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saber como se desligar dos parentes sem brusqui dio, O Até 0 ano que vem! repetiu José a indireta feliz, aeenando a mio com vigor efusivo, os cabe- os talos e brancos esvoagavam. Ble estava era ‘gordo, pensaram, precisava tomar cuidado com 0 Coragio, Até oano que vem! gritou José elogiiente fe grande, ¢ sua altura parecia desmorondvel. Mas fas pessous jé afastadas no sabiam se deviam rir alto para ele ouvir ou se bastaria sorrir mesmo no fescuro. Além de alguns pensarem que felizmente hhavia mais do que uma brincadeira na indircta € «que s6 no proximo ano seriam obrigados a se en Sontrar diante do bolo aceso; enquanto que outros, Jé mais no escuro da rua, pensavam se a velha re- fistiria mais um ano ao nervoso e & impaciéncia de Zilda, mas eles sinceramente nada podiam fazer a espeito: “Pelo menos noventa anos”, pensou me- Tanedlica a nora de Ipanema. “Para completar ‘uma data bonita”, pensou sonhadora. Enquanto isso, 14 em cima, sobre escadas e con- tingtncias, estava a aniversariante sentada & cabe- ‘ceira da mesa, erecta, definitiva, maior do que ela mesma, Sera que hoje néo vai ter jantar, meditava cla, A morte era 0 seu mistéto. 6 ‘A MENOR MULHER DO MUNDO ‘Nas profundezas da Africa Equatorial Se ete Ae ee See Mare ets oe oa eee ae aa Seu 0 ser informado de que menor powo ‘sinda aan tas © distér Entio mais no ee ee font ar eee Sie pons len eral: Caen eee eae aie re Nee ie ae ‘entre as folhas ricas do verde mi regu er Bt Sua a Esper oot Seen wean Re ts nt ds oo n Ali em pé estava, portanto, a menor mulher do mundo, Por um instante, no zumbido do calor, foi como se 0 francés tivesse inesperadamente chega- do & conclusdo tiltima, Na certa, apenas por no ser louco, é que sua alma nfo desvairou nem per- dew os limites. Sentindo nevessidade imediata de fordem, ¢ de dar nome ao que existe, apelidou-a de Pequena Flor. E, para conseguir classificé-la entre 5 tealidades reconheciveis, logo passou a colher dados a seu respeito. Sua raga de gente est aos poucos sendo exter- ‘minada, Poucos exemplares humanos restam dessa ‘espécie que, nio fosse 0 sonso petigo da Afric: setia povo dlastrado. Fora doenga, infectado hil to de dguas, comida deficiente ¢ feras rondantes, 0 ‘grande risco para os escassos likoualas esté nos selyagens bantos, ameaca que os rodeia em ar silen- cioso como em madrugada de batalha. Os bantos (0 cacam em redes, como fazem com os macacos. E08 comem, Assim: cagam-nos em redes ¢ 0s co ‘mem. A racinha de gente, sempre a recuar © a re- cuar, terminou aquarteirandose no coragio da ‘Africa, onde o explorador afortunado a descobri- ria, Por defesa estratégica, moram nas érvores mais, altas, De onde as mulheres descem para c rmilho, moer mandioca e colher verduras; 0s ho- ‘mens, para cagar. Quando um filho nasce, a liber~ dade the € dada quase que imediatamente. E ver- dade que muitas vezes a crianga nao usufruiré por ‘muito tempo dessa liberdade entre feras. Mas & verdade que, pelo menos, nao se lamentaré que, para to curia vide, longo tenha sido o trabalho. ® Pois mesmo a linguagem que a ei os ue a crianga aprende 6 brove simples, apenas essencal. Os fkowalae usam poucos nomes,chamam as coisas pot pester 90 expritual, tn tumbor;Enguato dinamo som do aor, chad pajuens fede puss oe oe Virlio no se sabe de onde, a ol, pois, assim que 0 explorador descobri toda em pé ¢a seus pss, a cosa humana menor gue existe. Seu corns buteu porque enmerlda he huma 6 to tara: Nem os esinamentor do bon la India sfo tio raros. Nem o homem mais rico do ‘undo jf ps olhos sobre tanta estranha grag All estava una mulher ue wguldice do mals ho so fy jamais pudera imaginar, Foi entéo que 0 ex- aor dite inidamente com una decades je sentimentos de que sua esposa jamais fale dem que Sua esposa mals ojulgaria Took &Pesuene Foe esse instante Pequena For copouse onde um estou no se cog. O explorador como se eet esse recebendo o mus alto premio de castoade o ‘due um homem, sempre to Idcalista, owes spies ‘© explorador, to vivdo, desviou os anos, A fotografia de Pequena Flor fol publicnes no suplemento