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ENSAIOS E ESTUDOS PHILOSOPHIA ECRITICA POR TOBIAS BARRETTO DE MENEZES Lente cathedratico da FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE 2° eticgaa correcta ¢ augmentada bob, G de cbovrerrdoce te 16 Te. r PERNAMBUCO Eprtor - JOSE NOGUEIRA DE SOUZA | 1889 INDICE A sciencia da alma, ainda e sempre contestada. . II. Sobre um escriptu. de A. Herculano Til. Auerbach e Victor Hugo . . . IV. Socialismo em litteratura . V. Uma excursao de dilettante pelo dominio da sciencia biblica VI. Sobre David Strauss. . . VII. Miserias do imperio e sua ‘corte . VIII. O principe de Bismarck e o vis- conde do Rio-Branco TX. A ultima carta de Victor Hugo ao congresso de Genebra . : X. A Musa da felicidade. oe XI. As flores perante a industria. . © Pags. Sardeline So: PROLOGO Os Ensaios e Estudos de Philosophia e Critica foram publicados pela primeira vez em 1875. 0 livro ficou, marcando uma nova era para as lettras brazileiras; 0 seu auctor foi adiante, publi- cando depois os Menores e Loucos, os Estudos Allemées, os Ligeiros tragos de literatura comparada, as Quesiées Vigentes. Hoje apparecem novamente-os-Ensaios e Estudos, nio por vo- lupia de vaidade, inas como precioso documento do nosso de- sonvolvimento intellectual. Vera o leitor que o primeiro livro de Tobias Barretto nao é uma Allantida, que sumio-se com os annos como tantos livros, cuja instantaneidade de successo esta na razio directa do febril enthusiasm por elles provocado no momento, em que apparecem ; vera que os Ensaios e Estudos perduram como manifestagées de um espirito superior, que no do'ninio da critica nao se alimenta somente das faitas dos conlemporaneos, mas que sabe forgar as Portas do futuro, elevando-se a essas alturas do pensamento, onde respira-se sempre um tao delicioso perfume de vilalidade. Além dos estudos sobre A sciencia da alma, Um escripto de A. Herculano, Auerbach eV. Hugo, Socialismo em litteratura, Uma ercurséo de dileltante pelo dominio da sciencia biblica e A musa da Felicidade, os Ensaios contéem presentemente mais os seguintes artigos : Sobre David Strauss e A ultima carta de Victor Hugo ao oe congresso de Genebra, publicados em 1874 no Signal dos Tempos, Miserias do imperio e sua cérte e O principe de Bismark e 0 visconde do Rio-Branco, dados a luz em 1875, na Comarca da Escada, As flores perante a industria, edictado em 1883 pelo Industrial. Todos estes trabalhos apparenlemente sem ligagdo entre si, publicados em jornaes e revistas differentes, acham-se ligados uns aos outros, apesar da diversidade dos assumplos, pelas qua- lidades personalissimas do auctor, pela penetragdo do pensumento, pela franqueza brutal da critica, pelo encanto da forma impecca- yel e, sobretudo, por essa mechanica de espirito, que domina Lodos os seus trabalhos e faz com que Tobias Barretto no meio de todos os seus odios e sympathias, de todas as suas repugnancias e preferencias, ndo se parega senao comsigo mesmo. A segunda ediccio dos Ensaios e Estudos de Philosophia e Critica vai ser um precioso documento para a historia da nossa Jitteratura como medida do nosso desenvolvimento intellectual. « Um livro é, como ja disse alguem, mais do que a obra de um homem, é a leitura de muitos. » ARTHUR ORLANDO. 3 ENSAIOS E ESTUDOS DE PHILOSOPHIA E CRITICA I e A sciencia da alma, ainda e sempre con- testada. F’ visivel 0 torpor, e poderia dizer— a inanicao completa do velho espiritualismo cartesiano-catho- lico, Negal-o!?... S06 por effeito de fatua ligeireza, ou de céya rebeldia contra a soberana antoridade dos factos. As doutrinas de Cousin e Jouffroy estao exhaustas. As ultimas produccdes dos pensadores, filiados nessa escola, so de uma extrema e Jasti- mavel fraqueza. (1) Nao ha mistér de largo esforgo, nem de medir com a vista todo 0 horisonte do mundo philoso- phico, para por esta verdade 4 salvo de qualquer duvida. Basta por ora limitar-me 4 Franga, com alguns de seus philosophos, nos tempos derradei- ros. Diante de uma vasta litteratura, 0 que ha de mais difficil, é o trabalho da escolha. Eu abro casualmente o livro, abaixo mencio- nado, e leio n’elle um artigo interessante sobre o estado actual da psychologia, seu methodo e seus resultados; o que tudo somma ama defeza em re- gra dos direitos da alma humana. E.bem que nesse escripto nado se achem resumidas, christallisadas, todas as razdes e allegagdes habituaes, comtudo ee (1) La science de V Invisible... par Charles Levéque. —-2— elle ministra uma excellente occasiado, para tomar- se 0 pulso do systhema decahido. A mesma sinceridade que o caracterisa, equi- vale aum desnudamento do corpo cadaverico de pobres theorias, cuja terminagio se me antolba in- evitavel. Se ahi nem sempre deixa-se admirar 0 philosopho seguro em suas ideias, nunca desappa- rece o homem convencido, a intelligencia vivida e luminosa. Qualqver porém que seja a sympathia conquis- tada pelo talento do autur, eu nao vejo, — e sinto dizel-o, — nado vejo que a sua causa possa contar uma victoria de mais. Nao éa sciencia, 0 que falta ao notavel escriptor, — é simplesmente a razao. Quem negaria 4 Levéque as bellas qualidades de um grande e elevado espirito? Entretanto as suas armas se mostram impotentes ante a forga superior de uma sciencia mais desembaragada e livre dos prejuizos em voga. O espiritualismo ha de ainda, longo tempo, achar echo no fundo obscuro da ignorancia geral. Naoé menos exacto que a philosophia corre 0 risco de tornar-se uma cousa pouco séria eindigna de attencdo, se persiste em suscitar e resolver do mes mo modo as questoes do costume. I O autor do escripto que nos vae occupar, é um dos orgiios eminentes da philosophia franceza. Dis- cipulo de uma escola, que defende e representa as tradigdes cartesianas, Levéque esta convencido do triumpho completo desse systhema, E’ para vér 0 modo sobranceiro, por que elle se pronuncia. A crér-se em sua palavra, a doutrina espiritualista offerece todos os caracteres de forga e vivacidade: — tem resistido aos seus adversa- rios ; tem sido fecunda em produzir pensadores e obras importantes. Mas bem me quer parecer que o autor se paga —3— de uma illusio. Releva, antes de tudo, advertir que o espiritualismo francez deste seculo nio comegou resistindo, porém combatendo. O que interessa mostrar, nado é, se elle deixon de ceder o passo a qualquer adversario ; mas se de feito poude recha- cal-o do terreno ja occupado. "Em outros termos, e para exprimir tudo de uma vez, é sabido que Cousin dedicou esplendidas licgdes 4 refutagdc dos systhemas que se lhe oppu- nham. Sabe-seainda que todos os seus discipulos sempre pugnaram com igual empenho, em prél da mesma causa. Taes s40 os factos; 0 que provam elles? Quasi nada. O sensualismo deu-se por acabado? O materialismo convenceu se de ab- surdo, 6tomou silencioso a direccdo do olvido? Onde pois os titulos de gloria dessa philosophia, que se diz a salvadora do genero humano ? O que Levéqne chama fecundidade, bem se pa- deria chamar impertinencia. Em rigor, o espiri- tualismo nao 6 uma doutrina fecunda; — é6uma doutrina facil. Isto explica a sua abundancia e ri- queza de productos. Os pensadores e as obras que surgiram nos ultimos cincoenta annos, na patria de Descartes, sao de um alcance muito limitado. O numero é prodigioso; mas o fundo é quasi nullo e insignificante. Nao cessaram de gyrar no circulo estreito do senso commum, proclamado, parvamente, juiz ir- recursivo em materia philosophica. Tambem nao mne parece prova de vigor e uberdade, sanccionar os preconceitos correntes, em nome da logica, mal empregada, e da razdo, mal definida. __ Nao quero porém insinuar que se negue o me- tito real de certas paginas, unicas proveitosas, que sé encontram nos livros da celebre escola. Pelo contrario: se alguma cousa me peza, 60 vér-me obrigado no interesse da verdade, ou do que tenho bor tal, a ser severo com aquelles, em cujas obras pude haurir, pelo menos, a paixao deste genero d estudo. P » a Palxko deste g ° Il Quaes sdo presentemente os dados innegaveis da sciencia da alma? Eis ahi uma questéo sim- plissima, que sendo entretanto sériamente resolvi- da, poria 4 descoberto as pretencdes infundadas da escola espiritualista. Com effeito, é para admirar phenomeno tao es tranho: — desde Socrates até os nossus dias, a consciencia humana tem sido interpellada, e toda- via as snas respostas ainda nao enchem meia folha de verdades. Nao basta reconhecer e allegar a ex- istencia dos factos internos. Eu creio que ninguem os contesta, como taes. Elles fazem parte da vida ; — elles sao a vida