Você está na página 1de 10
OAUTO DOS O02 Onde se vé como a Universidade capricha no subdesenvolvimento Etaberedo em marc, deste ano (1962), por uma equipe do, Cenro Popular de Cultura” do ‘Unit’ Nacional dot Enudanes, Auto. 20s 9% ico dee fo, wma dai tenttvas mais een pare a concinl Soran da’ masa estuiant’ cont vt uma nadie Reforma Univers E50 qu, ‘por squla reir Fpcen volta ter debatiag no Il Semind io detent ae Reforme Univer, realizado em Carlee. Percorendo totes ae capi braces, jntomente, om, dverscs our ros fettor aprereniads pela UNE-slane, 0 auto tox 99% fez om. cue, Fond Titman’ anpln's popaiter Eri por oseto. ie ereve ger ‘nea poritpogao de 1/3 nox” dros unlvratias, 09 estudote a0 tea ‘en lear‘ pav, rape bie ma quo, de Sobde & es Sngedle de encenarert chute” Auta ‘Bextor indo como" pusiorss, axors apresentado & apanes 0 rce soup Baia th gee nd de wi ctaricce mateantet fa etre fetouigase, depetcenco aa ecasce % G0 pablice «gue % dae (Nota de apresentagto de poze quando de sua ‘Tempo Brace) tipo pete revista Sem a colaborago da Universidade VOZ — Tudo era siléncio na imensa terra verde e imen- ‘sa, debrugada no céu a convidar os homens & hu- manidade. Terra verde a prometer futuro. Tudo era siléncio. Verdade que os rios cascalhavam um murm rio eterno, os passarinhos pipilavam facetos, as &r- vores gemiam sua imobilidade no ouvido dos ventos Mas Agua cascalhando, passarinho pipilando e ar- vore gemendo no quebram siléncio em prélogo de peca embuido de doce ¢ nacional lirismo. Portanto: tudo era siléncio, Agua. Ah! Enxurradas de gua, despotismos de ‘gua, impérios de Agua a prometer um povo limpo, cheiroso e macio, Naquela época havia égua. £ incontestavel. Inémeros documentos provam a exis- téncia de Sgua no Brasil. Imenso Brasil, gordo Bra- sil, sumarento Brasil a jurar um brasileiro salomé- nico, cristalino, carregado de abragos € sortisos ¢ calma ¢ paixio e verdade, Um povo a semear ver- dade € ris. Equipe de redacio do Centro Popular de Cultura da Unifio Nacional de Estudantes TEXTO Anténio Carlos Fontoura ‘Armando Costa Carlos Estevam Cecil Thiré Marco Aurélio Garcia Oduvaldo Vianna Filho MUSICA Armando Costa Luis Carlos Saldanha Cecil Thiré Marco Aurélio Garcia esta pega jamais poderia ser escrita. Mas, eis que... Eis que. Oh! Bis que entio, ot, ento ca chegaram os portugueses. E entdo. . Ento comegou o pega pra capar. Comecou a nossa histéria do salve-se quem puder. Comecou a hist6- ria do Brasil, que jé foi hist6ria de todo o mundo, de tudo quanto € pais grande, de tudo quanto é baronete, condessa, peralvilho, mandriéo que se es- palharam pelos século’ Hist6ria que j foi de todos, de todos, menos do Brasil. Brasil seco, mirrado, de costela de fora, de pires na mao. Do outro Brasil s6 ficou o siléncio. Arvore se~ cou, Passarinho, a Casa da Banha vende e diz que € frango. Agua, Lacerda escondeu, Fartura. Ver- dura, Fartura e verdura voaram, Vamos comecar da Epoca em que tudo era verde. . (Entram dois indios em cena.) INDIO 1 — (Entra com caca.) Indio eu deu boa ca- at INDIO 2 — Indio eu no deu boa cagada. 89 INDIO 1 — Indio eu dividir com indio vocé. INDIO 2 — Meio a meio. Boa! Boa! (Dividem a caga. Mostra uma fruta.) Indio eu achou fruta. INDIO 1 — Indio eu nao achou fruta. INDIO 2 — Rachar! Rachar! (Entram mais indios. Di- videm potes, cachimbos, comida.) CORO — Pacapé, pacapa ‘Se tem muito papapé Passa pa ca, passa pa ci. Divide paps Divide comida ‘Vida encomprida. ‘Tem papapé? Passa pi c4, passa pf cf. (Eniram os portugueses. Cabral assopra a vela que Caminha segura. Um padre. Os indias recuam em clreulos. Othart tudo.) CAMINHA — 6 Cabral, tenho reparado, faz dois me- ses a caravela nfo avanga mais. CABRAL — Nio tenho deixado de perceber iss0, 6, Caminiia, Mas por muito que me ponha-a matu- tar, nfo atino com a causa. CAMINHA — (Cheira.) C4 entre nés. Ha dois meses ‘que no me vem as narinas aquele agradavel odor de maresia CABRAL — Sabes, 6, Escriba? Cé entre nds: as vezes chego a desconfiar que j@ estamos em cima d'algu- ma terrinha, CAMINHA — (Entrega a vela ao padre.) Vou ver isso, Agiientai a mao um instante, Reverendissimo. (Dé alguns passos. Otka.) Pois, pois, mestre Cabral Nio € que estamos mesmo em cima do Brasil? CABRAL — Pois, pois. Se c4 estamos, ouso dizer que é porque c4 chegamos. Se assim é, ora bolas, est des- toberto 0 Brasill (Dangam o Vira e canta.) 08 DOIS — Ai que rico *— descobrimos 0 Brasil ‘Ai que rico — uma terra d’além mar. ‘Ai que rico — dia 21 de abril ‘Ai que rico — uma terrinha pra explorar. CORO — (Dos indios.) Foi seu Cabral, Foi seu Cabral, No dia 21 de sbril, Dois meses depois do carnaval, Comesando a exploragio nacional. CAMINHA — (Escrevendo andando pelo palco.) Fre- rmosa terra a nova terra, El-Rei, Muita coisa nos ha de render, posto que é terra em que se plantando tudo dé e os nativos levam os comos mais trouxas {que meus olhos jé tiveram oportunidade de ver. El- Rei, acredite: € mole! £ mole, El-Rei! Como vio as hemorréidas, Alteza? Quero-lhe bem, queira-me bem, Se essa caravela nio se desviar outa vez, ai estaremos para as bacanais setembrinas. Guardai- nos cortesis, Altezal Caprichai, ELRei, que leva- mos novo alento as nossas burras. Um abragdo e um queijo. (A Cabral.) Vamos & vida, 6, Cabral. (Saem. O padre se ajoelha para rezar.) INDIO 1 (Aponta flecha,) Indio eu vai dar flechada no Coisa Preta. INDIO 2 — Coisa Preta garantir pap4 pra trés luas. PADRE — Abaxare flecham que apuntam ad me. Mi ve- 90 nito cumo amigorum do peitum. Abaxare flecham! ‘Abaxare flecham! INDIO 1 — Coisa Preta fala! INDIO 2 — Taca flecha nele! PADRE — Venito cumo amigorum. Maneiraibus! Ma- neiraibus! CORO — Ché, chd, Coisa Preta, Ch6, ché! (Os indios recuam. O padre sorrindo, O indio dé um berro e cai