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Aal x ‘As distancias no ser humano [As aves ¢ os mamiferos no s6 possuem tertitérios que ocupam © defendem contra os individuos da sua propria espécie, mas observam igualmente entre si uma série de distancias constantes. Hediger classi ficou-as em distincia de fuga, distancia critica e distincias pessoal social. Também o ser humano observa distancias uniformes nas rela- {ees que mantém com os seus semelhaites. Com ratas excepedes, a Sistancia de fuga © a distncia eritiea foram eliminadas das reaccdes humanas. Mas € evidente que as distancias pessoal ¢ social continuam a existir. ‘Quantas distncias desse tipo possuem os seres humanos, € como fas distinguiremos? Em que € que uma distancia difere de outra? A } resposta a estas perguntas nao me parecia evidente quando comecei as minhas investigagoes acerca do problema das distincias no ser huma- no. Pouco a pouco, todavia, os dados que recolhi convenceram-me de {que a constincia das distancias no set humano € o resultado de modi- FicagSes sensoriais cujos tipos foram descritos nos capitulos VII e VIII. ‘A intensidade da voz € uma fonte corrente de informacio acerca da distincia que separa dois individuos. No decurso dos meus trabalhos fem colaboragao com o linguista George Trager, comecei por observar ft existéncia de uma relagdo entre as modificagdes da voz ¢ as mudan- ‘gas das distdncias. O sussurrar é utilizado quando os interlocutores se fencontram muito proximos um do outro, € 0 grito é destinado a atra 134 Edward T. Hall vessar grandes distincias; sendo assim, a questio que G. Trager ¢ eu proprio colocivamos era a de determinar 0 nimero de posigSes vorais Que existem entre entre dois extremos. Procedemos da seguinte manei- er Trager permanecia imével enquanto eu the falava a diferentes dis- tancias, Quando concordavamos que uma transformacdo voeal se pro- Guzira, mediamos a nova distancia entre nbs ¢ estabeleciamos uma descrigdo da situagdo. Foi assim que obtivemos as oito distancias des- Gritas em The Silent Language, no final do respectivo capitulo décimo. ‘Observagdes ulteriores realizadas sobre individuos colocados num contexto social persuadiram-me de que essas oito distancias eram de- masiado complicadas, Bastavam quatro, a que chamei, distinguindo- vhs, intima, pessoal, social e pablica — cada uma delas comportando dois modos: modo proximo € modo longinquo. Esta escolha terminold- tica fo deliberadamente feita por mim, Inspiravacse ndo s6 nos traba- thos sobre animais de Hediger, que pds em evidéncia a continuidade centre a infracultura ¢ a cultura, mas destinava-se também a evocar 0 tipo de actividades ¢ relagées proprios de cada distincia considerada, fassociando-as assim a categorias especificas de actividades e relacio- rnais, Notemos aqui que os sentimentos reciprocos dos interlocutores tim para com o outfo, no momento analisado, constituem um factor Gece na determinagio da sua distincia, Assim, individuos forte- mente encolerizados ou muito desejosos de convencerem o seu interlo- Cutor aproximar-se-8o deste e accionaro, de certo modo, o «bottio da fntensidades, gritando. Do mesmo modo, qualquer mulher saberé re tonhecer imediatamente que um homem est a comecar a apaixonar- -se por ela pela mancira como ele se aproxima. E se nao experimentar {Os mesmos sentimentos, a mulher saberé dar testemunho disso por meio de uma forma adequada de retraimento © DINAMISMO DO ESPACO Vimos no capitulo VII que, no ser humano, o sentido do espago € da distincia nao & estitico e tem muito poucas relagbes com a perspec- iva linear elaborada pelos artistas do Renascimento e ainda ensinada wt nossos dias na maior parte das escolas de arte de arquifectura, Muito pelo contririo, podemos dizer que 0 ser humano sente a distan- A Dimensao Oculta 135 cia de forma semethante & dos outros animais. A sua percepeto do es- ‘Paco 6 dindmica porque se encontra ligada & acgio — ao que pode ser realizado num dado espago —, mais do que aquilo que pode ser visto por contemplagio passiva. A ineapacidade geral de captar a importincia dos numerosos ele- ‘mentos que contribuem para eriar 0 sentimento humano do espago prende-se a duas concepsées erréneas: de acordo com a primeira, exis- tiria para cada efeito uma causa identificdvel e Gnica; de acordo com a segunda, o ser humano esti de uma vez por todas contido nos limites da sua pele. Quando nos libertamos da nossa aspiragio & explicagao finica e quando conseguimos imaginar o homem prolongado por uma rie de campos de extensio constantemente variavel, fornecendo-lhe indicagoes de toda a espécie, comecamos a percepcioné-lo a uma luz inteiramente nova. £ entio que podemos comecar a instruit-nos sobre 6 comportamento humano e, em particular, sobre os diferentes tipos de personalidade. Porque existem nao somente introvertidos e extro verlidos, tipos autoritétios e tipos igualitarios, apotineos e dionisiacos, bem como toda a infinidade dos tipos caractetiais, mas cada um de nds possi ainda um certo mimeo de personalidades situacionais aprendidas, cuja forma mais simples se liga a0s 1ossos comportamentos no decurso dos diferentes tipos de relacdes intimas, pessoais, sociais € pllblicas. Certos individuos nao desenvolvem nunca a face péblica da sua personalidade e nfo podem, por conseguinte, vir jamais a preencher um espaco piiblico, Sio oradores mediocres, igualmente incapazes de ditigir discussdes de grupo. Numerosos psiquiatras sabem que outros individuos tém problemas com as regides intimas da sua personalidade, sendo inca- pazes de suportar situagoes de promiscuidade. Este género de conceito nem sempre é de facil compreensao porque a maior parte dos mecanismos ligados & apreensio das distncias se produz. inconscientemente. Sentimos os outros proximos ou distantes, sem que nos seja sempre possivel dizer qual a base de semelhante sa- ber. Produzem-se tantos acontecimentos ao mesmo tempo que é dificil seleccionar as fontes de informacéo que determinam as nossas reac- g6es. Sera o tom da voz, a atitude ou a distancia do interlocutor? A ‘pedo por uma das alternativas necessita de uma observagao minucio- sa, de longa duragio, incidindo sobre uma grande variedade de situa- ges no decurso das quais as minimas transformagses sejam regista 136 Edward T. Hall das, f assim que # percepsto do calor corporal de outrem permits as. Tr a fronteira entre espacos intimos © nfo faimos. Um chele tps lavados de fresco © a vio de um rosto toldado pels exostv® ceeeimidade associa-se-o com uma sensaeko de calor para, eo © Prmnessto de intimidade. Experimentando sabre nbs proprios © Sor, impressiste dos diferentes models de informasdo sensorial» € posse! 1 ei nos os pontos de estruturagso do sistema de apreciacdo 88 degnedas, De facto, trata-se de identficar um a um os elementos ave dis iraera esses conjuntos partculares que so as zonas intima, Pes: soal, social e péblica 1 sociale pe Prapresentadas a seguir dos nossos quatro tipos de ¢is- tancin foram fizadas a partir de observagées ¢ entrevistas realizadas anes conjunto de individuos adultos saudiveis de tipo. sem com auto, pertencentes a classe média e oriundos, na sua maioria, da contac deste do continente americano. Uma forte percentagem dos Sujeitos abservados era constituida por mulheres e homens dos meios de negécios ou de profissbes liberals. Muitos de entre os casos estuda tos povderiam ser considerados como casos de intclectuas. As entrevis- cee in ancutrase: os sujeitos ndo apresentavam qualquer sinal 6De- tas ee excitagdo, de depressao ou de célera. O ambiente circundante Ae continha qualquer elemento anormal, como o excesso de tempera ae ven de ruidos. Tratava-se de um primeiro estudo de cardeter apr sare a As nossas descrigbes parecersio certamente grosseiras quando aanvyacko proxemica tiver progredido e se conhecerem os mecanis: aoe cabjacentes a percepsao diferencial das distancias, Para mais, tas genetalizagbes no se referem ao comportamento fhumano eh BF tar eo vilidas apenas para o grupo observado, que no coincide ge com a generalidade dos americanos. Os negros © 08 Su. sedvijcanos, tal como os individuos pertencentes as culturas da Euro- pa meridional, possuem estruturas proxémicas diferentes, vraag uma das quatro distincias descritas a seguir comporta duds smodatidades, a provima © a longingua, cuja descrigdo sera em, cada Miko precedida de uma curta introducto. E de notar que as disiiiclas caetifas podem variar figeiramente com a personalidade dos suits € sarraractersticas do ambiente. Por exemplo, um ruido intenso ou wm TeStreca terfo geralmente como efeito aproximar os individuos uns dos outros. A Dimensdo Oculta 3% 17 DISTANCIA INTIMA A esta distincia particul or fit ditnla pateular, a presenen do outro impée-se ¢ pode ternarse meso inasora plo seu impacto sobre o sistema pereptv. A risk (a leformada), 0 cheiro e 0 calor do corpo do ou- tro, oho dasa tepieeto, o cela e 0 spre do seu hallo, sonst tuem em conjunto os sinais irrefuta Ses refutdveis de uma relagao de cometimen- Distancia intima — modo préximo Esta distincia 6 a do acto s : exual e a da lita, a do recor da proterio, O contato fico ou a sua cueracciea cate’ consciéncia dos parceitos. O e res de distancia € ex: consinci dos preices. emprego dos receptors de dstneia€ ex tromament reduzio,& excepedo do ofacto ea percep do alo Brad, usa nena. No deco da ae de coat mo, os miselos¢ a pele entram em comunicato. A regio pvc, se ona a cabs pe priate const repos podens todearo pate recsa tolda-se, excepto no seu campo mais longinguo. Quand a visto prima € poste! ext dstnca alain com as erlangas —, a image c = cam acotee imager torna-se forgosamente sum e excita a quase totalidade da retina. Os porm: Seca Sipe rene 38 épticos, que envesgam a visio, reforga aind: especl- pins, < .reforga ainda a acuidade e a especi soa, st dni intima, a Yor deepen pape ee pcs de cman, o al ree porous mcs, © mur mo efeito aumentar a distincia. AS event i Sea ea ian a oie aor nares ee Distancia intima — modo afastado Aqui, cabe a ahi sts ona, buss nose encontram facimente em con ios podem juntar-se, A cabesa é vista como maior do Edward T. Hall que o natural e os tragos sio deformados. A possibilidade de foca iat pesymente constitui para os americanos um cardcter importante desta {istincia, Com efeit, a 15 ou 20 centimetros, a iris do outro aumenta distivelmente, Distinguem-se nela os capilares da esclerétiea eos Po~ foe parecem mais largos. A visio distinta (15 graus) inclu « paris su. perior ou a parte inferior do rosto, que aumenta, © naviz tornise pets comprido e pode parecer deformado, tal como os labios, os den~ ag a lingua, A visto periférica (de 30 a 180 graus) engloba os con- tenos da eabega ¢ dos ombros e, com muita frequéncia, as mos, ‘Uma parte da perturbacio fisica experimentada pelos americanos quando ha estranfios que entram inesperadamente na sua esfera 1 dando rida como uta distorgao do sistema visual. Um dos indivi vIubs estudados dizia: «Essas pessoas chegam-se to perto de si que © farem entortar os olhos. Isso poe-me muito nervoso. Poem a cara to ent da sua que voce julga que os sente em si proprio» E quando 2 Petalizagdo precisa se torna impossivel que se experiments a sensagio rocatular de entortar os olhos por se estar a olhar para um objecto de. smstado proximo. Expressbes como: «Get your face out of mines (Tire sae gata de cima de mim), ou «He shook his fist in my Jace (Ele agi- fou o punho na minha cara) revelam © modo como os americanos Pet cepcionam os limites do corpo. distancia de 15 a 45 centimetros, @ voz é utilizada, mas conser yandowe num registo mais abafado, que pode set o do murmiirio. Gumo escreve o linguista Martin Joos: «Este modo intimo de locucio Guin dar a0 destinatério informagSes que nio provenham do préprio orpo do locutor. Trata-se simplesmente de (..) embrar ao receptor cere gncia de algum sentimento (...) situado no interior do emissor.» © carer eo cheiro do halito do outro sio perfeitamente detectiveis, ainda Ge este tente dirigilos para fora do campo pereeptivo do sujeito. © Soir ou descer da temperatura do corpo do outro comega a poder ser pereebido por alguns sujeitos. Sh pratica da distancia intima em pblieo no admitida pelos adultos americanos da classe média, embora 0s respectivos fihos pos: seem set observados mantendo contactos intimos nos automéveis © nas praias, Os transportes coletivos cheios podem colocar pessoas comple: prmvente estranhas em relagdes de proximidade que seriam normalmen- a onsideradas intimas; mas os utentes dispdem de armas defensivas A Dimensio Oculta 139 que permitem retirar toda a verdadeira intimidade a0 espago intimo ts transpores plies. A thtca debate consist ex permanccs 0 imével quanto possivel e, se for exequivel, esquivar-se a0 pri taco estanho. Em caso de impossiblidade, os misculos das zonas em causa devem permanecer contraidos, Com efeito, para os membros de grupos sem-contacto, distensio ou prazer so proibidos no contacto corporal com estranhos. E por isso que, nos elevadores a abarrots tnlos devem fiat ao longo do corpo ou servirsomente como melo de segura bara de apoio, Ox olor devem, por se lado, far o Ini (0 e no se demorarem mais do que um instante sobre se de entre os presentes. iq eae Repitamos que estes modelos proxémicos americanos relatives. & ‘nao tém qualquer valor al. Assim, at oy universal. Assim, até Getcrminam relates tao intmas como o contacto cnpoal com outem esto longe de ser constantes. Por exemplo, os americanos que tiveram ensejo de entrar em contacto aprofundado com russos notam que mui tos dos tras tipioo da distinclainlma para o5 americanos caractee epee cee a renee ener eee capitulo seguine, as populacbes do’ Médio Oriente no mostram as fnesmas fetes intensas que se obseram nor americanos quando, ocasionalm contece softeres bli ccasionalment, thes acontece sfrerem em pilin 0 contacto de e DISTANCIA PESSOAL © termo «distfncia pessoal, devido a Hedi vido a Hediger, designa a distincia fza que spare os memos ds especies sem-enict, Pedemes ne ginar a coisa sob a forma de uma pequena esfera protectora, ou de um baldo, que um organismo eriasse & sua volta para se isolar dos outros Distincia pessoal — modo préximo (Gistancia de 45 a 75 centimetros) sentido quinesté 50 da proximidade é em part des que a dtanla proporions os near ee gare: | Edward T. Hall rem ou tocarem pelas suas extremidades superiores. A esta distincia, j4 ndo