mesma. Quem foi que ja sustentou que o homem nao sente, nao quer, nao pensa?... A questao acha-se longe e muito longe desse ponto. Levéque deu-se o trabalho de repetir. por sua vez, que a psychologia é possivel, porque ella oc- cupa-se de factos evidentes, posto que distinctos dos factos sensiveis. E’ um defeito habitual a todo espiritualista, o de julgar-se obrigado 4 nao discutir assumpto philosophico, sem uma introduceaéo de ideias muito valgares, que nao trazem luz para o debate. Ha indicios de que o nosso autor naio pegou o problema n’aquella altura, em que o collocaram as escolas critica e positiva. O methodo applicavel a qualquer sciencia, in- cumbida de estudar e explicar uma ordem de phe- nomenos, se resume em duas operagdes : — obser- var einduzir. Os factos da vidainterna podem ser observados, de um modo capaz de fornecer materia scientifica? Para os que affirmam, nao ha difficul- dade em provar que a consciencia nos da o conhe- cimento do mundo interior, da mesma forma que 98 sentidos nos franqueiam os dominios do mundo —5— externo. O que em ultima analyse quer dizer so- mente que a consciencia éa consciencia. Mas isto é pouco. Resta sempre a saber, se quando o homem se volve sobre si mesmo, para observar-se pensando, encontra realmente o que procura, Carrega-se de sombraoaspecto da cousa, desde que, no exercicio da observacao interna, nio é sé o testemunho da consciencia que se invoca, mas tambem o da me- moria. De ordinario, os psychologos @ieixam de lado o que diz respeito a esta faculdade, quando fallam do instrumento de suas analyses. Entre- tanto, 6 della que pertence a maior parte da em- preza psychologica. Eu me explico. Para melhor conseguil-o, vou suppor que pela primeira vez tento hoje entrar no fundo de minha vida intima. La chego; a quem medirijo? A consciencia me affirma que, nesta hora, eu medito para escrever; que sou eu mesmo que manejo uma penna; qne tenho sensagées, per- cepgodes de varios objectos ; que sinto-me vivendo, querendo, praticando um acto proprio... tudo isto agora, no correr de um rapido instante... E’ dizer ja muito; — mas nada importaria, se nao fosse o auxilio da memoria Por que meio saberia que sou capaz de sentir déres e prazeres de diversas ordens; e que tenho outras faculdades, nenhuma das quaes, presente- mente, se acha em exercicio? O senso intimo, em si mesmo, ésemelhante a um bello céo do sol-posto, olhado de repente: véem-se apenas umas quatre estrellas. Porém o numero augmenta, A propor¢aio que melhor se encara, e apés instantes fulguram aos milhdes. Tal é o espectaculo dos factos sub- Jectivos, qne a memoria traz Atona do lago interior. as ninguem poderia assegurar que ella os re- Voque inteiramente, com todos os seus primitivos Caracteres. Nao étudo. A exacta observacio dos phenomenos psychicos tem ainda de adverso uma outra circumstancia. O mister da memoria nado é —6— mais que repetir na consciencia a noc&o de qual- quer facto espiritual. Temos pois 0 acto simplesmente mnemonico, suscitando o acto de percepcao interna, relativo a um terceiro acto, que 60 phenomeno estudado. Sobram razdes para desconfiar-se deste pro- cesso de tres. graos. Dir-se-ha_talvez que se pode de novo recorrer a observacado immediata, reproduzindo o facto que se pretends estudar. [E’ este um dos mais cegos enganos, em que labora a psychologia espiritualista. Elia deixa-se influir demasiado pela futil pretencao de tambem se basear na experiencia; quando 6&6 isso justamente o que lhe falta, e sempre faltar-lhe- ha, para dar aos seus achados uma sanucedo va- liosa. A experiencia, -—~ todos sabem —, tem por fim verificar que 0s phenomenos existem, — sim ou nado —, taes 6 quaes nos apparecem. As sciencias physicas pédem a sea serviga os orgios dos senti- dos; sendu que ainda se Ihes achegam apparelhos especiaes. Desta vantagem nao goza a psychologia. Por mais que digam os descendentes de Des- cartes, a consciencia nao péde dar a ultima palavra sobre 0 que realmente se passa no fundo da vida moral. Nao affirmarei, com Augusto Comte. que a pos- teridade fara da psychologia um assumpto de co- media. O que nada teria de estranhavel ; — visto como, depois de Aristophanes, ja déra Moliére a prova de que tambem na scena se fustigam as t6- jices dos philosophos. Porém ha serios motivos de langar em davida a efficacia do meio empregado, para o homem co- nhecer-se de um modo objectivo e scientifico. EF’ facil ac physico, embebido no estudo do mundo corporeo, assegurar-se de uma lei, por forga de ex- perimentos que varrem Ihe do espirito a mais li- geira nuvem de hesitacdo. Elle tem ante os seus olhos diversas series de cousas; as quaes si0 0 -7— que sao, e se mostram desta ou d’aquella maneira, porque tal é a sua natureza, sem o menor concurso da vontade humana . A posicao do psychologo é differente. Collo- cando-se em face do — ew — nite solitario, nunca pode tomar a verdadeira attitude de um observa- dor. Arazioéclarae simples. Para que a alma fosse de certo um objecto de estudo, seria mister principiar por yél-a em seu estado natural, entre- gue a si propria, seguindo sémente a warcha tra- cada pelas leis de sua existencia. Mas isso fora im- possivel ; ¢ irrisorio, pretendel-o. Por quanto, nesse estado, unico em que aalma podéra objectivar-se, 0 que ha de mais saliente, é o eclipse mesmo do senso intimo, a quem, alias, se toma por orgao infallivel da observacao. Nem se julgue que o exemplo do sonho seria capaz de derramar aqui luz em contrariv. E’ certo que algumas vezes, durante esses phenomenos, ap- parece uma sombra de reflexdo, protestando sur- damente contra aquillo que cremos ver ou sentir. Isso porém serve apenas para attestar que, em taes occasides, nio ha somno perfeito. Quasi sempre, a consciencia cae no logro ; demonstrando em todo caso, que ella ndo passa além de si mesma, que ella 6 o seu proprio e unico objecto. Il Eu disse que a memoria intervém largamente na observacao psychologica. Importa accrescentar que a imaginacado n&éo 6 menos aquinhoada. Nao ha phenomeno mais vulgar, do que vér o Psychologo entrar, como elle diz, no fundo de seu ser, afim de buscar a base de todo o conhecimento humano. Neste intuito, é natural que elle simule duvidar de tudo, excepto o pensamento. Pelo menos © este o sentido do famoso, bem que esteril, cogito ergo sum. Tenhamos porém coragem para proclamal-o —s— desde ja: estas formulas vasias n&io aguentam uma analyse severa. E’ preciso dispersar os nevoeiros, que aindase accumtlam nas alturas culminantes da especulacio sincera e desinteressada. De minha parte, estou persuadido que o seculo nio chegaa escoar-se de todo, sem que, do seio mesmo da Franca, se leyante um protesto decisivo, absoluto, contra a pobre philosophia de Descartes e seu exa- gerado, immerecido renome. A duvida methodica, ensinada por este director do pensamento philosophico francez, 60 ponto de partida repizado da psychologia actual. Mas nao passa de um jogo de palavras, que poude fazer for- tuna, através de dous seculos, baldos de senso cri- tico. De certo, o que vem a ser uma duvida, acon- selhada ao homem, como regra de direcgio men- tal? Admira que os psychologos professos nao ti- vessem reparado, uma sé vez, no dislate do precei- to cartesiano. Nao duvida, quem quer, e somente porque o quer. Porém sé a vontade 6 capaz de praticar uma regra que se lhe impde. Diante desta anomalia, os resultados excentricos, burlescos, nao se fizeram esperar. Os philosophos, todos crentes como o geral dos homens, deviam imaginar estados e situagdes inexistentes. A’ forga de phantasiar combates e terremotos do mundo interior, ha exemplos de aca- bar-se por apresentar a pintura de uma alma espe- cial, que nao é irman da nossa alma, Ninguem, mais do que eu, rende homenagem ao talento de Jouffroy. Todavia, pio me eximo de dizel-o: — este grave pensador enganou-se a si proprio @ aos seus compatriotas, n’aqueila viva e tragica descripgao da perda de suas primeiras crengas. Raros serio os que nao saibam de cér esse pedago, uma das paginas mais lidas da litte- ratura contemporanea. Jouffroy nos falla de uma noite memoravel, na —-9-— qual se rompeu o véo que the occultava a sua in- credulidade. Como todos os hons poetas, 0 philo- sopho nao se esqueceu de fazer a natureza realgar ointeresse do drama psychico, pela_presenga de algum dos seus mais bellos objectos. Era alua meio velada de nuvens e acclarando, por intervallos, as vidracas frias da camara estreita e nua, onde o phi- josopho scismava. | « As horas da noite se escoavam, diz elle, e eu nao dava por isso; — com anciedade