no chao. Silencio.) VOZES — Indio vai morrer! Indio est morre no mor re. Foi Tupi! Tupa esté zangado com Coisa Preta. ‘Tapa castigou indio porque indio viu Coisa Preta. Vai morrer! CORO — Indio methor cagador, Indio melhor cagador, Tem dor, Tem dor, Indio vai morrer: Vai diminuir 0 que comer. PADRE — (Avanga entre os indios.) Com licengorum. ‘Com licengorum, (Ajoelha-se ao lado do indio que estrebucha. Os indios choram. O padre tira um ¢s- pinko do pé do indio.) Essere somentem um espi nhorum que entrou no pesorum delem. Esté cura- dorum da silva. (O indio pde-se de pé. Os indios riem. Batem palmas. Aos poucos ajoelham-se na diregao do padre.) CORO (Ao padre.) Tupi! Tu és Tupa! Tu és meu, Ge- raldinal Tupal Tupa! Tupa! (O padre sorri agrade- cido, O padre tira colares coloridos do bolso. Os indios quando avistam os colares pulam de satisfa- ¢ao. Estendem a mao para o padre.) Buginganga. Buginganga. Bugingangorum. Thi, que legal, meu! Que legal! Bonito s pampas! Bugingangal (Cantam.) Bugigangorum, bugigangorum. Indio quer bugiganga, ‘Mesmo que continue de tanga. Parece que seré essa a hist6ria do Brasil: Cheio de bugiganga, Sempre de tanga. Cheio de bugiganga, Sempre de tanga, Me da, Me d4. Me dé. PADRE — Trabalharem. Trabalharem enton. Trabalh: rem em coisae dignificantii de homini ¢ enton ga- nharibus bugigangorum. Non essere mais selvagem, com vergonhorum de forae. Non mais brigare, an- dare de barrigorum no chao atrds de bichorum. Tra- bbalhorum garantido. Trabalhorum civilizato. Esta- rem vendum aquelas arvéreas? Essere Pau-Brasil Pau-Brasil dé dinheiro as pamporum. Cortar arv6- reas! Cortar arvéreas! (Vai tirando as flechas dos indios e jogando no chao. Dé colar em troca. Os indios fazem mimica. Ao invés de cortar as érvores, eles empurram a drvore. O padre ri muito.) Ah, ah, ah! Muito gozadorum. Non emputrare arvéreas. Essere mais mole cortar arvéreas. (Dé um macha~ dinko pra cada um. Tira tudo de dentro de wm bbolso enorme.) INDIOS — Legal! Legal! (Trabatham desordenados. Se- gurando mal a machadinha, mas trabalharn.) PADRE — (Canta.) Gloria a Deo. Gloria 2 Deo. Novas ovelhorum Para vostro rebanhorum. (O padre se dirige ao indio que trabatha mais certo.) Tu trabathou maisorum que os outros. Ganharibus mais colares. (Dé mais colares para ele.) INDIOS — Eu quero. Eu queria. Ei!, seu péroco! Ei! PADRE — Ganharibus mais 36 se trabalharibus mais INDIOS — Quem esta trabalhando € indio. Tudo indio, Precisa pagar indio. Um pagamento sé. PADRE — Non sinhoribus. Essa essere onda de comu- nistorum, Mi paga para quem trabalhorum maisorum. Cada um por si et Deo por todos... (Os indios voltam a trabalhar.) INDIO 2 — Isso de cortar érvore encheu indio eu. INDIO 3 — Vamos cacar de novo. INDIO 4— Coisa Preta diz. que é feio cacar bicho, Fi- car com a vergonha de fora. Coisa Preta nao cura pé de quem anda com flecha. Coisa Preta néo dé colar para quem anda com flecha. Coisa Preta diz que ft dio nunca mais vai passar fome no inverno. INDIOS— O jeito é continuar cortando arvore. (Traba- tham outra vez. Entra um portugués com um saco de farinha e uma colher de pau.) PORTUG. — (do padre que ficou no canto da cena.) ‘Sou Dom Fulano de Tal da Silva ¢ Silva ¢ tome Silva 16 vai Silva, El-Rei, Dom Manuel, 0 Exploradoro- 50, houve por bem’ ceder-me estas terras. Sou 0 donaté PADRE — Benvenutorum, Exceléncia. Pode botar pra jambrar, Exceléncia, Os indios estio domesticados. Largaram a flecha. Sao todos fis da Radio Nacio- nal... (Os indios estao esfalfados. Param de tra- bathar. Fazem fila para receber.) PORTUG. — (Ao primeiro.) Dois troncos: uma colher de farinha. (Ao outro.) Quatro troncos: duas colhe- res de farinha. INDIO 1 — Cito troncos. PORTUG. — Muito bem! Muito Bem! Quatro colheres de farinha. INDIO 1 — (Pega 0 que ganhou.) Rachar. Rachar. Ra- char. (Os outros indios pegarn.) CORO — Pacapé, pacapé. ‘Tem muito papapa? Divide 0 papi. Divide 0 papi. (Voltam a trabathar.) PORTUG. (Marca o ritmo.) Um, dois; um, dois; um, dois PADRE — (Reza max rdpido.) Gléria a Deo. Gloria a Deo. (Novamente a fila se forma.) PORTUG. — Dois troncos. Meia cother de farina. INDIO 2 — Uma colher! Uma colher! PORTUG. — Meia coher. O prego do transporte aumen- tou. (Ao outro.) Quatro troncos: uma colher de farinha INDIO 1 — Cito troncos. PORTUG. — Duas colheres de farinha INDIO 1 — Que duas? Quatro! PORTUG. — Duas ¢ olhe lé INDIOS — Rachar. Rachar. INDIO 1 — Indio eu nao rachar! Nao chegar nem para {ndio eu. Nao rachar! INDIOS — Rachar! Rachar! INDIO 1 — Rachar uma banana! Como disse Sagrada Coisa Preta (Aponta o padre.): cada um por si € Deus s6 na arquibancada, INDIO 1 — Mas que rachar? Rachar era no tempo em {que @ gente era selvagem. INDIOS — Vamos morrer de fome! INDIO 1 — Também estou passando mal. Ainda nem comprei a altima bugiganga lancada pelos portuga. Tenho que cuidar das criangas. INDIOS — Nao vamos mais cortar rvore! Vamos cacar outra vez! Vamos cagar outra vez! (Vao saindo. In- dio I fica cortando drvore.) (Portugués dé presen- tes ao Indio 1.) PORTUG. — Fagam como ele (Aponta Indio 1). Tem ‘as melhores bugigangas do pais. Porque sabe traba- Thar. Obedece & marcagio. Vio se danar, 6 nativos! Vio se danar! Nao tem mais caga, Agua acabou. 