se verifiea distoredo visual dos tragos do outro. No entanto, re- gista-se uma reacgdo sensivel por parte dos musculos que controlam a actividade dos olhos. O leitor poder fazer por si proprio a exper cia, se olhar para um objecto a uma distancia de 45 a 90 centimetros, tentando concentrar a atencao nos misculos oculares. Sentiré entio a tensdo exercida por esses miisculos com vista aos dois olhos se mante: rem fixados num ponto dinico, de modo a fazer coincidir as duas ima- gens. Premindo ligeiramente com 0 dedo a superficie da palpebra infe- ror para deslocar o globo ocular, torna-se possivel darmo-nos conta do trabalho que esses mésculos realizam para conservarem uma imagem linica e coerente. De um Angulo visual de 15 graus, pereebemos com tuma nitidez excepeional a parte superior ou inferior de um rosto: os planos e 0 volume dos rostos tornam-se mais acentuados; o nariz toma televo e as orelhas achatam-se; a pilosidade do rosto, os cflios € 08 po- tos sio bem visiveis. O relevo dos objectos é particularmente pronun- ciado: volume, matéria ¢ forma apresentam uma qualidade sem igual fa qualquer outra distincia. Do mesmo modo, as texturas so claras € nitidamente percebidas nas suas diferenciagdes. As posicdes respectivas dos individuos revelam a natureza das suas relages ou dos seus senti- mentos. Uma esposa pode impunemente manter-se na zona de proxi midade do marido, mas © mesmo ndo acontece com outra mulher. Distancia pessoal — modo longinguo (distancia de 75 2 125 centimetros) ‘A expressio inglesa manter alguém ar arm's length (A distancia do ‘comprimento do brago) sugere uma definigao do modo longinquo da distincia pessoal. Esta distancia inclui-se entre o ponto que esta preci samente para além da distancia de contacto facil e 0 ponto onde os de- dos se tocam na condigo dos dois individuos estenderem os bracos si- multaneamente. Trata-se, em suma, do limite do alcance fisico em re Jagio a outrem. Para além dele, é dificil dar uma mao a alguém. A tal distancia, podemos discutir assuntos pessoais, A dimenslo da cabeca é bbem percebida e os tracos do outro surgem com clareza. Textura da pele, cabelos brancos, pregas dos olhos, imperfeicées dos dentes, ex- A Dimensio Oculta i erescéncias © pequenas rugas, manchas do vestuario — tudo isto é ‘bem visivel também. A superficie coberta pela visio da fovea ndo ul- trapassa a da ponta do natiz ou de um oho, de tal modo que o olhar tem que se deslocar a volta do rosto (a orientagao do olhar & tigorosa- mente fungo de um condicionamento cultural). A visio clara de 15 rau recobre a parte superior ou a parte inferior do rosto, enquanto a visio periférica de 180 graus integra as mios e a totalidade do corpo de uma pessoa sentada. Distingue-se o movimento das maos, mas nfo € possivel contar os dedos. A altura da vor é moderada. O calor corpo- ral ndo é perceptivel. Embora o olfacto nao entre normalmente em jo- g0 para os americanos, intervém, apesar de tudo, num grande ntimero de outros povos, que se servem de aguas-de-cheiro para criarem o seu shalor olfactivo. O cheiro do halito pode ser, por vezes, petceptivel a esta distincia, mas os americanos esto geralmente habituados a diri- gir o hilito para fora do campo respiratério dos outros. DISTANCIA SOCIAL _A fronteira entre 0 modo longinquo da distancia pessoal e 0 modo préximo da distincia social marca, segundo as palavras de um dos su- Jeitos inquiridos, co limite do poder sobre outrem». Os pormenores {ntimos do rosto j no so percepcionados e ninguém toca ou se espe- Fa que toque outrem, excepto se realizar um esforgo determinado nesse sentido especifico. Para os americanos, a altura da voz é normal. A di- ferenca entre os modos préximo ¢ longinquo € minima e as conversas podem ouvir-se até seis metros. A esta distancia, observei que, em mé dia, a voz do americano € menos forte do que a do frabe, do espa- nhol, do indiano do Sul da Asia, mas um pouco mais forte do que a do inglés instruido, do asidtico do Sudeste e do japonés. Distancia social — modo préximo (Gistancia de 1,20 a 2,10 metros) A dimensdo da cabeca é normalmente percepcionada; a medida que nos afastamos do sujeito da observagio, a regio da fovea do olho jward T. Hall 142 Ea integra uma parte erescente da pessoa, A uma distincia de 1.20 me {rosy um Angulo visual de 1 grat compreende uma superfiie que nfo vai além de um olho, Mas a 2,10 metros, a zona de visio aguda este ese ao nariz ¢ a uma parte dos ofhos: ou sio, em alternativa, por exemplo, toda a boca, um olho ¢ o nariz a ser percepcionados, Num rosos americanos olham alternadamente cada um dos olhos ou os dois, fa seguir a boca. O pormenor da pele ¢ dos cabelos ¢ pereepeiona om nitidez. De um Angulo visual de 60 graus, a eabesa, os ombros © 6 cimo do corpo so visiveis a uma distancia de 1,20 metros, Esta dis tancia € a das negociagées impessoais ¢ 0 modo proximo implica, bem entendido, mais participagdo do que © modo longinguo. As pessoas gue trabaihem juntas praticam geralmente a distncia social proxime- sta vale também de modo corrente nas reunides informais. A esta distancia, olhar de pé e a direito uma pessoa sentada evoca a impres Sho de dominagio do homem que se ditige @ sua seeretéria ou 2 sua assessora. Distancia social — modo longinguo (Gistancia de 2,10 a 3,60 metros) iim cardcter mais formal do que na fase de proximidade. Nos gabine- metros ou 3 metros da pessoa que esté por tras das mesa. O m Jonginquo da distancia social ja nao permite distinguir os ormenores ‘Mas continuam a ser preceptiveis com nitidez a textura da Pele, a tancia, nenhum dos sujeitos da minha investiga¢do foi capaz de Fase tar o calor ott 0 cheiro corporais. De um angulo de 60 graus, a silhue- A Dimensio Oculta 143 cerca de 3,60 metros, verificamos que os miisculos oculares, habitua- dos a manterem os olhos fixados num ponto tinico, deixam rapida- mente de reagir. S40 0s olhos e a boca do outro o que vemos com maior acuidade. Portanto, ja ndo & necessirio movermos os olhos para captarmos 0 conjunto do rosto do interlocutor. No caso de entrevistas prolongadas, mais importante manter o contacto visual a esta distan- cia do que @ uma distincia mais préxima. Este tipo de comportamento préximo € condicionado pela cultura e inteiramente arbitrario. E constrangedor para todos os interessados. Nao fixar o interlocutor equivale a negé-lo e a interromper a conversa; damo-nos conta de que as pessoas que conversam a tal distancia esten- dem o pescoso ¢ inclinam-se para um lado e para outro a fim de evita- rem os obsticulos. Do mesmo modo, no caso de duas pessoas, das quais uma esta sentada e a outra de pé, o contacto visual prolongado a menos de 3,10 metros ou 3,60 metros revela-se fatigante para os miasculos do pescoco; é por isso que os subordinados evitam geralmen- te esse desconforto aos seus patroes. Todavia, se os papéis forem inver tidos, € se 0 subordinado estiver sentado, acontece muitas vezes o pa: tro aproximar-se. Neste modo afastado, a voz é sensivelmente mais, alta do que no modo préximo, e, em geral, ouvimo-la facilmente de uma sala vizinha, se a porta estiver aberta. Levantar a voz ou gritar pode ter como resultado reduzir a distancia social a distancia pessoal, No plano préximo, 0 modo longinquo da distancia social pode ser- vir para isolar ou separar os individuos. Assim, permite trabalhar sem falta de cortesia na presenca de outrem. Um exemplo particularmente preciso € 0 proporcionado pelas recepcionistas que devem preencher uma dupla fungdo: de anfitrids e de dactilégrafas. Colocada a menos de trés metros dos outros (mesmo que’estranhos), a recepcionista sen- tirse-ia demasiado envolvida para nao se sentir virtualmente obrigada conversar. Em compensacao, se tiver mais espago, podera trabalhar com toda a liberdade, sem se sentir coagida a falar. Igualmente, os maridos que voltam do trabalho tém muitas vezes 0 habito de se senta- rem, para ler o jornal e se distenderem a trés metros ou mais das suas esposas, porque é essa distancia que thes permite nao sentirem qual quer constrangimento. Certas mulheres chegardo até 20 ponto de dis- Porem as poltronas costas contra costas: soluedo sociéfuga que Chick Young, o eriador de Blondie, aprecia especialmente nos seus desenhos. jward T. Hall 14 Edward T. He A disposicdo costas contra costas é uma boa solucio para a falta de tespago, porque permite que duas pessoas se isolem assim, se o preten- detem, uma da outra. DISTANCIA PUBLICA Diversas transformagoes sensoriais importantes se verificam quando passamos das distncias pessoal e social para a distancia piiblica, si- tuada fora do circulo imediato de referencia do individuo. Distancia piblica — modo préximo (Gistancia de 3,60 a 7,50 metros) ‘A 3,60 metros, um individuo vlido pode adoptar um comport mento de fuga ou de defesa, se se sentir ameacado. E mesmo possivel {que tal distincia desencadeie uma forma de reaccdo de fuga vestigial, thas subliminar. A yoz & alta mas ndo atinge o seu volume méximo. Os linguistas observaram que esta distincia implica uma elaboracéo particular do vocabulirio e do estilo, que provoca transformagées de brdem gramatical e sintéctica. O termo «estilo formal» adoptado por Martin Toos parece adequado: «Os textos formais... exigem uma pre- paragio (..) pode dizer-se, na verdade, que o orador pensa de pé.r O Angulo do méximo de acuidade visual (um grau) cobre 0 conjunto do rosto, A partir de 4,80 metros, 0 corpo comega a perder o volume © parece achatar-se. A'cot dos olhos comeca a tornar-se indefinida ape- has o branco da eérnea é visivel 4. A cabega surge muito abaixo da sua dimenséo natural. De um angulo de 15 graus, a zona de visio dis- tinta (em forma de losango) engloba os rostos de duas pessoas situadas 13,60 metros, enquanto que de um Angulo de 60 graus, inclui a totali- Gade do corpo e um pouco de espago a sua volta. As outras pessoas ‘so percepcionadas através da visdo per Distancia piblica — modo afastado (cistdncia de 7,50 metros ou maior) ‘A distincia de 9 metros é a que impSem automaticamente as per: sonalidades oficiais importantes. No seu livro The Making of The Pre- A Dimensio Oculta 145 sident (1960), Theodore H. White apresenta-nos um excelente exemplo desta distancia oficial, ao descrever, no momento em que a nomeacdo de John F. Kennedy se tornou certa, o encontro deste Gitimo com 0 grupo de personalidades que viera felicité-lo a casa +Kennedy entrou em passo de corrida na villa, com o seu andar li- ‘geiro e ritmico, jovem e gil, e saudou as pessoas que se encontravam no seu caminho. Depois, pareceu deslizar para longe delas, enquanto descia os degraus da vivenda, construida em varios planos, em direc S40 a um canto onde 0 seu irmo Bobby e o seu cunhado Sargent Shriver conversavam espera dele. As outras pessoas que se achavam na sala fizeram um movimento para avancarem na sua direcsio. De- pois pararam. Talver. uns dez metros as separavam dele, mas tratava- se de uma distancia intransponivel. Aqueles homens mais velhos, cujo poder se encontrava consolidado de havia muito, mantinham-se a par- te € observavam-no. Ele voltou-se ao fim de poucos minutos, viu-os a observarem-no € murmurou algumas palavras para o cunhado. Entio, Shriver atravessou o espago que os separava dos outros e convidou-os a aproximarem-se. Primeiro, Averell Harriman; depois, Dick Daley; de- pois, Mike Di Salle; depois, cada um por sua vez, segundo uma ordem determinada pelo instinto € o critétio do proprio candidato, todos pu- deram felicité-lo. Mas ninguém podia atravessar sem ser convidado a curta distancia que se desdobrava entre o candidato € os outros, por- que 14 estava aquela leve separagdo a volta dele, ¢ os outros sabiam que se encontravam ali nio como seus protectores, mas como seus pro- tegidos. Nao podiam aproximar-se sem convite prévio, porque estava ali alguém que poderia muito bem vir a ser em breve Presidente dos Estados U A distancia piblica comum nio se reserva apenas as personalida- des politicas, mas pode ser utilizada igualmente por néo importa quem. Os actores, por exemplo, sabem muito bem que, a partir de uma distancia de 10 metros, a subtileza dos cambiantes de sentido da: dos pela voz normal escapa e se perde, tal como os pormenores da ex- pressto e dos gestos. Portanto, precisam nio s6 de levantar a voz, mas de exagerar e acentuar 0 conjunto do seu comportamento. O essencial da comunicagdo no verbal é entdo garantido por gestos e posturas. Além disso, 0 ritmo da elocucdo afrouxa, as palavras so melhor arti- culadas e observam-se também mudancas estilisticas. E o estilo sgela- 146 Edward T. Hall dor definido por Martin Joos: «Estilo proprio dos individuos destinados a manterem-se estranhos.» A tal distancia, o individuo pode parecer muito pequeno e, de qualquer modo, torna-se parte integrante de um quadro ou de um fundo especifico. Gragas a visio da fovea, podemos fazé-lo entrar por completo no campo restrito da visio mais nitida (acuidade maxima). Mas, neste estidio, os seres humanos t8m as di- mens6es de uma formiga; a ideia de um contacto possivel com eles deixa de ter sentido. © cone da visio de 60 graus integra 0 quadro dos, ersonagens, enquanto a visio periférica tem por principal fungdo adaptar a imagem do individuo aos movimentos laterais. PORQUE «QUATRO» DISTANCIAS? Para terminar esta descrigio das zonas das distincias comuns a nossa amostra com individuos americanos, convém acrescentar uma liltima palavra acerca da classificacdo. Porqué quatro zonas ¢ nao seis, ou oito? Porqué até zonas? Como sabemos que esta classificagao € lida? Em funcio de que critérios a estabelecemos? ‘Como indiquei j4 acima (capitulo VIID, 0 homem de ciéncia exige um sistema de classificagdo que possa, ao mesmo tempo, fornecer a ‘melhor explicagdo dos fenomenos observados e taguentar-se» 0 tempo suficiente para ser Gti Cada sistema de classificagao implica uma teoria ou hipétese laten- te referente & natureza e as estruturas fundamentais dos fendmenos ‘observados. A hipdtese subentendida pelo sistema de classificagao pro- xémico é a seguinte: 0 comportamento a que chamamos territorialida- de pertence & natureza dos animais e, em conereto, do ser humano. Neste comportamento, homem e animal servem-se dos seus sentidos para diferenciar as distancias e os espagos. A distancia escolhida de- pende das relagées interindividuais, dos sentimentos e actividades dos individuos envolvidos na situagao dada. O nosso sistema de classifica- co