merovingianos tenham raspado os textos antigos para recuperar 0 papiro Ou © pergaminho, neles copiando, em seguida, obras religiosas menos importantes; 0 nlimero desses palimpsestos 6, de resto, pouco consideri- vel ¢ encontram-se algumas vezes obras antigas escritas sobre os textos sagrados, mas © que nao se pode deixar de dizer & que nada conheceria- ‘mos, ou quase nada, da literatura antiga sem as cépias tiradas pelos mon- ges da Idade Média de originais hoje perdidos. A industria do livro com todas as artes correspondentes, preparacdo do pergaminho, escrita, pintu- ta, encadernagdo, continua monéstica na Franga até o XIII século. Todas as grandes abadias possuiam um scriptorium, oficina de copistas em que 9 trabalho era distribuido aos religiosos por um monge que fizia as fun- Bes de contramestre’. Entre as mais célebres bibliotecas conventuais da Idade Média, citam-se as do Monte Atos, na Turquia, bem como as que nasceram no Ocidente por influéncia de Cassiodoro (embora mesmo antes de cf. Frantz Cals, Loui-Maie Michon Paul Angoulent, at due en France, p68 nse: AS BIBLIOTECA NA ANTIGUIDADE ENA IDADE MEDIA. Cassiodoro ja existissem organismos dessa natureza, 0 seu exemplo os multiplicouy: assim as italianas, mencionadas acima por Louis-Marie Michon: a de Saint-Gall, na Suiga; as de Corbie, de Cluny e de Fleury- sur-Loire, na Franga; a de Fulda, na Prassia. A propria Biblioteca ‘Vaticana, que, como Vaticana, data do século XV, nao é outra sendo a que o papa Hilario (morto em 467) estabeleceu na basilica de Sao Joao de Latrio, transferida, dez séculos depois, para a sede pontificia ‘Mas, de todas as Ordens, a que mais se identificou com o livro, na Idade Média, foi a dos Beneditinos, a tal ponto que 0 seu nome se fransformou num adjetivo para qualificar o trabalho intelectual de grande valor, minucioso, paciente ¢ correto. A explicagdo para 0 fato de que esses monges se tenham entregue ao trabalho de reproduzir a literatura profana ao lado da eclesidstica — literatura profana que nesse tempo era sindnimo perfeito de literatura pagi — contra tudo 0 que normalmente se poderia esperar, ndo reside, provavelmente, nas fendéncias literirias de um ou outro monge menos ortodoxo ou mais esclarecido: o trabatho do livro era um trabalho de equipe, tarefa ofi- cial da Ordem, em horas especialmente reservadas, e pouco admitiria essas fugas espirituais aventurosas que tantos autores se comprazem: em imaginar. Mais aceitével me parece a hipétese de Svend Dahl, para quem “ndo eta por se interessarem pela literatura classica em si mesma que os monges se dedicavam a esse trabalho; seria antes porque 0 conhecimento da lingua latina Ihes era necessario. Para poder ler a lite- ratura eclesidstica, e para obter melhor pratica do latim, entregavam-se a0 estudo da literatura antiga que no Ihes era senao um meio de atin- gir um fim especial”. Mas, 0 proprio Dabl reconhece que so os resultados que nos importam: ora, “se a influéncia da literatura clissi- ca conservou-se até aos nossos dias, é a Igreja Catélica que essencial- mente cabe 0 mérito”. £ curioso lembrar que os monges irlandeses desempenharam na Idade Média, através das suas missGes, um papel da mais alta impor- tncia no que se refere a difusdo da cultura. Trés, entre outras, das mais importantes bibliotecas acima citadas, a de Luxeuil, a de Bobbio ¢ a de Saint-Gall, sao obra desses monges, assim como a de Fulda se deve a OGassiodoro, escreveSvend Dahl, é uma figura caraceristica dessa época de transformagSes:‘membro de wm _gande familia romana, viva ns fins o sieulo Ve comesos do séulo Vi,tendo estado 20 erica doe ony- ses Tendoio, Em sa vel, eto ida sic, fadou no sul da ila convene do Vivi 5 sama especie de academia cris, No egulamento com que & oto, obrigava os monges a evita Des tiie pa eter stem dos textos quanto pr iigentesabalkos de cpa; nisso compreendia no somente t tierturasagrada, mas também as obras 8 autres profunos, rez ¢ latinos” (op cit p33) Wop. cit, p34 85 ORIVRO MANUS CRITO semanas ‘ 4 no século XVIL, uma Parte da biblioteca de Corbie, dispersada Por ocasizio das guerras de eligido. Esse fundo eneontra-se hoje