seguia o men pensamento, que, de leito em leito, descia para o fundo de minha consciencia, e dissipando uma apos outra, todas as illusdes que tinham-me até entdo roubado a vista detla, tornava as sinuosida- des interiores cada vez mais patentes e visiveis. » Busquemos nés agora a substancia disto. O pensamento do philosopho nao podia, como esta descripto, immergir no fundo da consciencia, sendo sob as formas determinadas, por que elle se manifesta. Um pensamento vago, indefinido, que nao 6 uma série de juizos ou raciocinios e argu- mentos em geral, ninguem admittiré que tenha forga de destruir qualquer ordem de crengcas. Quaes foram pois as razdes que, perante a con- sciencia de Jouffroy, derribaram naquella noite os prejuizos de sua educagao ? Porque meios cessou elle de crer nas respostas decisivas que a religiado dava 4s questées, pelas quaes 0 homem mais se deve interessar ? O psychologo romantico incumbio-se de susci- lar, para o futuro, no espirito de algum leitor, menos accommodavel, a urgencia destas perguntas. _ Foi elle quem nos disse que as convicgdes des- truidas pela razdo, sé podem ser levantadas por ella mesma. Ora, a razio tem os seus processos regulares de atacar 0 erro, e mostrar as partes fracas de uma doutrina: — chamam-se argumentos. Nao se ima- ina que uma crenga, uma opiniao, ha longo tempo alimentada, possa ser abatida pelos esforgos da F —10— razao, sendo mediante operacdes intellectuaes, capazes de convencer-nos da fraqueza de nossas ideias anteriores. Aqui esta porém o que parece extraordinario e provocador de justas observagdes. O philosopho, a quem approuve pintar tao vivamente a derrota do seu primitivo estado moral, nao nos deu a co- nhecer um sd, sequer, dos motIvos racionaes desse grande acontecimento. Elle affirma que a sua razao derrocou gs suas -conviccdes de outr’ora.. Quero crer que assim fosse; porém, — ainda uma vez — por que meios ? Esse pensar irresistivel, « de leito em leito se afundando na consciencia», deve significar um trabalho de raciocinio em rebater e afugentar pre- conceitos. De outro modo, seria uma expresso metaphorica e sem alcance; a qual, em tao grave assumpto, importaria um contrasenso. Adiante 0 philosopho assegura que a inflexivel corrente do seu pensamento era mais forte que todas as suas crencas e recordagdées. A despeito de tudo, 0 exame proseguia mais obstinado e mais severo, ao passo que Se approximava do seu termo, esé esharrou, ~ quando chegou dattingil-o. « Eu conheci entéo, accrescenta o escriptor, que no fundo de mim mesmo nada mais havia que estivesse de pé. » Mas porque niio guiz Jouffroy depor nos seus escriptos uma parte, ao menos, desse exame pode- roso qne acabon por extinguira sua fé? Como se admitte uma pesquiza de tal natureza sem um reforgo de ideias novas,que o philosopho oppuzesse as suas primeiras convicgdes ? Eu bem sei que de um dia para outro se péde perder uma crenga, independente de motivos claros e ostensivos. Nao & tambem menos certo que, nesses casos, ninguem nos vird dizer que a sua {é foi apagada pelo sOpro de sua razao. Eis tudo. Conclaamos: Jouffroy cedeu ao impulso de uma imaginagdo morbida e sombria. —u— Observando-se a si mesmo, ideialisou 0 estado de duvida que 0 cogito, ergo sum impode, mais ou menos, aos seas ingenucs segnidores. Deste modo ebegon a terse na conta de um sceptico perfeito, aquem sé restava o prazer de Jevantar de novo com os dados da razio o que ella propriamente havia derrubado. A verdade 6 que o philosopho nunca se achou de facto nesse estado merencorio e tenebroso. Tudo aquillo, eram raios de phantasiae colorindo tristemente a consciencia do psychalogo. Eu nao ponho em questao a sna sinceridade. O mais illu- dido, ou para fallar francez, o maior dupe da optica psychologica, foi Jouffroy mesmo. Porém julgo censuravel a leveza dos que transcrevem a todo proposito essa pagina litteraria, nao reparando bastante na inverosimilhanga da cousa. fntretanto era uma questio mui simples e natural: — se Jouffeoy perdeu a fé, meditando e descobrindo a fragilidade das stag bases, onde existem expendidas as razdes que deram nova di- reccao ao seu pensamento ? Ninguem ha que saiba dellas ; — e & isto o que parece-me digno de nota. Quando uma vez o bispo Dupanloup recitou aos sens fieis essa pagina, que embora Vacherot qualifique-a de immortal, nao sel-o-ha de certo mais do que o foram as melancolia sde René; — quando uma vez, repito, abrio.a diante dos seus fieis, para dizér-Ihes em tom de triumpho:— véde como sao amargos os fructos da philosophia ! — o vhetorico francez cahio tambem no maior dos des- acertos, Nao vio que a philosophia nada tem de com- mum com os devaneios romanticos de espiritos af- feetados da doenca moral de umaepocha! O grande prelado exultou em vio; ndo so esses og verda- deiros fruetos da philosophia : — ella nio 6 respon- Savel pelos sonhos e deliquios passageiros de uma escola litteraria, — 12 — IV Com o exemplo referido, eu quiz provar que a consciencia nio é sempre interprete fiel do mundo interior. Apparece uma ou oulra sombra imagina- ria, que vem alterar os resultados da observagao. Quanto 4 experiencia,que se diz poder ser feita dos phenomenos internos, 6 ainda effeito de am engano, pouco notado. Nao contesto que se possa repetir, em forma de experimento, 0 exercicio de certos factos ordinarios, como o juizc, o racioeinio e outras operacoes da intelligencia. Nao contesto que seja possivel executar um movimento organico, para assegurar-se do imperio da vontade. Mas isto 6 0 que se chama experiencia psycho- logica? Tanto valéra dar o nome de experimental a uma astronomia, exercida unicamente nos pe- quenos mundos de papel, com horisontes de latao, ou a uma botanica estudada em flores de céra. Eu observo, pela primeira vez, 0 encontro for- tuito de dous corpos. Sao, por exemplo, um acido euma base, que reanidos produzem am sal. Este facto me sorprende. Busco. vél-o mais attenta- mente ; — e combinando corpos da mesma natu- yeza, em proporgdes iguaes, obtenho sempre o mesmno resultado. Eis ahi a prova real da expe- riencia. : Variemos agora a hypothese. Pela primeira vez tambem sinto-me preso de um forte enthusias- mo, ou de uma cholera estranha. E’ um phenomeno que passa, — ficando apenas na memoria alguns vestigios raros, como plumas que uma aguia arre batada deixasse cahir com a sua sombra na super- ficie de um lago. Quero porém observar o facto mais de perto, e sujeital-o 4 forca probante da ex- periencia repetida. Podel-o-hei conseguir? Tal 6 o problema; — e firmal-o nestes termos, unicos razoaveis, é declaral o insoluvel. — 13 — Nem se diga que a psychologia ndo tem a seu cargo entrar em detalhes sobre pontos isolados, limitando-se ao estudo dos phenomenos geraes. Ninguem concebe uma sciencia, dita experimental, que ponha de lado, sob o pretexto de raridade, ne- gocios da sua alcada. . Nao seise a psychologia 6 bastante modesta para restringir-se 4 uma simples descrip¢cao das potencias do espirito ; e dado que 0 seja, creio que mesmo assim, nao attinge o seu desideratum. As faculdades até hoje e desde ha muito co- nhecidas terao exgotado as riquezas potenciaes da alma humana? Seria admiravel haver quem o af- firmasse. Porém como penetrar nesses thesouros occultos, entranhados no fundo da vilalidade orga- nica, por meio da consciencia ? Ja ia-me esquecendo que a philosophia espiri- tualista ndo admitte estas ideias. Para ella, sendo a alma uma substancia unida, mas separavel do corpo, a consciencia é capaz de observal-a em toda a sua plenitude e essenciaes elementos. Nada escapa ao vivo olhar interior, quando applicado com atten- cao e persistencia. E’ a crenca geral da celebre escola, Mas eu quizera que me dissessem, quaes sao as grandes e fecundas descobertas, devidas & tantos e téo pertinazes sondadores da alma... Abre-se qualquer dos mais novos tratados de psychologia, ¢ nelle encontra-se tudo aquillo que a consciencia do psychologo poude attestar-Ihe sobre as cousas do espirito. Mas... meu Deus, como sao poucas estas cousas! Por mais que m’o assegurem, nao posso ver em semelhantes quadros psychicos a exacla imagem de mim mesmo. Acho ahi apenas a analyse incompleta de um numero de pecas, as duaes, sendo juxtapostas, ndo fazem uma alma hu- na. Saber que temos quatro, ou cinco faculdades, nomeadas taes e taes,em cujos districtos unicos Se accommoda tudo 0 que somos, tudo o que pos- suimos de mais nobre, como homens,... oh |... — 4 seria um achado prodigioso, se nio fosse um pro- digio de illusao. Volvamos as vistas para 0 nosso autor. Segundo affirma