quadripartida resulta de observagées praticadas ora sobre 0 ser humano ora sobre os animais. Os péssaros € 05 macacos possuem, tal como o homem, distancias intima, pessoal ¢ social ‘© homem ocidental organizou as suas actividades e relagoes sociais, segundo um conjunto de distancias determinado ao qual actescentow A Dimensio Oculta “7 depois as nogdes de personagem piiblico ¢ de relacdes péblicas. As re- lagoes e 0s comportamentos «péblicos» dos americanos ¢ dos europeus sao diferentes dos praticados noutros lugares do mundo. Assim, para os primeiros, ¢ implicitamente obrigatério tratar os estrangeitos segun- do certos modos determinados. De onde a existéncia das quatro cate- gorias principais de relagdes interindividuais (intimas, pessoais, sociais € piblicas) e das actividades e espagos que se thes ligam. No resto do mundo, as relagées interindividuais sero regidas por outras estrutw: ras: por exemplo, a estrutura dualista, familiar ou ndo familiar que se observa em Espanha e em Portugal, ow nas suas antigas colénias, ou ainda o sistema das castas (¢ fora de castas) praticado na India. Os rabes ¢ os judeus também estabelecem uma grande diferenca entre os que Ihes séo aparentados os demais. Os meus estudos sobre os ara- bes levaram-me a pensar que eles organizam o seu espago sinformal> de acordo com um sistema muito diferente do que observei nos Esta- dos Unidos. A relagéo do camponés arabe ou do fellah com o seu xe- que ou com o se Deus nao & de modo nenhum piblica, mas, pelo contréio, intima e pessoal, no comportando qualquer intermediatio. Ainda muito recentemente, concebiam-se as exigéncias espaciais do homem em termos do volume do ar efectivamente desiocado pelo seu corpo. Era geralmente ignorado 0 facto de a pessoa se encontrar pro- longada a todo o momento, por assim dizer, pelas zonas acima descri- tas. A diversidade dessas zonas (e, de facto, a sua propria existéncia) s6 se revelou quando os americanos comesaram a ter contactos conti- nuados com povos cuja organizacio sensorial é diferente. E assim que um elemento definido como intimo numa cultura dada pode tornar-se pessoal ou mesmo piiblico numa outra. Foi perante fenémenos seme- Ihantes que, pela primeira vez, o americano tomou consciéncia dos seus préprios revestimentos espaciais, os quais the pareciam, anterior- mente, dbvios. A faculdade de identificar as diferentes zonas afectivas referidas, ‘bem como as actividades, as relagoes © as emogdes que se Ihes encon- ‘tram respectivamente associadas, tornou-se hoje de uma considerivel importdncia. As populagses do mundo inteiro invadem as cidades en- quanto construtores ¢ especuladores acumulam os habitantes em gi- gantescas caixas verticais que so, ao mesmo tempo, escritérios e resi- déncias. Se considerarmos o individuo humano & maneira dos antigos 148 Edward T. Hall mercadores de escravos, € se meditmos sua necessidade de espaco fem termos de limites corporais, negligenciaremos, sem davida, as con- sequéncias que 0 excesso populacional pode implicar. Mas se conside- rarmos que © homem se encontra como que rodeado por uma série de sbaldes» invisiveis cujas dimensdes so mensuréveis, a arquitectura passa a surgir-nos de um ponto de vista radicalmente novo. Torna-se entéo concebivel que os individuos sejam sufocados pelos espagos onde se vem obrigados a viver e a trabalhar. Compreendemos que possam set constrangidos a comportamentos ou a manifestades emocionais que sio sinal evidente de um stress demasiado violento. Como nas leis, da gravitacio, a influéncia que exercem dois corpos um sobre 0 outro @ inversamente proporcional ndo s6 ao quadrado, mas talvez mesmo ao cubo, da distancia que os separa. A medida que o stress se torna mais severo, a sensibilizagao & massa humana acumulada sobe por igual — tal como a irritabilidade —, de tal modo que a exigéncia de espago ndo para de crescer na funcao inversa da sua disponibilidade. Os dois capitulos seguintes tratario dos sistemas proxémicos entre povos de culturas diferentes. Visam preencher um duplo fim: trata-se, fem primeiro Iugar, de esclarecer melhor a estrutura dos nossos com- portamentos inconscientes e de contribuir assim para a methoria das nossas unidades de trabalho e de habitagao, e até das nossas cidades; cem segundo lugar, trata-se de realcar a necessidade imperiosa que te- ‘mos de melhorar a nossa compreensio de outras culturas. As estrutu- ras proxémicas traem a presenga de diferengas fundamentais entre os povos — diferengas que s6 podem ser ignoradas & custa dos maiores riscos. H4 urbanistas e construtores americanos que actualmente ela- boram planos de cidades para outros paises sem nada saberem das cexigéncias locais em matéria de espago e sem desconfiarem sequer de que essas exigéncias variam de uma cultura para outra. Correm 0 risco grave de impor a populagdes inteiras moldes que thes nao so, de ma- neira nenhuma, adaptados. Mesmo no interior dos Estados Unidos, a «renovagio urbanay e 0 conjunto dos crimes contra a humanidade co- metides em seu nome dao testemunho de uma total ineapacidade de criagdo de ambientes agradéveis para as to diferentes populagdes que afluem as nossas cidades. XI Proxémia comparada das culturas alema, inglesa e francesa ‘Alemdes, ingleses ¢ franceses possuem numerosos tragos culturais comuns, mas, apesar disso, as suas culturas reciprocas divergem em grande quantidade de pontos. Os mal-entendidos implicados por tais divergéncias so tanto mais sérios quanto mais os ameticanos ¢ os eu- ropeus «sofisticadost se orgulham de interpretarem correctamente os ‘comportamentos respectivos. As diferencas culturais ligadas a comp tamentos ndo conscientes so, deste modo, geralmente imputadas & falta de jeito, & falta de educacao ou a indiferene: OS ALEMAES Quando pessoas de paises diferentes se acham em contacto repel do, comegam a filosofar acerca das atitudes respectivas. Os alemées 0s suigos-alemfes nao séo excepeto & regra. Intelectuais © membros das profiss6es liberais, a maior parte dos otiginarios desses dois paises com quem tive a ocasido de entrar em contacto, acabavam sempre por _ me dar o seu ponto de vista acerca da relacdo dos americanos com 0 espago ¢ o tempo. Sublinhavam regularmente o rigor com que’os ame- ricanos estruturam o tempo ¢ a sua mania dos programas. Observa- vam também que 0s americanos no reservam tempo para seu uso proprio (facto igualmente notado por Sebastian de Grazia em Of Ti- me, Work and Leisure). ae Edward T. Halt Nem os alemfes nem os suigos (sobretudo, os suigos-alemaes) po- dem set considerados indiferentes ao tempo: por isso, tentei saber mais da sua concepeao da rela¢io dos americanos com 0 tempo. Di- zem que, para um mesmo lapso de tempo, os europeus tém horérios menos carregados do que os americanos, e acrescentam, em geral, que (0s europeus se sentem menos tapertados> pelo tempo do que os ameri- canos. £ certo que os europeus consagram mais tempo a pratcar to das as actividades que implicam relagdes humanas importantes. Mui- tos dos individuos europeus que observei notaram que, na Europa, so as relagées humanas que contam, enquanto nos Estados Unidos, sio 0s horérios. Um certo néimero de entre eles desenvolveu a logica de tais impresses e ligou a mancira de lidar com o tempo & questo do ‘espago, que os americanos tratam com uma i Relativamente as normas europeias, os americanos desperdicam espago fe raramente 0 organizam em funcio das necessidades piblicas. De facto, poderia parecer que, para os americanos, no ha realmente ne- cessidades ligadas ao espaco. Sobrevalorizando hordrios e programas, os americanos tendem a subvalorizar as necessidades individuais de es- pago. Devo acrescentar que nem todos os europeus tém pontos de vista to peneranes. Matos contetam-e com dizer que, nos Estados Uni fos, se sentem apressados em matéria de tempo e que as nossas cida- deste aad versidade Sea como for, eaas oberg, ean das de europeus, deixariam prever que os alemaes fossem mais sen: veis do que os americanos a violacdo dos seus habitos espaciais. Os alemaes e 0 problema da intrusio __ Nunca esquecerei a minha primeira experincia das estruturas pro- xémicas alemas numa época em que era ainda estudante. A minha educacéo, a minha posigio social e 0 meu proprio ego foram agredidos © gravemente lesados por um alemio em circunstancias que demons- traram que trinta anos de residéncia nos Estados Unidos e um perfeito dominio da lingua inglesa ndo haviam podido alterar os critérios ale- ides da sintrusdo>. Para compreensio completa da minha desventura, € necessério recordar dois comportamentos americanos de base, dbvios nos Estados Unidos, e que, por isso mesmo, os americans tendem a ‘A Dimensdo Oculta 151 Em primeiro lugar, considera-se, nos Estados Unidos, que duas ou {rs pessoas que conversam entre si se encontram separadas dos outros por uma demarcaco invisivel. S6 a distancia isola um grupo de tal hatureza eo rodeia de um muro virtual, que garante 0 seu cardcter privado. Normalmente as vozes, no interior do grupo, devem permane- fer um pouco surdas, a fim de néo incomodatem os outros, mas se s¢ tornarem mais altas, as outras pessoas agro como se nada tivessem fowvido. Deste modo, o carécter privado da conversa considera-se ponto fssente, tenha existido ou nao de facto. © segundo tipo de comporta- mento & mais subtil: refere-se & definigaio do ponto preciso a partir do {qual se considera que uma pessoa franqueou um limiar e penetrou nu- mma sala ou divisio de uma casa. Assim, para a maior parte dos amer cans, falar do exterior de uma casa através de uma porta de rede (Gereen-door) no significa de modo nenhum que se tenha penetrado no interior da casa e de uma das suas divisoes. Se o visitante permane- ‘er no limiar, mantendo a porta aberta para falar a uma pessoa que se fencontra dentro, continua a ser considerado como estando fora de ca- sa. «Meter a cabeca na porta de um escritérior equivale igualmente & ficar fora do gabinete. E ainda que o corpo todo do visitante se en- contre no interior de uma divisio da casa, a partir do momento em {que este continue apoiado & ombreira da porta, considera-se que con- Serva um ponto de fixaco ao exterior e que ndo penetrou completa~ mente no territério alheio. Nenhum destes critérios espaciais ¢ valido para o norte da Alemanha. Nos casos acabados de referir em que © Emerieano pensa que permanece no exterior, jé penetrou no territ6 do alemao, e, por defini¢io, entrou na sua intimidade. A oposicio destes dois tipos de estrutura surgiu-me com a maior das evidéncias por ocasiio da aventura que me proponho agora narrar. Num destes dias quentes de primavera, como s6 os proporciona a atmosfera alpestre e limpida do Colorado, num desses dias que nos fa- em sentir felizes por estarmos vivos, achava-me no limiar de uma an- tiga cocheira transformada em habitago, de conversa com uma jovem que morava no apartamento de cima. O rés-do-chao fora convertido tm avelier de artista, mas a mesma entrada servia para 0s dois locata- ios, a minha amiga e o alemdo. Os ocupantes do apartamento tinham {que passar por tm pequeno corredor, que levava a escada que dava 152 Edward T. Hall para o andar superior. Dispunham, portanto, de uma espécie de «ser- ventiay no interior do territério do artista. Enquanto, no limiar da entrada, eu continuava a minha conversa, dei-me conta, tendo lancado um olhar & minha esquerda, de que a cerca de 15 ou 20 metros, no interior do atelier, o artista e dois amigos seus se encontravam igualmente em conversa. alemao estava colocado de tal modo que, olhando na minha di- reegiio, mal poderia ver-me. Eu dera pela sua presenca, mas no que- endo nem impor-me nem interrompé-lo na conversa com os amigos, apliquei inconscientemente a regra americana, e fiz como se as nossas duas actividades — a minha conversa e a sua — nio interferissem de maneira alguma. Em breve, daria por que cometera um erro grave, porque, em menos tempo do que 0 necessrio para o dizer, o artista ‘deixara os seus amigos, atravessara 0 espago que nos separava, afasta- a para o lado a minha amiga, e, com os olhos injectados de célera, comesara a invectivar-me. Com que direito entrara eu no seu atelier sem o cumprimentar? Quem me autorizara a estar ali? Senti-me téo profundamente atingido e humilhado que, passados trinta anos sobre 0 caso, ainda sinto a edlera ferver em mim quando o recordo. Quando, gracas aos meus trabalhos posteriores, adquiri uma maior compreensio das estruturas do comportamento germanico compreendi que, aos othos de um alemao, me mostrara imperdoavel- mente mal educado. Para ele, eu estava jé dentro de casa, e, na medi- da em que podia ver o que ai se passava, era considerado um intruso. Para o alemao, nao € possivel que alguém esteja numa sala sem estar ap mesmo tempo na zona de intrusdo dos seus ocupantes, e isto espe- ialmente quando 0s olhamos, seja qual for a distancia. Pude recentemente corroborar estas experiéncias referentes ao sen- timento da intrusdo visual nos alemaes, no decurso de investigacdes in- cidindo naquilo para que eles olham quando se encontram em situa- es intimas, pessoais, sociais e piiblicas. Pedi aos sujeitos da pesquisa ‘que fotografassem separadamente um homem e uma mulher nas qua- tro situacées atrés mencionadas. Um dos meus assistentes, que aconte- ce ser alemao, apresentou-me as fotografias. «Na realidade, nao temos © direitos, disse ele, «de olhar para os outros quando se encontram & distancia piblica, porque se trata de wma intrusdor. Esta reacgao ilustra bem 0 comportamento cultural consuetudinério que se encontra A Dimensio Oculta 153 na origem das leis alemas, que proibem fotografar estranhos em pibli- co sem o sett consentimento. A cesfera privaday Os alemaes vivem 0 seu proprio espago de comportamento como ‘um prolongamento do ego. Podemos encontrar um eco desse sentimen- to no termo Lebensraum, impossivel de traduzir pela sua excessiva ri- queza de conotacdes. Hitler servia-se dele como de uma verdadeira alavanca psicol6gica para infundir nos alemaes o espirito de conquist Contrariamente ao do drabe, como veremos adiante, 0 Eu do alemao é extraordinariamente vulneravel € poré em acgdo todos os meios para proteger a sua sesfera privadar. A Segunda Guerra Mundial forneceu 4 prova disso aos soldados americanos que tiveram ocasiao de observar 6s prisioneiros alemaes em toda uma série de circunstincias muito di- versas. Um dos casos foi observado no Middle West, onde os