6s derrubamos muitas drvores, 6, bocds de motal Acabou frvore, acabou fgua, acabou bicho. Vo se danar, 6, audistas! melhor trabalhar comigo, 6, precurssores dos nordestinos! (Indio I fica traba- thando. O padre e 0 donatério que nao participam dessa préxima cena vao para um canto.) INDIO 2— (Depois de procurar.) Terminou a caca! INDIO 3—Terminou gua. Bicho foi embora INDIO 2—Terminou agua. Tupa levou égua embora, INDIO 3 — Mais forte que Tupa € 0 Deus do Coisa Pretal INDIO 2— Coisa Preta sabe muita coisa! INDIO 3 — Marca a gente bater uma caixinha com ele, (Ao padre, que se adianta.) (Rodeiam o padre.) INDIOS — Agua acabou! Agua acabou! Indio vai mor- rer! Indio vai morrer! Temos mais fome ainda. E 0 inverno nao chegou. Vai tudo de mal a pior, 6, p- roco. Indio vai morrer! Indio vai morrer! PADRE — Non, non, amigorum. Non dizere semelhan- tibus barbaridorum. Me cortarem coragon. Non. Precisare trabalharem melhore. Voltar a trabalha- INDIOS — Nao. Cortar frvore, nfo! Tupa castiga! Tupa castigou! PADRE — Tupanzorum? Mas quem essere Tupanzorum perto de Deo? Essere pinto! Essere pinto! Deo criato terra et ceu et Sgua et drvore et etecetrorum. Mas Deo quer ver homini no batentorum, Ai, enton, Deo ajudar homini, Vocés cortarem arvéreas muito mal. Sem pacienciorum, Non podere! Precisarem aprender a trabalharem. (Mostra o Indio I, que continua a trabathar.) Ele sabe trabalhar. Trabalha para por- tuguesorum. Essere 0 precursor do Eugenio Gudin e do Gustavo Corgao. Ele tem mais farinha. .. (Pega um livro.) Venite. Apréndere. Apréndere. Aprénde- re, Conhecére a voz de Deo. Apréndere pacienciae. Apréndere {6 Apténdere esperanca. Apréndere a essere obediente, respeitoso © simpaticorum. Venito! (Reune os indios.) (Resmunga.) Deus dividiu os homens em dois tipos: os brasileiros e os inteligentes. Brasileiro trabalha, inteligente comanda. CORO — (Depois de um tempo) Rosa, rosae, rosam, 1 rosa, rosa. Rosa, rosae, rosam, rosa, rosa. Rosa, rosae, rosa, rosam, r0sa, rosa (Cantam.)' Gloria a Deo. Gloria a Deo. Mais ovelhorum Para vastro rebanhorum. PADRE — (Sorrindo.) Idebus para 0 batentorum. Ide- bus! (Os indias voltam para o trabalho. Esto can- sados. Um cai. Um foge.) INDIO 2 — Nio dé pé. Nao 44 pé. (O donatério da um chicote para 0 Indio 1.) INDIO 1 — Trabalhar, indio bobo. Trabathart INDIOS — Nio bater! Indio irmao! Nao bater! (Indio 1 bate, bate. Os indios caem.) PORTUG. — Nao servem pra nada. Nao servem para nada. PADRE — Trabalharem, filhotorum meus. Gloria a Deo. Gloria a Deo. INDIOS — Gloria, gloria. Rosa, rosae, rosa, rosam, rosa, rosa... Rosa... (Um indio.) Fome, fome, fome. . INDIOS —"(Caem no chao.) Fome, fomei, fome. PADRE — Rosa, rosae, rosa INDIOS — Fome, fomei, fome.... (Siléncio. O Indio 1 continua a dar chicotadas. Desiste.) PORTUG. — Como 6, 6 Augusto Frederico Schimitd de ‘tanga, seus amigos no trabalham? INDIO 1 — Nao da pé, Exceléncia. Indio nao € gente. Indio é fogo. Perdoai-os, senhor, eles esto por fora da civilizagio. (Dé chicotadas e'os indios comegam a sair.) CORO — (Saindo aos poucos.) Se 0 Brasil assim comeca, Comeca mal, seu Cabral Vai acabar tendo Lacerda, Vai acabar dando Lacerda, Se 0 Brasil comega nessa Nessa desorganizacao. PORTUG. — Nao da pé! Nao da pél Esse negécio de catequisar indios termina assim, Bondade da nisso. Gastamos um dinheirao, eles pouco produzem, a In- glaterra a nos comer as vesiculas. O melhor & usar gente acostumada a ter o cangote abaixado. O me- Ihor € usar negro que negro nao é gente, desde que Deus os pintou de preto para facilitar a distingao. Que venham os pretos! (Entram os preios embro- ‘mando um ponto de macumba triste.) CORO — Tunga, iunga, iunga, je. Tunga, g€, i, Esa vida € pra sofrer! ‘Trabalhando pra senhor, Se sobrou alguma coisa, ‘$6 sobrou a nossa dot Tonga, iunga, iunga, jé. Tunga, g¢, if, io. (O donatério aponta o local onde os indios comeca- ram a derrubar drvores. Os negros vio e emipurram.) INDIO 1 — (Rindo.) Ah, ab, ah! Muito gozadorum. Muito gozadorum. Non empurrare arvéreas. Essere mais mole cortarem arvéreas. (Ri.) Selvagens! Rosa, rosae, rosa, rosam, rosa, rosa, (Marca 0 ritmo do trabalho. Dé chicotadas.) NEGROS — (Cantam trabalhando.) 0, 6, 6 92 Longe de nossa terra. ©, 6, 6, Longe de nossa vida. 0, 6, 6, A gente mesmo se enterra, 6, 6, Razio de viver perdida. 6, 6, 6 ‘Ogun a nossa dor. 6, 6, 8 ‘Vivendo a vida do senhor. PORTUG. — Mais depressa! Mais depressa! Time is money! Inglés é fogo. Nao brinca em servigo. Esto a nos arrancar até os bigodes! (O Indio 1 chicoteia ‘mais depressa e aumenta 0 ritmo.) INDIO 1 — Rosa, rosae, rosa, rosam, rosa, rosa, NEGROS — 6, 6, 6 ‘A nossa infelicidade, ©, 6, 8, Viemos ensinar saudade. 0, 6, 6, ‘Viemos ‘aprender canseira INDIO 1 — (Aumenta 0 ritmo.) Rosa, rosae, rosa, r0- ‘sam, 10sa, Tosa. NEGROS — Chau! (Saem.) (Entra um coro. Descrevem a luta de D. Joao Vie Napoledo, que também entram no palco. Napoledo corte atrds de Dom Joao VI.) CORO — Lé em cima a correr vem D. Joao VI. Cé em baixo a perseguir vem Napoledo. (Bis) Juntaram-se os dois para lutar, Foi um pega pra capar, D. Joo VI se mandou, Correu tanto D. Joao VI, Corren tanto que s6 aqui parou. (Bis) E para alegrar a sua vida, Tanta coisa cé criow E mais coisa nos levou. Criou escolas,-abriu portos, ora bolas, E até a faculdade pros fidalgos inventou. NAPOLEAO — Que vous pensez. gordinho? Je te cotu- quel Je te cotuque! (Sai.) D. JOAO — Ail que tenho as nédegas em fogo de tanto correr! Pois, pois, ja que temos de ficar nesta cold- nia, que se abram os portos, que se criem escolas c alfaiatarias e casas de pasto ¢ basta de aporrinha- gio! Que velham mulatas, os frangos e 0 meu rico dinheirinho! (Saindo. O coro sai atrds dele, Menos quatro que ficam.) CORO — Seu Jofo, 6, seu Joao! Depois da tua vinda Aumentou a esculhambagio. E para ficar na hist6ria, Cobrir teu nome de gloria, Caprichaste na exploracao, CORO — (Os que ficaram sao os candidatos a vesti- ‘bular.) Finalmente, finalmente! O primeiro vestibular. Felizmente, felizmente! Nao vo mais nos explorar. ‘Vamos estudar, Vamos estudar, Nos libertar. PROF. — (Entrando.) Todos se sairam muito bem! As letras gordinhas, desenhadas 2 capricho, as. provas, muito bem perfumadas, Todos se sairam muito bem. Em sendo assim, serd na prova de titulos que