colorido dos jornais de domingo, onde coube em tamanho natural. Enrolada num pano, ons Bariee em are adiantado. O nariz chato, ‘a cara preta, os ol fundos, és : Parei'u cco. en a fesse domingo, num apartamento, uma mfher, so lar no jor abertoe restos ene 7” do quis olhar uma segunda vez “porque me dé afligao”. ‘Em outro apartamento uma senhora teve tal pperversa ternura pela pequenez. da mulher aftica- nna que — sendo to melhor prevenir que remediar oe jamais se deveria deixar Pequena Flor sozinha com a ternura da senhora. Quem sabe a que esc tidao de amor pode chegar o carinho. A senhora ‘passou um dia perturbada, dir-se-ia tomada pela Saudade. Alids era primavera, uma bondade peri- fgosa estava no ar. [Em outra casa uma menina de cinco anos de id de, vendo 0 retrato e ouvindo os comentérios, cou espantada, Naquela casa de adultos, essa me- nina fora até agora 0 menor dos seres humanos. E, se isso era fonte das melhores caricias, era tam bém fonte deste primeiro medo do amor tirano. A existéncia de Pequena Flor levou a menina a sen- ‘com uma Vaguidio que s6 anos e anos de- pois, por motives bem diferentes, havia de se con- Gretizar em pensamento —, levou a sentir, numa ira sabedoria, que “a desgraca nao tem limi- p tes’ Em outta casa, na sagragio da primavera, a mo- sca noiva teve um éxtase de piedade: — Mamie, olhe o retratinho dela, coitadinhal ‘he s6 como ela é tristinhat — Mas — disse a mle, dura e derrotada ¢ or gulhosa — mas rises de ico, nfo § tristeza — Oh! mame — disse @ moga desanimada, 80 jul ee gg oe as — Mamie, se eu botasse es aT =e rant can arabe) -enquanto ele esté isd ctor dk ida Cina a et Biseele cea oa cla! A gente fazia ela o 2S ee e sats gre aie dn Be & orto, _Nio tendo boneca ea eae mae aan Ja pulsando terrivel no cora- sewer a. no Prime ie pam ce ants fe chow om ltt — sem os dois dentes da frente, a evolu 1980 se fazendo, dente caindo para nascer & a1 ‘que melhor morde, “Vou comprar um terno novo para ele”, resolveut, olhando-o absorta. Obstinada Imente enfeitava o fitho desdentado com roupas fi- has, obstinadamente queria-o bem limpo, como se Timpeza desse énfase a uma superficialidade tran- qiilizadora, obstinadamente aperfeigoando 0 lado Cortés da beleza. Obstinadamente afastando-se, & ‘afastando-o, de alguma coisa que devia ser “escura ‘como um macaco”. Entdo, olhando para o espelho ‘do banheiro, a me sorriu intencionalmente fina ¢ ‘polida, colocando, entre aquele seu rosto de li abstratas e a cara crua da Pequena Flor, a distin cia insuperdvel de milénios. Mas, com anos de pré= tica, sabia que este seria um domingo em que teria de disfargar de si mesma a ansiedade, 0 sonho, ¢ ‘milénios perdidos, "Em outra casa, junto a uma parede, deram-se 20 trabalho alvorogado de calcular com fita métrica (os quarenta e cinco centimetros de Pequena Flor. E foi af mesmo que, em delicia, se espantaram: ela cra ainda menor que 0 mais agudo da imaginagao fnventaria. No coragio de cada membro da familia, naseet, nostilgico, o desejo de ter para si aquela coisa mida ¢ indomdvel, aquela coisa salva de Ser comida, aquela fonte permanente de caridade. ‘A alma dvida da familia queria devotar-se. B, mes- ‘mo, quem jf no desejou possuir um ser humano £6 para si? O que, é verdade, nem sempre seria cO- modo, hé horas em que nio se quer ter senti- ‘mentos: T_"Aposto que se ela motasse aqui terminava — disse o pai sentado na poltrona, vir rando definitivamente a pégin a trcera ais tmnt ombeigas oy de Vocé, José, sempre pessimista — disse a pono, aaa dda? dos nda a mais velha de treze anos. ee O pai mexeu-se atrds do jornal. — Deve ser o bebé preto menor do mundo — sopra, deni feos iu 0 lesen = msec Ss cal Eo barriguinha grande! onal per ve chog dae con ; mms — ela ga Vee a de anit disso damente ofendida — que ee trata de ume coisa fai Voce¢ que ieee appa _Tpiris it Aba, pita cole tha Sn crepe = gos tin wegen pols nina Nara fos eeu tau aloo Fede mas confar—weqeato bro © papa rein ee masa a sin ome o ses do prio carta: um fifo Iihinas Mcetlcament o"exposcor clams com ola a heigtabe do nese er Kamae maura. Fol nee tnt que o explordor ple