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Jacques Le Goff O NASCIMENTO DO PURGATORIO 236.5 L516na 2.cd. Autor: Le Goff, Jacques, Titulo: O nascimento do purgatério, IML 205.763 PUC-Rio PUCB Cie 3 também a ajuda de Deus que Esticio invoca para ag gatério na quinta comnija: (Que ele possa em breve mandéslas para 0 alto : (XXI, 72). Almas do py, Mas, esti claro, os que sofrem no Purgatério solicitam sings a intereessio da Virgem e dos santos, como os invejosos da sping _ nija: lela eral Oupo gritar «Maria, orai por nds! epritr: «Miguele ¢ «Pedro ¢ «Todos ox Santosy (XIII, 50-51), © tempo do Purgatério A viagem de Dante e Virgilio ao Purgatorio dura quatro dias de em po pascal, o da ressurreigo, da vitéria sobre a morte, da promess & salvagio: um dia, o da Piscoa, no antepurgatorio, dois dias, segundat terga-feira de Pascoa no monte do Purgatério, o quarto, quarta-feire, no Paraiso terrestre. Durante toda a viagem, Dante anota cuidadosametteo movimento do sol ¢ dos astros que os iluminam na sua ascensdo circuare simbolizam a graga de Deus que os acompanha e leva para o céu as amis do Purgatério. Mas € todo 0 canto do Purgatério que esta semeado.de anolaie temporais. No Inferno as tinicas indicagdes sobre tempo eram as que marcavam a viagem de Virgilio e Dante. No Paraiso o tempo sera abolf iim mo Para a breve passagem de Dante, O Purgatorio é, pelo coats uum reino no tempo'®. Dante integra a situagdo do tempo do Pu po conlunto do tempo da histéria, o tempo maximo de permanéacs junto al Age Purgatorio & o que se estende da morte ao Julgamento Final. Aq Poeta dirige-se ao leitor: Vais ouvir como Deus quer que a divida sejc v e/a paga: do te detenhas na forma do martirio: Pensa no que se seguird, pensa que na pior das hipéteses ele no pode persistir ‘par a ie ra Id da grande setenga , 107-111). do d “So idade sinfoni & feito da ligagio do tempo da S ralidade sinfénica o tempo & fei igagae do > is Bane como tempo vivido das almas do Purgatorio entre as ee Passa, € feito sobretudo dos diferentes tempos Misturados dessag pa Postas a prova entre a terr: @ © O céu, entre a vida terrena e a eter- nidade. Tempo acelerado e tempo Tetardado, tempo em vaivém entre a memoria dos vivos ¢ a inquietaco dog mortos, tempo ainda ligado a linda ». historia ej absorvido pela escatologia, Bunda ws No Purgatorio até a duragio & Tegulada pelo Progresso das almas, Sor, Esta articulagio do tempo dos homens € Marcada na eternidade divina por prodigios, que sublinham os tinicos acontecimentos que Podem pro- duzir-se no Purgatorio, Quando Virgilio ¢ Dante estao na quinta cornija, a dos avaros, eis que 4 montanha treme: E nds esforgavamo-nos por avangar pela estrada tanto quanto era Permitido ao nosso Poder ‘uando senti, como qualquer cose que desaba, tremer a montanha, e veio-me um frio glacial Semelhante ao Srio que ataca aquele que caminha para q morte lias de tem. OX, 127-129), romessa de -, , Segunda E todavia, coisa sstranha, cis que se elevam Anticos de alegria: ta-feira, no Depois, de todos os lados elevou-se um grito Osamente 0 {al que o mestre (Virgilio) virou-se para mim, io circulare dizendo: «Nao tenhas medo enquanto eu te guiary éu as almas “Gloria in excelsis Deoy cantavam todos... ° cond xx, 133-137, sera abolido No canto seguinte Esticio vai explicar aos dois Peregri 52 rat ‘3 TI Satna, | do‘daquele tremor de terse BHNOS 0 significa. Purgatorio aap no (estas alturas) tremem quando uma alma s nal. Aqui o do perfeitamente que para subir ao céu e es acompanha-a movimen re Sente purifc, $e ergue e se pie em he 8 grito (que owvises) CCX, 58-60), Esta perturbagio dos acontecimentos no Purgatorio é is 0 A POs 0 voo das almas tornadas dignas de subir ao céu e capazes de Para l4 voarem, 35, tremor e este clamor é a agitagaio produzida pela p: - Este assagem de uma alma do tempo para a eternidade. 