decidi- emos 0 concurso. Por favor, queiram declinar seus titulos. ALUNO — Cidadio portugués. PROF. — Pronto! Passou! Passou, meu filho, J4 esté dentro. Sem choro nem vela. Nao tem arreglo. Sem apelagdo, Vem de lé com um abrago! (Abracam-se.) CORO — Chegando a independéncia Vird a nossa vez Vai acabar a indecéncia De s6 passar portugues. (Aluno e professor continuam abracados. Entra um cara com uniforme de gala, bigodes, um pinico na mao. Entra um outro. Entrega-the uma carta, Ele 18 sentado no pinico, Furioso.) HOMEM — Independéncia ou morte! Papel!.. PROF. — Patati, pataté, a independéncia foi proctama- da, patati, patatd, os cambau, patati, mae, pataté, pataté. Sendo assim, seré na prova de titulos que decidiremos o concurso. Por favor, queiram declinar seus titulos. ALUNO — Bario de Cacapava! Bario de Cagapava! PROF. — Pronto. Passou, meu filho. J4 esti dentro. Embarcou direto. Ninguém rasga. Tu é meu, Ca- sapava!_Vem meu Bardo. Vem de abrago. Entra, Entra Cacapava. Vem de 14, Bargozinho! (Abra- gam-se.) CORO — Se a Repiiblica chegar, ‘Vai acabar a sopa do nobre, E na hora de estudar ‘Vai chegar a vez do pobre, (Entra um outro cara bigodudo de uniforme. Uma mulher vem até a entrada do palco.) MULHER — Nao vais hoje a tertilia? DEODORO — Que é, Virgitia? MULHER — Nio vais hoje a tertilia? DEODORO — Nio, MULHER — Nao vais ao sarau? DEODORO — Nao. MULHER — 0, Deodoro! Aonde vais entio? DEODORO — Vou proclamar a Repiiblica. MULHER — 0 que € isso, Deodoro? DEODORO —E lf sei eu?... (Sai correndo. Lé dentro grita.) Viva a Repiblical CORO — (De dentro, Chacho.) Té! Ta legal! Agora é Reptblica. Té! Té legal! PROF. — Patati, pataté, a Repiblica foi proclamada, pataté, taté, Queiram declinar seus titulo. ALUNO —- Filho do dono da fazenda Santa Parideira do Riacho da Mae Descabelada, 30'mil alqueires! PROF. — Pronto! Passou. Passou, meu filho. J4 esté dentro. Vem de I, meu latifundiariozinho! Ninguém rasga, nao. Embarcou! ~ CORO — Quando a maquina chegar E o progresso precisar, Nao de anel de lata, Nao de titulo pra pendurar, Mas de cabeca pra pensar, Vai acabar a mamata Do filho do fazendeito Vai acabar por inteiro Diploma por dinheiro © Brasil vai pensar! © Brasil vai_ pensar! E se abrira a faculdade. Para toda a Humanidade, Para o Brasil € sua felicidade! PROF. — Agora, meus filhos, todos podem estudar! ‘Todos podem entrar para a faculdade, Eo progres- so! A maquina! Especialistas! Todos podem fazer vestibular. Todos! Todos que tiverem diploma de curso secundério... Queiram apresentar seus di- plomas. ALUNO — Bacharel em Ciéncias ¢ Letras ¢ Desportos Mitidos pelo Ginésio Anglo-Franco-Portuga-Amerti- cano. (A platéia.) Dez. mil pratas por més. Fora 0 lanchinho. .. PROF, — Passou. Ninguém rasga. Vem de 1é, meu ba- charelete! Vem de la! (Sai abragado com ele.) CORO — Entio se abriv a faculdade Para toda a Humanidade, Para o Brasil e sua infelicidade! (O coro assume outra posigao.) E entio a gente viu Pela peca até agora Que aqui no Brasil Fica sempre de fora, Nessa coisa estudantil De entrar para a faculdade, Uma parte ponderével De nossa mocidade. Salve! Salve! Quem ¢ anatfabeto CORO — 57%, 57%, 57%, Nao vai pra faculdade. Quem ndo fez. ginasial CORO — 67%, 67%, 67%, Nao vai pra faculdade. Quem nao fez. cientifico CORO — 71%, 71%, 71%, Nao vai pra faculdade. Quem nao tem dinheiro ou vira beatnik Nio vai pra faculdade. Deu: 99%, 99%, 99%. Logo, entra na faculdade Um por cento do povo brasileiro! Viva 0 um por cento! Viva 0 um por cento Do povo do Brasil! Eo resto... €0 resto. Vai ficar sem estudar (Entra um bedel com bancos. Os alunos se sentam bedel vem com um violento sino.) BEDEL — Vai comegar a aula. Vai comecar a aula. Dentro de cinco minutos( O professor estd senndo re- tirado do sarcafago.) vai comegar @ aula. Vai co- rmegar. Cinco minutos. (Ao piiblico.) Terminada a fase ne- gra do ensino no Brasil, entramos numa fase ainda mais negra do ensino no Brasil... (Vai saindo.) © 0 resto. 93 Otha a aula! Nao precisa aprender, basta compare- cer. Olha a aula! (Sai um vethinho, o professor, do sarcéfago.) CORO — Venha conhecer a Universidade, ‘Aqui se ensina infelicidade, ‘Aqui se aprende a maldade, Aqui termina a humanidade. VELHO — (Todos param. Como se desse aula.) A di- ferenga entre suicidio © homicidio é uma questio de pontaria! CORO — Venha conhecer onde se ensina ‘Aqui comega nossa triste sina A vida passando, a gente na esquina. Nao sei: mais 0 que rima com ina! VELHO — (Tudo péra de novo.) Quais so as causas da segunda guerra mundial? Ora, nao houve causas! 0s japoneses atacaram de surpresa. Como € que se pode saber as causas? Foi de surpresa! CORO — Aqui entram os mais inteligentes, ‘Que daqui saem tudo, menos gente. Nio hi povo no mundo que agtiente Viver sua histéria como indigente! VELHO — A coisa mais importante da medicina ¢ 0 consultério. .. (Retorna ao sarcdfago.) (Aluno se caproxima do bedel.) ALUNO — E médico? BEDEL — 200 contos! ALUNO — 200 contos? E engenheiro? BEDEL — 150 contos! ALUNO — Chi! Advogado? BEDEL — Cem! ALUNO — BE... Nao dé, Me arranja um diploma de farmacéutico mesmo! CORO — Ah, ah, ah, ah! ‘A Universidade, Que debilidade! Ab, ah, ah, ah, ah! (Os alunos sentam. Entra um professor que fica vs- tético, pronto para dar a primeira aula.) BEDEL — (Passa na frente da cena, badalando.) Ciéncias Sociais. Ciéncias Sociais © homem & a sociedade Sociedade 0 homem que faz E preciso estudar felicidade, PROF, — Em nossa tiltimo aula, vimos e fizemos um exaustivo estudo da familia, célula mater da socie- dade, sobre a qual repousa toda a ordem constituida. ‘Alguns sociélogos de vanguarda admitem que as caracteristicas da familia nao so tnica ¢ exclusiva- mente aquelas que por natureza divina ela possi Dizem, os que assim