Você está na página 1de 42
Barbacena: a Familia, a Politica e uma Hipétese José MURILO DE CARVALHO 1, Introductio; 2. A cidade, as familias, a politica; 3. A natureza feudal a politica de Barbacena; 4. Aspetos metodolégicos e implicacées tedricas; 5, Bibliogratia. 1 — INTRODUGAO ‘Soares Ferrera, Nestor MASSENA, C. JARDIM, ALTAIR Savassi e outros mais, j4 se deram ao trabalho de escrever sébre Barbacena. Todos, porém, o fizeram do ponto de vista da histéria. Ninguém, até hoje, que a estudasse sob 0 ponto de vista da ciéncia politica. B, no entanto, sua problemética politica o que Barbacena apresenta de mais atraente para o estudioso e foi ela exatamente que nos levou a empreender o presente trabalho. Desde 1930 a cidade é paleo de uma luta politica de familias que, por suas caracteristicas, esté a exigir um esférgo tebrico de compreensio. Talver seja esta mesma Iuta, com seu grande poder de envolvimento, que explique a auséncia de um enfrentamento direto do problema pelos natu- rais do lugar. O tnico que ousou abordar o assunto mora no Rio e o f@z acobertando-se sob o manto da ficgiio. Trata-se de Geraldo Franca de Lima com seu romance Serras Azuis. ‘A. nés, néio nos interessam a historia, a literatura, 0 ufanismo. Interessa-nos o fenémeno politico. Interessa-nos es- tudar, do ponto de vista da sociologia politica, o que se passa em Barbacena. Como se explica a luta de familias, qual 2 na- 154 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS tureza desta luta, quais as bases em que se apdia, qual o me- canismo por que se rege, qual o sentido que pode ter para os estudos politicos em Minas Gerais e, talvez, no Brasil ‘Nosso trabalho, evidentemente, nio é definitivo ¢ exige posterior aprofundamento. ‘Uma série de empecilhos nio nos permitiu trabalhar com questionérios. Limitamo-nos aos dados estatisticos e histéricos existentes e a entrevistas com os ele- mentos mais destacados da politica barbacenense. A hipétese explicativa que levantamos, com base nestes elementos, fica a exigir posterior investigagéo para um teste definitive de sua verdade cientifica. ‘A nosso ver, o principal valor de trabalhos déste tipo esti em fornecer elementos para possiveis generalizacdes sobre a evolucio do comportamento politico em Minas Gerais. O valor cientifico das generalizagdes 6 duvidoso quando nao baseadas em namero suficiente de estudos de casos particulares. & como um estudo de caso que acreditamos poder contribuir, com éste trabalho, para o enriquecimento dos estudos politicos em Minas. Queremos agradecer a pronta colaboragao que recebemos em Barbacena de varias pessoas, entre as quais o deputado José Bonifacio Lafaiete de Andrada, 0 ex-governador José Fran- cisco Bias Fortes, o deputado Bonifacio José Tamm de An- drada, o deputado Joo Navarro, o sr. Paulo Goncalves, diretor do jornal “Cidade de Barbacena”, os ars. Stélio Ribeiro Na- varro, da prefeitura municipal, Anuar Fares, Altair Savassi, Jorge Aurélio Possas, Fernando Victor, presidente da Camara de Vereadores, Ernani Rodrigues Costa, presidente do Sindi- cato dos Téxteis, o pe. Sinfrénio de Castro, os funcionrios do Cartério Eleitoral, da Agéncia Municipal de Estatistica e da ACAR. 2 — A CIDADE, AS FAMILIAS, A POLITICA A luta politica de familias em Barbacena data de 1930. Uma rapida visio histérica pode ser de utilidade para o enten- dimento do fenémeno. Barbacena, originalmente Borda do Campo, foi fundada em 1698 pelos bandeirantes Garcia Rodrigues Pais, filho de BARBACENA: A FAMILIA, A POLITICA 155 Fernfio Dias, e seu cunhado, cel. Domingos Rodrigues da Fon- seca Leme, que se estabeleceram na fazenda da Borda, bérco da futura povoacio. Deve sua existéncia e sua evolucio A sua privilegiada situada geogréfica de encruzilhada do Caminho Novo com o Caminho Velho e com os caminhos que vinham do Mato Grosso e de Goiés, ponto obrigatério de passagem para quem vinha do Rio ou para lé se dirigia proveniente das Minas. Desde o inicio foi centro comercial importante. Atestam-no muito bem as razdes invocadas pelo Visconde de Barbacena para atender ao pedido dos moradores no sentido de que o arraial fésse elevado A categoria de Vila, razdes expostas no respectivo Auto de criacio: “\.. nfo 86 por ser o mais central e populoso déste distrito, mas porque sua situagio na extremidade do mato e onde, da estrada do Rio de Janeiro se dividem as das comar- cas desta capitania e as que se encaminham para Goids ¢ Mato Grosso, fazem mais necessérios e interessantes neste lugar a policia, e a Economia Piblica, para a seguranca e comodidade dos viajantes, para bem e melhoramento do comér- cio, o qual aqui tem a sua chave”.? Ao longo do Caminho Névo, até a capitania do Rio de Janeiro, ¢ de seu prolongamento, até Congonhas, a Coroa foi concedendo vastas sesmarias, iniciando por Garcia Pais que foi quem abriu o Caminho Névo. Aos poucos, foi-se formando aquilo que Otivema VIANA chamou de clis feudais e clis paren- tais. Sobressaiam-se o cli parental da fazenda da Borda, ancestrais dos Andradas mineiros, e o dos Sa Fortes, descen- dentes de Esticio de S4. Por ocasiéo da Inconfidéncia, cinco revoltosos eram donos de sesmarias em Barbacena, inclusive Tiradentes com um seu irmio e Joaquim Silvério dos Reis. O inconfidente cel. José Aires Gomes, dono da Borda, possuia cinco fazendas e era dono de mais de cem escravos.? Sua parentela e a dos S4 Fortes, grandes criadores de gado leiteiro, “1. Gtr, Rev, do Arquivo Pibtico Mineiro, ano T, pag. 119. 2. sta participactio de potentados rurais na Inconfidencia Mineira, ainda ‘nfo mereceu a devida atencéo dos estudiosos. 156 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS dominaram a vida politica de Barbacena no século XVIII, prin- cipalmente a partir da criac&o da Vila em 1791. Um Sa Fortes foi o primeiro Juiz Presidente da Camara, voltando ao posto por mais sete vézes. No século XIX nada se modificou. Os ‘Armond, os Teixeira de Carvalho (lideres da Revolugio de 1842) e o névo dono da Borda, José Rodrigues Lima Duarte, Visconde de Lima Duarte, reinaram sem contestagio. O Vis- conde governon o muniefpio de 1861 a 1880. Com a Repiiblica, vai despontando nova familia que aos poucos se sobrepée as demais: os Bias Fortes. Seu dominio inconteste vai até 1930, quando lhes disputam o poder os mais recentes donos da Borda, os Andradas mineiros, originando-se ‘a luta que até hoje empolga o municipio. Até 1930 a hist6ria de Barbacena é a histéria de algumas familias, girando em t6rno dos grandes troncos familiares da fazenda da Borda. Déstes iiltimos surgiram ramificagdes hoje espalhadas por grande parte do Estado. Para citar algumas: os Penido, os Penido Burnier, os Miranda Jardim, os Miranda, os Lima Duarte, os Barbosa Lage, os Badaré, os Vidigais, os Paula Lima, os Miranda Lima, os Andradas mineiros ete Era a “nobreza rural” de que fala o Auto de criagao da Vila. Trés indicadores confirmam o poder e o prestigio destas famflias. Em primeiro lugar, os titulos de nobreza e os altos postos militares, principalmente na Guarda Nacional. Se nao sio capitdes e coronéis, sio bardes, condes, viscondes, conse- Iheiros. $6 entre og elementos da Borda temos o cel. Domingos R. da Fonseca Leme, cel. José Aires Gomes, Visconde de Lima Duarte, Conselheiro Lafaiete. Entre os Armond, o Conde de Prados, o Bardo de Pitangui. O pai de Crispim Jacques Bias Fortes era o cel. José Francisco de Oliveira Fortes. Quanto 20s Andradas, jamais aceitaram titulos de nobreza no Brasil. Con- sideram-se oriundos de uma nobreza de sangue proveniente de Portugal e Espanha ¢ sempre tiveram um soberano desprézo pela nobreza de titulos do Império. Em segundo lugar, o grande ntimero de fazendas hist6- rieas, bergos dos grandes troncos familiares. A Borda, dos Aires Gomes, dos Lima Duarte, dos Andradas; a fazenda de BARBACENA: A FAMILIA, A POLITICA 157 Campo Verde, dos Paula Lima e dos Lima Duarte; a fazenda dos Moinhos, dos Armond; a fazenda da Conceic&o, dos Bias Fortes; a fazenda de Monte Belo, dos Sé Fortes. Como em quase todo o Brasil da época, a posse da terra era a base quase exclusiva de poder. Em tereeiro lugar, temos os nomes de cidades que outrora pertenceram ao enorme municipio de Barbacena. 