Levéque, a psychologia tem indnzido leis e reconhecido causas, que sdo outras tantas verdades adquiridas. Sem duvida, 0 pbilosopho vér-se-hia embaragado para dar: nos uma provade tao estranha assergdo. Convém que se examine, quaes sio as leis e as causas indicadas pela sciencia do es- pirito. Seria singularmente burlesco attiibuir esse ca- racter ds faculdades que se diz existirem no homem. Nao cabe 4 psychologia a menor mengao de honra, por haver descoberto cousa alguma neste sentido. Féra da certeza de uma intelligencia e de uma vontade, sé ha lucta, ignorancia e controversia, quanto ao mais. No seio mesmo do espiritualismo, chegou-se a tirar do ser pensante a sensibilidade, para dal-a ao corpo. Ainda contesta-se a forga motriz, na qualidade de potencia psychica, distincta da faculdade de querer. Suppondo a sciencia da alma uma especie de contraparte da anatomia descriptiva, nenhuma lei pode haver senao no sentido de fazer-se extensivos a todos os espiritos os resultados de observagides individuaes. Mas foi a psychologia quem primeiro demons- trou qne todos os homens teem as mesmas pro- priedades constitutivas do que se chama — alma humana? E’ uma crenga vulgar, tio profunda, quanto velha. Nenhum psycholugo pode orguiharese de tel-a suscitado, nem ao menos fortalecido. Aqui tocamos em um ponto, merecedor de es- pecial attencdo. A pretendida sciencia deve ter uma historia de sua origem, de sua marcha e seus progressos. As grandes descobertas scientificas lembram sempre os grandes homens por quem > ellas foram feitas. Seria pois mais que muito apre- —b- ciavel, que se nos dissessem .os mysterios definiti- vamente revelados na ordem psychologica, e os nomes dos seus reveladores. a Nao é lao facil, como talvez se presume, indi- car os titulos de gloria attribuidos aos Platdes e aos Descartes, em virtude de quaesquer achados importantes do mundo — interior, que tenham, como taes, permanecido no cofre do saber humano. Nao se créa nma sciencia, — é preciso obser- var, — dando-lhe somente um methodo @ um ponto de partida; maxime, quando ambos desafiam e provocam a impugnagao. Previno assim que me tragam pela frente o aborrecido — Je pense, done je suis, insipida bagatella, com que a Franga, ha tanto tempo, tem gasto inutilmente a sua seiba philoso- phica. | | O espiritualismo parece nao possuir-se da im- portancia actual da questao, desde que, para re- solvel-a, ainda langa mao dos mais pobres argu- mentos. Nada aproveita allegar que « ha factos in- visiveis, intangiveis, fora do alcance do escalpello edo microscopio, mas, entretanto, reaes e observa- veis ». Nem tambem attinge-se o alvo, increpando os adversarios, por crerem somente no que se vé e no que se téca. i uma accusacado demasiado frivola, que deve ficaresquecida. A invisibilidade da alma pode ser - Para muitos uma boda razio contra a psychologia, nao 6 porém uma razio peremptoria, Accresce que seria hoje baldado vir apresental-a, quando exislem homens sizndos, que nao recuam de pensar diversamente. O padre Gratry, por exemplo, chegou 4 véra alma deile mesmo; e declarou-o com toda a Ihaneza de que dispde um theologo e um philoso- pho, addicionade 4 um christao fervoroso. (2) Acredite quem quizer ; — o certo é que nin- wo tion (2) Connaissance de me... t. 1, 228 @ seg. Troisiéme édi- —-16— guem deve se arrogar o direito de zombar da visdo psychica do illustre padre; attendendo que elle tem de seu lado o exemplo de santos, ou ainda melhor, o de santas, a quem foi tamanha graga per- mittida. Sé uma cousa nos resta: — é pedir ao grande oratoriano, ou 4 qualquer outro persona- gem, a indicagéo dos meios empregados para rea- lisar tao alta experiencia. Bem sei que nao é difficil apontal-os. A peni- tencia, a pyece, o jejum..., em uma palavra, a san- tificagdo voluntaria,... 6 tudo o que 9 negocio exige. Infelizmente, nio somos todos capazes de por em practica este duro noviciato da sciencia, comoaen- tendem o padre Gratry e consortes. Iremos sempre beber na fonte impura de uma philosophia mun- dana os principios direztores da nossa vida intelle- ctual. Vv Dizia eu que nao é por serem invisiveis e im- palpaveis, que os factos espirituaes estéo longe de uma verdadeira ordem methodica. De certo, seria iniquo attribuir aos adversarios da psychologia a leveza de se apoiarem n’uma razao tao fragil. O que fere a vista, na questao corrente, 6a inefficacia do processo. Que importa a realidade dos pheno- menos internos, se ella nado admitte uma observacao regular ? Na vida espiritual, o que ha de commum entre os homens, nao se pode inquicir e determinar, sem muito erro e muito engano inevitavel. Querer achar na consciencia do individuo o reflexo de todas as modalidades da especie, 6 uma pretengdo chime- rica. : A psychologia me parece condemnada, por sua natureza, 4 nao ter um voto, sequer, no grande conselho das sciencias. Basta advertir que ella é impotente para fornecer os mais simples dados de —W7W- visio. Ora, uma sciencia de factos natu- ume Umprevidente, | ose a oo apoio na rae a Temas qe pao tem sido assas ponderada, de um obstaculo sério e, se me nao engano, peliperavel- A psychologia empyrica, a despeito de todas as suas descripgdes e pinturas do mando subjectivo, ainda nada poude levantar que Seja trax ductivel em forma scientifica. A chamada racional, que faz as delicias dos intellectualistas, néo 6 menos esteril em materia de applicagao e previdencia. Parece-me cabivel aqui mencionar algumas ponderagées de um homem assignalado, nio menos pee safelassampta deve. uma eerta apparencia de resente assum y pravidade, que the SO aS notavel pen- sador. Quero fallar de Vacherot. sad Propondo.se refutar a opiniao dos adversarios da psychologia, elle abunda em assergoes e€ argu- mentos que seriam definitivos, se Deveune, um anno depois, nao viesse ainda demonstrar, por meiv de hima fraca defeza da phantastica sciencia, a nullidade radical de todas as defezas anteriores. « A alma hamana, diz aquelle nobre e vigoroso espirito, aalma humana se observa de duas ma- neiras : — na parte individual e na parte geral de seu ser. » Nao descubro uma razio para semelhante as- serto. A escola espiritualista 6 quem mesmo re- conhece a consciencia por unico orgdéo de obser- vagio interna. « Duas maneiras de observar-se! !...9 Ou isto quer dizer dois modos de consciencia, duas Consciencias; ou entao nada significa, 6uma phrase ouca € sem sentido. __. Vacherot devéra reparar que o duplo ponto de vista de uma parte individual e outra geral em cada homem é apenas ama abstracgao, ja imposta a (3) Essais de Philosophie Critique. F 3F, —18— pelo interesse da questao, quese ventila. Sem du- vida, 0 individuo traz na frente o scello da sua es- pecie, e deste modo apresenta, por assim dizer, duas faces observaveis. Mas ahimesmo é que re- side o germen do erro. Essas faces que vistas de fora, sio duas, se re- duzem 4 uma sé, vistas de dentro. O geral e o par- ticular, 0 individual e 0 especifico, tudo se unitica, porque tudo se mostra indistincto, sob o unico olhar da gonsciencia. « Quando nossa alma quer estudar uma dessas paixdes que enchem a historia de sua vida, é pre- ciso que ella espere um estado de calma e de liber- dade, se nao de inercia ou de indifferenca, que the permitta encarar socegadamente os factos cum- pridos. » E’ possivel que me illuda; mas noto nestas palavras um desproposito eminente. Esperar que o facto desapparega, para poder aprecial-o!... 60 cumulo da extravagancia. Tapto valera dizer que o melhor meio de contemplar os raios do sol. é fechar os olhos, ou aguardar as sombras da noite. Nao é tudo. Vacherot reconheceo grande papel da memoria na observacao dos factos accidentaes, que atravessam a vida humana, e nado formam o seu fundo. Sera preciso ainda advertir que, nesses casos, 0 observador nao deve descangar na segu- ranga dos resultados ?.... Uma paixiio que de mo- mento nos sorprende, e de momento se esviece, nenhum traco deixa na memoria, digno de ser ti- rado 4 limpo. Alembranca que nos fica de qualquer senti- mento passageiro, 6 tao insufticiente para fornecer materia observavel, quanto sél-o-hia a imagem de uma exquisita avesinha, que um naturalista, pela vez primeira, visse passar voando na sombria so- liddo das selvas. Vacherot nao esta longe de ad- mittir estas idéas, em relagdo aos phenomenos transitorios. Quando porém os actos, as paixdes, os sentimentos que a alma quer investigar, perten- t — 19 — cem ao fundo e essencia mesma de sua natureza, a cousa mnda dé aspecto. : . « Nao é mais a memoria que se incumbe de resuscital-os, porque a consciencia os leva con- stantemente ao olhar do observador. » Este modo de entender me parece lambem des- tituido de razio. Quaes sio estes phenomenos que formam a essencia da alma, e sao a todo o instante observados pela consciencia, independente da me- moria? Se existe no homem alguma paixdo que mereca o titulo de fundamental, é sem duvida o amor. Entretanto nao vejo que o senso intimo possa encaral-o, quando {he apraz, e tomar a me- dida de sua profandeza. Vacherot affirma queo philosopho nao se limita ao mister de analysar, como 0 romancista e 0 poeta, esta on aquella paixio do momento, escoltada de todos os incidentes e circumstancias pessoaes ; “porém o seu estudo se dirige de preferencia ao principio da paixao mesmo. «0 principio da paixao!!»