419 E a O purgatério dantesco & também, & ainda sem davig, sofrimento © da provaydo. As almas do Purgatétig esta’ ° "mpg g verdadeira alegria, a da visio beatifica, pois, como diz trig Pt¥aday te pa Adriano V, Tistemente me ° Assim como 0 nosso olhar néo se dirige para o alto, fixo que esté nas coisas terrenas, assim aqui a justiga fé-lo mergulhar na terra (XIX, 118-120). A caminho da luz Mas 0 Purgatorio é todo aspirado Para 0 alto. Beatriz nao vird subs. tituir Virgilio para guiar Dante até ao Paraiso senio no Pare seno no canto trigésimo primeiro, mas logo no antepurgatorio Virgilis anuncia-a a Dante: Sei que me compreenderés; falo de Beatriz que tu verds Id em cima, no alto deste monte, risonha e feliz (VI, 46-48). Os escolasticos interrogavam-se sobre se sdio os deménios ou os anjos que se ocupam das almas do Purgatério. Dante responde sem hesitagio que so 0s anjos bons, os anjos do céu, os anjos de Deus. Ha o da entrada que marca sobre a fronte os sete Pés dos pecados capitais, ¢ também, em cada cornija, o que la introduz as almas e os peregrinos, ¢ que @ apara o P correspondente ao circulo ultrapassado. 5 “ Sobretudo e apesar dos episédios de escuridao, de fumo, de noitts” mas sao noites sob as estrelas —, a montanha do Purgatorio é a vamente envolvida pela claridade. A ascensdo ¢ uma camin a at luz. Entre as trevas do Inferno ea luz do Paraiso, o Purgatorio ¢ que mergulha num claro-escuro que nao cessa de se ee restit® Logo de inicio, na praia da ilha a beira-mar, o sol ergue-s¢ suas cores 4 paisagem como ao rosto de Dante. Estendi para ele as faces ainda molhadas de ldgrimas e nelas ele fez reaparecer @ sua cor que o Inferno escurecera (, 127-129). 420 ‘ iain Ri q claridade vem também dos anjos que levam para o Purgatéri tal derramada nas suas faces: bewal ah Eu distinguia bem as suas cabepas louras mas os meus olhos perdiam-se no reverbero dos seus Tostos (VIII, 34-35), No momento de entrar na segunda cornija, Virgilio olha 0 sol: «© doce luz, entro confiando em ti pelo novo caminho.., 9S teus raios serdo sempre os nossos guias,» (XII, 16-21). Ag ; © subir da segunda Para a terceira cornija, Dai te fi me Ja, Dante fica mesmo des- senti pesar sobre a minha fronte um resplendor de luz bem maior do que antes © Fiquei espantado com estas coisas desconhecidas XY, 10-12), E Virgilio explica-lhe: Nao te admires se te deslumbrarem os servidores do céu... @ um mensageiro que vem convidar 0 homem a elevar-se mais alto (XY, 28-30). As trevas fugiam por todos os lados © Paraiso terrestre ja esta finalmente banhado de luz celestial ; (XXVIL, 112). , i! i dois rios dos ultima purificagdo. De uma nascente correm a are ‘dened homem a recordagao do seu pecado, ¢ | outro, @ Bunué (que uma invengio de Dante) restitshe a lembranga de todo bent Gas praticou (XXVIII, 127-132). Ultima pire. jets ee | iitooees de peniténcia e de purgagdo em que a memori 421 1 téo importante. E a metamorfose definitiva da meméria, tamby se lavada da pectdo: (O mal estd esquecido, 86 subsiste a meméria aca hé de imortal no homem, o bem. A memoria, também ela, atingiu o linia escatolégico. i ; Fis pois Dante em contacto com a verdadeira claridade: O esplendor de viva luz eterna (0 isplendor di viva luce etterna) (KXXI, 139). O poeta, que terminou a viagem ao Purgatorio, bebe a 4gua do Eunué e, qual alma purgada, chega ao tltimo verso do Purgatério puro e pronto a subir até ds estrelas (puro e disposto a salire alle stelle). NOTAS 1 Utilize’ a edigdo bilingue publicada quando do sétimo centenario do nascimento do poeta, em 1965, pelos Libraires assocés, Pars, 1965, com o texto