2 quase uma lista dos nomes e titulos dos grandes chefes de Barbacena: Lima Duarte, Paula Lima, Conselheiro Lafaicte, Anténio Car- los, Bias Fortes, Oliveira Fortes, S& Fortes, Pedro Teixeira, Carandai. Esta elite dominou na Colénia, dominou no Império domina na Repiblica. Na Colénia e no Império ela sempre se mostrou liberal e independente. Féz a Inconfidéncia, (embora tenha dado a seguir & sua terra o nome de quem esmagou a revolta), ofereceu-se em 1822 para descer em massa ao Rio em defesa do Principe Regente (o que valeu a cidade o titulo de “nobre e muito leal”), féz a Revoluc&o de 1842, esteve sem- pre com o partido liberal e, desde o inicio, apoiou a Reptiblica. Explicamos éste liberalismo pela posigio da cidade na linha de comunicacdes entre a capital da Provincia e a capital do Império. “Chave do coméreio”, chamou-a o Visconde de Bar- bacena e SainT HILAIRE em 1816 observava: “Hi em Barba- cena varias lojas muito bem sortidas, muitas vendas e algumas hospedarias”. Segundo 0 mesmo SAINT Hiame, o Caminho Novo era tio movimentado como a estrada de Paris a Tolouse.* Este contato com outras elites, principalmente as do Rio e de Ouro Préto, pode explicar a menor rigidez no pensamento da elite local ¢ certo “urbanismo” em seus costumes. Atesta éste ‘iltimo trago o precoce desenvolvimento da imprensa em Barba- cena. Desde 1836 temos noticias de publicagées jornalisticas na cidade, muitas vézes editadas pelos préprios donos do poder. © caso dos Armond, dos Teixeira de Carvalho, e, especialmente, 3. Cfr. Sr. HILAIRE, Viagem pelas Provinolas do Rio de Janeiro ¢ ‘Minas Gerais, p. 119 e citado DANIEL DE CARVALHO em Ketudos e Depoimentos, p. 28. 158 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS dos Andradas que jamais se identifiearam com a linha “rural” de seus predecessores na Borda.‘ . ste fato, por sua ver, aliado as vastas ligagdes parentais e a0 grande prestigio dos donos da Borda, principalmente do Viseonde de Lima Duarte, explica, em parte, a auséncia de Iutas de familias até 1930. Pelo menos, de lutas declaradas Com a Revolugio de 1930 dé-se o rompimento das familias Bias Fortes e Andrada. Antes cram aliadas ¢ amicissimas. Basta citar um fato para comprové-lo: quando Anténio Carlos ‘ocupava a presidéncia de Minas, seu irmio, José Bonifécio, flo dar a José Francisco Bias Fortes a Secretaria do Interior. Bias Fortes, por sua vez, chamou para seu Chefe de Gabinete a José Bonifacio Filho. (O exemplo € tipico da modalidade familistica de recrutamento politico). Bias e José Bonificio sio concunhados, sendo ainda o primeiro padrinho de casa- mento do segundo, primeiro atrito surgiu com a sucessfio de Anténio Carlos e de Washington Luis. Bias era por Melo Viana para suceder a A. Carlos e Melo Viana era por Jiilio Prestes para suceder a W. Luis. A. Carlos criara a Alianca Liberal para combater a candidatura Silio Prestes. Bias se demite da Secretaria. Sobrevindo a Revolugéo, José Bonifacio a lidera em Barbacena, estando Bias no Rio. Apés a vitéria, José Bonifacio é nomeado prefeito, sem consulta a Bias. ste, acostumado 20 dominio absoluto do pai sdbre o municipio, sente-se diminuido e n&o comparece & solenidade de posse. Dai em diante os aconteci- mentos se precipitam. Os biistas sabotam o pagamento do imposto de eletricidade, José Bonifacio se vé obrigado a usar de energia e chama um chefe de policia que se notabilizou por seus métodos violentos e arbitrarios. Ainda hoje se fala em Barbacena no regime da “chibata e do purgante” do cap. Laerte. Artigos violentos so trocados pelos dois chefes através da imprensa © 4. Sobre a imprensa em Rarbacena, cfr. ALTAIR SAVASSI, A Im- prensa em Barbacena, publicaco da Prefeitura Munieipal, 1953. 5. Cada uma das partes tem uma verstio propria sdbre os verdadetros motivos do rompimento, Adotamos a que nos pareceu mais verossimil. BARBACENA: A FAMILIA, A POLITICA 159 O dominio Andrada vai até 1937. Com a queda de Anténio Carlos, Benedito Valadares, nomeado interventor em Minas, coloca Bias Fortes na prefeitura de Barbacena. Os papéis se invertem. Os Andradas sofrem todo tipo de perseguicio, desde atentados até violaco de correspondéncia. Durante a ditadura, a falta da valvula de escape eleitoral, a luta politica se transfere para as organizacdes, como clubes, irmandades, associagées, casas de assisténcia. A politica invade todos os setores de atividade, obrigando grande parte da popu- lagdo a uma definic&o de lealdade. Fora do poder, em regime ditatorial, o tinico instrumento de Iuta que resta a José Boni- ficio 6 a advocacia, Defendendo amigos e perseguidos politicos, consegue manter sua lideranca e amplia sua rea de influéncia até Juiz de Fora. Bias inicia a guerra dos cargos piiblicos, no- meando amigos, transferindo e destituindo adversarios.® Em térno das duas familias vao-se polarizando as princi- pais famflias locais. A populacio da cidade se divide em biista e bonifacista. Depois de 1945 a Iuta se trava nas urnas, sem a violéncia de antes. As duas familias controlam quase todo o eleitorado do municipio, que atinge hoje os 15.000. Nenhuma outra forca conseguiu quebrar esta estrutura e abalar éste dominio familial expresso nas votagdes do PSD (Bias) e da UDN (Andradas) . 3 — A NATUREZA FEUDAL DA POLITICA DE BARBACENA Este contréle familista sobre uma cidade de 45.000 mil habitantes se coloca para nés como um problema a ser escla- recido. De modo geral, um contexto urbano no se presta a padrées familistas e patrimonialistas de comportamento. Neste capitulo tentaremos levantar uma hipétese expli- cativa. A hipétese sera bastante ampla para abranger os dois Cir, AMADEU ANDRADA, discurso proferido em 4-6-47, na Diéia Legislativa, transcrito no “Minas Gerais” de §-8-47, 0 6 um documento precioso para se ter uma visti do funcionamento de uma politica clientelistica. 160 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS periodos distintos da histéria politica de Barbacena — antes de 1930 e de 1930 em diante, E seri din&mica enquanto tentaré no s6 explicar as duas situagdes como também a transicéo de uma para outra. Na medida do possivel, iremos fornecendo os indicadores que comprovem a hipétese, deixando para discutir o problema metodolégico no capitulo seguinte. Nossa hipétese que a politica de Barbacena é de natu- reza feudal, tanto na primeira como na segunda fase. A pas- sagem de uma fase para outra se deu através de um cresci- mento de importncia dos status politicos em detrimento dos status econémicos, que na primeira fase eram basics. Maiores explicagdes sero dadas no decorrer da anlise. ‘Um ConcErro De FEUDALISMO © coneeito de feudalismo que vamos utilizar 6 o desenvol- vido pelo prof. JoHAN Gaur do Peace Research Institute de Oslo.7 Segundo o prof. Gatrune, uma estrutura feudal se dis- tingue por duas caracteristicas basicas. A primeira é a con- cordincia de posigdes$ e a segunda a interacio segundo a soma das posicdes do par. Pela primeira se entende que, numa determinada estrutura social, a disposicio dos individuos nas varias dimensdes de status, como parentesco, renda, poder poli tico, segue linhas paralelas. Classificando, por exemplo, a dis- tribuiedo dos individuos nestas dimensées segundo uma escala ordinal tripartide, temos que um individuo pode ocupar posi- cGes altas, médias ou baixas, A distribuicao é paralela quando um individuo ocupa posic&io alta em tédas as dimensdes, ou posigdéo média em tédas, ou posigfio baixa em tédas. Dizemos que neste caso hé uma congruéneia de posigées. O contrario 7. 