prisionei- ros alemaes estavam alojados quatro a quatro em pequenos barracves: Jogo que conseguiram obter os materiais necessarios, cada um dos pri- sioneiros construiu uma diviséria, de maneira a possuir o seu préprio espaco. Em circunstincias mais desfavoraveis, na Alemanha, no mo- mento da derrota da Wehrmacht, o afluxo de prisioneitos’ alemaes atingiu um tal débito que foi necessério junté-los a0 ar livre, cercados somente pot paligadas. Pode verificar-se entio que qualquer soldado ‘que conseguisse arranjar os matetiais necessérios construfa a.sua pro- pria mindscula unidade de alojamento, por vezes em nada maior que tum pequeno abrigo de raposa. Os americanos surpreendiam-se por os alemaes nao terem unido 0s seus esforeos para resolucéo do problema do alojamento, pondo em comum os miseraveis recursos de que dis- punham para construirem um abrigo colectivo mais vasto e eficaz para as glaciais noites de primavera de entdio. Posteriormente, observei por varias vezes essa utilizagdo para proteccdo de prolongamentos arqui tecténicos. Nas casas alemas com janelas, estas sio arranjadas de ma neira a permitirem um isolamento visual. Os patios individuais sto ge~ ralmente protegidos por sélidas vedagées, mas, ainda que nao estejam vedados, sio sagrados. ‘A concepcdo americana da pattilha do espaco é particularmente in- 154 Edward T. Hall cémoda para os alemaes. Nao posstio documentos pessoais acerea do inicio da ocupagéo de Berlim em ruinas. Farei, por isso, apelo ao tes- temunho de um observador, para citar um exemplo cujo carécter ma- ‘cabro é uma caracteristica frequente dos contra-sensos culturais invo- luntatios. ‘A crise do alojamento tinha atingido, entdo, em Berlim uma acui- dade indescritivel. Para tentar remediar um pouco tanta miséria, as autoridades de ocupacéo da zona americana deram ordem aos berline- ses que ainda tinham cozinhas e casas de banho intactas para as par- tilharem com os seus vizinhos. Mas a ordem acabou por ter que ser anulada porque os alemées, j& hipertraumatizados, comegaram a ma- tar-se uns aos outros sob 0 efeito da colocacdo em comum dos dois servigos citados ‘Na Alemanha, os edificios piblicos e privados, tal como numerosos quartos de hotel, possuem muitas vezes portas duplas, destinadas a garantirem um isolamento sonoro maior. Além disso, a porta reveste- se de grande importancia para os alemaes. Os que chegam aos Esta- dos Unidos acham as nossas portas leves e frageis. Uma porta fechada © uma porta aberta no tém 0 mesmo sentido nos dois paises. Nos seus escritérios ou gabinetes, os americanos trabalham com as portas aber- tas. Os alemfes fecham-nas. Mas, na Alemanha, a porta fechada nio significa que quem esta por tras dela deseje a tranquilidade ou esteja a fazer seja 0 que for de secreto. Simplesmente, para os alemies, as por- tas abertas provocam um efeito de desorganizacdo e desordem. A por- ta fechada garante e conserva a integridade da sala © assegura as pes- soas a realidade de uma fronteira protectora que as preserva de con- tactos demasiado intimos. Um dos individuos alemaes que estudei ob- setvava: «Se nfo houvesse portas, discutiriamos muito mais veze Quando nao podemos falar, retiramo-nos ¢ fechamos a porta atras de ngs... Sem portas, eu teria estado permanentemente a mercé da minha ier ‘Sempre que um aleméo comeca a falar livremente do espago inte- rior das habitagdes americanas, mio deixa de se queixar dos ruidos que passam pelas paredes e as portas. Para muitos deles, as nossas portas resumem o modo de vida americano, Sdo delgadas e baratas; aramente se encontram bem ajustadas, e falta-lhes a realidade subs- das portas alemas. Quando se fecham, nfo se mostram sufi- A Dimensio Oculta 155 cientemente sélidas. O barulho da chave na fechadura ¢ indistinto, suave ou totalmente inexistente. A prética americana da porta aberta ¢ a pratica alema da porta fechada chocam-se especialmente nos gabine- tes das filiais das sociedades americanas e alem@s. O desconhecimento desse facto elementar revelou-se como causa de friesdo © sérios mal- sentendidos entre administradores alemaes e americanos na Europa. Foi assim que tive ocasido de ser consultado por uma companhia que possuia sucursais em todo o mundo. A primeira questéo a ser-me apresentada era: «Como conseguir que os alemfes conservem as portas eles abertas?» Nos eseritérios da firma em causa, as portas abertas ‘traumatizavam os alemées ¢ criavam a seus olhos uma atmosfera anor- malmente descontraida e pouco séria. As portas fechadas davam, pelo contrério, aos americanos a ideia de uma conspiracdo geral, da qual se sentiam excluidos. Comprova-se o facto de uma porta aberta © uma porta fechada continuarem a ter um sentido diferente em cada um dos dois paises. A ordem no espaco © sentido da ordem e da hierarquia caracteristico da cultura alema marea também 0 modo como os alemées tidam com o espago. Gostam das situagdes precisas e bem definidas e nao suportam as pessoas que ultrapassam as filas de espera, que saem das «bichas» ou se recusam a obedecer aos cartazes de proibicdo do tipo tacesso interditor ou sreser- vado as pessoas munidas de autorizacdo». Algumas das suas reacgbes, relativamente aos americanos so imputaveis & nossa desenvoltura pe- rante todas as formas de interdicéo e de autoridade. No entanto, so- frem muito mais ainda com as violagées da ordem cometidas pelos po- lacos, os quais, pelo seu lado, sentem um certo prazer na desordem. Para estes iltimos, filas de espera ¢ bichas sio sindnimos de espirito cegamente gregario ou de cega submissao. Aconteceu-me ver um pola- co furar uma fila diante de um café pelo simples prazer de cabalar um bocado estes carneitos. ‘Como indiquei acima, os alemaes do provas de uma extrema pre cisio em matéria de distancia de intrusdo. Ao pedit um dia aos meus alunos que me indicassem a distancia a partir da qual se pode consi- 156 Edward T. Hall derar que a presenga de um terceiro vem perturbar a conversa de duas outras pessoas, no me foi possivel obter qualquer resposta dos ameri- canos. Todos estes sabiam indicar experimentalmente 0 momento a partir do qual comecariam a sentir-se perturbados, mas nenhum era capaz de dar uma definigéo da intrusto em termos de distncia nem explicar o modo como tomava consciéncia do facto. Todavia, dois dos meus alunos, um alemio e um italiano, tendo ambos trabalhado na ‘Alemanha, responderam sem hesitar que a distancia de intrusio era de 2,10 metros. Muitos americanos tm a impressio de que os alemaes se compor- tam de maneira excessivamente rigida, intransigente solene. Essa impressio deve-se ao modo alemao de lidar com as cadeitas onde se sentam. O americano nao atribui importancia ao modo como as pes- soas deslocam as suas cadeiras quando se sentam nelas, E se ndo fosse fesse 0 caso, nio diria nada, porque consideraria falta de cortesia qual- quer observagio pessoal. Mas, na Alemanha, & absolutamente contra- rio aos usos deslocar uma cadeira. Os que o ignorassem setiam infor- ‘mados disso pelo peso da maior parte dos méveis alemaes. O célebre arquitecto Mies van der Rohe, apesar de se ter rebelado varias vezes contra a tradigfo alem& na sua arquitectura, deu as suas admiraveis poltronas um peso tal que apenas um homem robusto conseguira des- locé-las antes de nelas se sentar. Para os alemaes, um mobilidrio leve € saerilego, nao s6 porque no tem um ar sério, mas porque as pessoas, deslocando-o, desarranjariam a ordem estabelecida e, em particular, a da «esfera privada>. Referiram-me o caso de um jornalista alemao, re- sidente nos Estados Unidos, que fizera fixar no soalho, «2 distancia conveniente>, a cadeira reservada aos visitantes, porque era incapaz de suportar o habito americano que consiste em adaptar a posigao da ca- deira a situacao. OS INGLESES Tem-se dito dos ingleses e dos americanos que so dois grandes po- vos separados pela mesma lingua. As diferencas que se atribuem & lin ‘guagem no so tio imputaveis as palavras como a formas de comuni- ADimensdo Oculta 157 casio nio verbais, que podem ir da entoacdo britanica (muito afectada para o ouvido ameticano), a certas formas, ligadas ao ego, de lidar com 0 tempo, 0 espaco e os objectos. Se alguma ver existiu uma dife- renga proxémica entre duas culturas, é bem a que opde os ingleses instrudos (saidos das public schools) ¢ os americanos da classe média. Uma das razses fundamentais desta divergéncia profunda reside no facto de, nos Estados Unidos, utilizarmos 0 espago como modo de classificagdo das pessoas e das suas actividades, enquanto que, em Inglaterra, é o sistema social que determina o standing dos individuos. Nos Estados Unidos, 0 nosso endereco privado, bem como o do local onde trabalhamos, contribui decisivamente para a definigdo do estatu: to social. Os Jones de Brooklyn ou de Miami ndo sto tio in como os Jones de Newport ou de Palm Beach. Greenwich ¢ 0 Cabo Cod encon- tram-se separados por um mundo de Newark © de Miami. As firmas instaladas em Madison ou Park Avenue séo superiores as da Sétima ou Oitava Avenidas. Um gabinete na esquina de um edificio & mais, prestigiado do que um gabinete situado junto de um elevador ou na ponta de um corredor comprido. O inglés, pelo seu lado, é educado no interior de um sistema social. Um lord continua a ser um lord qual- quer que seja o seu lugar de residéncia ou de trabalho, ainda que este filtimo seja 0 balcdo de uma peixaria. Mas, além deste papel atribuido As distingbes de classe, ingleses e americanos diferem também pelo seu modo de organizagdo e reparticao do espaco. © americano médio, criado nos Estados Unidos, pensa que tem di- reito ao seu proprio quarto ou, em todo 0 caso, a uma parte de quar- to. Quando peco a americanos que desenhem uma sala ou um gabine- te ideal, & sempre para si proprios que eles 0 concebem e para nin- guém mais; e se hes pedirmos que desenhem seu quarto ou 0 seu escritério real, quando acontece estes serem partilhados, desenham cocupam, separando-a do resto por meio de um traco de divisio. Os sujeitos masculinos e femininos en- tendem-se para fazer da cozinha e do quarto de dormir as divisdes que pertencem & esposa e & mae, enquanto o territério do pai é representa- do pelo gabineie, a sala de trabalho e, quando este nao existe, a ofici- nna caseira, a cave ou, pot vezes, apenas um anexo ou a garagem. ‘Quando uma americana quer estar sozinha, vai para o quarto e fecha 4 porta, A porta fechada é 0 sinal que quer dizer «nfo me incomo- apenas a parte que eles prépri 158 Edward T. Hall dems ou eestou zangaday. Seja em casa seja no escritério, um america- no encontra-se disponivel a partir do momento em que a sua porta es- 4 aberta. Por outro lado, nao se espera que cle se feche, mas que es- teja, pelo contrario, constantemente a disposicio dos outros. S6 se fe- ‘cham as portas para as conferéncias ou conversas privadas, para um trabalho que exige concentragio, para o estudo, o repouso ou 0 sono, (5 cuidados de higiene ¢ as actividades sexuais. O inglés das classes ‘médias e supetiores cresce, pelo contrario, numa nursery que compar- titha com os seus irmios ¢ irmas. S6.0 mais velho ocupa um quarto i dividual que abandona quando sai de casa'e vai para o internato, por vezes com nove ou dez anos de idade. O facto de partilhar desde fincia um espago comum em vez de possuir um quarto proprio parece lum pormenor banal, mas exerce, apesar de tudo, uma influéncia deci- siva na atitude do inglés relativamente ao seu proprio espaco. E possi- yel que nfo venha a dispor nunea de «um quarto s6 para sir, coisa com que no se ofende, porque nao é algo que espere ou a que pense ter diteito. Mesmo os membros do Parlamento no possuem um gabi- nete proprio e tratam muitas vezes dos seus assuntos no terrago da Ca- ‘mara sobre 0 Tamisa. E por isso que os ingleses se espantam com a necessidade que os americanos sentem de um lugar tranquilo para tra- balharem, em suma, de um escritério. Pelo seu lado, os americanos que trabalham em Inglaterra seuteuse contrariados por no poderem dispor do espaco de trabalho que julgam necessérrio. Quanto ao papel {da parede para a protec¢o do ego, a posicéo dos americanos situa-se centre a dos ingleses e a dos alemies. Esta oposiedo entre os comportamentos americano e inglés ganha todo o sentido quando nos lembramos de que 0 homem, como os ou- {ros animais, possui uma necessidade inata de se isolar de outrem de tempos a tempos. As consequéncias dos conflitos entre os comporta ‘mentos culturais ocultos s4o admiravelmente ilustradas pelo caso de tum dos meus alunos, um inglés. Na altura, este experimentava, de modo perfeitamente evidente, grandes dificuldades nas suas relacdes com os ameticanos. Tudo corria mal ¢ ressaltava do que ele dizia a ideia de que os americanos nao tinham a minima educacao. Da anal se das suas queixas concluia-se que a irritagdo se devia em grande par- te ao facto de os ameticanos no serem capazes de decifrar os indices subtis que assinalavam os momentos em que ele desejava estar ao abri ADimensdo Oculta 159 0 de intrusdes. © seu testemunho é claro: «Dir-se-ia que, cada vez ‘que desejo estar sozinho, o meu companheiro de quarto tem que co- megar a falar comigo. Pouco depois comeca a querer saber 0 que é que eu tenho e porque é que estou furioso. Nessa fase, estou efectiva- mente furioso e consigo responder-the em conformidade.» Foi-nos necessério algum tempo para conseguirmos definit a maior parte das estruturas culturais opostas, pertencentes aos mundos inglés © ameticano, que, no seu caso, entravam em conflito. Quando um americano quer estar sozinho, dirige-se a uma sala e fecha a porta; de- pende, por conseguinte, dos elementos arquitecténicos para se isolar. Para um americano, recusar-se a falar a uma pessoa que se encontra nna mesma diviso que ele, infligir-lhe o stratamento do silencio», cons- titui a forma suprema da rejeicao e sinal evidente de um descontenta- mento profundo. Mas o inglés que, desde a infancia nunca teve uma sala s6 sua, nfo aprendeu a utilizar o espago para se proteger dos ou- tos. Dispde de um conjunto de barreiras interiores, de natureza psiquica, que supde que os outros saberdo reconhecer quando ele 0 user em funcionamento. Assim, quanto mais o inglés se entrincheira em presenga de um americano, maior é o isco deste iltimo irromper no seu mundo para se certificar de que tudo vai bem. A tensio persis- ri até os dois individuos aprenderem a compreender-se melhor. O gue importa aqui € que as necessidades espaciais e arquitecturais de cada um dos casos citados nfo sto, de maneira alguma, as mesmas. O telefone A diferenga entre as barreiras psiquicas e as barreiras espaciais res- pectivamente utilizadas por ingleses ¢ americanos na proteceao da inti= midade traduz-se também por um uso muito diferente do telefone. Nao existe qualquer meio de protec¢ao material, nem paredes, nem portas, contra o telefone. E como é impossivel saber pelo toque quem se encontra do outro lado do fio ou se a chamada é urgente, todos nos sentimos constrangidos a responder. Assim, por pouco que um inglés sinta necessidade de se isolar, experimentard o toque do telefone como 2 intrusdo de um importuno. Na impossibilidade de conhecer o estado 160 Edward T. Hall de alma do seu interlocutor, os ingleses hesitam muitas vezes em tele- fonar; preferem enviar algumas palavras por escrito. Telefonar parece -lhes mal educado e demasiado «prementes. Uma carta ou um telegra- mma levardo mais tempo a chegar, mas serio menos susceptiveis de cau- sar perturbagéo. O telefone serve para as actividades profissionais © casos de urgéncia. Eu préprio utilize! tal método durante vatios anos, quando morava em Santa Fé (Novo México), durante a crise econémica. Tinha-me dis- pensado de telefonar por razbes financeiras. Além disso, agradava-me fa tranquilidade do meu refugiozinho de montanha e ndo queria set in- comodado. Essa partieularidade valeu-me ser objecto de algumas reac: ‘ges escandalizadas. As pessoas nio compreendiam 0 meu modo de proceder. E mostravam-se de resto extremamente consternadas, quan- do, perguntando-me: «Como & que posso entrar em contacto consi- «Esereva-me duas linhas, passo pelo correio todos Nos Estados Unidos, onde a maior parte dos cidadios das classes, médias dispée de salas s6 para sie se evadiram da cidade para os at- redores, conseguimos penetrar até ao mais intimo da sua privacidade doméstica através do mais piiblico dos instrumentos, o telefone. Nao importa quem poderé telefonar-nus a qualquer momento. De facto, torndmo-nos to facilmente atingiveis que foi necessétio elaborar siste- mas de proteeco complexos para as pessoas mais ocupadas. ‘Tém que se gastar uma habilidade e um tacto considerdveis para filtrar as mensagens sem ferir ninguém. Hoje em dia, a tecnologia mo- derna ndo sabe ainda adaptar-se a necessidade que os individuos sen- tem de se refugiar na solidio, para ficarem a s6s consigo proprios ou za companhia da familia. O problema vem do facto do toque nao per- mitir determinar a identidade do autor da chamada nem o grau de ur- géncia da mensagem. Algumas pessoas retiram 0 nome da lista, mas {sso implica dificuldades relativamente a pessoas que venham de fora. 0 governo americano adoptou a solucao dos telefones especiais (em ge- ral, vermelhos) para as personalidades importantes. A «linha verme- Iha» curto-circuita secretérias, pausas para o café ¢ linhas ocupadas, e encontra-se directamente ligada Casa Branca, ao Departamento de Estado e ao Pentigono, A Dimensao Oculta 161 Os vizinhos (Os americanos que residem em Inglaterra manifestam uma cons- tncia notavel nas suas reacgoes relativamente aos ingleses. Se a maior parte de entre eles se sente ferida e surpreendida pela atitude dos in- gleses, & por ter sido informada pelas estruturas de vizinhanca ameri- canas e nao interpretar correctamente as inglesas. Em Inglaterra, a proximidade nao significa nada. O facto de morarmos na porta ao la- do da de outra familia néo nos autoriza nem a visitar os seus mem- bros, nem a conviver com eles, nem a pedir-Ihes objectos emprestados, nem a considerar os filhos deles como companheitos de jogos naturais dos nossos proprios filhos. E dificil obter estatisticas precisas acerca dos americanos que conseguem adaptar-se adequadamente ao meio inglés. ‘A atitude dos ingleses perante os ameticanos é incontestavelmente colorida pelo nosso antigo estatuto de colinia. Essa reaccdo € muito mais consciente e sera, portanto, muito mais facilmente invocada do que © dircito técito do inglés de defender a sua intimidade contras as agress6es do mundo. Tanto quanto sei, de todos os que tentaram esta igleses na simples base da vizinhanca, nunca el vir a travar relagées com os vizinhos ingleses © & possivel até que essas relagées venham a ser amigéveis; todavia, a virinhanga nunea sera 0 motivo, porque, para os ingleses, as relagdes sociais nao sao fungio das estruturas espaciais, mas do estatuto social De quem & 0 quarto de dormir? Em Inglaterra, na burguesia instalada, 6 0 homem e néo a mulher {que & considerado proprietirio do quarto de dormir; sem diivida, isso destina-se a protegé-lo dos filhos pequenos que ainda nao adquiriram 6s seus mecanismos de isolamento psiquico. E 0 homem nao a mu Iher que possui um dressing room, bem como um gabinete para onde pode retirar-se. O homem inglés € muito dificil em matéria de vestua- rio © consagra muito tempo e atencdo & compra do que veste. A mu- ther, pelo contrario, mostra a esse respeito uma atitude comparivel a do homem americano, 162 “Edward T. Hall A ¢forcar da voz A distancia adequada entre individuos pode ser mantida mediante © auxilio de varios mecanismos diferentes. O volume da voz constitu um dos mecanismos cuja estrutura varia de uma cultura para outra. Em Inglaterra, de um modo geral, os americanos véem-se continua- mente acusados de falar alto demais. Esta «forcar da voz depende de duas formas de regulagio, dizendo respeito, por um lado, & forga propria da voz e, por outro lado, & sua modulacdo, ligada a direcgao. Os americanos aumentam 0 volume da voz em fungio da distancia, utilizando varios niveis: murmiirio, vor normal, vor alta, etc. Mais sregarios do que os ingleses, os americanos so, em muitos casos, indi- ferentes ao facto de toda a gente os poder ouvir. Na realidade, a sua natureza extrovertida impele-os a mostrar que nada tém a esconder Os ingleses, pelo contrério, preocupam-se muitissimo com a discri¢&o; para conseguirem dispensar os gabinetes individuais e nao se incomo- darem uns aos outros, apuraram téenicas refinadas que thes permitem regular a voz em relagao com o seu interlocutor, de modo a ela ultra passar a justa os ruidos de fundo, a distincia necesséria e nada mais. ara os ingleses, falar alto demais é uma forma de intruséo, um sinal de ma educacio € 0 indice de um comportamento social inferior. Em contrapartida, num contexto americano, 0 modo inglés de modular a voz sera entendido como um tom de conspiracdo € classificado como incémodo. O olhar © estudo do comportamento do olhar revela contra-sensos interes- santes entre as duas culturas. Com efeito, os ingleses que habitam nos Estados Unidos nio s6 experimentam dificuldades quando querem iso- lar-se dos outros, mas igualmente quando procuram o seu contacto. Nunca estio certos de que 0 americano esteja a ouvi-los. Quanto a nds, também nunca sabemos se um inglés nos compreendeu. Muitas destas ambiguidades na comunicagdo tém origem em diferengas na ma- neira de olhar. O inglés aprendeu a dar toda a sua atengao ao sew in- terlocutor € a ouvi-lo cuidadosamente: a cortesia exige-o ¢ nao admite A Dimensdo Oculta 163 qualquer barreira protectora. Nao sera nem abanando a cabeca, nem emitindo grunhidos que ele indicara que esté a compreendet 0 nosso discurso, mas fé-lo-A piscando os olhos de vez em quando. A educacao dos americanos, em contrapartida, ensinou-os @ nunca olharem fixa- mente. $6 olhamos os olhos dos outros directamente em cireunstancias muito particulares em que se trata de tocar de perto © com seguranca o interlocutor. No decurso de uma conversa, 0 olhar de um americano vagabun- deia de um olho para 0 outro do interlocutor, cujo rosto poderd até abandonar durante um bom momento. Em circunsténcias semelhan- tes, pelo contrario, para o inglés bem educado, a prova de atencio consistiré em imobilizar os olhos distancia social, de tal modo que, seja qual for 0 olho fixado pelo interlocutor, este tenha sempre a im- pressio de estar a ser olhado no rosto e de frente, Mas, para realizar ‘essa proeza, 0 inglés tem que se encontrar pelo menos a 2,40 metros do seu interlocutor. A distancia torna-se demasiado proxima a partir do momento em que 0 campo horizontal de 12 graus da macula deixa de permitir que se olhe fixamente. A menos de 2,40 metros néo & possivel fixar os dois olhos ao mesmo tempo, (OS FRANCESES Os franceses do sudeste pertencem, em geral, a0 complexo cultural ‘mediterrnico, Os membros deste grupo aglutinam-se mais facilmente do que 0s europeus do norte, os ingleses ou os americanos. A relagao ddos mediterrénicos com o espago revela-se nos seus comboios a abarro- tar, nos seus autocarros cheios, nos seus cafés, nos seus automéveis € nas sts habitagoes. Os castelos e as mansées dos ricos constituem na- turalmente uma excepedo. A promiscuidade implica geralmente uma vida sensorial muito intensa. A importancia que os franceses concedem a vida sensorial nao se revela apenas no seu modo de comer, de rece~ ber, de falar, de escrever, de estar no café, mas traduz-se igualmente nna maneira como estabelecem os seus mapas de estrada. Estes so ex- ‘traordinariamente bem concebidos: oferecem ao viajante as informa- es mais pormenorizadas. Constituem a prova de que os franceses fa~ zem trabalhar todos os seus sentidos, porque nao se contentam com 164 Edward T. Hall ajudar o turista a orientar-se; indicam-Ihe também os locais a visitar, ‘08 passeios pitorescos ¢ até os lugares onde se deve parar, ou onde nos podemos refrescar, andar um pedaco a pé ou comer um bom jantar. Indicam ao viajante a natureza dos diferentes sentidos solicitados gundo o local em questio. A casa e a familia em parte © prazer que parecem sentir em viver fora de casa. O francés re- © facto de muitos franceses disporem de pouco espaco ex cebe no café ¢ mo restaurante. A casa é reservada a familia, os lugares exteriores so consagrados as diferentes distracgdes e as relagies so- ciais. De acordo com a minha propria experincia e com o que me tem sido referido por diversas fontes, os alojamentos encontram-se com muita frequéncia superlotados. Tal é verdade, sobretudo, para a classe operdria © para a pequena burguesia, tendo como consequéncia 0 pa- pel importante que a sensualidade conquista no campo das relagées in- terpessoais. A organizacéo dos escritérios e das habitacdes, a disp. ‘¢ao das pequenas e grandes cidades como a dos campos, sio de molde 1 alimentar os contactos entre as pessoas. [As relagdes interpessoais caracterizam-se por uma forte intensida: de. Quando um francés se nos dirige, olha-nos de facto, nio ha qual- quer ambiguidade. Se olhar para uma mulher na rua, fé-lo~t sem equivoco. As mulheres americanas, que voltam aos Estados Unidos de- pois de terem estado a viver em Franca, experimentam com frequéncia uma impressto de frustragdo sensorial. Algumas confiaram-me que, tendo ganhado 0 habito de se verem olhadas, o costume americano, que manda que ndo se olhe, thes dé uma impressio de nao-existéncia A sensualidade dos franceses néo se mostra desenvolvida apenas 20 nivel dos contacts interpessoais; revela-se também intensamente aber- ta a0 conjunto do meio ambiente. O automével francés foi concebido para corresponder as necessidades dos franceses. Temos 0 habito de pensar que so exiguos em virtude de um nivel de vida inferior e de pregos de custo superiores aos nossos; embora o factor econémico deva ‘entrar em linha de conta, seria ingénuo pensar que se trata aqui do factor decisivo. O automével é uma expressio cultural ao mesmo titulo | | A Dimensio Oculta 165 que a lingua, ¢ possui por isso 0 seu proprio lugar no biotopo cultural de um povo. Transformagées introduzidas nos veiculos reflectiriam transformagées sobrevindas noutros sectores de actividade € seriam, por sua vez, reflectidas noutros aspectos. Se os franceses conduzissem automéveis americanos, seriam obrigados a abandonar numerosos comportamentos relativamente ao espago a que se encontram ligados ‘A circulagéo automovel ao longo dos Champs-Elysées e em volta do Arco do Triunfo evoca ao mesmo tempo a autoestrada do Estado de New Jersey num domingo de bom tempo a tarde e o circuito de com- petigaio de Indianapolis. Com automéveis de modelo americano, seria tum suicidio generalizado. No meio da citculacéo patisiense, até os ra- 0s modelos «compactos? importados dos Estados Unidos que apare- cem ficam com um ar de tubardes no meio de peixes mitidos. Nos tados Unidos, os mesmos automéveis parecem normais, dada a escala do contexto, mas, no estrangeiro, proporcionam uma imagem sugesti- va do eélebre ago de Detroit. Os monstros americanos emprestam as suas asas ao ego ¢ impedem a interferéncia das esferas pessoais no in- terior dos veiculos, 0 que permite a cada passageiro conservar a sua privacidade. Isto ndo quer naturalmente dizer que todos os americanos sejam idénticos e identicamente marcados pelo mundo de Detroit. Muitos americanos, nao encontrando no seu pais aquilo que desejam, escolhem veiculos europeus, mais pequenos, mais faceis de manobrar mais de acordo com as suas personalidades ¢ exigéncias. Todavia, 0 estilo dos automéveis em Franca da testemunho de uma diferenciacdo muito mais pronunciada do que nos Estados Unidos. Veja-se a Peu- geot, a Citréen, a Renault, a Dauphine e o 2 CV: seriam necessérias nos Estados Unidos dezenas de anos de transformasio no design auto- ‘mavel para se chegar a uma variedade comparivel. Os franceses e 0 espaco exterior Para satisfazerem igualmente a totalidade das suas exigéncias esp ciais, os citadinos franceses aprenderam a tirar o methor partido pos vel dos parques e dos espagos livres urbanos. Para eles, a cidade deve ser uma fonte de satisfagdes ao mesmo titulo que os seus habitantes. Uma atmosfera relativamente pouco poluida, passefos largos (até 20 166 Edward T. Hall metros), automéveis cujas dimensoes néo so esmagadoras, todos estes elementos contribuem para favorecer a existéncia de cafés ao ar livre © de lugares de encontro onde as pessoas sentem prazet em estar. Na medida em que os franceses saboreiam as suas cidades e participam na respectiva animaco, gozando a variedade das perspectivas e a di- versidade dos sentidos e dos cheiros, beneficiando dos passelos largos, das avenidas e dos parques, sentem certamente menos do que os ame- ricanos a necessidade de se instalarem nos seus automéveis; 0 caso in- verso verifica-se nos Estados Unidos, onde as