— note-se bem! E qual sera, por exemplo, na psychologia espiri- tualista o principio do amor? Nao consta que ella ja 0 tivesse dilucidado ; excepto, se por tal se deve entender aquillo que se designa pelo vago nome de sensibilidade. Isto seria quasi irrisorio. Eilo: porque é queohomem ama? Porque tem afaculdade de amar. Nao basta. O amor éum sentimento; — porque 6 que o homem sente? Porque tem a faculdade de sentir! Havera quem tome ao serio semelhante tautologia, como outros tantos achados de causas e principios ? !... Eu julgo imperdoavel esta facilidade, que tem a psychologia, de prometter muito, para dar tio pou- co. Nao sei mesmo como ainda se possa insistir na ideia de uma sciencia de tal guiza: O espiritualis- mo, abundante de affirmagoées gratuitas, nado duvida assegurar por meio dos seus grandes orgios que a psychologia esta viva, e prosegue em sua marcha. « Tanto basta, diz um dos mais robustos, para — 29 — responder 4 objeccaio dos adversarios. A’ despeito das impugnacoes, a observacdo da natureza hu- mana se faz de ‘muitos modos, e se produz sob varias formas. As analyses dos philosophos, os retratos dos moralistas, as pinturas dos poetas, n&o sao contestados, quer em sua verdade intima, quer em seu alcance geral, quando traga-os a mao dos mestres. Anciava por chegar 4 este ponto. E’ um opti- mo estribilho dos defensores da doutrina que com- bato; relevaentrarna apreciagavo do seu exacto valor. Antes porém de tndo, devo observar que nado passa de um brinquedo de palavras, allegar pom- posamente as analyses dos philosophos, nao se apresentandoa minima prova da importancia dellas, O illustre pensador nao se esqueceu do seu Platao, além de outros nomeados; creio pois que ser-lhe- hia muito facil apontar os melhores pedacgos da philosophia grega, onde houvesse um exemplar de * analyse psychologica, ainda hoje podendo-nos servir de guia. E’ sensivel que o philosopho esteja tonge de ouvir-me. Quizera ter a audacia de intimal-o, para abrir-nos uma pagina, — en digo uma sé6—, de Platdo ou Aristoteles, na qual a sciencia da alma podesse contar verdades adquiridas, e nao mais impugnadas. Descartes mesmo, interrogado se- riamente, nado se mostraria menos esteril. Cousa notavel! O grande ascendente do es- piritualismo hodierno, sempre admirado, posto que puerilmente, por seus dignos filhos e successores, nao tira tanto esse renome da sua psychologia, quanto, sobretudo, do caracter de sua metaphysica. Ahi vae o segredo do facto: — a metaphysica é uma sorte de poesia carrancuda, que sabe revestir as mais frivolas bagatelas de um ar de seriedade, ssombrio e magestoso. Os homens que nos fallam gravemente do Es- paco e do Tempo, do Ser, da Causa, Ao Infinito, do Perfeito..., bem que sejam os primeiros em nao — 2— entender o que elles dizem, todavia tomam aos nossos olhos tna apparencia, uns toques de gran- deza, que é diffici! dissipar, Nao assim, porém, quando em nome do senso intimo fazem 0 inventario das riquezas do espirito. Neste caso, surgem os protestos, as negagdes deci- sivas ; e, 0 que assas admira, 6 ainda a consciencia o juiz, para quem se appella. . No que pertence aos moralistas, quero crer que Vacherot nao reflectio bastante sobre a natu- reza do testemunho, por elles prestado.® Os eseri- ptores desse genero sdo justamente os que menos se interessam pelas abstraccdes psychologicas. Elles copiam as fraquezas e miserias hamanas, nac escondidos no fundo do proprio — eu —, porém de peito abert A todas as provagdes, no meio da so- ciedade cheia de encantos e disparates. D’est’arte succede que nos sentimos melhor traduzidos em uma lauda de Montaigne ou Larochefoucauld, do que em todo um capitulo de Adolphe Garnier. Qual a razao ? E’ gue o moralista generalisa os dados da com- mum experiencia, e 0 psychologo induz, como lei caracteristica de todos, aquillo gue mal poude ob- servar em si mesmo. O merito do primeiro é tanto maior, quanto menos elle extrae da observacao de seu ser as cOres com que pinta a pobre humani- dade. Tampouco o moralista se preoccupa da sciencia do espicito, que para elle 6 um perigo e um defeito degenerar em psychologo. Assim podemos de certo embeber-nos na leitura de um Paschal; mas é indubitavel que a natureza humana se nos mostra em sens Pensamentos muito acima, ou muito abaixo do que realmente julgamol-a. Esta anomalia pro- vém de que Paschal nao observava os homens na variedade dos seus caracteres e das suas acgoes, borem o homem, isto é, um typo, segundo o con- cebia a sua razdo em lucta com sua fé. Ainda mais : — os moralistas divergem entre — 2 — sina estimacao do movel natural de nossos actos. Vale dizer que cada um interpreta, 4 seu sabor, os movimentos da alma, por isso mesino que ella. nao supporta uma analyse regular. A observagaéo do espirito, que se praticsa deste modo, resente-se de um vicio Capital: — a pueoccupagao de uma ideia favorila. Se assim nao fosse, inexplicavel seria a distancia que separa, por exemplo, um Vauvenar- goes de um Montaigne. Reconhego, eja o disse ~ que os moralistas trasladam mais exactamente. do que os psycholo- gos, as feicdes do objecto proposto aos seus estu- dos. Todavia é mister nao esquecer que a ordem de factos, sobre a qual se exerce a sua sagacidade, ainda nao tornou possivel a formagdo de uma sciencia. Maximas, apophthegmas, isto 6, simples gene- ralisacdes, mais ou menos plausiveis... eis tudo o que elles nos dio. Semelhantes resultados sao in- sufficientes para figurarem, como nogoes liquidas e decisivas, no que respeita ao dominio espiritual. Os poetas e romancistas, -~ é verdade, — fazem todos os dias analyses variadas de nossas paixdes. Dir-se-hia que, aos seas olhos, 0 coragdo nado sub- trae 0 minimo segredo, e a consciencia deixa vér os seus mais profundos recessos. Nés, porém, que admiramos esses golpes de pincel da mao dos mestres, e applaudimos, como cépias conformes ao original, todas essas descripgies do que se.passa na alma de qualquer personagem de romance, nao seremos, nés leitores, brinecos de algum engano ? Recordo-me aqui de um facto que entra muito bem no circulo de nosso assumpto. Certo pintor acabava de tracar na abébada de uma capella o triangulo symbolico. Eis que chega casualmente um @aquelles numerosos julgadores, cujo voto alias nada aproveita, e questiona o artista sobre a signi- ficacéo do seu trabatho. — O qne @isso?... per- gunta o curioso. — &’ 0 emblema da Trindade ; responde-lhe o pintor. — Ohl... tal, qual! tl... diz st — 83 — base o pobre homem, que mal se apercebe Cor ene biligade do seu juizo, e da tolice da sua ar eae — quem dil-o-hia? nés outros, criti- cos e amadores, praticamos alguma cousa de ana- Jogo, no modo de julgar os detalhes: psychologicos, em que se deticium os poetas da paixao, De feito, qual de nés nao tera batido palmas aos prilhantes quadros romanticos de pugnasinteriores, que jamais se deram em nossa alma, e gue prova- velmente nunca dar-se-hao? Basta apenas que o escriptor saiba de prompto embevecer-nos na duce admiragaéo d’aquellas phrases mysticas, ondnlosas, deslumbrantes, quae borbulham de oma pagina de Hugo, Dumas, Balzac, Sand, ou qualquer outro. D’est’arte, nao € raro vér esses coripheas, per- ante o leitor ingenuo, destrancarem a consciencia tenebrosa de um guande Jadrao, ou a de um grande assassino. Os que, por falta de experiencia, nao temos a justa nocdo do estado moral de taes crimi- nosos, nem por isso deixamos de exclamar : — que perfeita descripgao |... que analyse acabada de uma alma de bandido, ou de um coracdo devasso |... E’ uma leviandade. Quem nos attesta a semelhan- ca? Quem nos garante a exactiddo da pintura? Se nao se admitte que, em face desses paineis do mundo interno, 0 que nos impressiona, 6 ainda o ideial, a forga creadora do artista, o nosso enthu= siasmo nao tem sensu. Gostamos