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ALBERTO CAEIRO

O GUARDADOR DE REBANHOS
POEMA VII
Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia to grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E no do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo
o ceu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos
nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa nica riqueza ver.

X
Ol, guardador de rebanhos,
A beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?
Que vento, e que passa,
E que j passou antes,
E que passar depois.
E a ti o que te diz?

ALBERTO CAEIRO
Muita cousa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras cousas.
De memrias e de saudades
E de cousas que nunca foram.
Nunca ouviste passar o vento.
O vento s fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira est em ti.

XIV
No me importo com as rimas. Raras vezes
H duas rvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores tm cor
Mas com menos perfeio no meu modo de exprimir-me
Porque me falta a simplicidade divina
De ser todo s o meu exterior.
Olho e comovo-me,
Comovo-me como a gua corre quando o cho inclinado,
E a minha poesia natural como o levantar-se o vento...

A CRIANA
A criana que pensa em fadas e acredita nas fadas
Age como um deus doente, mas como um deus.
Porque embora afirme que existe o que no existe

ALBERTO CAEIRO
Sabe como que as coisas existem, que existindo,
Sabe que existir existe e no se explica,
Sabe que no h razo nenhuma para nada existir,
Sabe que ser estar num ponto
S no sabe que o pensamento no um ponto qualquer.

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