pensam, que ela sofre, € nao raras vezes, influéncias do meio ¢ da sociedade que ela propria constitui. Ora, j4 vemos, portanto, de i cio uma contradigao: se ela € de fato a célula mater da sociedade, como pode ser influenciada por esta? ‘Ab! Sem sermos tio radicais como esses sociélogos, diremos, entretanto, que existem fatores que influen- ciam a familia, Isto afirmamos, nao levianamente, porém apés anos € anos de pesquisa social que nos conferem relativa autoridade para abordarmos este assunto. Sofre influéncia a familia, por exemplo, pe- los meios de divulgacao, como a televisto, radio ¢ 94 a imprensa. Neste tiltimo particular, julgamos de in- calculével importancia uma clara diferenga numa das formas de imprensa: trata-se dos jornais, aos quais cumpre distinguir em dois tipos: os matutinos © 08, vespertinos. Por matutinos entendemos jornais que saem e devem ser lidos pela manha. Por vespertinos entendemos os que saem e devem ser lidos a tarde. Os senhores talvez estejam inquietos por saber qual © significado desse devem, que eu mencionei no p rfodo anterior, a0 dizer que os periédicos tais e tais devem ser lidos a tais e tais horas. Coloquei esse devem unicamente por rigor cientifico. Em verdade, nem sempre so os matutinos Tidos pela manha ou os vespertinos & tarde. Ha quem os leia A tarde € & n te, respectivamente. ALUNO — (Com ar apalermado.) Professor? Qual 0 pa- pel das edigdes extras? PROF. — Embora isto néo conste da matéria, no me furtarei A resposta. As edigdes extras apresentam uma caracteristica muito importante: tratam-se de jornais que trazem noticias de grande relevancia, e, ‘conseqiientemente, produzem sobre as familias que os Iéem um impacto de conseqiiéncias imprevisi- veis... Satisfeta a justa cutiosidade do meu disci- pulo, complementarei esses esclarecimentos dizendo a quem se dirigem os jornais: a apenas uma classe social — a dos alfabetizados. Talvez 0s senhores nestes trés anos de sociologia no tenham ainda tido contato com o conceito de classe social. Sem querer me aprofundar num problema que pouca magnitude apresenta para a sociologia, direi que classe social é tum estado de espitito. Donde se conclui que se im- poe cada vez mais uma atividade espiritual junto as camadas inferiores, a fim de fazer com que 0 operd- rio, através de um proceso psicolégico de soergui- mento de sua consciéncia, se transforme em homem da classe média e assim sucessivamente até atingit @ perene felicidade da alma. Por hoje € s6! (Terminada a aula. Escurece, O professor continua estatico. Alunos também. Estudante vem para a frente.) (Entram operdrios ¢ mulheres com filhos no colo.) OPERARIO — Aumento! Aumento! Aumento! ESTUD. — (Faz wm sinal, Param os gritos.) Eu sei que vocés precisam de aumento de salério. Mas vocés, logo que ganham um pouco de dinheiro a mais, que 6 que fazem? Ao invés de comprar uma casa com jardim e quintal para a criangada brincar, ficam mo- rando em barraco, jogam tudo no bicho. Bartaco deprime, D& a impressao que a vida no se lembra da gente. Ao invés de cuidar da alimentagao: um jantarzinho com um bom bife, uma salada de raba- nete, um ovinho a la ostra, gastam tudo em cachaca, em amuleto e vela pra acender pra Sio Jorge. N&o pode! Nio pode! Vocés precisam mudar o estado de espirito de vocés. Brigam 0 tempo todo, no traba- Iham direito, esbanjam dinheiro, vivem doentes. De- sistem de viver. Voc’ nao sto pobres, nao! Vocés sio desorganizados. Precisam um pouco de gindstica. Um, dois, um, dois, um, dois... Olhar a vida can- tando. A’vida € bela! A vida é bela! Olhar a vida cantando: “A vida € bela, 6, Maria...” Sorrisos! Confianga! OPERAR. — Vai aumentar o salério ou nfo, 6, pa- pagaio? ESTUD. — Nao 6 possivel 0 aumento. Compreendam. (© custo de produgao subiu muito. (Os operdrios caem em cima dele.) OPERARIO — Salada de rabanete, nao é, glostora? Casa com quintal e jardim? Que tal se @ gente poe uma piscininha? Pega bem? Sorrial Sorrial A vida é bela, 6, Marial... (Saem. O estudante fica caido.) ESTUD. —+ J4 dew pra descobrir que Cigncia Social ‘Nao a mesma coisa que Dia de Natal. Faculdade forma cientista, diz 0 bedel E mentira, Forma, no duro, Papai Noel, Que termina mal (Volta para a sala de aula. Enquanto isso passa 0 bedel.) “BEDEL — Arquitetura, Arquitetura, Todo homem precisa de um teto. Se existe alguém na apertura, Vivendo onde ninguém atura, Algo hd que nao esté correto. PROF. — (Na primeira gravura vé-se uma coluna joni- ca.) Nos trés iiltimos anos fizemos um estudo até certo ponto aprofundado da coluna jénica. Pena que © curso s6 tenha cinco anos. Para absorver o signi- ficado intimo desta coluna é preciso uma vida, uma eternidade. As vezes chego a pensar: a humanidade existe para conter a coluna jénica. Sei que é fres- cura... mas, que posso fazer? Vamos agora aos detalhes desta maravithal (Vira a gravura. Capitel da coluna jénica.) Temos visto na cadeira de Colu- nfstica Analitica e Compenetrada a importincia do estudo minucioso dos capitéis. Uma coluna sem ca- pitel € como um casal de amantes sem cama. Vamos, nos dois anos que nos restam, surpreender os aspec- tos, os aspectos mais sutis da referida parte magna da coluna. Vejamos este, por exemplo... (Vira a gravura, Uma fotografia de favela. Os alunos mur- muram. O professor fica estupefato.) ALUNOS — Que é isso, professor? E arquitetura? B casa de pombo? F tiro ao alvo? E quebra-cabeca? E Pi- asso? PROF. — Isso é tanto objeto de arquitetura quanto um cachorro sarnento o seria de medicina. Bem, satista- amos a curiosidade juvenil. Trata-se de uma favela, habitagdo popular que no sofre a minima interfe- réncia de arquitetos, adquirindo assim esse aspecto rude ¢ desagradavel. Isso esté fora do Ambito de nossa profissio, porque tanto as casas