de assistir ao espectaculo sombrio de uma alma que se nos de- Screve, da mesma forma que admiramos as cores horriveis do Inferno do Dante. Km um e outro caso, nao ha copia, nem modelo & cotejar. Se ha quem julgne que os circulos allegoricos da Divina Comedia delineam realmente a habitagdo dos demonios, pode tambem achar que, por exem- plo, aquellas emogdes e ideias tamultuosas de Val- sean, diante da figura esplendida, tranquilla, ador- Mecida, do bispo Myriel, sao desenhadas ao vivo Sobre o original hamano. Causa-nos pasmo o qu’il mourdt do Horacio tragico; e Corneille nos parece um psychologo profando do intimo dos romanos, da mesina forma que no Paraizo de Milton se admira a lingnagem de Satan, como sendo o producto natura! de uma es- pecie de psychologia do diabo! Nao comprehendo como se possa qualificar de justas apreciagdes da natureza hamana pveticos in- ventos, sempre accommodados aos fins do escri- ptor. Seng duvida, na classe das « pinturas traca- das por mao de mestres » nao tera Vacherot dei- xado de comprehender uma das obras mais famo- sas e bem aventuradas do romantismo francez. Re- firo-me ao poema de René. Seria para estimar. que nos dissessem, onde estado os grandes factos revelados, ou av menos es- clarecidos, nesse celebre escripto, que tivessem alargado os horisontes dasciencia respectiva Muito ao envez do que se podera suppor, 0 genero de ele- gia, creado pelo autor, tem cahido em total descre- dito ; ea razio descende so de que a obra nao re- flecté seriamente face alguma do espirito hu- mano. FE” um producto de capricho, e de um capricho que chamarei psychologico, em virtude das paixdes que ahi se manifestam; —as quaes naéo s3o de todo vasadas nos moldes naturaes da sensibilidade commum, Nunea pade admiltir que René tivesse trazido para 0 coragdo uma ordem de emogdes, até entao desconhecidas, e assim julgalo uma excavagao mais funda, em materia de pesquiza interior, Se os sentimentos n elle expressos s4o de um caracter estranho e nunca visto, a geracio contemporanea tinha razao de illndir-se, pensando que a sua nas- cente era a grande alma de Chateaubriand ! Porém hoje nds estamos mais que muito edifi cados sobre este ponto. Seria admiravel que vies- semos ainda fazer mencdo de René, ou outro qual- quer fracto do mesmo pomar, como prova de obser- —~ 3B vacao psychologica, até nos reinos encantados do romance. Ainda mais. Qaem tiver actualmente o mini- mo vislumbre de critica litteraria, deve saber que, desde Humero até o maior poeta dos nossos dias, o que distingue as creacgdes do verdadeiro artista, éo caracteristico da impersonalidade. Certamente : — o que existe, por exemplo, de mais impessoal do que o theatro de Shakspeare ? Nao se encontra em toda essa vasta csllecgdo de bellezas um sé trago, que denuncie as opinides, as ideias, os sentimentos proprios do autor. Entre- tanto se diz qne ninguem ainda se mostrou tao co- nhecedor do coragado humano. Sado duas proposi- goes difficeis de harmonisar, para quem nao langa mao de novos principios. Por quanto, se os dramas de Shakspeare sio variados e perfeitos exemplares do homem, pelo seu lado mais serio, no seu fundo essencial, d’onde extrahio elle as palxdes que deu a tantos entes de feigdo e indole diversa?... Da fonte de si mesmo?! Seria exacto : — se tal fonte significa a imaginacao. Mas eu ocreio que os psychologos vao mais longe : — suppdem que a justeza no conhecimento dos affectos psychicus, 6 devida, em grande parte, & observagdo que 0 poeta exerce sobre seu intimo. Semelhante parecer é da ordem dos que basta enunciar, para refutar. Que se figure, se é possivel, oO dramaturgo psychologando, inquirindo-se a si mesmo, para bem avaliar o verdadeiro jogo das grandes paixdes ; — e, comtudo, sem que fique em Suas obras o mais ligeivo indicio do seu caracter, da sua maneira de sentir e pensar!!... Salta aos olhos o que esta ideia encerra de abstruso e dispa- ratado Nao é sé isto. Em Shakspeare nao se nos Mostra menos admiravel a creagao de Julietta, do qne ade Romeo; — uem cremos vér melhor o in- terior de Othello, do que o de Desdemona. Ao total, © Celebre poeta sae tambem victorioso da lucta sus- — %— tentada com este grande enigma quese chama 0 co- racio feminino. Tao de perto, e, por assim dizer, tao de dentro, parece comprehendel-o em todos os seus mysterios e infinitas profundezas. Sera isto porém um resultado da observagio e experiencia pessoal? Julgo que ninguem ousaria affirmai-o.. Nem é mesmo possivel recorrer a uma especie de intuicao psychologica, para explicar essa grande maravilha. Por maior que seja o es- forgo genial, nio pode transformar ou inverter a natureza das cousas. Ainda quando a sciencia da alma offerecesse actualmente mais seguras garan- tias de exactidao e validade, era forgoso reconhecer esta lacnna : — a.vida interna da mulher esta fora do alcance de nossas indagagées. E ella mesma € pouco apta para dar-nos, sem qualquer exageracao, ama historia verdadeira de sua subjectividade. Assim como o satellite da terra, combinande o seu com o andar do planeta, apre- senta-nos sempre o mesmo lado: — a mulher, sub- ordinada ao homem, deixa sempre ver umaea mesma face, aquella que é mais vulgar € menos lu- minosa. Se ha phenomenos e movimentos que parecam escapar aos nossos calculos e preceitos de aca- nhada philosophia, sao sem dnvida as curvataras caprichosas, os zig-zags mercurianos do espirito feminino. Devem ter a sua lei ; — eu creio, — mas essa lei nao foi ainda descoberta, nem sel-o-ha ja- mais. A mulher nao é 0 que disse uma vez Prond- hon: — adesesperagao do justo; porém ella ha de ser sempre a desesperagao do philosopho. Os que pos comprazemos em apoiar, nos ro- mances e nos dramas, a solugado do magno proble- ma, enganamo-nos de todo. Nao sabemos discernir o verosimil do verdadeiro, Tal 6 0 erro d’aquelles, gue julgam deponentes, a bem da psychologia, as excursdes dos poetas nos obscuros dominivs da possibilidade indefinida, em busca dos segredos mais reconditos do espirito. Universidade d>Brastila BiBlLiOTECA 817042 VI Um sé ponto quizera eu que me elucidassem, mas este é capital. Como admittir uma sciencia da alma, que nanca pde-nos em estado de saber, ja nao digo as causas, porém as simples relagdes dos factos ? Eu me explico. 0 astronomo sabe, e pode represgatar-se na imaginagdo a marcha regular dos phenomenos si- deraes. O medico sabe que, em presenca deste ou @aquelle symptoma, dase na economia um ou outro desarranjo; o qual tambem Ihe é possivel figurar pa propria mente. Nao assim o psychologo: elle gyraem uma esphera tenebrosa, em ama regiao de espectros e visdes inconsistentes. Existe mesmo uma ordem de factos subjectivos, quasi quotidia- nos, dos quaes a psychologia nao tira o menor par- tido. Ninguem ha que no livro da sua vida, nado tenha relido um capitulo mais largo, e dobrado uma pa- gina mais bella, d’onde ds vezes ainda trescala vago aroma de pallida saudade. E’ o capitulo do amor. Com effeito, quem de nés ja nao teve a graga de uma hora de delicias, em que primeiro o sereno volver de affectuoso olhar assegurou-nos a posse de uma ventura eterna?! Nao obstante, o que sa- bemos nés outros desses momentos supremos, que Se possa aferir pela medida do methodo psycholo- gico? © qne nos resta, na memoria e na conscien- cia, d aquelle estado de cego arroubo e quasi es- vaecimento, no qual nossa alma esmorece, como tocada por uma aza de anjo, ante a palpebra tre- mente de uns olhos que nos fitam ! ? de yes Poet: 5 em geral, arrogando-se 0 privilegio crosey Fionvisivel, sujeitam 4 uma analyse de mi- paixd E See aultiplos affectos, as mais profundas 0es de seus herdes e heroinas. Mas essa ana- — 8% — lyse, quesegundo 0 parecer de muitos, encerra the- souros de observacao interior, basta um peuco de altencao, para descobrir que nao passa de uma aberracao phantastica. A litteratura franceza que seguio-se & revolugio de Julho, 6um immenso armazem, onde se acham as melhores especiarias deste gosto. O autor de Pore Goriot, por exemplo, era mais que psychologo; era um grande physiologista, que andava sempre em dia com a dynamica mimosa do organismo fe- minino, cujos movimentos mais imperceptiveis elle sabia detalbar na figura dos seus personagens. Entre outras provas, nao revela inteiro conhe- cimento de uma alma de mae aquella creacgdo das Memoires de deux jeunes mariées, aquella. mulher singular, admiravel Renée, que tuerait volontiers son mari, s’il s’avisait de troubler le sommeil de son fils?! Ea descripcao minuciosa que da sua savante virginité se compraz em fazer essa ideial