na Biblioteca Nacional de Paris, Ainda em Paris, a conhecida Biblioteca Santa Genoyeva descende da dral de Chartres, que ainda existe. e a das catedrais de Lyon, Reims, Cambrai, Rouen, Clermont, ete. As bibliotecas bizantinas Entretanto, é Provavel que todas ©8sas Tiquezas contidas nas bibliotecas monésticas do Ocidente tel = <== AS BIBLIOTECAS NA ANTIGUIDADE E NA IDADE MEDIA. jamais teriam provocado ou permitido a Renascenga, que, de qualquer forma, nao apareceria com o seu cardter macigo de “moyimento”). Eis porque a existéncia dos mosteiros e das bibliotecas bizantinas me pare- ce, dinamicamente, de uma importancia maior que as ocidentais. Isso tanto mais exato quanto se sabe que, enquanto as bibliotecas ociden- tais perpetuavam exclusivamente a literatura latina e a respectiva cul- tura, as bizantinas eram com predominancia nicleos de civilizagao helénica. Ora, sem o helenismo nao haveria igualmente Renascenga, € as bibliotecas bizantinas concorreram, assim, com a parcela mais importante nessa revolugo de idéias. A Renascenga, antes de ser uma ressurreigdo da cultura latina, ¢ 0 conhecimento da cultura grega, pra- ticamente desconhecida no Ocidente até entio. A verdadeira revelagéo renascentista é a da cultura grega, visto que 0 contacto com a latina nao se havia praticamente interrompido. A tradigao literaria ocidental ¢ & continua sendo, nos paises sugestivamente chamados de “neolatinos”, a tradi¢’o romana, apenas colorida pela contribuigio grega, cuja “penetragio essencial” muito menor que a outra. Mas, a sua desco- berta bastou para que ocorresse 0 milagre da Renascenga. Os mais célebres desses conventos bizantinos foram o Studion, com a sua oficina de copistas ¢ a sua biblioteca, ¢ 0 claustro de Santa Catarina, junto ao Monte Sinai. Neste ultimo, o filélogo alemao Tischendorf salvou, em 1844, 43 folhas dum Antigo testamento grego que og monges queriam queimar, e que foram posteriormente recolhi- dos & biblioteca da Universidade de Leipzig; mais tarde, encontrando © resto do manuscrito e 0 Novo festamento completo, Tischendorf constituiu 0 célebre Codex Sinaiticus, que é 0 mais antigo dos manus- ctitos gregos do século IV contendo todo o texto do Novo testamento. E ainda em Constantinopla que se encontram algumas das maio- res bibliotecas que, por convengao, chamamos acima de “particulares”, isto é, mantidas por imperadores ¢ grandes senhores e posteriormente transformadas em bibliotecas oficiais. Assim a que Constantino ai esta- beleceu em 330 e que continha, depois do aumento realizado por Teodésio, cerca de cem mil volumes: la é que se depés, segundo infor- ma Paul Dupont, a copia auténtica dos atos do Concilio de Nicéia. Mais tarde, a maior parte dessa biblioteca foi queimada por Ledo Isauriano, chefe dos Iconoclastas, desaparecendo no incéndio, entre outras precio- sidades, as obras de Homero escritas, de acordo com a tradigao, em letras de ouro. Os imperadores do Oriente empregavam igualmente copistas, encarregados de multiplicar os manuscritos dessa e de outras bibliotecas bizantinas. Pelo Cédigo Teodosiano, sabe-se que a essa Epoca havia sete copistas, ditigidos por um bibliotecario principal; em OLIVRO MANUSCRITO ss 730, esse niimero se elevava a doze. Entre as colegSes particulares pro- Priamente ditas, Dahl menciona a do sabio Fécio, que vivia no IX sécu- lo, autor de uma importante bibliografia da literatura classica da Ant Suidade, chamada Myriobiblon: sua biblioteca compunha-se de 280 obras. A de Fécio correspondiam, no Ocidente, as dos eruditos mencio- nados por Sidénio Apolinério, ele préprio bastante lido em autores cis sicos: a de Loup, professor em Agen e no Perigordio:; a de Filagro, outro Professor; a do bispo de Limoges, Rurice, para quem Sidénio fazia Copiar manuscritos da sua propria biblioteca. Havia também a colecao de livros que 0 prefeito Tonance Fertéol possu‘a em seu palicio de Prusiane, nas margens do Gardon, entre Nimes e Clermont-de-Lodéve: “essa colecao, relativamente importante, e que Siddnio, por uma poéti- ca ¢ hiperbélica evocagio, chega a comparar com a biblioteca de Alexandria, dividia-se em trés classes: a primeira, reservada 