como a dis- posigao delas sdo planejadas e realizadas unicamente pelos habitantes do morro. Mais comumente conhe- cidos como favelados. Como véem, eles mesmos dio conta do recado. Logo, nfo vale @ pena perdermos tempo com isso. Voltemos a0 nosso capitel jonico! (Vira a gravura. Detathe minimo da coluna.) (En- tra o bedel.) BEDEL — Histéria. Histéria. Vida ¢ amargura do homem, Onde sempre muitos trabalham. E (Go poucos, Tao pouquitos, comem! PROF. — As oito ¢ dezessete da manha de seis de se- tembro, D. Pedro acordou. Botou sua cueca verde. Hé controvérsias a esse respeito. Muitos dizem que cle colocou sua cueca azul. Muitos chegam a afirmar que D. Pedro nao usava cueca, Prefiro a cueca verde, seguindo a linha adotada pelos historiadores minei- ros, pernambucanos e brasileiros em geral. Tomou cha com limo, Cha de erva-de-bicho, Cha de erva- de-bicho! Anotem bem esse ponto! Sem ché de erva- de-bicho, D. Pedro proclamaria a independéncia? Somos independentes por causa do ché de erva-de- icho? Pena que D. Pedro ndo nos possa respon- der... De minha parte, prefiro uma posigao mode- rada: talver sim, talvez no. As nove e dezessete D. Pedro deu o seu primeiro arroto. José Bonifacio te declarado ao ouvir o arroto: “Ih! Af vem coisa”. Repito: “Ih! Ai vem coisa”. Pedréo: “Ih! Temos coisa”. Isso! nfo se sabe se ele se referia a um fu- rinculo que Ihe estalava nas nédegas ou se comenta- va a situagio politica brasileira. De qualquer ma- neira, podemos afirmar que a causa principal da declaragao da independéncia do Brasil 6 0 fato no- t6rio de que o Brasil néo era independente. Boa tarde! (Os estudantes ficam; de novo passa 0 bedel.) « BEDEL — Diteito. Direito. Premiar 0 bom. Punir 0 mau, $6 que € 0 mau que faz lei. $6 que é o mau que é rei. © bom que se vire! Terminei! PROF. — A introdugio a ciéncia do Dircito ¢ a cigncia que estuda tudo aquilo que é introduzivel a0 Direito. Nao, no é bem isto... Pera ai... Deixa eu ver... B sim... . Porcaria, agora eu nio sei ao certo. Dire to. Bem... & essa bagunca que tem por af... Como se pode definir... Sim, agora me lembro! B a cién- cia... Ora, que joga, nfo é que eu me esqueci de novo? Puxa que azar! Também, com uma turma como essa de vocés, nio dé pé! Ah! Lembrei. Direi- to € 0 que dé pé! (Ficam estdticos. Passa 0 bedel.) + BEDEL — Economia. Economia. Faculdade da mais-vali Onde o aluno aprende Que Joao & Companhia Nunca, nunca entram em fria, PROF. — Nosso assunto é 0 homem, Nés estudamos Economia. Ba cigncia que organiza o homem em seu contato mais prético com o homem, O homem tem que lucrar. Nao importa sobre 0 que, nem sobre quem, Lucro! Lucro, meu chapa! Podem dizer que 0 ucro € desumano, que lucrar é um verbo sem Iégica nem entranhas. Mas o negécio é que o homem do jeito que esté, tem de lucrar! Lucrar! Por isso, te vira, velho! Te vira! Sai por ai no meio da rua que ‘nem um possesso e inventa, cria, bola, castiga o meio mais eficiente de lucrar! Te viral Boah! (Ficam no- vamente estéticos.) (Passa o bedel.) | BEDEL — Filosofia, Filosofia, Preocupada com 0 sexo dos anjos. Em encontrar onde esté a alma humana, Filosofia. Filosofia. 95 | t ‘A razio € tudo ou é um arranjo? Filosofia. Filosofia. ‘A policia esta botando operario em,cana. Muita crianga morre antes de ser marmanjo. E voeé, Filosofia, que nos diz? Diz: que se danem! PROF. — O problema que hoje vamos discutir é de uma importincia transcendental meus’ ainigos. Trata-se da existéncia do nfo-homem ou da nao existéncia do hhomem; seria mais proprio dizer, da existéncia do nfo-ser ou da nio existéncia do ser, ou melhor, da existéncia do nada, existéncia esta’ que se dé em termos absolutos, excluindo, por completo, aquilo que certos filésofos chamam de real. Meus amigos. (Pausa.) Trata-se de provar que o real, como assim fo chamam, nao existe e que s6 0 irreal é verdadeiro. Em outros termos, diriamos que 0 que 0s outros chamam de real nds dizemos ser irreal € 0 que cha- mam eles de irreal, consideramos nés como real. Mais claramente: 0 ser deles. € 0 nosso nada ¢ 0 0 ser. Facil serd estabelecer a finir o ser. Comecariamos definin- do 0 ser como aquele que &... Logo deparariamos com um flagrante ferimento a l6gica formal, fazendo aparecer na definigdo de “ser” 0 elemento “é", jé contido portanto no conceito que pretendemos defi- rir. Se formos para o plano que certos filésofos cha- mam concreto, mas que, c4 para nés, nés conside- ramos abstrato, veremos 0 quio impossfvel se torna 1 definigio do ser. Vejamos um exemplo: onde vi- ram os senhores O tridngulo © O mixiagono? Eo poliedro? E o Angulo? E o losango? (Num crescen- do.) E 0 diedro?'E a sinfonia? E a guerra? E a pi- tria? E 0 latido? Au, au, au. A luz? A beleza? A vir- tude, a fome? O charrje? Ah! O charme! E a mari nha? Ea religiio? Quer de vés viu ou pegou a reli- gido? Ou qualquer dos elementos antes propostos? Pergunto-vos, finalmente, quem de vés viuo ser? ‘Quem de vés? Quem de vos? (Arrota,) (Siléncio total.) (Professor a um aluno.) O senhor, que é que esta pensando agora? ALUNO — Nada, professor PROF. — Esté afl Esté af! Ble nfo esta pensando nada, logo, ele nao existe, pois Descartes disse — penso, logo existo. E assim, eu chego & conclusao, dramé- tica, néo posso esconder, que nosso querido amigui- rho af sentado nio existe? (Aluno urra.) E_ assim, meus nao-discipulos, que vocés nao existem! E por- que nio dizer, eu, eu, pasmem!, néo existo. (Solta um urro.) Eu sou 0 nada! (Gritando.) Eu sou 0 na- dda! Esta aula nio existe! (Solta vdrios urros e repete varias vezes.) Esta aula ndo existe! Vocés nao exis- tem! Eu sou um ndo-professor. Vocés sio uns merdas! ALUNOS — (Enquanto isso os alunos gritam, urram, larem.) Belzebu, Belzebu, vai comer angu! ALUNO | — Galia est divisa in partes