0 coneeito fol exposto em curso ministrado pelo prof. GALTUNG ru Faculdade de Ciéncias Reonémicas da Universidade de Minas Gerais 8., Traduzimos aqui por “posig&o" o térmo inglés “rank”, em ‘espanhol “rango”. © térmo portugués nfo corresponde bem ao original mas € 0 que déle mais se aproxima. “Rank” se define como “avaliagio diferenciada de status”. BARBACENA: A FAMILIA, A POLITICA 161 desta situac&o seria uma distribui¢éio cruzada. Por exemplo, alta educacio, baixa renda, alto poder politico, ou: baixa educagio, alta renda, baixo poder politico etc. uma situagio de incongruéncia ou desequilfbrio de posicées. A segunda caracteristica nos diz que, numa estrutura feudal, a interagéo social se faz segundo a soma das posigoes que um individuo ocupa nas varias dimenses de status, ou segundo sua posigéo total. A soma das posigées pode dar-nos varios perfis sociais diferentes. Assim, podemos ter pessoas altas em tédas as dimensées, pessoas baixas em tédas, pessoas baixas em umas, altas em outras, ou médias em t6das ete. A teoria afirma que, numa estrutura feudal, a interacdo é: 1) méxima entre os individuos altos em tédas as dimensées, 2) menor entre os individuos altos em tédas e os baixos em tédas, 3) minima entre os baixos em tédas as dimensdes. Este conceito de feudalismo nos parece mais adequado por duas razdes. A primeira se deve a scu cardter abstrato, que Ihe @& maior flexibilidade, podendo ser aplicado a situagies histdrieamente distintas. A segunda se prende a sua maior capa- cidade explicativa, de vez que mos fornece a estrutura e 0 mecanismo de funcionamento de uma realidade feudal. Estas caracteristicas nio se encontram, por exemplo, no conceito de cla eleitoral usado por O1vEmRA ViANA. O cli eleitoral, como fusio, para efeitos politicos, do cl feudal com o cl parental, & um conceito histérico e de carter descritivo, apresentando, por isto, menor flexibilidade e menor poder explicativo. ANTES DE 1930 Passando ao caso de Barbacena, tentaremos aplicar o conceito a situacio anterior a 1930. Ja mostramos 0 que foi a politica de Barbacena neste perfodo. Um grupo de familias, ligadas & posse da terra, detinha todo o poder politico. Tomemos a primeira caracteristica de uma estrutura feu- dal: a concordancia de posigdes. As dimensdes de estatus mais importantes nesta fase so o parentesco, o poder econdmico, traduzido na posse da terra, e 0 poder politico. Afirmamos que as grandes familias eram altas nestas trés dimensdes; os escra- 162 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS vos, agregados, pequenos proprietdrios de terra, eram baixos em tédas clas e talvez um pequeno grupo de comerciantes € artesfios médio em tédas, Nao excluimos a possibilidade de casos de incongruéneia de posicdes no ultimo grupo, mas seriam casos isolados, sem maiores conseqiiéncias. Justifiquemos nossa afirmativa. A comecar pelo grupo mais problematico, o de posigdes médias. & um problema até hoje no resolvido da histéria social do Brasil, determinar as dimensées e a importancia dos grupos médios urbanos na Colénia ¢ parte do Império. Para Barbacena temos algumas indicagées. Em primeiro lugar, era muito reduzido numérica- mente. Em 1816, SAINT HILAIRE calculou em 2.000 a populagéo da cidade, Em 1908, esta populacio é de 8.000, para um total de 60.000 no municipio. Déstes 8.000, tirados os grandes fazen- deiros que moravam na cidade e os elementos baixos em tédas as dimensdes, como os empregados domésticos, restavam ape- nas comerciantes que, como foi visto, desde a criagio da vila tiveram certa importdncia, e pequenos arteséos. Quanto aos comereiantes, jf citamos o testemunho do Visconde de Barba- cena e de St. HiLame. Em 1908 havia em Barbacena 236 casas comereiais. Mas 6 preciso observar que os maiores comercian- tes, os atacadistas, provavelmente fdssem também donos de terra, uma vez que muitos déstes moravam na cidade e os prin- cipais produtos eram exatamente os originarios da lavoura e da pecufria. Nada impede, no entanto, que um ou outro comer- ciante mais poderoso, embora nao fésse de familia tradicional rural, fésse recrutado pela elite e recebesse o cargo de verea- dor, ou outro qualquer, resultando um perfil médio equilibrado. Os possiveis elementos com desequilibrio de posicio eram marginais. © que importa é que éstes individuos nao tinham condicSes para disputar o poder as grandes familias. Jamais passariam, como grupo, da posigio média. Sua ascensio s6 podia ser individual. Na Colénia, nem mesmo podiam votar. No Império e na Primeira Repiblica, uma série de expedientes legais e ilegais garantia o éxito dos donos do poder em qualquer elei¢ao. Temos o testemunho de Rui Barbosa sébre a fraude nas elei- BARBACENA: A FAMILIA, A POLITICA 163. 86 pena, com uma 86 letra.”® Quem era apoiado pelos chefes vencia com larga margem de votos a seu favor. O contréle dos votos era absoluto na zona rural e, embora menor, muito grande na cidade. Como exemplo, damos o resultado das elei- des presidenciais de 1930, no muniefpio de Barbacena. Gettilio Vargas obteve, na cidade, 87% dos votos, contra 13% obtidos por Julio Prestes. Em doze distritos, de eleitorado rural, Geté- lio conseguiu nada menos que 96% dos votos, contra 4% dados a Jilio Prestes.* Nao 6 preciso dizer que os chefes locais, Bias Fortes e José Bonifacio, apoiaram Getilio. .. Sobre o grupo alto em tddas as dimenstes ji fornecemos varias indicagdes. ® um grupo igualmente reduzido, O pedido de de criagio da vila, em 1791, foi assinado por 105 “nobres”, quase todos grandes proprietérios. Os latifimdios, surgidos a partir das grandes sesmarias doadas A margem do Caminho Novo, caracterizaram a vida econémica, social e politica do muniefpio até o séeulo XX. A fazenda da Borda, por exemplo, depois de sofrer varios desmembramentos, é, ainda hoje, um auténtico latifiindio de uns 4 mil ha. de terra. Segundo o Censo de 1920, 10% das propriedades rurais de 400 ha. para cima detinham 50% da Area total do municipio e 60 fazendas pos- suiam Area superior a mil ha. Nesta época o municfpio era 0 maior produtor de leite e manteiga do Estado, Em 1925, dos 232 estabelecimentos industriais existentes, 182, ou seja, 78%, se dedicavam & producao de queijo e manteiga. A economia do municipio era quase totalmente agropecuiiria. Nao é dificil perceber o mecanismo da estratifitagdo: a posic&o alta na dimensio parentesco fornecia a posse da terra (heranca), a Posse da terra determinava o poder econdmico e o prestigio, 9. Cfr. AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO, Um Estadista da Republica, 1, pig. 282. 10. Cfr, Cidade de Barbacena, edigto de 8 de margo de 1930, 164 REVISTA BRASILEIRA DB ESTUDOS POLITICOS astes, por sua vez, possibilitavam o contréle politico. H temos ‘a “nobreza”, alta em tédas as posicdes. Diferentemente, o grupo dos baixos em todas as dimensdes era numeroso. Em 1908, dos 60 mil habitantes do municipio, 52 mil moravam no campo. Como era pequeno o niimero dos grandes jog, resta que a maioria era constituida de escravos (até 1888) agregados, rendeiros, pequenos proprieté- rios. José Aires Gomes possufa mais de cem escravos. Nao pertenciam as grandes familias, nio hherdavam as grandes propriedades, nao tinham poder econdmico, nio podiam ter poder politico. Junto com os baixos e médios da cidade forma- vam 0 “povo”. Incluem-se neste grupo os famosos “vadios” da Colénia e do Império. Em Barbacena eram princi ur- anos. Séo muitas vézes individuos em situacio andmica, geral- mente adotando padrdes de conduta divergente. Saint Hilaire testemunha a existéncia de alguns déstes individu: cena € eélebre entre os tropeiros pela grande quantidade de mulatas prostituidas que a habitam.e entre cujas mfos deixam éstes homens o fruto do trabalho”. * ‘Temos, entéo, dois grupos bem distintos, um alto em t6das as dimensdes, outro baixo em tédas. E ainda um possivel grupo médio. A primeira caracteristica das estruturas feudais se verifica plenamente. Para a segunda caracteristica 6 maior a dificuldade em encontrar indicadores. No entanto, os conhecimentos de histé- ria social da época nos fornecem elementos suficientes para mostrar a justeze da hipdtese. Afirma-se a existéncia de interag&o méxima entre os indi- “viduos altos em tédas as dimensées, interaciio média entre os altos e os baixos, interacéo minima entre os baixos. O nexo teérico que liga as duas ¢aracteristicas provém do fato reve- Jado pelos estudos de pequenos grupos, segundo o qual quanto mais central fér a colocagio de um individuo numa réde de comunicagdes, mais alta seré sua posigiio e desenvolvera maior U1. Cfr. Viagem pelas Provincias do Rio de J Gorats, pag. 119. eon BARBACENA: A FAMILIA, A POLITICA 165 interagio. Dai a relac&o entre centralidade, posicio alta e maior frequéncia de interacio e vice-versa: periferismo, posicao baixa menor freqiiéneia de interagéo. Kim nosso caso, terlamos, em primeiro lugar, interagio maxima entre os membros pertencentes as grande Haas. Algumas indieagées podem ser dadas. A comecar pelos movi- mentos politicos que contaram com a participacio da elite local: a Inconfidéncia, o abaixo-assinado pedindo a criagio da Vila, em 1791, 0 manifesto a D. Pedro I, em 1822, a revolucio de 1842. Todos éstes movimentos foram feitos pelas grandes familias, especialmente a revolugio de 1842, que contou com a participacdo de trés Armond, trés Teixeira de Carvalho, o pai de Crispim Jaques Bias Fortes e outros. © evidente que a germinacdo, o planejamento e o desencadeamento déstes movi- mentos exigiam freqiientes contatos entre os lideres. Os Autos da Inconfidéncia fornecem abundante informagio sdbre os contatos de Tiradentes com os inconfidentes barbacenenses e com outras pessoas de destaque. Outro dado em favor de nossa hipétese é o costume geral de todo grande fazendeiro possuir casa na cidade ou no arraial. Barbacena ainda conserva as casas de varios de seus antigos chefes como 0 Conde de Prados, o Visconde de Lima Duarte, os primeiros Andradas. Quando nao moravam na cidade, para 14 se transferiam freqiientemente, facilitando assim os conta- tos dificultados pelas grandes distancias entre as fazendas. A posigéio geografica da cidade, como j4 observado, era outro grande fator de contato, inclusive com elites de fora. Além disto, fora da cidade, apesar das distdncias, sempre existiu o costume de se visitarem as familias dos fazendeiros, consti- tuindo mesmo uma obrigagio moral o pagamento de uma visita. Em segundo lugar, relagées menos freqiientes entre fazen- deiros e seus dependentes. 