italiano a partir #0 Fiumna edigdo da Societa Dantesca Italiana, a tradupio d= b Espinasse-Mongenet festa por Louise Cohen ¢ Claude Ambroise ¢ ume publicagao de Paul Renucci. fev ovne foram ates a tradugdo e os comentarios originals, Hott densos de Tas pesard na Biblioteca da Peiadesaidos também em 1965. Ort ‘quadro oportuno fanart ura do Purgatorio enconta-se na Edizine del Centenar de Tutte le Opere di da eaivig cuidado de Fredi Chiapelli, Milio U. Marsa, 1965. © breve artigo «Pur- vetorio» do Dante Dictionary ¢ iil pla caracterizagdo do Purgatorio dantesco tanto Farrroto de vista topografico como ieologico, Encontram-s cages interessantes deo Pont focalzagio ea desrigio do Purgatorio no antigo estudio de ‘Edoardo COLI, if rac terest dantesco,Plorenga, 1877 Eas 08 comentarios, o de G. A. Seartaz~ Pre erage revisto por Giuseppe Vandel na edigao cites ‘da Societi Dantesca Fi er ed, Milo, 1960. André Pézard dstingus oe © TROCCOLI, i! Purga- Tali jesco, Ube’ também o de Chanics 5 SINGLETON, Dante Alighieri, The tori a redy, Purgtorio, 2 Commentary, Pines 1973, e as notas da edigao de Divine Corsoeno, Foren, 1956, De wm Font de vista importante na minha éptica, natatpologia, pode sempre I oestude clissico do padre MANDONNET, Dan te theolgien, Pars, 1935 4° ‘x combina com Dante et la philosophie de Etienne GIL- SON, Paris, 1939- Bi 7 ‘ . 3. oes de Dane nas visio descrigds do ale, cari am de H. Sobre 06 Pe ouher World Accords Te Desens “\edieval Literature, 1950; a fk Dante, Florenca. 1874; 5; Foreruners o RE ANCONA, J PreCiT or adtimmels et, EM DOS ee ‘Dante, Edimbure?s Y PE LLX, 1922, p- 239.6 885 ‘A. RUEGG, Die Jenseitvorstellungen ee Colonia, 1945: © ‘obretudo Giosue MUSCA, «Dante ¢ Beda» vor Dante, Bins sre di OUOTINO "Bertolini, 11, 1972, pp. 497-524, Devo a amizade de jn Studi Storie he ‘odido consult cs ‘excelentes condigées os comentarios mais i eS al aot 2 sr come, Catgos 8 Diving COM gration 0 x, 08 Sees & ae me Ne ies aig Commedia Mere og (9s 40 se” aoe rentarios mS di Catone che non a.sé, maa la patria faoloesco*- senectude ONY XV, 3) ae Hodge, epee Ore ede? (Conve. Ne «( ser oF go mato e aa tutto lo mom 423 21, 108; 11, 60, 122; II, 46; TV, 38, 39; VI, 48; VIL, 4, 65; VIN, 57, x, 1, e 73; XIV, 1; XV, 8; XIX, 117; XX, 114, 128; XX1, 35, 71; XXIL, 123; XXV, 108. pe, 14; XXVIIL, 101; XXX, 74 € ainda no Paraiso XV, 93; XVII, 113, 1377 1° XXvy, “Cf. Dante Dictionary, p. 534. . 5 Bd elli a me: «L'amor del bene scemo del suo dever quiritta si ristora, qui si ribatte il mal tardato remo.» Belos versos, dificeis de traduzir... ® Cf. L. K. LITTLE, «Pride goes before Avarice. Social ‘Change and the Vices; Latin Christendom» in American Historical Review, LXXVI, 1971 Wes in 7B a edigdo com a tradugdo de L. Espinasse-Mon; A citagéo encontra-se na pagina 604. ® Della mondizia sol voler fa prova che, tutto libero a mutar convento, Valma sorprende, e di voler le giova. ° of ombre vane, fuor che nell’aspetto! Tre volte dietro a lei le mani avvinsi, tante mi tornai con esse al petto (II, 79-81). © Ver um sugestivo estudo de Lui; genet indicada na nota I, p, 449 igi BLASUCCI, «La dimensione del tempo nel Purgatorio» in V Approdo Letterario, 1967, pp. 40-57. Sobre a tradugdo em termos Psicolégicos destes dados teolégicos, inteligentes observagées de A. MOMIGLIANO no seu comentirio ao Purgatorio, Florenga, 1946, designadamente sobre a «nostalgia insieme terrena e celeste, che unisce in una medesima malinconia le anime che aspirano alla patria celeste e il pellegrino che ha in cuore la lontana patria terrenay. "Ver M. MARTI, «Simbolo gic luministiche nel Purgatorio» in Realismo dantesco e altri studi, Miléo-Napoles, 1961. 424

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