tres. ‘ALUNO 2 — 0 nio-objeto é a objetivacao do subjetivis- ‘mo nao conceitudvel! (Ri chora.) ALUNO 3 — Ela se move! Eu sei. Se move! ALUNO 4 — Quem? ALUNO 3 — Minha mio! Se move! v6. ESTUD. — Estamos todos em forma. Pela reforma que no viré. © reitor nos informa “Como reforma? Se Universidade no hé?” (Entra 0 coro de alunos.) CORO — Citedras do Brasil, parasitas da Nagio! ‘Que bela ligdo! ESTUD. — A Universidade € uma quimera, uma'balela- ‘Um conto de Fada, uma conversa fiada. > CORO — 0 colega pode erer, o colega ha de saber. ESTUD. — Que € um cabide de emprego, um lugar de s055eg0, ‘Onde a professorada que néo sabe 0 que diz, Fica boba e intrigada com o progresso do pais. CORO — Cabide de emprego, lugar de sossego. © colega jé morou Essa cambada nao € de nada! © que sabe, decorou! ESTUD. — Quem jé viu burro pastar? Quem jé viu burro voar? Se tiver necessidade De ver burro ensinando, Se tiver curiosidade De ver burro educando, Pode ir logo se matriculando Na nossa Universidade. CORO — 0 colega jé moro ‘Bem melhor, bem mais louvével, Bem melhor, bem mais saudével, E uma academia de judd. Cabide de emprego, lugar de sossego. ESTUD. — Professor sem concurs, ndo pode dar curso, 36 sabe discurso. Se sente ansiedade, o mestre nao hesita Em vomitar besteira E dar ligéo de asneira Nio numa cocheira Mas na nossa Faculdade, CORO — A Universidade € como uma casinha fedorenta 0 professor quando nio mais se agtienta Vai para a Faculdade fazer necessidade Logo em cima da cabega da nossa mocidade. Cabide de emprego, lugar de sossego! ESTUD. — A juventude aturdids, Que nao entende a ligdo, Exclama surpreendida “Deus do eéul Que erucigao!” Mas 0 douto catedrético Explica de um modo didético “Meus queridos, € preciso, Vos sois 0 receptaculo do saber”. CORO — Colegas, estudar é um privilégio Dos que foram para o colégio A casta do papai e da mamie. Colegas, nenhum de nds é operirio, Nenhum de nés camponés, Estudamos dos saldrios Dos filhos dos operérios Dos filhos dos camponeses. Colegas. Cabide de emprego, lugar de sossego! ESTUD. — Pra quem nunca soube, pra quem nunca ouviu Deixa que eu conto como é que surgiu ‘A Universidade no Brasil. (A fala seguinte ndo é ‘cantada, mas hd um fundo musical.) ‘Um dia, um turista mal informado perguntou para ‘um sujeito metido a engracado: por favor, cavalhei- ro, aquele prédio ali é a Universidade? O sujeito acanhado de nao saber responder, resolveu dizer: imagino que seja, imagino que seja, Chegando em ‘casa, 0 sujeito falou: encontrei um turista, e a mu- Iher perguntou: onde encontrou? De brincadcira 0 ‘© sujeito falou: imagina onde? A mulher parou, ima- ginou e disse, com mordacidade: vai ver que foi na Universidade! CORO — A Universidade é um fruto da imaginagio Dos grandes vultos do nosso pasado Nasceu da visio, da previsio, da ambicio De todos que vivem, dos que so enganados E como ninguém se insurgiu contra o que ninguém munca viu A empulhacio foi crescendo ‘A mistificagao foi vencendo E, de casa em casa, batendo De boca em boca correndo, A balela tanto engrossou, © pais tanto se encantou, Com 0 que todo mundo sonhou, Que a nacao dormiu, dormiu, dormiu! E até hoje ninguém descobriv Que nunca houve Universidade no Brasil! (Coro com bedel a frente, Saem badalando.) ESTUD. — O que eu vi os olhos me abriu ‘A Universidade ha muito tempo existe Mas nunca se lembrou do Brasil. Vou contar, vou falar, vou denunciar: A alienacio precisa acabar. (Saem. Entra de novo o bedel, com um cartaz: “Ho- ie — Reunido da Egrégia Congregacao”.) BEDEL — A Congregagao vai se reunir, Nao € permitido rir, Nao € permitido gozar. Muito melhor é chorar, (Entram quatro vethinhos. Um, caindo aos pedagos, senta-se na cadeira e dorme.) VELHINHOS — Reunido da Congregacio, ‘Aqui nés forjamos a Nagao. Se sait essa esculhambagio E porque aluno nao presta atengio. Ou seré que nao? VELHO 1 — Esté aberta a reunifo, VELHO 2 — Vamos cantar o nosso hino. CORO — Da Faculdade nao saio, Dagui ninguém me tira E 0 dia em que eu encapotar, £ o meu filho, Eo meu filho, Que vird pro meu lugar! VELHO 1 — Primeiro ponto da reunido: o professor Danton Nobre, assistente da cadeira de Filosofia, dew duas aulas além das previstas sobre marxismo e existencialismo. VELHO 2 — Que se suspenda 0 contrato! VELHO 3 — D’accord! VELHO 1 — 0 contrato serd’ suspenso. Segundo pon- to: um pedido do Diretério de Estudantes. VELHO 2 — (Interrompendo.) Estudantes? Estudan- tes?... Ab! Estudantes. Claro! VELHO 1 — Pedem uma mudanga no horario de aulas, para que os alunos tenham tempo para fazer um movimento de alfabetizagao. VELHO 2 — Absurdo. O horario ¢ intocével. & a alma da disciplina. Absurdo! VELHO 4 — (Acorda.) Como é? VELHO 2 — Absurdo! VELHO 4 — Surdo é a sua mae! (Dorme.) VELHO 2 — Os alunos estudam, nao alfabetizam, Para alfabetizagao existem escolas por af. S6 néo se al- fabetiza quem nao quer VELHO 1 — A resposta ao Diret VELHO 3 — D'accord! VELHO 1 — Uma comissio de professores recém-ad- mitidos em nossa casa pede verbas para bolsas de estudo e para aumentar as instalagdes da faculdade a fim de receber alunos novos. VELHO 2 — Voto contra. As verbas ja tém destino, Precisamos instalar ar refrigerado nas salas de reu- nio, precisamos aumentar nossos salérios, a escada perdeu seu friso doirado, 0 marmore da entrada de nossa casa se estragou todo. Nao é possivel! VELHO 3 — D’accord! VELHO 1 — Sébias e prudentes palavras. (O estudante entra de chofe. Atrés 0 bedel o se- ura.) BEDEL — Ninguém pode entrar na reunido da Congre- gacao! Ninguém! ESTUD, — Mas eu tenho coisas importantes para dizer! BEDEL — Nao pode! VELHO 1 — Silénciol BEDEL — Perdio, Exceléncia, este estudante VELHO 1 — Ponha-se daqui para fora, jovem! ESTUD. — E preciso que me ougam. Escutem! serd nfo! VELHO 