0 conhecimento das relagées sociais uma fazenda de escravos ou mesmo numa grande fazenda de hoje, confirma o fato. Os contatos podem ser mais ou menos constantes, mas so menos intensos e menos intimos. Além isto, nfo hé reciprocidade. © fazendeiro, dono ou nao de escra- 166 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS _ ‘vos, ocupa posicio estratégica na réde de comunicacées. Ble é o intermediario entre seus dependentes e os elementos exter- nos a seu “feudo”: outros fazendeiros, dependentes de outros fazendeiros, ou mesmo comerciantes da cidade. Muitas vézes 0 fazendeiro é o fiador de seu empregado ¢ em certos lugares © sistema do vale é ainda hoje empregado. Enfim, é uma rela- co de poder. Por iiltimo, baixo grau de interag&io entre os individuos periféricos. Esta condigaio se yerificou de maneira perfeita nos grandes engenhos do Nordeste, onde escravos de donos dife- rentes néo podiam comunicar-se. De modo menos perfeito, mas néo menos real, se verificou e ainda se verifica nas gran- des fazendas mineiras. A simples distancia entre as fazendas era um fator de isolamento, de vez que o tinico meio de trans- porte existente, o cavalo, era privilégio de quem tinha dinheiro para compré-lo e terra para sustenté-lo: o fazendeiro. A subs- tituigio do cavalo pelo transporte motorizado aumenta 0 con- tato entre os fazendeiros, sem, necessiriamente, aumentar 0 contato entre os empregados, uma vez que 0 cavalo desaparece ou se limita ao uso interno da fazenda. O contato entre empre- gados de fazendas diferentes s6 se dé nas festas religiosas na cidade ou no arraial. Nos engenhos de agticar até éste contato era evitado através da construg&o de capelas ligadas 4 Casa Grande. Mas, de qualquer forma, é um contato esporédico e fortuito, que nao permite interagéo mais estreita, capaz de desenvolver um sistema social & parte, com centro in n- dente de poder. No que se refere aos grupos médios, jé dissemos que eram inexpressivos. Embora em germe significassem um principio de desagregacéo da estrutura feudal, na realidade nio chegavam a ameaca-la, nem a descaracterizi-la. Os tracos feudais estavam por demais nitidos. Cremos ter demonstrado, na medida do possivel, a validez da hipétese do feudalismo para a realidade politica barbace- nense de antes de 1930. # uma polftica feudal com base no parentesco e na posse da terra. Ou seja, com base na adscricfio, desde que a posse da terra, geralmente, era obtida por paren- BARBACENA: A FAMILIA, A POLITICA 167 tesco (heranga) e éste adscrito por exceléncia. Parentesco ¢ posse da terra eram os status bisicos, a partir dos quais se adquiriam outros como a edueagio, o poder politico, a “no- breza”, enfim. A situagio é mais ou menos geral no Brasil da época. Os dois status basicos se relacionam em forma de inter- causacio circular. Se a terra se obtinha por heranga, também & verdade que o prestigio familiar, a criacgio de uma tradigio de familia, se devem muitas vézes & posse inicial da terra, como foi o caso dos donos das primeiras sesmarias. Através da posse da terra era possfvel a uma familia subir & condigéo de ‘“no- breza”, as vézes sem que o proprio fator racial o impedisse, como é 0 caso da familia Bias Fortes, que conta com um ele- mento de cor entre seus ascendentes. A perda, por qualquer razio, do alto status econémico traduzido na posse da terra, leva ao conhecido fenémeno das aristocracias decadentes, caso tipico de desequilibrio de status que geralmente se resolve pelo isolamento e pela marginalizacéo.2 ~ ‘A estrutura, de modo geral, é estitica ¢ equilibrada. A passagem de uma posicdo total para outra é rara, a mobilidade vertical é reduzida. Um ou outro elemento em desequilibrio pode ser assimilado pelo grupo alto e os que permanecem dese- quilibrados no chegam a ameacar o sistema. A base adscritiva acarreta, necessiriamente, a estabilidade. DEpoIs DE 1930 A nova situagdo — A situacéo, apés 1930, 6 bem distinta da anterior e muito mais complexa. Em conseqiiéncia, a aplicagéo de nossa hipétese apresenta maiores dificuldades e exige certos desdobramentos teéricos. Antes de tudo, porém, vejamos as caracteristicas da nova situacéo. ‘Vimos que até 1930 Barbacena poderia ser considerada um municipio de populacio predominantemente rural e de economia baseada em atividades primarias. A partir de 1930, varias transformacées comecaram a verificar-se, em parte 12, As pegas teatrais de Jonce ANDRADE retratam muito bem éste fendmeno entre as familias paulistas quatrocentonas. 168 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS devido as transformagdes gerais por que passava o pais, em parte devido a particularidades locais. Quanto @ localizacaéo da populagio, temos uma inversio completa do quadro anterior. QUADRO I EVOLUGAO DAS POPULAQOES RURAL FE URBANA DE BARBACENA 1920 20.000 * 89.717 bend 26.576 72.585 1950 30.343 68.285 1900 44.938 66.545 968 42.866 55.030 BARBACENA: A FAMILIA, A POLITICA 169 Conforme o quadro I, vemos que se em 1920 77: da opulagdo era rural, em 1968 79% erm urbana. O eresiven maior da populaco urbana entre 1950 e 1960 se deve a cons- trugdo da BR3, que liga Belo Horizonte ao Rio, passando por Barbacena. E preciso observar que esta transformacio nao deve ser totalmente atribufda 4 urbanizagio. Grande parte da mente. Para 0 municipio, jé em 1945 0 eleitorado urbano era superior ao rural. Em 1963 o eleitorado da cidade era de 14.546 eleitores, contra 1.348 dos distritos, ou seja, 92%. Paralela a esta transformacio demogréfica, temos a trans- formagio na estrutura agraria. Vimos Barbacena era dominada por grandes proprietarios rurais, situagio ainda per- ceptivel no Censo de 1920, que registra 70% da area rural como pertencendo a estabelecimentos entre 100 e 1.000 ha. e mais de 60 propriedades com rea superior a 1.000 ha. O quadro IE mostra a evolucio da estrutura rural. © quadro I, elaborado pela ACAR para 1963 mostra ainda de maneira mais nitida a diversidade da situacdo atual. ‘Vemos neste quadro que 92% das propriedades ttm menos de 100 ha. # quase uma zona de miniftindios, Nenhuma pro- priedade acima de 1.000 ha. Como no caso anterior, o desmem- bramento de distritos é, em parte, responsével por esta trans- formagiio. Nem tédas as grandes propriedades desapareceram. Apenas passaram a fazer parte de outros municipios, como é o caso da propria fazenda da Borda que hoje se acha no munici- pio de Anténio Carlos. De qualquer modo, em Barbacena, a posse da terra nao é mais base de poder econémico e de domi- nio politico. ‘A economia também sofreu transformagdes Entre 1930 e 1940 instalaram-se em Barbacena duas grandes fabricas de tecidos. Para 1955 temos os seguintes dados do IBGE sébre a inddstria local (Quadro IV). | ‘moar sowoe 1S ee © ” | aial Ps oo oo 8% ro oor 80 sv | ot ‘your © 000° ous 2a veo oor o'09 ver 609 ese 000'T =! oor sey 88, sit oes oor o'08. or sis oot —| 1 op sowour = fe dei | ec ee ! (au) 049 29 s200019 oset. over over | ozer YNaOvaava BQ TWAOX VANLAAISH Va ‘SOAILVINY SOMXNON WH ‘OYOQTOAT m ouayad BARBACENA: A FAMILIA, A POLITICA am QUADRO II PHROENTAGEM DO NOMERO DZ PROPRIEDADES RURAIS SEGUNDO AS OLASSES DH AREAS EM 1963 Crass de reas (ha) de prom. (%) 05— 10 ‘87,16 u-°sS 13,68 2 — 00 1363 1 — 100 780 101 — m0 449 201 — 