pessoas se sentem esma- gadas pelas dimensoes dos arranha-céus e dos carros, agredidas visual- ‘mente pela sujidade e os detritos, e intoxicadas pelo smog e 0 dxido de carbono. Aeestrela e 0 xadrez Existem na Europa dois sistemas principais de estruturacdo do es- paco. Um, sradiocéntricor, frequente sobretudo em Franga e em Es- panha, € socidpeto. O outro, «xadrez», originario da Asia Menor, de- pois adoptado pelos romanos, que o introduziram em Inglaterra no ‘tempo de César, & sociéfugo. O sistema franco-espanhol liga entre si todos os pontos e todas as fungSes. Assim, no sistema do metropolita- no francés, as diferentes linhas cruzam-se nos pontos-chave da cidade, como a Opéra, a praca da Concérdia e a Madeleine. O sistema do xadrez, pelo contrétio, dissolve as actividades. Cada um destes siste~ ‘mas apresenta as suas vantagens, mas, para os respectivos utilizado- res, é dificil a passagem de um para outro. ‘Se, por exemplo, nos enganamos de direceo no sistema radiocén- trico, o erro torna-se cada vez mais grave & medida que nos afastamos do centro. De facto, o mais pequeno erro equivale a partir numa di- recedo errada. No sistema do xadrez, os erros so forgosamente de 90 ou 180 graus e, por conseguinte, facilmente perceptiveis mesmo por quem no tenha um sentido de orientacio apurado. A partir do mo- mento em que estamos, globalmente, na direcedo certa, 0 erro de um ou dois blocos & sempre susceptivel de correecio atempada. No entan- to, 0 sistema radioconeéntrico apresenta vantagens particulares. Uma vez que tenhamos aprendido a servir-nos dele, € muito mais fécil loce- A Dimensao Oculta 167 lizarmos objectos ou locais indicando um ponto sobre uma linha. Des- te modo, um estrangeiro poderé facilmente marcar um encontro no ‘marco dos 50 quilémetros na nacional 20 ao sul de Paris: no é neces- séria qualquer outra preciso. Em contrapartida, o sistema de coorde- nadas do xadrez implica pelo menos duas linhas e um ponto para qualquer localizacio espacial (e, frequentemente, um ntimero muito maior de linhas e pontos € necessério, de acordo com o némero de in- flexdes). © sistema radiocntrico permite igualmente integrar num es- ago menot um maior ntimero de funcdes centrais, em relagdo ao si tema de xadrez. E assim que do centro se acede facilmente, ao mesmo ‘tempo, aos sectores residenciais e comerciais, aos mercados ¢ aos luga~ res de diversto. £ inimaginavel 0 nlimero de aspectos da vida francesa que se en- contram ligados ao sistema radioconcéntrico. De facto, este sistema representa por assim dizer 0 modelo global, com centros em intercone- xio, da cultura francesa. Dezasseis estradas nacionais atravessam Pa- ris; doze, Caen e Amiens; onze, Le Mans, e dez, Rennes. Estes niime ros ndo conseguem infelizmente dar uma ideia precisa da significagao deste sistema, que faz da Franga uma hierarquia de redes radiocon- céntricas cada vez mais importantes. Qualquer centro inferior se en- contra directamente ligado ao centro superior. De uma maneira geral, as ligagdes entre dois centros determinados nfo atravessam as outras cidades, uma vez que cada uma delas dispoe do seu sistema de ligagio fautnomo. Esta estrutura opée-se, portanto, & que, nos Estados Uni- dos, enfia como pérolas de tlm colar as pequenas aglomeragdes ao lon- {g0 das estradas que ligam os centros municipais Em The Silent Language, mostrei o papel da centralidade nos es- critérios do administrador franc8s, cujos subordinados se encontram colocados a maneira de satélites em fieiras que convergem na sua di: rec¢io. Tive certo dia oportunidade de medir a importancia desta no- ¢40, quando um dos meus assistentes franceses, num grupo de investi- gago, me pediu um aumento de salério porque o seu gabinete ocupa: ya uma posigao central! O proprio De Gaulle parecia basear a sua politica internacional na posigéo geografica central da Franca. Alguns dirdo que a extrema centralizagao do sistema escolar francés nio tem a menor ligagao com a estrutura dos eseritérios, do sistema do metro- politano, das redes rodovidrias ou finalmente da do conjunto da vida 168 Edward T. Hall francesa; mas é-me impossivel concordar com tal opinifo. A minha longa experincia das difereneas culturais convenceu-me de que as li- has de forca que estas pressupdem em profundidade penetram, de um modo geral, as estruturas de uma sociedade a todos os seus niveis. Ao descrever brevemente trés formas de cultura europeias, particu- larmente proximas da classe média americana (em termos historicos e culturais), quis fazer, acima de tudo, surgir claramente, por oposigao. algumas das nossas estruturas ocultas. Mostramos que a utilizagées di ferentes de sentidos diferentes correspondem necessidades de espago diferentes, seja qual for o sector de escala considerado. Toda a forma de ordenagdo do espaco, do escritério & pequena ou grande cidade, ex- prime © comportamento sensorial dos seus construtores e dos seus ocu- pantes. Se quisermos tentar resolver os problemas levantados pela re- novacdo das cidades e pelo excesso demografico urbano, é essencial sa- bermos como as populagdes em causa percepcionam o espago e de que sentidos se servem para 0 organizar. capftulo seguinte consagra-se ao estudo de povos cujo mundo es- pacial € muito diferente do nosso, podendo por isso esclarecer-nos acerca do nosso préprio comportamento. XII Proxémia comparada das culturas japonesa e arabe As estruturas proxémicas desempenham, para o ser humano, um papel comparavel ao dos comportamentos de seduco para os animai | | | om feo, o seu resuado €consalidaro grupo elo dos ets, | | | reforcando simultaneamente @ identidade no interior do grupo, por um lado, e tornando mais dificil a comunicagao entre os grupos, por ou- tro. Embora do ponto de vista genético e fisiolégico, o homem consti- 4 © mveauma espécie, as estruturas proxémicas dos ameri- canos & dos japoneses, por exemplo, parecem to opostas como os comportamentos de sedugao do galo selvagem americano ¢ os dos os- cins da Australia descritos no capitulo II. OJAPAO No Japao antigo, as estruturas sociais e as estruturas espaciais esta- vam interligadas. Os shoguns tokugawa alojavam os daimios, ou no- bres, em zonas concéntricas em redor da capital, Ado (Téquio). A proximidade relativamente ao centro reflectia a intimidade com 0 sho- ‘un © a lealdade que the era testemunhada; os mais leais de entre os daimias encontravam-se repartidos dentro de uma cerca protectora in- terior. Do outro lado da iha, para além das montanhas, de norte a sul, encontravam-se 0s sibditos menos seguros ou de obediéncia me- 170 Edward T. Hall nos digna de confianga. O conceito de um centro acessivel por todos os lados é um tema classico da cultura japonesa. Trata-se de um plano ti picamente japonés e os que conhecem o Japao descobrem ai o modelo que estrutura praticamente todos os sectores da vida japonesa. ‘Como indicévamos acima, os japoneses dio nomes as interseevdes, de preferéncia as ruas que nelas se cruzam. De facto, cada esquina de ‘uma encruzilhada recebe um nome proprio e tem a sua propria identi: dade. O itinerétio que leva de um ponto A a um ponto B parece per- feitamente fantasista a um ocidental ¢ nunca é determinado como no nosso pats. Nao estando habituado aos itinerérios fixos, 0 japonés nfo consegue orientar-se enquanto circula em Téquio. Uma vez chegados ‘40 quarteirio ou bairro desejado, os motoristas dos taxis sio obrigados 2 perguntar 0 caminho a policia, ndo s6 porque as ruas no possuem rome, mas porque as casas se encontram numeradas por ordem de an- tiguidade. E frequente os vizinhos ignorarem-se, ¢ assim as informa- ses que poderiam dar-nos sio consideravelmente reduzidas. Para contrariarem este trago da mentalidade japonesa, as forcas de ocupa- io americanas deram nomes a algumas grandes artérias, onde eoloca- ram placas escritas em inglés (avenidas A, B, C...). Os japoneses espe- raram educadamente o fim da ocupagio para voltarem a tirar as pla cas. No entanto, j@ tinham sido apanhados na ratoeira de uma inova~ ‘glo cultural estrangeira. Tinham feito a descoberta de que podia ser realmente pratico designar o itinerétio que liga dois pontos. Sera inte- ressante verificar se a cultura japonesa integrou definitivamente tal moditieasao. ‘A estrutura japonesa centralizada nao se manifesta apenas através de uma série de outras disposigées espaciais, como espero poder de- monstrar que a descobrimos inclusivamente ao nivel das conversas en- ‘re pessoas, A lareira japonesa (hibachi) © a sua posigio possuem um valor afectivo talvez ainda mais intenso do que o atribuido pelos ame- ricanos ao lume doméstico. Segundo as palavras de um velho sacerdo- te: «Para conhecermos realmente os japoneses, € preciso termos passa- do serdes frios de inverno, encostados a eles & volta do hibachi. Uma manta comum, junto ao hibachi, envolve todos 0s participantes, senta- dos ao lado uns dos outros. E assim que se conserva calor. E através desta experiéncia, através do contacto com as méos ¢ o calor corporal dos outros, no sentimento de comunidade que de tudo isso se despren- | | | A Dimensao Oculta m1 de, que comecamos a conhecer os japoneses. Tal € 0 Japio verdadei- ro.» Em termos de psicologia, 0 centro da sala constitui um polo posi- tivo, enquanto o seu perimetro, de onde vem o frio, constitui um polo negativo. Nao € surpreendente que os japoneses achem as nossas salas sdesguarnecidas, uma vez que, precisamente, elas t8m 0 centro vazio. Outro aspecto da oposicio centro-perimetro diz respeito as condi- es do movimento ¢ a definigdo das estruturas fixas e semifixas do es- ago. Nos Estados Unidos, as paredes de uma casa so fixas, enquan- to no Japao sto semifixas. Com efeito, as paredes sio méveis ¢ as di- versas divisdes polivalentes. Numa hospedaria japonesa, o cliente (0 ryokan) vé os objectos virem na sua direccdo enquanto 0 décor se ‘transforma. Encontra-se sentado no centro da sala, no tatami, en- quanto os painéis de correr se vao dobrando ou desdobrando. De acor- do com a hora do dia, a sala pode aumentar até ao ponto de jneluir 0 ambiente exterior, ow ser progressivamente reduzida as dimensdes de tum boudoir. Uma vedacdo desaparece ¢ chega uma refei¢ao. Termina- da esta, € chegada a hora do sono, é desenrolada uma esteira no lugar onde se acabou de comer, ¢ foi antes preparada a comida, onde se me- ditou © foram recebidos os amigos. De manha, quando a sala se et contra de novo inteiramente aberta para o exterior, os raios de sol ou © cheiro subtil dos pinheiros, arrastado pela bruma das montankas, invadem © purifivam o espago iu O filme A Muller da Areia dé uma excelente ideia das diferencas ‘entre os mundos sensoriais ocidentais e orientais. Mostra com rara preciso a importincia do contacto sensual entre os japoneses. Senti- ‘mos, ao ver o filme, @ impressio de estarmos na pele dos herdis. E por vezes impossivel reconhecer @ parte do corpo que temos diante dos olhos. A cimara desloca-se lentamente, percorrendo cada pormenor do corpo. A paisagem de carne surge aumentada; a sua textura assume, pelo menos para um ocidental, o aspecto de uma topografia. Os rele- vos em «pele de galinhar sto suficientemente grandes para os distin- ‘guirmos uns dos outros, enquanto os gros de areia parceem grandes pedras de quartzo. Sentimos algo um pouco semelhante ao que aconte- ce quando vemos, ao microscépio, a vida pulsar suavemente num em- brido de peixe ‘Um dos tetmos mais frequentemente utilizados pelos americanos para desereverem 0 modus operandi dos japoneses é o de «rodeior. Um 7 Edward T. Hall banqueiro americano, que vivera durante anos no Japdo, pouco esforco tendo feito no sentido de se adaptar ao pais, dizia-me, entre outras coisas, que aquilo que, sobretudo, o irritava ¢ perturbava nos japone- ses era 0 seu gosto pelo rodeio. «Nada neste mundo me por mais cer- tamente fora de mim do que um japonés ‘& vetha maneira’. E capaz de girar indefinidamente a volta de uma questo qualquer sem chegar nunca a abordé-la com clareza.» Mas 0 banqueiro néo tinha, evidente- ‘mente, consciéncia de que @ maneira abrupta que os ameticanos usam ao colocerem os seus problemas é igualmente traumatizante para os japoneses, que no compreendem porque € que julgamos dever ser sempre tio «l6gicost. Os jovens missionérios jesuttas enviados para o Japio encontram no inicio dificuldades da mesma natureza, acentua- ‘das pela sua propria formagdo. A légica do silogismo, em que se apoiam, encontra-se em contradi¢ao com algumas das estruturas fun- damentais da vida japonesa. Tém que fazer frente a um dilema cruel: set figis & sua propria tradicSo pedagogica e falhar a isso, ou pelo contrario, sactificar a primeira & segunda. oo Por altura da minha viagem de 1957 ao Japao, 0 missionério jesui- ta que tinha mais éxito no seu trabalho local violava efectivamente as normas do seu grupo, para adoptar os habitos locais. Comegava um sermio por uns tantos silogismos tradicionais, mas depois mudava ra- pidamente de estilo; andava d volta do seu tema, comentando longa- mente as timpressdes maravilhosas» (muito importantes para os japo- neses) que a {6 catdlica proporciona. Cientes deste método e do seu xito, os outros membros da congregacio sofriam, no entanto, to pro- fundamente a marca da sua cultura anterior que raramente conse- guiam aproveitar com o exemplo, decidindo-se a violarem os seus ha- bitos culturais. A nogao de camontoamentor Para o ocidental, que pertence a um grupo de tipo sem-contacto, a ‘conotagéo da palavra tamontoamentor (crowding) € nitidamente desa- gradivel. Mas os japoneses, conforme tive ocasio de os conhecer, pa- recem preferir a multidao, pelo menos em determinadas circunstan- cias. Gostam de dormir no chao perto uns dos outros, de acordo com A Dimensao Oculta 173 © estilo sjaponés», que contrasta com o sestilo americano». Nao é, pot tanto, de surpreender que a palavra sintimidade> (privacy) nao exista ‘em japonés, como nota Donald Keene, no seu livro Living Japan. Con- tudo, seria um erro pensar que a nocio de intimidade ou de isolamen- to nio existe para os japoneses: s6 que 6 muito diferente da concepeao ocidental. Com efeito, se 0 japonés pode néo desejar estar s6 ¢ se no se sente incomodado pela presenca constante de outrem, tem horror, apesar disso, a ideia de partilhar uma parede da sua casa ou andar. A sua casa e a zona que directamente a rodeia constituem, para ele, uma totalidade indissocidvel. A seus olhos, aquela superficie