1 — Queira se retirar. A disciplina de nossa casa... ESTUD. — Nao € tempo de pensar em disciplina. Hi coisas muito mais importantes que a disciplina. Hé a vida. E sobre a Faculdade. B pra mudar tudo. Vim ajudar, Me escutem! VELHO 4 — (Acorda.) Quer parar com esse berteiro que eu quero dormir, omessal ESTUD. — (Bedel o segura.) Me larga! BEDEL — Nao! VELHO 1 — Ponha-se daqui para foral ESTUD. — E preciso mudar tudo, professor. As coisas que se ensinam aqui nés nao usamos, ov nao sio verdadeiras, ou sd0 mentidas, ou sio esquecidas, ou sao roubadast Nés saimos daqui jovens e ficamos velhos em duas semanas numa monotonia de estu- ppidez que ninguém agiiental VELHO 1 — Largue esta crianga! BEDEL — Mas professor! VELHO | — Largue esta crianga! (Bede! larga.) Mudar ‘a Faculdade, jovem? Mudar esta casa que entregou a0 Brasil seus maiores vultos, que deu a esta terra ” sua paciéncia ¢ seu amor? Mudar esta faculdade que acolheu Rui Barbosa, Bardo do Rio Branco, Olavo Bilac, Epitécio Pessoa, Washington Luiz, Rodrigues Alves, D'Artagnan? VELHO 2 — D’Artagnan nao, Exceléncia. VELHO 1 — D'Artagnan no Washington Luiz, Du- que de Caxias, Osério Duque Estrada, Vicente Ra- mos... VELHO 2 — Vicente Ramos? Nao conheso. VELHO 1 — £ 0 vovd! Esta faculdade! Respeito crian- al Aqui se formam gigantes! Respeito criangal ESTUD. — Professor. Me entenda, professor. Sou eu que sei. A Universidade & minha, ndo € sua. Sou eu que sei. B ruim, Nao esté certa. Falta tudo. E chata, € burra, & melancélica, & desinteressada, & covarde, Nés somos gente, Tem que respeitar a minha vida, professor. E preciso fazer os, outros vi- verem! Todos viverem! VELHO 1 — E nao respeitamos a vida, erianga?. Nio respeitamos? Meu cabelos estio encanecidos, meu olhos j4 perdem seu brilho, minhas maos perderam sua firmeza. Tudo por vocé, crianga. Tudo para ensing-l ESTUD. — Nao foi por mim, professor. Foi por sua causa, Para ter prestigio, para ter posicao, para nio precisar lutar pela vida, para nao se engalfinhar nela. J4 saiu dela, Preciso ferramenta, professor. Nao de palavras bonitas e empoladas. Preciso que gastem mais comigo, professor. Quero aulas melho- es, professores menos cansados, quero lugar para praticar, lugar para discutir. Nao posso ir cair de ‘quatro 1é fora, professor! Sou gente. Tem que respei- tar minha vida. Quero que mais gente estude, quero que mais gente pense. Esta Faculdade esté fechada, professor! Sé entra aqui dentro quem jé tem sua vida garantida A custa dos outros. Gente assim nao pre- coisa estudar. Basta se ilustrar para ter o que dizer em noites {atimas, em noites sociai VELHO 1 — Faculdade é fechada por principio, «1 ‘sa. A cultura foi feita por todos ou foi feita por Aristételes, Tomas de Aquino ¢ mais uns poucos? Quem? Quem mais pensou no mundo? absorver (05 mestres © veneré-los, crianga, Este & 0 nosso de- ver. A humanidade precisa ser dirigida sempre. Deus nao € camelé de gracas. Ele ilumina a poucos. Es- ses poucos que fiquem juntos, enclausurados, Ionge das imundicies e das pequenezas do mundo. Sem eles, sem os hicidos, 0 mundo seria s6 abjegao! ESTUD. — Nao, professor. E homem que pensa, é a humanidade que trabalha. Quantos mais estiverem Iticidos de sua vida e de seu destino, mais homens seremos. Mais pr6ximos estaremos de nés mesmos, dos nossos motives, dos nossos descaminhos. E pre- ciso abrir a Faculdade! 98. VELHO 1 — Faculdade nfo é Parque Shangai, criangal Faculdade nao € Maracana! Aqui s6 entram os €s- colhidos. Os nao contaminados do mundo ¢ da safa- deza! $6 0s que cartegardo 0 peso da vida e da decéncia. $6 aos devotos da verdade estas portas es- tGo abertas! Esta casa 6 a tradigao ela mesma. Tudo nesta casa tem um significado especial. Esta sineta, por exemplo, serviu para que Anchieta chamasse o5~ indios para a primeira aula e hoje chama vocés para ~ ensinar os mesmos valores que naquela época eram defendidos pelos jesuitas. Sinta a presséo minha criangal Sao coisas que nao se destazem num dia, atravessam séculos € nao hé “progresso cientifico” capaz de mudé-las. A Universidade € como 0 Li cerda: ndo muda, nfo sai do Iugar! ESTUD. — Abaixo a Universidade! Abaixo os velhos! Esperem! Vou a forra! Hi de haver alguém no Bra- sil que se interesse por nés! Esperem! (Sai. O bedel sai atrés. O Velho 4 volta a dormir. Os velhos se recompoem. Voltam ao seu lugar de reunido.) VELHO 1 — Insoléncia! VELHO 2 — A juventude me desilude. $6 deviam exis- tir velhos no mundo. VELHO 3 — Velhos ¢ velhas. VELHO 4 — Velhos ¢ mulheres. Dessa vez eu ouvil Dessa vez. eu ouvi! (Volta a dormiricar.) VELHO 1 — Exceléncias: que se danem os estudantes, Exceléncias! Vamos ao iltimo ponto. Deixei-o para © final por sua magna importancial Capital impor- tincial Como deve ser chamado 0 membro desta Egrégia Congregacdo? Deo ou decano? (Pausa.) VELHO 2 — Nao 6 facil. VELHO 3 — D’accord! VELHO 2 — Deio. (Experimenta) Dedo. (Entusias- ‘ma-se.) Deio! Lembra leio! Lembra forga! Creio que sou por dedo!! VELHO 1 — De&o? Muito bem. Seremos dedes entio? VELHO 2 — Ai! Dedes! Esqueci que o plural de defo 6 dedes! Dedes & muito feio. Dedes soa mal. Parece gente suja, que nfo se asseia... Dedes? Nao! VELHO 3 — D'accord! VELHO 1 — Entao 6 nos resta decano. VELHO 2 — Com cano no meio! VELHO 1 — Nao temos outra alternativa. VELHO 2 — Nos resta o consolo de que todas as u versidades usam 0 termo decano. Assim serio es- ttreitados os Iagos de amizade entre 0s povos. VELHO 3 — Tenho uma sugestio: 05 taizdes! VELHO 2 — Taizdes, taizdes? Lembra Tarzd. Nao po- ‘de, (Lembra.) Os pelés! VELHO 3 — Os Sabidinhos! VOZES — (Aglomeram-se. A luz mai diminuindo.) Os Bons de Bola! Velhinhos do Barulho! Os Gostosdes do Saber! As Estrelinhas do Brasil! Os Soldadinhos a Cultural

Você também pode gostar