550 275 sl — 40 038 71 — 1.200 0.09 ‘Total 100,00 Fonte: AGAR QUADRO IV SETORES DA INDUSTRIA, SEGUNDO N+ DB BSTABEL, OPERA- RIOS OCUPADOS E VALOR DA PRODUGAO, EM 1955 cnn an —| Hier de Valor da Produrto iranatormacto | *abeltel- | coupadoe | Get 1.000 [ob atbre total Fonte: IBGE * sie. Dados de 1961 aumentam para 112 o ntimero de estabele- cimentos industriais, mas todos com ntimero reduzido de ope- rérios. Segundo os dados acima, a indGstria téxtil entra com 72% do valor da produgéo e com 87% da m&o-de-obra. Em 172 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS 41961 sua participagéo no valor da produgfo é de pouco mais ‘de 50% e ocupa mais de 60% da mio-de-obra industrial. © quadro das atividades econdmicas, no entanto, mostra que a pecuaria ainda é importante, desde que entra com mais de 60% da renda global. Esta importancia relativa da pecudria deve ter caido verticalmente apés 0 ‘iltimo desmembramento dde distritos, em 1963, que emancipou regides de grande produ- ‘cdo leiteira como 0 distrito de Tbertioga. Mas nfo dispomos de dados posteriores ao desmembramento. © coméreio continuou a evoluir, contando a cidade em 1955 com 600 estabelecimentos varejistas e 12 atacadistas, ‘ccupando mais ou menos 1.500 pessoas. Bstes dados mostram a diferenca da nova situacio. Um aumento acentuado da populacio urbana em relagio & popu- lacéo rural e uma industrializagio relativamente fraca, quase que limitada as duas grandes fibricas de tecidos. Os outros estabelecimentos industriais, como sio designados pelos Censos, excetuando-se uma grande oficina mec&nica e uma fabrica de tanques para caminhées, no vo além do nivel artesanal. Se- gundo o Censo de 1940, 68% da populacio ativa se localizava no setor primario, 22% no tercifrio e 10% no secundério. Em 1950 esta distribuicio era de 58%, 29% © 13%, respectiva- mente. O setor tercidrio cresce a uma taxa bem superior ao secundario. Apesar de tudo isto, a politica de Barbacena até hoje é ‘comandada por algumas familias. A tinica diferenca é que, apés 1930, hé uma polarizagio das familias sob a lideranga de duas delas. Parte segue os Bias, parte segue os Andradas. A ter- ceira forga que surge, embora ainda incapaz de se medir com as duas anteriores, é também comandada por uma familia: os ‘Navarro. Téda a politica barbacenense é condicionada pela luta das familias, Os partidos politicos silo apenas enquadramentos artificiais, exigidos pela legislacio eleitoral. Nio tém nenhum sentido programético ou ideolégico. Poder-se-iam inverter as posicdes partidarias sem que houvesse transformacio alguma, BARBACENA: A FAMILIA, A POLITICA 173 QuADRO Vv 1990 1933 st 145 ‘Legiio de Outubro José Bor jose mifacio PP PPB-UDB| UDN Bias Fortes PROC pra | PNM | PSD Entre 1930 e 1945, a uiica eleicéio municipal que houve em Barbacena foi indireta, ganhando José Bonifacio. A partir de 1945, os resultados das eleicSes municipais para a prefei- tura séo como mostra o quadro VI. O PTB, que é o candidato a terceira férca, sé lancgou candidatura prépria em 1954 e 1962. Sua votacio significa- tiva em 1954 se deve ao nome do candidato, José Ribeiro Na- varro, de familia tradicional que por muito tempo féra aliada dos Bias. Jé em 1962, com outro candidato, nfo aleancou mil votos. O PTB geralmente ou se alia ao PSD ou & UDN. Em Barbacena se diz: “o PTB séo dois: o PTB biista e o PTB bonifacista”. Atualmente mostra tendéneia a uma posicio de maior independéncia. E diz-se, entéo: “o PTB sio os amigos de Joao Navarro”. O contréle do eleitorado pelas familias em Iuta é quase completo, Barbacena é fechada a influéncias de elementos de fora. A resposta que politicos costumam dar a elementos de Barbacena que os procuram é: “ali nao posso aquilo 6 do Bias e do Zézinho”. O voto das zonas rurais é previsto com exatidio quase matemitica. O contréle se reflete inclusive _ nas eleicdes executivas estaduais e federais, embora com menor rigidez, conforme mostra o quadro VII. © mesmo se di para os cargos legislativos estaduais e federais, observando-se sempre ligeira vantagem para os Bias (Quadro VII). a | le] eure oes | urL'y 99L'e (qua) asa | (ata) Nan) asa Nan 80'S (aia) asa s80°8 an zqL'8 (aia) asa ser'9 Nan 992" 2 980°F asa Naa = | ne ae eee nt ie ougaeud VIVA SHOMIGIA SVN SOGILYVd SOM OYSV.LOA IA ovavad ed at RL comms | Comme | copay : puna sopuresont paxourer, ouster omer nor 99% ayn ee bee's aye ce (Coruna (Conmury (oman ‘oun sma sewopy zoreng ‘oureosme ¥6 18's 6086's (pos) (pes) (2p9s) \ wenn sowoD “a enna = FS oxsoa SHUOAVNYAAOD A SALNAGISHYd VAVd SIVHOLINTE SoavLTOSTA TA ovavnd 116 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS QUADRO VIII VOTAQ4O DE DEPUTADOS BSTADUAIS H FEDERAIS =) a commis = |—aq [ae | Bias Fortes ...-- 4.138 5.555 6.276 (Biazinho) J. Bonifacio . 3.936 4.696 4.738 Andradinn ++ 2.296 2.87 Nevarzo 2.177 (José Rib.)| 2.800 (Zoo) ee eS oi ee a # nitida a consténela dos votos para cada candidato. Veja se por exemplo, 08 Navarro. José Ribeiro Navarro obteve 2.560 votos para prefeito em 1954, 2.177 votos para deputado esta dual 1958 e seu sobrinho, Joao Navarro, obteve 2.390 votos para deputado estadual em 1962. Cremos estar suficientemente Femonstrado o controle familiar da politica barbacenense ainda hoje. Se sio duas ou trés as familias lideres, € problema secundario que nio muda a natureza do fenémeno. A mansi¢Zo Diante de tédas as transformacées verificadas pareceria impossfvel manter nossa hipdtese de que a politica de Barba- cena seja ainda de natureza feudal. Se usissemos o conceito de Ouiverra Vrawa, realmente nos seria impossivel manté-la. Como dissemos, é um conceito histérico ¢ a situacio histérica atual de Barbacena é totalmente outra, tendo desaparecido qualquer vestigio de cls feudais e portanto de clis eleitorais, no sentido que Ihes da o sociélogo fluminense. O conceito que adotamos, no entanto, nos permite a manutencio da hipstese com algumas nuancas. Mesmo que seja como simples hipétese. ‘A principal diferenca da nova situagio é a auséncia da alianca familia-propriedade da terra como base do prestigio e do poder politico. Desapareceram as grandes propriedades ¢ a populagéo rural deixou de ser expressiva como férca eleitoral. ‘Nossa hipétese 6 que atualmente os status bisicos sio 0 familiar e o politico. A medida que desapareciam as grandes BARBACENA: A FAMILIA, A POLITICA 17 propriedades e que o eleitorado rural perdia sua importéncia, © poder econdmico deixou de ser instrumento habil para 0 con- tréle eleitoral. Os chefes politicos tinham que encontrar nova formula para prender o ndvo eleitorado, quase totalmente ur- bano. O poder politico que j4 possuiam e que poderiam perder se ndo descobrissem a nova férmula, foi quem Ihes possibilitou a sobrevivéneia através do controle dos cargos pblicos. Surgiu e hipertrofiou-se em Barbacena uma politica de clientela. 0 cargo piiblico, ao mesmo tempo que fornecia ao politico 0 novo instrumento de contréle, cumpria a missio de absorver os ele- mentos vindos das zonas rurais ou de outras cidades e que nao encontravam colocagio, uma vez que a industrializacio obedeceu a um ritmo lento. De economia prim4ria, Barbacena vai-se tornando cidade tercifria, sem desenvolver o setor se- cundario. Quase uma cidade cartorial. Damos a seguir a lista dos érgios piblicos federais, estaduais e municipais existentes em Barbacena. I — Federais 1 — Colégio Agricola Diaulas Abreu; 2 — Inspetoria Regional de Sericicultura; 3 — Posto Enperimental de Criagao de Barbacena; 4 — Posto de Vigilancia e Defesa Sanitéria Vegetal; ries ” Animal; 6 — 8 Circunserigfo de Servico Rural de Defesa ¢ Fo- ‘mento; 1 — CIBAR (Comissio Brasileira de Assisténcia Educa- tiva ds Populagées Rurais) ; 8 — Escola Preparatéria de Cadetes do Ar; 9 — 48° Zona de Servigo de Fomento Agricola; 10 — Departamento de Correios ¢ Telégrafos (6 Agénoias); 11 — Coletoria Federal; 12 — Agéncia Municipal de Estatistica; 13 — Caiva Econémica Federal; 14 — Horto Florestal; 178 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS 45 — Junta de Conciliagdo ¢ Julgamento do Ministério do 46 —- Posto de Figoalicagao do Trabalho de Barbacena; 17 — Servico de Meteorologia; 18 — SAMDU; 19 — SAPS; 20 — Agéncia do IAPI; Drs iy Pe we AP OR 22 — ”))-” IAPETEO; 23— =” ” IPASE; agpstiatihes oS or IAPR, 25 — Servigo Médico do IAPFESP; 26 — Servico de Recrutamento do Exército. TI — Estaduais 