4s mulhe- res, a segunda aos literatos de profissdo e a terceira, composta de obras dum interesse mais geral, aos leitores comuns” Carlos V, da Franga, chegou a teunir mil ¢ duzentos volumes, niimero consideravel no seu tempo: é dos seus manuscritos (muitos deles incendiados, igualmente, em maio de 1871, durante a Comuna) gue se formam os come¢os da Biblioteca Nacional de Paris. Com o refinamento dos costumes — e 0 exemplo dos reis sendo 0 que mais facilmente encontra imitadores — os grandes senhores passaram a constituir suas préprias biblioteca © gosto das letras ¢ das artes penetra verdadeiramente nas altas classes da Sociedade pelos meados do século XIV, escreve L.-M. Michon, e, no topo a hierarquia, o rei Jodo, na medida em que sua situago precéria o permi. ‘ta, aparecia como um amador eselarecido, Tudo leva a orer que a part desse momento uma grande oficina real se constitui, destinada a atender is encomendas oficiais. Infelizmente, pouco sabemos de positivo a esse res. Peito. O que é certo € que trés miniaturistas trabalharam para o rei: Jean de Montmartre, Jean Le Noir e Jean Susanne....12, O curioso é que os livros desses grandes senhores — constituin- do, em geral, colesées pouco numerosas — eram por eles carregados ém suas viagens ¢ expedi¢des militares, como parte normal da baga- gem, da mesma forma que as suas roupas e a sua prataria: Rouveyre cita um documento dos Arquivos franceses, segundo qual o biblicte. cério de Francisco 1, Cléudio Chappuis, embalou diversas caixas de livros que acompanhavam 0 rei nas suas viagens. "ein, op. cit, v1, 9.78, 1220p. ct, 27.8. As bibliotecas universitarias Mas, o grande acontecimento medieval e que, de uma certa Seema, decide dos destinos de toda a civilizagao, e, por conseqiiéncia, Gs destinos do livro, ¢ a fundacdo das universidades. Ao redor ou para Sstisfazer as necessidades da Universidade de Paris — e apontando, ‘S5% logo, para a laicizagao que marcard, a partir dessa época, a evo- Seo da cultura ocidental — multiplicam-se os “trabalhadores do ero". especializados em alguma das suas partes: assiste-se ao aparecimento, no bairro das escolas, dos escribas e miniatu- ristas laicos, logo unidos em poderosa associagao. Velhas ruas, nos arre- dores de Saint-Séverin, conservaram a lembranga desse comércio: a “ue de la Parcheminerie”, quartel-general dos vendedores de peles, a “rue Erembourg de Brie” (hoje “Boutebrie”), onde se estabeleceram os minia~ turistas. A entrada no jogo da clientela laica e dos artestos laicos modifi- cou profundamente, durante o século XIII, 0s aspectos tradicionais da arte do livro...!3, As bibliotecas também se laicizam, destacando-se desde logo a Universidade de Oxford, chamada “Bodleiana”, Seu fundador, Richard de Bury, bispo de Durham e grande chanceler da Inglaterra, == 1334, doou-lhe todos 05 livros que possufa. Em 1440, Humphrey, ‘Geque de Gloucester, legou-Ihe 600 volumes; em 1597, aumentada ¢ =sriquecida por Thomas Bodley, tomou-lhe o nome. No continente, as primeiras universidades so, por assim dizer, == prolongamento das ordens eclesidsticas: franciscanos e dominica. Ges encontram-se na origem de muitas delas. A prépria Universidade & Paris tirou o seu nome de um religioso, Robert de Sorbon, que Sealmente iniciou a sua biblioteca com a doagdo dos primeiros livros. Ne velha Sorbonne medieval, a biblioteca se instalara numa das alas do ‘SGificio, “junto a um jardim que a isola do ruido a envolve de reco- Himento”: era um grande quadrilétero de quarenta passos de compri- sento por doze de largura. No interior, a0 longo das paredes, as prateleiras com os livros, que se consultavam em estantes alinhadas no meio da sala, Estas tltimas, em nimero de vinte oito, companhavam-se de cadeiras, assinaladas com as letras do alfabeto. 5 livros, na maior parte, tém uma corrente fixada na encademagio, sufi- cientemente longa, entretanto, para permitir 0 seu transporte. A grande sala de consulta, sucede uma outra mais modesta, que serve de depésito, A meia-altura, tal como uma capela, abrem-se trinta e seis janelas, através Bop ci. 24 ~—

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