livre, esse frag- mento de espaco & volta da casa faz parte integrante da habitagdo, tal ‘como o telhado. Tradicionalmente, contém um jardim, por vezes mi- niisculo, que garante ao morador um contacto directo com a natureza. A concepedo japonesa do espaco: 0 «mar As diferencas entre japoneses e ocidentais nao se limitam as que acabamos de analisar. Ea experiéncia global do espago, nas suas es- truturas fundamentais, que é diferente. Quando os ocidentais falam ou pensam no espago, trata-se para eles de distancias entre os objectos. No Ocidente, ensinaram-nos, com efeito, a percepcionarmos ¢ a rea girmos a organizacdo dos objectos e a imaginarmos um espaco «vazio» © sentido deste comportamento s6 se torna claro por oposicéo, por exemplo, ao dos japoneses, os quais, pelo contrério, aprenderam a dar uma significardo aos diferentes espacos — a percepcionarem a forma e organizagio dos espacos: € aqui que intervém 0 ma. O ma ou inter- valo € um elemento construtivo fundamental da experiéncia japonesa do espago. Nao se aplica somente ao arranjo das flores, como constitui ainda o factor secreto da organizagio de todos os outros tipos de espa- 60s. A virtuosidade dos japoneses na manipulagio e organizacto do ‘ma & extraordinaria. Provoca a admiragdo e, por vezes, até 0 teceio dos europeus. Esta virtuosidade no tratamento do espago pode set sim- bolizada pelo jardim do mosteiro zen de Ryoanii (século XV), junto de Quioto, a antiga capital. Depois de ter atravessado o edificio principal de paingis sombrios, e seguindo ao longo de uma passagem encurvada, © visitante é de sibito apanhado por uma visio cuja forga é inesquect 14 Edward T. Hall juinze pedras que emerge de um mar de areia fina. A descober- ta do Ryoanji é uma experiéncia afectiva de peso. O visitante sente-se subjugado pela ordem, a serenidade e a disciplina desta extrema sim- plicidade. © homem e’a natureza parecem, de algum modo, metamor- foscados e em harmonia. Do jardim solta-se igualmente uma filosofia das relagdes do homem com a natureza. Seja qual for o ponto de onde ‘olhamos, o jardim possui uma tal disposicao que uma das pedras per- manece sempre invisivel: artificio, sem diivida, revelador também da ‘alma japonesa. Com efeito, os japoneses pensam que a meméria e a imaginagéo devem participar sempre na percepcao.. ‘A sua arte dos jardins reside em parte no facto de, na sua percep- 0 do espaco, 0s japoneses aplicarem nao apenas a vista, mas 0 con- junto dos outros sentidos. Os cheitos, as variagdes de temperatura, hhumidade, a luz, a sombra e a cor, todos estes elementos se combinam de maneira a exaltar a participagdo sensorial do corpo inteiro. Ao contrario das obras de pintura do Renascimento ¢ do Barroco, organi- zadas em torno de um ponto de fuga Gnico, o jardim japonés esta con cebido de modo a proporcionar uma multiplicidade de pontos de vista. paisagista prevé pontos de paragem para os visitantes: € assim que, ao deter-se no meio de um lago, para firmar o andar numa pedra, 0 visitante descobre. de sibito, um quadro de que ndo suspeitara até en- tao. A andlise destes espacos revela 0 habito japonés de conduzir 0 in- dividuo ao lugar preciso onde este se verd em condigdes de descobrir juma coisa por si préprio. terri conitaparide, as esruturs Srabes que desrevermos a seguir em nada visam «conduzirr quem quer que seja onde quer que seja. No mundo drabe, considera-se que 0 individuo ligard entre eles © pelos seus préprios meios (e rapidamente) dois pontos muitos afasta- Gos. 0 estudo dos drabes exige, por isso, uma mudanga radical de perspectiva. (© MUNDO ARABE Depois de mais de dois milénios de contacto, os ocidentais € os frabes continuam sem se compreender mutuamente. No Médio Orien- te, os americanos sio imediatamente surpreendides por duas impres- A Dimensao Oculta 175 s6es contraditérias. Em piblico, sufocam e sentem-se submergidos pe- la intensidade dos cheiros ¢ dos rufdos, bem como pela densidade da ‘multidao; pelo contrério, nas casas drabes sentem-se poueo a-vontade, vulneraveis © um tanto deslocados, por causa dos espagos demasiado vastos com que se defrontam; as casas ¢ os andares de apartamentos firabes das classes médias e superiores geralmente ocupados pelos ame- ricanos no Médio Oriente s40 muito mais espacosos do que as habita- ses ameticanas correspondentes. Os americanos iniciam-se, por con- seguinte, no mundo sensorial dos arabes, ao mesmo tempo, através de uma forte estimulacdo sensorial em piblico e através do sentimento de inseguranga que neles faz nascer uma habitagio demasiado vasta. © comportamento piiblico Empurrar e acotovelar em piblico sao tragos caracteristicos da cul- tura do Médio Oriente. Mas este comportamento nao tem exactamente a significagdo — de excessivo A-vontade e mi educacao — que os ame- ricanos Ihe atribuem. Resulta de um conjunto completamente diferente de motivagées, ligadas no sé a concepeio das relagdes inter- individuais, mas a experiéncia pessoal do corpo. Paradoxalmente, os frabes acham também que os americanos ¢ os europeus do Norte sto pouco educados. Fiquei impressionado com esta verificagio, logo no inicio das minhas investigagoes. Como é que os americanos, que guar- dam as suas distdncias fisicas e evitam os contactos fisicos, podem passar por intrometidos? Perguntei aos arabes qual a sua explicagio. Nenhum deles foi capaz de precisar qual a particularidade do compor- tamento americano a incriminar, mas foram unanimes em teconhecer que se tratava de um comportamento desagradavel para a maior parte dos arabes. Depois de tentativas repetidas e infrutiferas no sentido de compreender tal ponto de vista ¢ tal reacsdo, renunciei, fiando-me no tempo para o desvendar do enigma. E quando, por fim, se fez luz no meu espitito, isso aconteceu de maneira absolutamente inesperada. Estava a espera de um amigo no hall de um hotel em Washington, 6, para estar s6 e set ao mesmo tempo identificdvel, sentara-me numa poltrona situado & margem da vaga de pessoas que entravam e saiam. Em semelhantes circunstancias, 0s americanos adoptam uma regra 176 Edward T. Hall tanto mais imperativa quanto mais é sem pensar que a respeitam: quando alguém se detém ou senta num lugar piblico, acha-se imedia- tamente protegido por uma pequena esfera de isolamento, considerada inviolavel. A dimensio desse circulo protector varia com a densidade das pessoas A volta, com a idade, 0 sexo, a importancia do individuo fem causa € também segundo o ambiente citcundante. Mas qualquer pessoa que penetre nessa zona ¢ lé permaneca ser considerada como intrusa. Se, apesar de tudo, tiver uma razdo para o fazer, traduziré nalgumas palavras de desculpa prévias a sua consciéncia de estar a praticar uma intrusio. Portanto, eu estava a espera no hall, entretanto deserto, quando tum estranho se dirigiu para o lugar onde me encontrava sentado © se colocou téo perto de mim que nao s6 me teria sido possivel tocé-lo com toda a facilidade, como ouvia perfeitamente a sua respiracio. ‘Além disso, a massa escura do seu corpo preenchia inteiramente a parte esquerda do meu campo visual periférico. Se 0 hall estivesse @ abarrotar, teria podido compreender aquele comportamento, mas no espaso do hall vazio, a proximidade da sua presentca pés-me pouco -vontade. Irvitado com a intrusdo, tive um movimento do corpo que se destinava a exprimir o meu desagrado. Mas, curiosamente, em vez de © incitar a partir, esse movimento pareceu produzir 0 efeito contrario, porque o homem se aproximou ainda mais. Nessa altura, apesar da minha tentagao de me escapar dali para fora, decidi ndo abandonar 0 ‘meu posto. Pensei para comigo: «Ele que va para 0 diabo! Porque ha- via de ser eu a ir-me embora? Fui o primeiro a chegat aqui e nao vou deixar que este fulano me expulse do-meu lugar, mesmo que nao passe de um tipo grosseiroy. Felizmente, a chegada de um grupo com quem ‘0 meu vizinho foi de pronto ter em breve me libertou da invasio. A mimica do grupo explicou-me o comportamento do homem, porque, pelo modo de falar dos outros e pelos seus gestos, compreendi que eram arabes. Fora-me impossivel estabelecer esse ponto capital ao ob- servar o individuo ao meu lado, isoladamente, porque ele no abrira a ‘boca e estava vestido & americana. Mais tarde, descrevendo a cena a um colega arabe, vi esclarecer-se 0 contraste entre duas estruturas proxémicas diferentes. A ideia ¢ os sen- timentos que eu tinha acerca da minha esfera pessoal de isolamento num lugar piblico pareceram ao meu amigo arabe estranhas € sur- A Dimensao Oculta m7 preendentes, porque, apesar de tudo, hall do hotel nio era, de facto, uum lugar piblico? Descobri, posteriormente, que aos olhos de um ara be, 0 facto de ocupar um ponto particular num lugar pablico nao me conferia qualquer direito: nem 0 meu corpo, nem o lugar que ocupava eram considerados invioléveis. Para o arabe, a ideia de uma intruséo em piiblico nao é sequer concebivel. O que é pablico é efectivamente piiblico. Tal revelacao permitiu-me comegar a compreender por fim to- da uma série de comportamentos que me haviam surpreendido, irrita- do e, por vezes, até assustado. Descobri, por exemplo, que se um in- dividuo A estiver na esquina de uma rua e um individuo B cobigar seu lugar, B tem o direito de fazer o que Ihe for possivel para tornar a situagto tdo desagradavel a A que este se va embora. Em Beirute, s6 0s sduros» conseguem ficar sentados nas iiltimas filas dos cinemas: com efeito, os espectadores que esto em pé e com vontade de se sen- tar mostram-se geralmente to intrusivos e ineémodos que @ maior parte dos que esto sentados desistem e saem da sala 0 abe que «violarar o meu espaco no hall do hotel escolhera, era evidente, aquele lugar pela mesma razio que eu: era um lugar comodo para quem quisesse observar ao mesmo tempo as duas portas e o ele- vador. Os meus sinais de irritago, em vez de o afastarem, 6 0 ti- nham encorajado. O homem pensava que estava quase a conseguir que eu me fosse embora. O comportamento desenyolto dos americanos em matéria de circu- lagio nas extradas consiste outta fonte escondida de fries entre americanos e drabes. De uma maneita geral, nos Estados Unidos, a protidade € dada espontaneamente aos veiculos maiores, mais tipi dos, mais potentes 02, entdo, com carga pesada. Ainda que The desa- grade, 0 pedo acha normal desviar-e para o lado a fim de deixar pas- Sar um veleulo répido, Sabe que, deslocando-se, deixa de possuir 0 seu espaco proprio, a que tem dirito na imobilidade (como era 0 met ca- 50 no hall do hotel de ha pouco). O conttério & 0 que se passa, porém, com os drabes, que adquirem direitos sobre 0 espago @ medida que ne- Te se desloeam. Se um estranho se movet no mesmo espago que tim arabe, sera considerado como estando a violar os direitos deste tiltimo. Do mesmo modo, o rabe ficaré furioso ao ver a sua fila ser cortada & sua frente por uma ultrapassagem numa auto-strada, f o comporta: 178 Edward T. Hall mento dos ameticanos no espaco em movimento que os faz setem con- siderados agressivos e sem maneiras pelos érabes. Concepedo da «zona privadas A exper acima referida, juntamente com muitas outras, leva- ram-me a pensar que os rabes deviam, sem divida, possuir a respeito do corpo ¢ dos seus direitos um conjunto de concepedes implicitas to- talmente diferentes das nossas. Com efeito, 0 gosto que tém de se em- purrar e apertar em piblico, o modo como beliscam e apalpam as mulheres nos transportes piblicos, seriam intolerdveis para os ociden- tais, Foi assim que cheguei a suposicdo de que os drabes nao tinham a ideia da existéncia de uma zona pessoal privada no exterior do sew corpo, ¢ a8 minhas investigagdes viriam a confirmé-la. No mundo ocidental, define-se pessoa como um individuo no in- terior de uma pele. No norte da Europa, a pele.¢ até as roupas que a cobrem so geralmente consideradas inviolaveis. Para as poder tocar, 0 estranho teré que pedir autorizacdo. Esta regra é valida também em certas regides de Franca, onde o simples facto de tocar noutra pessoa no decurso de uma discussao era, outrora, legalmente considerado um lataque. No arabe, a localizacdo’da pessoa relativamente ao corpo é ‘muito diferente. A pessoa existe algures no fundo do corpo. Mas, ape- sar disso, 0 Eu ndo se encontra completamente escondido, uma vez que @ extremamente facil atingi-lo por meio de um insulto. Encontra-se a0 abrigo do contacto corporal, mas nao das palavras. Esta dissociagao do corpo e do Eu podera explicar como a amputagdo piblica da mao dos ladroes € aceite como uma forma de puni¢éo normal na Arabia Saudita. Permite igualmente compreender como & que um patrio ara- be, habitando um moderno apartamento, pode reservar para 0 set criado uma cela miserével (1,50 x 3 x 1,20 metros), suspensa do tecto (para resguardar a superficie no cho) € munida, além disso, de uma abertura que permite ao patrao vigiar o homem quando quiser. Como é de prever, uma concepsao tio particular do Eu nao pode deixar de se reflectir na linguagem. Foi o que descobri no dia em que ‘um meu colega drabe, autor de um dicionério arabe-inglés, entrou no meu gabinete, afundando-se a seguir numa poltrona e mostrando to- A Dimensao Oculta 179 dos os sinais do mais completo esgotamento, Quando the pergunt que Ihe acontecera, respondeu-me: sPassei a tarde inteira a procurar 0 equivalente arabe da palavra inglesa rape (violagao). A lingua arabe no possui qualquer termo semelhante. Nenhuma das minhas fontes, escritas ou orais, me proporciona coisa melhor do que uma aproxima- ‘do do tipo: ‘ele tomou-a contra a vontade dela’, Nao ha nenhum ter- ‘mo Grabe que se aproxime da significacdo que a vossa lingua expressa numa s6 palavta, rapes Nao € facil compreender que existem concepedes diferentes acerca da localizago do Eu em relago ao corpo. Mas, uma vez admitida tal ideia, muitas outras facetas da vida arabe se esclarecem. Por exemplo, a extrema densidade da populagdo em cidades como o Cairo, Beirute € Damasco. Os estudos de psicologia animal, evocados nos nossos p meiros capitulos, deixariam supor que os rabes vivem numa condicao de excesso poputacional patolégico permanente. B verosimil que so- fram, por isso, com as tensdes decorrentes, mas ¢ igualmente plausivel que, a longo prazo, a tensio exercida pelo deserto tenha tido como efeito uma adaptacdo cultural as densidades demograficas fortes. O Eu centertado nas profundidades do corpo ndo dé apenas conta das fortes densidades demogrificas, mas talvez. explique