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Um senhor muito velho com asas enormes

No terceiro dia de chuva tinham matado tantos caranguejos


dentro de casa, que o Pelayo teve atravessar o seu ptio inundado
para atira-los ao mar, pois o beb recm-nascido tinha passado a
noite com febre e pensava-se que era por causa do mau cheiro. Todo
o mundo estava triste desde tera-feira. O cu e o mar eram a
mesma coisa de cinza, e as areias da praia, que em maro
fervelhavam como p de lume. Tinham-se convertido num caldo de
lodo e marisco podres. A luz era to mansa ao meio-dia, quando
Pelayo voltava para casa depois de ter atirado os caranguejos,
custou-lhe trabalho de ver o que se estava a mexer e se queixava no
fundo do ptio. Aproximou-se mais perto para descobrir que era um
homem mais velho, que estava deitado no cho de cabea para baixo
no pantanal, e apesar dos seus grandes esforos no se conseguia
pr-se em p, porque as suas asas enormes impediam-lho.
Assustado com aquele pesadelo, Pelayo correu procura de
Elisenda, a sua mulher, que estava a pr compressas criana
doente, e levou-a at ao fundo do ptio. Ambos observaram o corpo
no cho com uma admirao silenciosa. Levava a roupa como se
fosse um farrapo. Ficavam-lhe uns restos sem cor no crnio, careca e
poucos dentes na boca, e a sua condio lastimvel do bisav
empapado tiraram-lhe de toda a grandeza. As suas asas de galinha
grande, sujas e quase desplumadas, estavam presas para sempre no
pantanal. Tanto o observavam e com tanta ateno, que Pelayo e
Elisenda se recompuseram muito rapidamente o espanto e acabaram
por encontra-lo familiar. Ento atreveram-se a falar-lhe, e ele
respondeu-lhes com um dialeto incompreensvel, mas com uma boa
voz de navegante. E foi assim como ignoraram o inconveniente das
asas, e concluram com bom censo que era o naufrago solitrio de
alguma embarcao estrangeira atingida pelo temporal. No entanto,
chamaram uma vizinha que sabia todas as coisas da vida e da morte,
e a ela bastou-lhe com um olhar para tira-los do erro.
- um anjo disse-lhes De certeza que vinha pela criana,
mas o coitado est to velho que a chuva o tinha derrubado.

Gabriel Garca Mrquez


(Aracataca, Colombia 1928 Mxico DF, 2014)

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