1 — Forum; 2 — Cadeia; 3 — ® Batathdo de Infantaria da PM; 1 — Escola Normal Oficial; 8 — Gindsio Tiradentes; 9 — Gindsio Estadual; 10 — Escola Normal Emb. José Bonifacio; 11 — 11 grupos escolares; 12 — Centro de Saiide; 13 — Hospital Colénia de Barbacena; 14 — Manicémio Judiciério; 15 — IPSE; 16 — Campo de Aviagio; 17 — Duas pragas de esporte; 18 — Cartério Eleitoral. BARBACENA: A FAMILIA, A POLITICA 179 ‘TT — Municipais 1 — Prefeitura ¢ seus departamentos; 2 — 2% grupos escolares; 3 — Estagio Rodoviéria. Tato sem contarmos os baneog oficial, sutargulas ¢ Sreoe de coonchsih i SOARS RAT RIP CAMIG, ACAR, CASEMG, Nis cane ey nérios piblicos existentes nestas reparticdes. Tentamos um cél- culo aproximado, através de levantamentos nas Coletorias, nos Institutos e nas proprias reparticdes. Chegamos a um mimero aproximado de 5.000, que num eleitorado urbano de 14.000 tec&io em troca da lealdade do sidito. Através do cargo piiblico © politico ganha o voto do funcionario e muitas vézes de sua familia e de seus amigos. A familia é tio decisiva nas opcdes eleitorais que muitas vézes a mulher casada continua votando com o pai. Dai que um emprégo piblico pode conquistar uma familia inteira para o politico. Como é o poder politico que possibilita o controle dos cargos piblicos, o status politico passou a substituir o status econémico (posse da terra), como status bésico. Como, igual- mente, o recrutamento politico continua a se fazer em base prineipais garantem, inclusive, o status econémico.** 13. “O regime politico 6 a base, 0 alicerce principal de toda a ‘orem jurfdica, social, econémica”. Esta afirmagio do deputado Bowi- FAcIo ANDRADA (cfr. Parlamontarismo ¢ a BvolugGo Brasileira, Belo 180 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS ste mecanismo permitiu a sobrevivéncia das familias ere is pase de poder. No entanto, dicionais, privadas de sua eee nos municfpios emancipados, de populacéo ainda cae _ temente rural, a ordem antiga permanece ¢ boa parcela ¢ votos para os cargos estaduais e federais os chefes politicos de Barbacena ainda os recebem déstes municipios. O que pode- riamos chamar de a Grande Barbacena forneceu, nas eleic6es legislativas de 1962, 51% dos votos de José Bonifacio, 70% dos votos de Crispim J. Bias Fortes, 77% dos votos de Boniff- cio Andrada e 40% dos votos de Jofio Navarro. As percenta- gens mais baixas de J. Boniffeio e Joio Navarro, se devem a maior votacdo déstes deputados em Juiz de Fora e Santos Du- mont (J. B.) e Juiz de Fora, Congonhas e Belo Horizonte (I.N.). A adscrig&o continua como traco caracteristico da situagio atual, de vez que o recrutamento politico 6 familista. Os postos estratégicos para o contrdle dos cargos piblicos que sio a re- presentagio estadual e federal, sio sempre preenchidos com elementos das familias lideres. Os cargos menos importantes no legislativo e executive municipais sio entregues a families centrais, ligadas estreitamente as familias lideres. A diferenca, porém, do quadro anterior, néo ha uma lide- ranga “nica ou unificada. A partir de 1930 a lideranca bipar- tiu-se, havendo indicios de uma triparticio apés 1954. O fato traz certas modificagdes no proceso interativo como veremos. ‘Um dos fat6res do rompimento das duas familias pode ser encontrado num desequilfbrio de posicéo da familia Andrada, Pareceria contradicéo afirmar éste desequilibrio uma vez que nossa hipétese supée exatamente a nio existéncia de desequi- Mbrios. Explicamo-nos. Este desequilfbrio nao se dé em relacio as dimensdes de status por nés consideradas decisivas. fle se verifica com a introducio de uma dimensio irrelevante para a estrutura social de Barbacena como um todo, mas impor- tante para o caso particular dos Andradas. Trata-se da nobreza de origem. Os Andradas se consideram descendentes de uma nobreza de sangue e possuem um orgulho de familia incom- paravelmente maior do que qualquer outra familia de Barba- BARBACENA: A FAMILIA, A POLITICA 181 essencialmente rural, nobreza de titulos, como, aliés, tédas as outras familias tradicionais do lugar. O poder politico estava nas mios desta segunda nobreza por quem, no fundo, os Andradas alimentam certo desdém. Principalmente em relac&o & familia Bias Fortes que conta com elementos de c6r entre seus ancestrais. Dai o sentimento de privagio relativa dos Andradas perante o fato de estar o poder politico local nas mios dos Bias. A mais alta Posic&o familiar devia corresponder a maior poder politico. © municipio, por sua vez, permitiam éste fracionamento da lideranca. Uma das caracteristicas da luta que se seguiu foi @ sempre maior agressividade dos Andradas, o que é tipico de situagdes de desequilfbrio de posigio.* A constante vantagem dos Bias nas cleigées mostra a forga da antiga lideranca A HIPOTESE Jé é hora de tentarmos aplicar nossa hipétese do feuda- lismo & nova situago. Comecemos com a concordancia de seriam, agora, politica, parentesco, renda e educacio. Jé indicamos a transformagio dos status politicos. Nossa hipdtese 6 que con- tinua a no haver desequilibrios importantes de posic&o nestas dimensdes. Um grupo de familias tradicionais continua a cons- tituir o grupo alto em tédas as dimensdes. Seus membros sio geralmente profissionais liberais, principalmente advogados e 14. | Veja-se a respeito, JOHAN GALTUNG, A Structural Theory of Aggression, em: Journal of Peace Research, vol. 2, 1964, pégs. 95-119. 182 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS ‘POLITICOS médicos, que sio, 20 mesmo ee funcionarios piiblicos. Séo jondrios piblicos todos os chefes 1 ease asia Bonifacio. Elementos altos na dimensio econdmica, como grandes comerciantes industriais, se ainda no fazem parte das familias dirigentes, sio por elas recru- rae a concorrendo ac; postosdecveresdor ou mesmo de Ere (ae Ce dirigentes das duas principais fébricas de tecidos sio clementos que vieram de fora e geralmente se mantém afas- tados da luta politica. Outros, porém, se ligam a um dos par- e poder econdmico desaparecem em funcéo do referido predo- minio da politica. Os elementos que nio dispdem de poder poli- tico correspondente a seu poder econémico nao se sentem em situagéo de privacio relativa devido a éste predominio e por- tanto nfio desenvolvem agressividade. A comparagio é feita em relagéo as posigdes mais baixas, resultando uma satisfagio relativa. Por exemplo, um industrial ou comerciante que seja alto na dimens&o econémica e menos alto na dimenso politica, ao comparar-se com 0s politicos nao levaré em conta sua alta posi¢&o econémica mas sua menos alta posigio politica, dando-se por satisfeito e concordando com o fato de néo pos- suir poder politico igual ao das familias lideres. Em Barba- cena nao hé orientacio para o “achievement” como, alids, era de se esperar numa estrutura feudal no sentido em que a vimos caracterizando. A estabilidade é sua lei. Nao é dificil, igualmente descobrir uma camada da popu- Jagdio que ocupa posicio baixa em todas as dimensdes. So, de um modo geral, operérios, empregados domésticos, clemen- tos sem emprégo fixo ete. Ao tratarmos da segunda caracte- ristica nos referiremos com mais detalhe a éste grupo, princi- palmente aos operarios. ‘A maior diferenga com o quadro anterior vamos encon- tré-la no grupo médio, agora numéricamente maior e politi- camente mais importante. Sitio funciondrios piblicos inferio- res, pequenos comerciantes, banedrios, comerciérios, choferes, profess6ras primarias etc. Afirmamos, no entanto, que éstes BARBACENA: A FAMILIA, A POLITICA 183 res, principalmente. Mas quase todos éles « ticos, uma vez que so funcionarios piiblicos via, Da{ nao disporem de instrumento algum Poder. Quanto aos profissionais liberais em geral que a maioria pertence as familias tradicionais. Entre os pre- feltos e candidatos a prefeito de Barbacena, entre 1930 ¢ 1962, 95% eram liberais. A percentagem para os vereadores é de 36%. Podemos coneluir, ent&io, que nao houve modificages qua- litativas. A concordancia de posicéo continua como caracte- ristica da estrutura social de Barbacena. : Para a segunda caracteristiea temos maiores problemas. A polarizacéo das familias provocou o surgimento de dois Srupos distintos, cada qual com uma familia lider, um grupo de familias centrais e familias periféricas. Para entendermos © funcionamento da interag&o social nesta situacSo é necessario que recordemos algo da teoria dos conflitos.