creatura, nao pode 4 descoberto a profandeza do autor, em uma especie de psychologia das mécas? !... Ante os olhos de Balzac, no qual tambem as vezes se divisa um predecessor de Buechner { 4), até os péros do rosto e os da fronte abrem passa- gem aos sentimentos interiores. Os corpos dos seus herdes sao lucidos, transparentes, pneumaticos, como dizia Origenes que devia ser a carne resusci- tada. O romancista lobriga, através de uma pelle alva e brilhante, 0 jogo das emocdes mais subtis. Eu creio que, 4 nao ser 0 derramamento mate- rialistico de Balzac, seus romances valeriam para (4) 0 autor ae Kraft und Sioff chama 0 homem einen wand elnden Ofen, eine sich selbst heizende Locomotive... ; qualilica 0 coragio de ein Pumpwerk... Em La Peau de Chagrin, lé-se cousa quasi identiea : — « La yolonté est une force maierielle semhla- ble a la vapeur, une masse fluide, dont ’homme dirige 4 son gré Jes projections. » Igualmente em Birotteau: « La peur est un phénoméne, comme “tous les accidens électriques. » — 29 — mo irrefragavcis documentos de magis- Vachon stigacdo peyehica. O metaphysico francez tem suas horas de lastimavel ingenuidade. Que bons lhe nao parecerao os detathes analy- ticos de G. Sand, cajas obras, na sua opiniao, sao theses philosophicas de alto prego I! 2 (5). Leone Leoni, Jacques, padre Sophronius, que foi judeu, jutherano, catholico, spinosista ; a princeza Quinti- lia Cavalcanti, que occupa-se de todas as artes, falla todas as linguas, sabe todas as philosopfwias, e co- nhecea politica melhor que os homens de Estado... — que typos bem ideiados e assés reveladores de factos naturaes, existentes em nossa alma!... — inatil fallar de Lelia, aquellafeitura anomala, da raca de Jnlius, na Lucinda de Schlegel, e irman mais velha da Wally de Gutzkow. Blasfemias e extravagancias formam o seu contetido, Allegar estas e outras producgées de poetas e romancistas, na qualidade de fragmentos psychologicos, 6 0 cu- mulo do desvario em tal materia. Nenhum espirito serio deve hoje recorrer a esse genero de prova, sob pena de passar por quasi um nescio, se nao tem um nome antorisado, ou por desponderado opinia- tico, se elle se chama Vacherot. Eu ja o disse : — o defeito capital da psycho- lJogia, como sciencia de observacao, é a falta ab- soluta de dados para se formarem exactas e pro- fundas previsdes O mundo physico, em seu vasto e intrincado arranjo, pode sempre causar admira- cao, ainda mesmo aos egspiritos mais cultos; — porém nao causa espanto. A ideia da ordem, que éum producto ulterior da intelligencia, faz succeder ao primitivo abalo, Suscitado pela natureza, o sentimento da harmonia eda razao das cousas. Entretanto essa ideia nao tem tido a mesma forga no mundo moral. O espe- Ctaculo dos homens, dando 4 ver, por palavras ou ee (5) La Religion, pag. 258, —30-— acgdes, algum novo recanto do seu coracdo, todos os dias nos assombra. Irrecusavel signal de inteira ignorancia, quanto 4 ordem que reina, e as leis que se executam nos dominios do espirito. Neste meio, o que tem feito a illusoria scien- cia? Apenas consagrar um sem numero de erros, e autorisar em seu nome os mais agros rigores, as violagdes mais crueis. Diariamente vemos a so- ciedade, baseada em um supposto conhecimento do homen? arrogar-se o poder de surprendel-o no retico de sua consciencia, afim de assistir 4 todas as evolugdes genesiacas do crime. E’ dest’arte que 0 direito penal decompoe o acto criminoso em ele- mentos successivos, partindo da intencéo. Mane- jando os chamados principios psychologicos, julga ter penetrado na essencia da criminalidade. In- numeras séo talvez as victimas cahidas, sob tao fatua pretencao dos legisladores e philosophos. Se ba uma razdo para explicar porque os cal- culos humanos tanto faiham, no que interessa as relagdes sociaes, é que as almas nunca chegam a& conhecer-se mutuamente, e a psychologia nao des- cobre uma sé das leis que determinam a formacado do individuo. (6) Nao cancgo de repetil-o: — a sciencia do —eu— implica contradicgdo. Abstrahido da pessoa, e do caracter que a constilue, 0 — ew — é cousa nen- huma; nada significa. Mas onde estio as indne- codes scientificas, feitas de modo que possam ga- (6) Estas ultimas ideias precisam de um esclarecimento. Achando um pouco arrojada a pretengio com que a psychologia julga poder acompanhar a génese do delicto nos sommbrios pene- uraes da consciencia, — donde nao raro resullam iniquas con- demnacées, — nem por isso estou de accordo com a theoria bur- lesca dos pschyatras e pathologos do crime, para quem os crimi- nosos em geral séo outros tantos doentes, cnja punigao é uma barbaridade. Semelhante doutrina, que tende o morrer pelo ri- diculo das suas exageracdes, nunca me teve, nem ter-me-ha jamais de seu lado, — sd — rantir nossos juizos, sobre a marcha normal da personalidade alheia? : a at . Eu disse -~ atheia; @ podéra dizer — propria ; Todos sabemos, por experiencia, que as mais das vezes, 0 que nos desarranja e nos perturba, no curso ordinario da vida, 6 a ignorancia de nés mesmos, da forga de nossas paixdes, ou da fraqueza de nossa vontade. Nao sei qual seja 0 psychologo capaz de medir com 0 olhar da veflexdo toda a ex- tensao de seu ser. Nao sei quem foi que desceu ao fando do abysmo, e voltou trazendo na bocca a palavra do enigma, Entretanto, jd 1a vao centenas sobre centenas de annos, depois que a sciencia da alma trata de constituir-se e organisar-se | Nao obstante, 6 ainda hoje insufficiente para fornecer ao homem uma nogdo menos amhigua de si mesmo. Taes sao por certo as minhas convicgdes, que me parecem baseadas nos factos. Com tudo isso, é aqui o momento de advertir que nao rejeito ab- solutamente os trabalhos de observacao subjectiva. Julgo applicavel 4 psychologia o que disse da economia politica um jurista francez: — ella nao é uma sciencia, mas apenas um estudo ; e eu diria por minha vez: — um entretenimento. N&o contesto se possa adquirir, por este meio, nogdes mais claras do papel e do jogo mutno das nossas faculdades. Esse exame de consciencia, a que Se entregam os psychologos professos, sem ser de utilidade geral, encerra talvez algumas vanta- gens pessoaes. Pelo menos, o habito da reflexao um obstaculo serio dos impetos apaixonados. Os mysticos servem de exemplo. Nao se leva ar flectir continuamente sobre a alma e sua _natu- reas sem acabar por cahir-se em uma especie de sensivers, moolencia, que neutralisa as suggestdes troy a duvide que um pensador, ao geito de Jouf- arg a tempo e disposicao bastante para engol- ‘em qualquer doce corrente do mundo exterior. are — 32 — Sem ironia, apresso-me em declaral-o :— 0 es- pectaculo de um homem-que empallidece de viver sempre atufado no antro escuro de seu proprio pensamento, respirando apenas por minutos o grande ar da vida commum, tem de certo alguma cousa de tocante. Nao @ uma vocagio, que me pa- rega invejavel : — 6 um nobre esforgo, que se péde admirar, juntando 4 admiragéo uma sincera pena de nao vél-o empregado em materia de mdr pro- veito. (7 )» VIL Aqui terminaria se me nao sentisse obrigado a revistar uma outra questao, discutida pelo autor mencionado no comego deste artigo, Questao de vida e morte para am certo espiritualismo aca- nhado, o qual diz nao poder subsistir, se lhe faltar o apoio de um principio immaterial, distincto e se- paravel do corpo. «E’ em ‘vaio que se reconhece, escreve Levé- que, factos invisiveis, e a possibilidade de obser- val-os e classifical-os ; — desde que taes factos sdo enviados a um sujeito material e composto, sé por isso tem-se cessado de ser espiritualista. Osim ou ondo 6 aqui da maior importancia, porque, se 0 principio pensante é material, composto, divisivel, ou, o que vem aser o mesmo, se nao existe alma, (7) Como eu ja o disse algures, Jouffroy foi uma especie de Werther, um suicida psychologico. O caracter romantico da sua philosophia se revela até no modo, por que elle comprehendia 2 poesia lyrica, isto 6, como a expressio das queixas da alma hu- mana diante do enigma do seu destino ; poesia que vibra com tao melancholica monotonia nas poesias de Byron, nos versos de Lamartine ( Mélanges, pag. 322). E? a theoria philosophica do romantisme, como o fizerain, além dos dous meucionados, Leo- pardi, Lenau, Pusckim, Lerimoutow e outros; é a Weltschmerz proclamada a unica fonte de verdadeira poesia lyrica. Um poeta da escola nao se exprimiria melhor. —3— a liberdade, 0 dever e Deus tornam-se phrases sem sentide 1... Que importa adignidade do homem eao caracter do philosopho, ser ou nao ser espiri- tualista, pela medida de Levéque e