loo er sequence mess. Br clade ou aloe mu via ou ol cientifico, o explorador sentiu mal-estar. pd guns menor ues do monde caved ade Exive do, quay quno, Porn Flor tava ganda i: Apes col au ete 8 tendo a inefSvel sensaglo de ainda nio ter sido SOmnida, Nao ter sido comida era algo que, em ov colds as, Ihe dava o gil impulso de pular, de falho em galho. Mas, nese momento de trang ails entre as espessas folhas do Congo Central cit go estava aplicando esse impulso numa. ago cla mi mpulso se concentrara todo na propria Pe- ‘Guenez.da prOpria coisa rara, E ento cla estoy seete, Era um riso como somente quem no fal Tease iso, o explorador constrangido no com Tbpuiu classifier. ela continuous fruindo o pes: rE riso macio, ela que nfo estava sendo devote Bite io ser devorado & o sentimento mais perfeito- Niko ser devorado é 0 objetivo secreto de toda uma: Mids, Enquanto ela nfo estava sendo comida, seu vide. bstial erat delicado como & delicada a ale- gria, O explorador estava atrapalhado, him segundo lugar, ¢ a propria coisa ara estava indo, em porgue, dentro de sua pequene?, grande teeuridao pusera-se em movimento: SE que @ propria coisa rara senta o peito morn do.qoe se pode chamar de Amor. Ela amava aqucle Eaplorador amarelo. Se soubesse falar © disses aaro amava, ele illaria de vaidade, Vaidade que dee uiria quando ela acrescentasse que também Gimava muito o anel do explorador ¢ que amaya amnfte a bota do explorador. E. quando este desin~ ‘Thasse desapontado, Pequena Flor niio compreet™ Shave por qué. Pois, nem de Tonge, seu amor pelo eeflotador — pode-se mesmo dizer seu “profunde SBP porque, nio tendo outros recursos, ela eS fava reduzida & profundeza —, pois nem de Jonge a seu profundo amor pelo ex : Igado pl ate dela bes cama eS em vlto ayufvoco sobre plat a snus hs pe ese eux, tans os Petra oo insane de asec aera Ps faa de ama scpidde gue ee qe lt a rete i guece pawe moder ‘dinhel timidade da flresta no hd do namentos cruéis, ¢ amor é nao ser ioe oes amor én st com, anak ihr ona ua anor € nr dy or a te mfo é negro, amer € i a um anel que brilha. Pequena Fk nie tm, e iu quente, poqiens grévide, quent jo plore sone ovalsaea Sec entaene a gus abimo esos espndi, eg pers cma when cai snd pra Daun nde ner ca éu de explorador, corou pudico. Tort ee un crlinds ast, dum rostered como im in mdr le dei ‘ze, co qu xpos canes eda ae Tou Som rede» dina de alo cre = a anotar, Aprendera a entender algumas sen ec lt lr dbo ce os sinais. Jé conseguia fazer 2 . equena Flor respondewthe que “sim. Que smi fom tune rep mesmo, Piss dan dc, mses lho, : jaram tio escuros que o disseram ze om porn, tom posts, € bom pas Oe plorador pestanejou varias vezes. en sisi cel Prove tore vévos momentos ices ohare ros Mas plo menos ocupou-se cm 1 consi mtr nfo toon noes € gue Te¥E Me astanjar como pode: a ee declarou de repente uma ee som decisio —, pois olhe, eu 86 Des sabe oe faz fechando o jornal c The digo uma coisa: © JANTAR Ele entrou tarde no restaurante. Certamente ocupa- ra-se até agora em grandes negécios. Poderia ter tums sessenta anos, era alto, corpulento, de cabelos brancos, sobrancethas espessas ¢ mas potentes, ‘Num dedo o anel de sua forga. Sentou-se amplo € sélido. Perdi-o de vista e enquanto comia observei de novo a mulher magra de chapéu, Ela ria com a boca cheia ¢ rebrilhava os olhos escuros. No momento em que eu levava o garfo A boca, olhei-o. Eislo de olhos fechados mastigando pio com vigor e mecanismo, os dois punhos cerrados sobre a mesa. Continuei comendo e olhando. O sgargom dispunha os pratos sobre a toalha. Mas o Yelho mantinha os olhos fechados. A um gesto mais, vivo do criado, ele os abriu com tal brusquidao que este mesmo movimento se comunicou as grandes ios e um garfo caiu. O garcom sussurrou pala- ‘vas améveis abaixando-se para apanhé-l; ele ndo respondia. Porque, agora desperto, virava subita- mente a carne de um lado e de outro, examinava-a com veeméncia, a ponta da lingua aparecendo — apalpava 0 bife com as costas do garfo, quase 0 cheirava, mexendo a boca de antemfo. E come- a

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