* Em todo con- flito podemos distinguir duas fases. Logo apés a emergéncia do conflito temos a fase da definicio das lealdades, caracte- tizada pelo maximo de violéncia e em que as relagées intra- grupo sao totalmente positivas © as relacdes extragrupo total- mente negativas. A seguir vem a fase de institucionalizacio do conflito, com as lealdades jé definidas e certo restabeleci- mento de relagdes positivas extra-grupo, caindo 20 mesmo 15. Cir. JAMES 8, COLEMAN, Community Conflict, Glencoe, 1, ‘The Free Press, 1957. . 3g 184 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS tempo o grau de violéncia. Em Barbacena, a primeira fase corresponde ao perfodo que vai de 1930 a 1950. A partir do Durante a primeira fase ha certamente uma reducio da interagio entre os elementos de posicao alta pertencentes & facebes diversas, embora dentro de cada facclo esta interacko fesse méxima. Nesta fase Barbacena viu tOda sua vida social Fracionada. Dois clubes, duas r&dios, dois jornais; irmandades ara svngBen, inatituigbes, dominadas por ums out outra fa0gio; profbigao de casamentos mistos. O romance Serras Azwis tf Serene a politizagio de todos os setores da vida, o due mais rast ex confirma nossa afirmacio a respeito da dominincia ‘Dentro de cada grupo verificava-se a hipétese, com mé- xima interagio politica entre as famflias centrais ¢ minima entre as familias periféricas. Esta fase, no entanto, foi proviséria. Foi apenas o proce nio padece de desequilibrio de posig&io e se beneficia da cisio anterior como um auténtico “tertius gaudens”. z Assim é que aos poucos a situagio vai novamente-voltand @ configuracéo anterior. As familias centrais oon BARBACENA: A FAMILIA, A POLITICA 185 nicar-se, principalmente através de associagses de elite como © Rotary e o Lions. A freqiiéneia aos clubes deixa de obedecer ao facciosismo, surgem clubes neutros e apoliticos. Nossa hipétese 6 que 20s poucos se restabelecerio as relagées entre as familias centrais pertencentes a faccdes dis- tintas. Este restabelecimento j4 se verifica em setores apoli- ticos e paulatinamente se estenderé a todos os setores de ativi- dades. As dificuldades em grande parte so devidas & violéncia da luta que deixou profundas migoas na gerac&o que a viveu. ‘Mas tudo isto desapareceré com as novas geracces. E, como jf dissemos, a violéncia nio é intrinseca a esta Iuta. Nao pode- mos comparé-la 4s Iutas de familias estudadas por Costa Pinto. Nestas iltimas a honra da familia é empenhada e elas 86 terminam com a eliminagio fisiea de um dos contendores. Em Barbacena a Iuta é apenas politica e tem a funco princi- pal, embora nem sempre manifesta, de permitir um contréle simultaneo do poder pelas duas familias. A violéncia pertenceu a uma fase jé superada. E nada impede uma divisao paeifica do poder, legitimando-se cada familia pela capacidade que de- monstre como agenciadora dos interésses dos clientes. A interagéo minima entre os elementos baixos pode pare- cer mais estranha. A vida urbana elimina, de inicio, as fron- teiras fisicas das fazendas e reune geograficamente as pessoas, As atividades urbanas, igualmente, permitem contatos fre- qiientes nos locais de trabalho, de lazer ete. Pareceria diffcil falar, ent&o, de interacio minima num grupo que representa parte aprecidvel da populagéo. E o seria, realmente, se nos referissemos aqui a todo e qualquer tipo de interacio. Mas o que nos interessa é a interagio politica, a que diz respeito a0 poder politico. E quanto a esta mantemos a hipétese. O inci; sio os be fade Si itativo, 0 sindicato, que conta com mais de seu 6rgéo represent ” das rela- {il sécios, néo representa de modo algum # quebra 2 - falar aqui no 86 das relagdes sea patrimontalistas. 1 podess®e @ivida as polfticas mas também das relagdes econdmicas, sem 186 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS is importantes para a posi¢io social. Em Barbacena encon- Ee oS Lesutigelioes de relagées industriais encontrados por JUAREZ BranpAo Lorgs em fabricas da Popasgia Mata Do ponto de vista econémico, a relaco operario-patréo ainda se faz em grande parte por contato pessoal. O operério nao recorre ao sindicato por medo de represilia do patrao. Vérias praticas patrimonalistas estéo ainda em vigor ¢ a participagéo na vida sindical 6 minima. O mesmo se diga quanto & polf- tica. O sindicato nfo formula os interésses dos operdrios. Nao tem posic&io ideolégica ¢ niio exerce pressiio sébre os politicos. Basta dizer que o voto operario em Barbacena ainda é predo- minantemente PSD e UDN. Os contatos com os politicos, a semelhanca dos contatos com o empregador, sao pessosis, dire- tos. Basta passar um dia na casa de um politico para se com- preender o mecanismo do sistema, A ela acorrem todos os tipos de pessoas com todos os tipos de problemas a serem resol- vidos, desde a consecugio de um emprégo até & solugio de um caso policial, de uma briga doméstica. Confirma-se ai também, a existéncia de interagiio média entre altos e baixos. Outros sindicatos, néo tém igualmente nenhuma atuagio politica. A caracteristica feudal de interacéo minima entre os elementos baixos se verifica plenamente em Barbacena, tanto na politica como na economia, Coneluimos, assim, pela validez de nossa hipétese, com as ressalvas apresentadas, também para a fase posterior a 1930. A fragmentagéo da lideranca n&o modificou a estrutura das relagdes sociais, Apenas institucionalizouse uma divisio de poder entre familias tradicionais anteriormente unidas. Basta que se atenda ao fato de que Barbacena permanece totalmente fechada & penetragao de elementos nfo pertencentes a alguma de suas familias tradicionais. Um elemento de fora encontrar, unidos contra éle, todos os chefes politicos em luta dentro de Barbacena, BARBACENA: A FAMILIA, A POLITICA 187 4 — ASPETOS METODOLOGICOS © IMPLICAGOES ‘TEORICAS ‘A guisa de conclusio, queremos, neste capitulo, fazer al- guns breves esclarecimentos e algumas, também breves, obser- ‘vacoes, Como ja ficou dito na introdug&o, o que fizemos foi ape- nas Jevantar uma hipétese explicativa para a realidade politica de Barbacena. Para isto nos baseamos principalmente em dados estatisticos e histéricos e em entrevistas pessoais. Tomamos como hipétese uma teoria das estruturas feudais e indicamos, com base nas informagées colhidas, como a realidade politica de Barbacena se enquadraria dentro desta teoria. Nao se trata de um teste da hipétese. Para testi-la necessitariamos de outras modalidades de investigagio. # trabalho que talvez venhamos a realizar quando o permitirem as circunstaneias. Para a pri- meira fase, aliés, bastaré uma coleta mais exaustiva de dados estatisticos e histéricos, de vez que no é possfvel outro tipo de investigagdo. Acreditamos mesmo que os dados levantados demonstrem com suficiente exatidao a validade da hipétese. O mesmo no se dé para a segunda fase. A par de mais dados estatisticos, seré necessirio aplicar outros processos de inves- tigac&o, como o questionario, para um teste definitivo da hip6- tese. Teremos que determinar com mais exatiddo quais sio as familias centrais com posigéo alta, as relacdes entre estas familias, a importaincia do elemento familiar no recrutamento politico, o predominio da dimensao politica, a natureza das rela- Ges clientelisticas, as motivagGes eleitorais, o mecanismo e as consequéncias do fracionamento da lideranca. Sémente apés um estudo desta natureza sera possivel coneluir-se pela vali- dade total, pela validade parcial ou pela nao validade da hipé- tese. Ou mesmo, poderd éste estudo sugerir desdobramentos ou aperfeicoamentos da teoria de estruturas feudais que utiliza- mos, na fecunda dialética entre teoria e pesquisa. Independentemente da confirmagio ou n&o de nossa hipé- tese, o presente trabalho nos permite tirar eertas conclusdes e fazer algumas observagées de cariter tedrieo em relacio aos estudos politicos em Minas. iss REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS ‘A partir dos estudos pioneiros do prof. OrLaNpo M. CarvatHo," uma das teses mais difundidas s6bre 0 compor- tamento eleitoral é o enfraquecimento dos partidos de centro, PSD, UDN, PR, em beneficio dos partidos urbanos, PTB e PC. Os partidos de centro seriam essencialmente rurais e a urbanizagdo seria o fenémeno responsivel pela transformacio. Esta tese do prof. ORLANDO M. CARVALHO niio