também porque é que @ comunicasao se efectua de um modo muito mais intenso entte os éra- ‘bes do que entre os povos do norte da Europa. Nao s6 0 nivel do ruido € muito mais elevado, mas 0 olhar penetrante dos Atabes, 0 uso que fazem das maos € 0 contacto quente € himido do seu halito durante as conversas, representam uma contribuigdo sensorial cuja intensidade os europeus, em grande niimero, suportam com difieuldade. Os arabes sonham com casas espagosas, mas sio raros, entre eles, ‘0s que possuem meios de realizado de semethante desejo. No entanto, mesmo quando tém espaco, organizam-no muito diferentemente do das casas americanas. Nas residéncias da classe média superior arabe, 0s espacos so imensos relativamente as nossas proprias normas. Os rabes evitam as paredes internas, porque ndo gostam de estar sés. A estrutura da habitagio arabe ¢ a de uma tinica concha protectora des- tinada a reunir.o conjunto da familia cujos membros se encontram in- timamente ligados. As suas personalidades fundem-se ¢ alimentam-se tumas das outras, como raizes no solo. Um individuo parece ficar pri- vado de vida quando nao se encontra com outros setes aos quais esteja 180 Edward T. Hall ligado intensamente, 0 que se traduz num antigo aforismo arabe: «Evi- tal entrec num paraiso sem hebitantes porque serf o inferno». B por isso que, nos Estados Unidos, os arabes se sentem muitas vezes frus- trados em termos sociais e sensoriais, aspirando reencontrar 0 calor hhumano € 0s contactos fisicos do sett meio ambiente. ‘A auséneia de qualquer possibilidade de isolamento fisico no inte- rior da familia, a auséncia até de uma palavra que designe essa nocio, deixa supor que os arabes dispéem de outros meios para se isolarem. © seu modo de isolamento consiste simplesmente em deixarem de falar. Tal como 0 inglés, o arabe que assim se separa dos outros, nao indica com isso qualquer reserva ou descontentamento; manifesta simplesmente o seu desejo de nao ser incomodado e de estar a sés com fs scus pensamentos. Um dos individuos que entrevistei ao longo da minha investigagao referia que o seu pai era capaz por vezes de ir ¢ vir de um lado para 0 outro, durante varios dias inteiros, sem dirigit pa- lavra a quem quer que fosse, sem que ninguém na familia se inquie- tasse com esse facto. Foi pela mesma razdo que um estudante érabe colocado por troca de estadia numa quinta do Kansas ndo foi eapaz de compreender que 0 stratamento do siléncior, que os seus héspedes a partir de determinado momento the infligiram, era um sinal de c6lera contra ele. S60 compreendeu, na realidade, quando os héspedes o le- vyaram & cidade e 0 meteram 4 forga num autocarro para Washington, onde tinha sede a organizaséo das estadias por troca responsdvel pela sua presen¢a nos Estados Unidos. A distiincia pessoal entre os drabes De acordo com a regra geral, os arabes so incapazes de formular as regras especificas que regem os seus comportamentos «informaii Chegam muitas vezes a negar a existéncia dessas regras, e a ideia de- las basta para os encher de inquietacéo. Por isso, quando quis deter- minar 0 modo de organizagdo arabe das distincias, tive que me ocu- par de cada um dos sentidos em separado. Pouco a pouco, vi desenha- rem-se estruturas precisas e absolutamente originai olfacto ocupa um lugar particularmente importante na vida éra- be. Nao desempenha apenas um papel na estruturagdo das diversas A Dimensdo Oculta Isl distancias, mas é igualmente uma pesa vital no sistema complexo do seu comportamento. Assim, em conversa, os arabes conservam-n0s, sempre no campo de alcance do seu hilito. Tal habito ndo se refere apenas a uma questo de maneiras. O drabe gosta dos cheiros agradé- veis, e estes fazem parte integrante dos seus contactos com os outros. Respirar o cheiro de um amigo € nao 6 agradaivel como desejavel, porque alguém recusar-se a deixar que 0 outro respite 0 seu halito & sinal de vergonha. Em compensagio, a educacéo dos amerieanos, que aprendem a nao deixar que o seu halito seja perceptivel por outrem, & imediatamente interpretada em termos de vergonha. Quem poria os nossos mais eminentes diplomatas sob a suspeita de tal contra-senso? E, contudo, € com isto também que tém que se confrontar uma vez que a diplomacia acaba por dizer respeito tanto aos hilitos como aos olhares. ‘A importdneia que conferem ao olfacto nem por isso leva os arabes 4 procurarem eliminar os seus odores corporais. Trata-se, para eles, pelo contrério, de tirar dos cheiros do corpo 0 maior partido possivel na constituigo das relag6es humanas. Se for caso disso, nao experi- mentam qualquer embaraco para fazerem saber aos outros que ndo gostam do cheiro deles. Um tio poderd, por exemplo, dizer muito bem 4 seu sobrinho: «Habib, andas com o estémago azedo e o teu halito esté mau esta manha. Por isso, trata de evitar falar perto de mais das outras pessoast. O cheiro & um factor que entra até em linha de conta na escolha de um ednjuge. No decurso das investigagbes preliminares, nos preparativos de um casamento, 0 representante do futuro marido poderé pedir para cheirar a esposa putativa, e eventualmente recusé: sla-d se ela «ndo cheirar bemy. Para os arabes, o cheiro de uma pessoa 0 seu caracter encontram-se interligados. Numa palavra, o$ limites olfactivos desempenham dois papéis na vida dos arabes, aproximando os que desejam contactos e afastando os ‘outros. Para o drabe, € essencial permanecer na zona olfactiva de ou- trem a fim de poder determinar os movimentos afectivos corresponden- tes. Além disso, poderd sentir-se apertado se percepcionar cheiros de- sagradaveis. Embora o efeito da «sobrepopulagio olfactiva» seja ainda mal conhecido, poder vir, contudo, no futuro, a revelar-se um factor importante do complexo de sobrepovoamento. Nao se encontra, com efeito, directamente ligado & bioquimica humana, ao estado de saide 182 Edward T. Hall © A afectividade? (O leitor recorda-se, com eerteza, de que € o olfacto ‘que, no efeito de Bruce, provoca na fémea do rato pequeno a interrup- so da gestasdo). Nao é, portanto, de admirar que, na estruturacdo das distincias, os mecanismos olfactivos desempenhem, entre os ara- 'bes, um papel homélogo ao dos mecanismos visuais entre os europeus. 0 olhar do interlocutor Uma das minhas primeiras descobertas no dominio das relagdes in- terculturais foi a de que @ posi¢io do corpo durante a conversa vati de acordo com a cultura em causa. No entanto, ndo fiquei menos surpteendido por um dos meus amigos érabes no conseguir aparente- ‘mente andar e falar ao mesmo tempo. Apesar de residir hd longos anos nos Estados Unidos, nao conseguia passear normalmente enquan- to falava. Transtornava o curso dos nossos passeios, passando-me & frente para se voltar para mim e me encarar. Entio, detinha-se Compreendi esta manobra de movimentos e paragens quando descobri que, para os arabes, olhar outrem de lado € falta de educagao e virar as costas, grosseiro. Entre os arabes, todas as relacoes amigiveis im- plicam uma participacio directa. Os americanos cometem muitas vezes 0 erro de julgar que os ara bes falam sempre muito perto do interlocutor. Nao € assim. Por exemplo, em certas reunides formais, sentar-se-do, cada um de dois in- terlocutores, nas extremidades de uma sala c falardo a essa distancia. Mas formalizam-se facilmente com a utilizagio, pelos americanos, de distdncias que julgam ambiguas, como a distancia social de conversa (de 1,20 a 2 metros). Queixam-se muitas vezes da frieza, da desenvol tura ou da indiferenga dos americanos. Tal era a reacgao de um res- peitével diplomata arabe relativamente as enfermeiras que, num hospi tal americano, praticavam a distancia «profissionals. O diplomata nha a impressio de estar a ser ignorado e talvez mal cuidado. Um ou- tro individuo drabe perguntava-se a propésito do comportamento ame- ricano: «Que se passa? Cheirarei mal, por acaso? Ou meto-lhes medo, talvez?» Nos seus contactos com os americanos, os arabes declaram que sentem muitas vezes da parte dos primeiros uma espécie de indiferen- sa, devida sem divida, em parte, a uma maneira diferente de olhar as A Dimensao Oculta 183 pessoas em péblico ou em privado, e de tratar os amigos relativamente aos estranhos. Enquanto é considerado como indelicado por parte de um convidado passear numa casa drabe vendo os objectos que a po- ‘voam, os arabes olham-se entre eles de um modo que, para um ameri- cano, parecer hostil ou de provocagao. Um informador arabe dizia- -me que tinha dificuldades permanentes com os americanos por causa do modo como os olhava, apesar de desprovido de qualquer intengto hostil. De facto, s6 por pouco evitara chegar diversas vezes a vias de facto com americanos, que se haviam sentido visivelmente fetidos na stia vitilidade pela insisténcia do olhar dele. Como faziamos notar aci- ma, 0s arabes, quando falam uns com os outros, fixam-se com uma intensidade que embaraga fortemente a maior parte dos americanos. O empenhamento nas relagdes humanas Como o leitor ter compreendido, os arabes tém entre si relagves que se situam simultaneamente a varios niveis. A ideia de poderem isolar-se em piblico é-lhes totalmente estranha. Assim, nos suks, por exemplo, os negécios no se travam entre o compradot 0 vendedor: toda a gente participa na discussio. Quem quer que esteja presente poder fazé-lo. Se um adulto surpreender uma erianga a partir um Vidro, o seu dever & agarri-la, ainda que nao a conheca. Este tipo de participagdo e de empenhamento tem ainda outras ilustragbes. Assim, quando dois homens se batem, os assistentes tém a obrigacdo de inter- vir. No plano politico, o facto de nao intervir numa situagao critica € interpretado como uma tomada de posicdo (por exemplo, temos 0 caso permanente do nosso Departamento de Estado). Dado que, no mundo actual, a maior parte das pessoas néo desconfiam sequer da existéncia dos moldes culturais que determina os seus pensamentos, € normal que 0s Arabes julguem 0 nosso comportamento de acordo com as es- ‘ruturas inconscientes do seu. Sentimentos relativos a espacos interiores No decurso de encontros tidos com arabes, fui impressionado pelo emprego frequente que eles faziam da palavra «tiimulo» a proposito 184 Edward T. Hall {dos espagos fechados. Numa palavra, os frabes nao se sentem mal ro- deados pela multidao, mas detestam yer-se cercados por paredes fe- chadas. Sto m sensiveis do que nés a impressio de saturagao nos espagos interiores. Que eu saiba, um espago fechado deve possuir pelo menos trés qualidades para poder satisfazer um arabe: a ampl dee a abertura (podendo um interior chegar a 100 metros quadrados); a Seguir, tectos altos, que ndo obstruam o campo visual; e, finalmente, uma vista rasgada. Sao precisamente as caracteristicas espaciais que fazem os americanos sentir-se pouco a-vontade. A necessidade de uma vista alargada chega a traduzir-se de modo negativo, uma vez que ta- par a vista da casa de um vizinho é 0 mais seguro meio de the mani- festarmos o nosso desprezo. Assim, € possivel ver em Beirute aquilo a que por li se chama «casa de desprezo». Nao se trata de nada para além de uma parede espessa, com quatro andares de altura, que foi construida no termo de uma longa querela entre vizinhos, com 0 Gnico objectivo de privar da vista para o Mediterrdneo todas as casas situa- das por tras da parede, numa estreita faixa de terra. Segundo um dos ‘meus informadores, vé-se também, na estrada que vai de Beirute para Damasco, uma casinha completamente entaipada por trés de altos ‘muros, construidos por um vizinho que, com isso, conseguiu 0 seu ob- jectivo de a privar de vista, fosse para que lado fosse. A nogao de fronteira As estruturas proxémicas ajudam a descobrit muitos outros aspec- tos da cultura arabe. Por exemplo, é praticamente impossivel dar uma definigao abstracta de fronteira ou de limite. Em certo sentido, nao ha fronteiras no mundo érabe. Ha os chamados «arredoress de uma cida- de, mas nao existem limites permanentes, sob a forma de linhas invisi- veis ¢ precisas. No meu trabalho com os arabes, tive muita dificuldade para traduzir a nossa nogdo de fronteira em termos que hes fossem inteligiveis. Para melhor definir a diferenca dos nossos dois pontos de vista culturais nesta matéria, imaginei tracar um inventaio das trans- sgressbes de fronteira. Mas nao cheguei ainda a descobrir entre os ara- bes uma nocio que, ainda que de longe, corresponda 20 nosso conc to de transgressio de fronteira. A Dimensdo Oculta 185 © comportamento dos arabes relativamente & propriedade fundié- ria é, de certo modo, uma consequéncia da rela¢ao que mantém com 0 seu proprio corpo. Cada vez que se tratava de intrusdes, os meus en- trevistados tornavam-se incapazes de responder a pergunta. Pareciam, nao compreender a ideia. Sem divida, isso deve-se ao facto de organi- zarem as suas relagées em termos de estruturas sociais fechadas, mais do que em termos de espagos definidos. Durante milénios, muculma- ros, maronitas, judeus e drusos viveram nas suas proprias aldeias, do- rminadas pelas estruturas de parentesco. A hierarquia das pessoas a ‘que € devida fidelidade estabelece-se do modo seguinte: em primeiro lugar, o Eu; depois, os membros aparentados, os habitantes da aldeia ou os membros da tribo, os correlegionétios e os concidadaos. Quem nio pertenca a nenhuma destas categorias é um estrangeiro. No pensamento frabe, estrangeiro e inimigo so termos muito proxi mos, se nio sindnimos. Neste contexto, a intrusio diz mais respeito & identidade do transgressor do que & parcela de terra ou ao espago cu jas fronteiras possam ser interditas seja a quem for, amigo ou inimigo. Em resumo, encontramo-nos diante de estruturas proxémicas mui- to diversas. A sua andlise permite detectar os quadros culturais escon- sidos que determinam a estrutura do mundo perceptive de um dado ovo. O facto do mundo ser percebido de modos diferentes implica, por sua vez, diferengas quanto ao modo de definit os etitérios da satu ago, conceber as relagdes interpessoais ou conduzir a politica interna externa. Existem, além disso, variagbes muito grandes no impacto da cultura sobre a participagao do individuo na existéncia dos outros. Nesta perspectiva, os urbanistas deveriam ser Ievados a conceber cida~ des em fungio das estruturas proxémicas dos respectivos habitantes. Por isso, resolvi consagrar os iltimos capitulos deste livro a andlise da vida urbana.

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