se con- firma em Barbacena. Se éle encontrou 50% de elementos ligados & agricultura, pecudria e comércio entre os prefeitos do PSD e da UDN em Minas, em Barbacena estas cate- gorias profissionais nio possuem um tnico representante entre os prefeitos e candidatos a prefeito de 1930 até hoje. Para os vereadores o prof. ORLANDO M. CARVALHO encon- trou 72% para o PSD e 61% para a UDN. Em Barbacena temos 42% para o PSD e 46% para a UDN. Por outro lado, 0s profissionais liberais representam 95% dos prefeitos e can- didatos a prefeito em Barbacena e 36% dos vereadores. Nas eleicdes de 1962 os vereadores funciondrios piblicos represen- tam mais de 50% do total, ao passo que os fazendeiros apenas comparecem com 13%. Se usarmos, portanto, o critério da ocupagéo para determinar o “ruralismo” ou a “urbanidade” de um partido, em Barbacena o PSD ¢ a UDN sao partidos urba- nos, tanto quanto o PTB, Além disto, a acentuada urbanizagio de Barbacena nfo trouxe prejuizos aos partidos centristas. Notamos, realmente, certo crescimento do PTB mas vimos também que éste crescimento néo significou nenhuma modifi- cou no processo politico, obedecendo 20s mesmos padrées clientelisticos do PSD e da UDN. Daf julgarmos procedente a observagio do prof. JUxi0 BARBOSA quanto ao uso de categorias ocupacionais como indi- cadoras do sentido urbano ou rural de um partido politico.* 21. “Ctr. ORLANDO M. CARVALHO, Ensalos de Sociologia Eleitoral, ed. da RBEP, Belo Horizonte, 1958. * ie 18. Cfr. JOLIO BaRBos, Andlise socielégica das eleighes de 1963 2 om Minas Gerais, em: Rev. Bras. de Ciéncias Sociais, vol. IIT, no 2, 1963, p. 822 s, BARBACENA: A FAMILIA, A POL{TICA 189 © caso de Barbacena mostra claramente que clementos do ocupacio tipicamente urbana podem adotar pautas de compor- e federais, so também advogados. Sio, portanto, profissionais “urbanos” que lideram a politica tradicional em Barbacena. volvimento e & modernizacio. O fato talvez explique a maior rigidez ideolégica da UDN pois, segundo o prof. ORLANDO DE CarvatHo, em 1952, 87% dos deputados estaduais e federais déste partido eram advogados, contra 38% do PSD, onde os médicos chegam a predominar na bancada estadual. © outro fator de estabilizacio para a politica barbacenense. » Segundo o prof. JéL10 Baxsosa, s6 nas cidades maiores (de mais de 20 mil habitantes), estaria sendo destruido o complexo patrimonialista-familiar, com o erescente desenyol- vimento dos setores secundario ¢ tereidrio da economia.* Barbacena & mais uma vez excegio, Pelo iiltimo recenseamento, € a 6" cidade de Minas em ntimero de habitantes (41.931), com um setor secundério aprecifivel e um terciério superdesen- volvido. No entanto, vimos que, assim como as ocupacées urba- nas, também as organizagées urbanas como sindicatos e associa- ;, nfo significam quebra dos padrées tradicionais. Valeria Se Seite aiuisdeas parties cea Jér10 Bar- ae enti 7. 19. JOHAN GALTUNG, Development styles, Aires, 1964, texto mimeografado. 190 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS relagées todo-parte numa determinada estrutura social. Mas néo a discutiremos aqui. Confirmando a hipétese do prof. ORLANDO M. CARVALHO, existe o estudo de Lum Sm.va sdbre Barroso, cidade préxima a Barbacena, onde recentemente se instalou grande fabrica de cimento.® Quer-nos parecer, no entanto, que 0 estudo Luiz Suuva deve ser aprofundado para apresentar resultados convin- centes, As razdes que vimos expondo nos levam a duvidar de que a transformacio tenha sido realmente profunda e signifi- que a derrota das grandes familias, Pois o crescimento do PTB em Barbacena se faz exatamente nos mesmos moldes do PSD e da UDN. Dai também que a desarticulacio das oligarquias observada pelo prof. ORLANDO DE CARVALHO, embora seja um fato, exige muita cautela ao ser interpretada, Nao precisa significar transformagées qualitativas. A clite fragmenta-se mas permanece a mesma. De tudo isto, podemos coneluir que para se fazerem gene- ralizagdes sObre a evolucéo do comportamento politico Minas, so necessérios mais estudos de casos como os de Luiz ‘Stuva € como o presente. A anilise apenas baseada em resulta- dos eleitorais globais ¢ itil mas nao é suficiente. S6 a compa- rag&o entre varias situagdes concretas nos poder capacitar a tirar conclusdes com maior grau de preciso. Fundamentalmente, o problema esté na maneira de se analisar o processo de industrializacéo e de urbanizagio. Esta 22, Ctr. LU SIA, Implicagées politioas do desenvolvimento industrial em Barroso - MG, em: RBEP, julho de 1960, pag: 284-251. pS demais abstrato. Pelo que podemos deduzir de nosso estudo, a correlac&o entre urbanizac&o, modernizagéo ¢ secularizacio, nos parece muito menor do que geralmente se acredita. Grande parte da urbanizacio em Minas se enquadra ainda no conceito de urbanizacéo priméria, como é o caso de Barbacena. H4 um desenvolvimento do tercidrio sem que o secundario se desen- volva no mesmo ritmo. Resultam as cidades cartoriais. Se o aso de Barbacena néio é tinieo, como queremos crer, éste tipo de urbanizagao ndo traz modificagdes fundamentais nas rela- Quanto & industrializacio, exeetuando-se a que se verifica recentemente na Zona Metalirgica, pouco vai além do nivel artesanal. As maiores indistrias so as de tecidos, pioneiras em Minas, embora com séculos de atraso em relacio a seu surgimento na Inglaterra. Ora, as relagdes industriais nestes estabelecimentos cabem perfeitamente nos moldes estabelecidos por JUAREZ BRANDAO Lopes e que verificamos em Barbacena. Nao sio relagdes capitalistas tipicas. Sao feudais. A andlise eueieioc = = = i enganos, Tina conclusio 20 inrp6e: os java da politica tém a sua frente um campo vasto © apaixonante. Que éles se modernizem mais rapido que nossas estruturas so- ciais e salam a campo para trabalhos de rigor eientifico cada vez mais apurado. SS A ae t= 192 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS 5 — BIBLIOGRAFIA (NESTOR MASSENA, Igreja em Barbacena, Rio, 1952. ALTAIR SAVASS!, Resumo Histérico do Municipio de Barbacona, ed. da Prefeitura Municipal, 1953. SOARES FennEMA, Reswmo Histérico do Municipio de Barbacena. C. GARDEN, Barbacena, Rio, 1940. JOSE BONIPACIO DE ANDRADA E SILVA, A Fazenda da Borda do Campo, 1901. GERALDO FRANCA DE LIMA, Serras Aswis, Rio, 1961. CONEGO JOSE ANTONIO MARINHO, Histéria do Movimento Politico que no ‘Ano de 1842 teve lugar na Provincia de Minas Gerais, Lataiete, 1939. ‘MMmaw pe BARRos Lavir, As Minas Gerais, Rio, 1960. “Avausre ve SAINT HILAIRE, Viagem as Nascontes do Rio 8. Francisco ¢ ‘pela Provincia de Goids, tomo I, Brasiliana, 1944. “Auguste DE SAINT HILAIRE, Viagem pelas Provincias do Rio de Janciro @ Minas Gerais, tomo I, Brasiliana, 1938. DANIEL DE CARVALHO, Estudos ¢ Depoimentos, 1+ série, Rio, 1958. ‘Onmverna ViANA, Instituigdes Politicas Brasileiras, 1° vol., 1955. Noto SANTANA, José Bonijdcio, Rev. do Arquivo Municipal, vol. XLVI, 1938. ConEcO RAIMUNDO TRINDADE, A Familia dos Andradas, separata do Anuério Geneal6gico Brasileiro, 1940. L. A. Costa Prvto, Lutas de Familia no Brasil, Brasiliana, 1940. (Cw REBEL HoRTA, Familias Governamentais de Minas, Segundo Semi- nério de Estudos Mineiros, Belo Horizonte, 1956. ‘Avoxso AmINOs DE M. Faanco, Um Hstadista da Repiblica, vol. 1, Rio, 1955. one 3 CanvatHo, Bnsaios de Sociologia Eleitoral, ed. da RBEP, 11958. WALDEMAR LADOSKY, Bvolupdo das Instituigbes Politicas em Minas Gerais, RBEP, ne 14, 1962. JOU BARBOSA, Andlise Sooiolégica das Bleigses de 1962 em Minas Gerais, Rev. Bras. de Estudos Sociais, vol. III, no 2, 1963. BARBACENA: A FAMILIA, A POLITICA 193 JOHAN GALTUNG, Development and intellectual styles, Buenos Aires, 1964, texto mimeografado. JOAN GALTUNG, A Structural Theory of Aggression, Journal of Peace Research, vol. 2, 1964. AMES S. COLEMAN, Community Conflict, Glencoe,TIL, The Pree Press, 1957. Lum stuva, Implicagées Politioas do Desenvolvimento Industrial de Barroso, RBEP, nv 9, 1960. HEU Jacvanme, O Nacionalismo na Atwalidade Brasileira, ISEB, Ric, 1958. _ TwaneZ BRANDXO Loves, Relations Industriclles dans deur Communautés Brésiliennes, Soctologie du Travail, ne 4, 1961. AMADEU ANDRADA, Discurso pronunciado na Assembiéia de Minas, “Minas Gerais” de 8-6-47. ‘ost BoNIFACIO L. DB ANDRADA, Contra a Reforma da Constituigto, na Detesa do Homem do Campo, discurso proferido na Camara Federal, em 8-5-63.

Você também pode gostar