seus iguaes ? Estes francezes, discipulos e adherentes de Cousin, tem ideias que causam lastima. E exacto que, sem o arrimo de ama alma substancial, a liberdade como elles a define, 0 dever como elles o enten- dem, e Deus como elles o explicam, tude isto nao tem senso. . oo, Porém segue-se d’ahi que o espiritualismo, assim comprehendido, seja a unica philosophia, digna deste nome, e capaz de fortalecer o pensa- mento humano? Muito ao contrario, 0 que ha hoje de mais notavel, nestas regides, é o descredito dessa philosophia popular, nutrida de prejuizos e chimeras. Os seus adeptos nado se esquecem de .invocar, a todo instante, como prova de superiori- dade, a forga do numero, 0 argumento da maioria. Infelizmente para elles, — a verdade nao se mede por tio baixa bitéla, Nao é 0 testemunho dos velhos e das creangas, dos fracos e dos ignorantes, que péde ser adduzido, para destruir razdes de uma_ordem mais elevada. Quem déra que os espiritualistas,em muitos dos quaes se péde admirar um raro vigor de intelligen- Cla, comprehendessem melhor as difficuldades de Sua posigao!... Fora bom que elles penetrassem Mais no amago do assumpto, e nao trouxessem, ante argumentos de pezo, consideragdes triviaes. _ , Desvarte, quando se lhes diz que o espirito individual, separado do corpo, 6 uma das formas do ideial, sem realidade objectiva; ¢ tanto basta ve ra sentido aos mais nobres | impulsos do ° oketeinig. quando se Ihes diz que € inconcebivel ctivo Soe de uma funcgio, sem o orgao respe- nada‘é ened tal, o pensamento féra do cerebro, istir, elt nada vale, em uma palavra, nio pode ex- » elles erguem a mais féra gritaria contra a lou- 5 — 3% — cura, a immoralidade, e até a malvadeza dos seus adversarios ! O espiritualismo, — dizem,— nao se curva, nem se da por vencido diante destas audacias. 0 homem € um ser pensante; e o pensamento sé pode convir 4 um ente espiritual. O cerebro 6 uma condicéo, nao é uma causa. A alma se vé ese revé na consciencia; — ella tem a conviccao de nao ser um altributo da materia... E’ is®, pouco mais ou menos, o que todos os dias se repete, afim de sustentar-se velhas theorias esthetico-theologicas da escola semi-platonica e semi-catholica dos philosophos lettrados. Quadram aqui perfeitamente as seguintes palavras do Dr, Co- lenzo: — uma causa, assim defendida, nado 6 uma causa perdida?!! Por minha parte, nao vacillo em acceitar os resultados da lucta; nem tenho mais duvida sobre elles. Basta-me, entre outros, oexemplo de Le- véque, 0 qual ainda se arriscou 4 manejar as armas do costume, sem attender que ellas ja ndo aguentam uma pugna mais animada. E com que adversario!? O nosso autor parece vangforiar-se dg abrir largas fendas na logica vigorosa de Edmond Sche- rer, o critico elegante, einer der hoffnungsvollsten Geister, como uma vez disse delle o Dr. Dorner. E com esse escriptor de primeira grandeza, que 0 illustre metaphySico ousa avistar-se no intuito de tomar-lhe conlas de sua philosophia, no que diz respeito 4 alma individual }... Levéque reconhece que Scherer nao é mate- rialista, nem positivista; mas que tambem nao é espiritualista, pelo molde de Cousin e Jouffroy. Importa nio desprezar tamanhba concessao. Ha pois mma maneira de crér no espirito, isto 6, no ideial, nos altos destinos do homem, sem volver jamais os olhos para os idolos decrepitos das g° racdes passadas. FE, posto que Levéque mesmo tenha dito que sd se é espiritualista, sob a condigao de nao attribuir a um sujeito material os factos dé — 3 — sonci dou por assentado que se pode conscien ee emplo de ischerer, independente. dos ‘logmas € prejuizos da escola. / oe preciso encarar de frente a verdade, ainda uando ella venha transtornar 0s nossos planos e corrigit cruelmente as nossas esperangas. A phi- lusophia, — é tempo de proclamal-o — nao posstie menos que a religido uma mythologia adequada. Elevar ideias geraes ao summo grao de realidades concretas ; incarnar, dar um corpo exteyor a uma série de phantasmas racionaes, que cada qual figura & sen modo, é este ainda o mister da metaphysica hodierna. . Aquelles que philosopham, os interpretes pro- fessos da consciencia e da razio, nio séo em regra os mals estranhos ao dominio da credulidade valgar. Todos fallamos do nosso espirito, qual de uma cousa que subsiste por si. E’ uma crencga de longa data. Nos grandes orgaos da poesia moderna, sobretudo, a alma é descripta, como se descreve uma paisagem. Dir-se-hia que ella poe-se toda nila, ante os olhos do poeta, semelhante 4 cortezan grega, em casa do estatuario, para ser apreciada, em sua alvura esplendida, em suas inflexdes divi- nas. Os versos de Lamartine sio geralmente affecta- dos deste achaque psychomaniaco. E difficil de- cidir, quem mais oceapava o pensamento do poeta, quem se revestia de mais encanto, e provocava maior numero de apostrophes :— se a sua Elvira... gnome ahina ! Uma nao é menos etherea, menos mail a one aoutra, Para os que, nio sendo sempre onviny Osos em materia de provas, estao aves nom epostos a ver, até no gorgeio matinal das tributos 4 Reeytacdo cantada da natnreza e at- hos carmes qyindade, © descer pouco descobrir manancial 4 Lamartine e seus appendices um certeza do ron t a alma se fortalega na ideia e na Oespi seu destino superior. . Piritualismo tem sido omisso em mostrar — 36 — que a imaginagio nao penetra na sala de trabalho do entendimento. Facil entao seria sustentar que certas nogdes, nao encerrando’ a minima patticula de sonho e phantasia, devem merecer os nossos respeitos. A alma substancial, autonoma, inde. pendente do corpo, que se nos da por uma reali- dade, entrevista pelo senso intimo, através de todas as variacdes phenomenicas da vida, nado sera tam- bem um mytho, uma creagao analoga aos conceitos da poesia? Debaitle & que se oppde @ esta conjectura os suspiros da humanidade, sens anhélos infinitos, e nao sei que pressentimento de am mundo desco- nhecido. A questio reside toda abi mesmo. Nao se adianta um passo para a sua solugdo com oapoio dos nossos scismares e visdes de immortalidade. Em rigor, nao se acha bem dilucidado, se 0 espirito eré de facto ser immortal, ou somente deseja sel-o. Percebe-se de prompto que sé posso referir-me ao individuo. Quanto ao que se chama espirito humano em geral, esse é sempre vivo e sujeito 4 lei do eterno desenvolvimento. Mas nao é uma pessoa, nem mesmo uma consa certa e determinada. Elle tende 4 formar uma somma, quero dizer a somma de todos os termos possiveis de uma progressao ascendente, cujo primeiro termo deve comecay nos obscuros dominios da animalidade ; — eo ultimo, — quem sabe ?... perde-se de vista nos azulados abysmos da perfeic¢ao sem limites. Ainda mais: ~ 0 espirito humano pode ser considerado, como unidade ideial e totalidade real. No primeiro caso, sé existe subjectivamente ; — no segando, elle é, 40 mesmo tempo, um faclor e um producto. Em cada momento da historia, elle vale o resultado de todos os trabalhos e conquistas antericres. Em cada momento da historia, elle esta, por conseguinte, sempre armado de novas forgas, para invadir o futuro. . O espiritualismo phantastico e meio poetico ainda nado esqueceu as suas altas pretengdes. Causa — 37 — i r figura que ahi fazem philosophos espa tinpento de refutar escriptores come Free de proseguir devo aqui assignalar um facto, digno de ponderagao. A critica religiosa de ie Scherer é um _ nobre orgao, apresenta actual- hente este caracter subido: — ella vae sendo, ma- ximé entre os francezes, nao sémente uma escola de sciencia; como tambem a melher escola de es- tylo e de linguagem. , . @ S6 por si, ja isto seria muito, quando mesmo fosse tudo. Mas é certo que ha na brilhante pleiade dos criticos um fundo admiravel philosophia. Bem me parece, portanto, que Huet nao teve razdo, no juizo que emittio sobre a escola de Strasburgo, di- zendo nao encontrar em seus adeptos o vigor phi- losophico desejavel. (8) VII O que ha para mim de mais censuravel no mo- derno espiritualismo francez, é a falta de um certo senso, que bem se pode chamar 0 senso dos tempos. Frente 4 frente com luctadores novos, e que sabem combater por um modo novo, elles nao hesitam em recorrer aos argumentos rotineiros, cujo em- prego, nao basta dizer que é inefficaz, releva ac- crescentar que 6 perigoso e prejudicial. Porquanto esses velustos argumentos, ante olhos mais exerci- lados, deixam vér as suas fracas juncturas, e por ellas se embebe facilmente o ferro do dialectica inimiga. Admira a sem ceremonia, com que se julga ar difficuldades mui sérias, invecando o teste- ee cort 5 ext 8) La Révolution réligi n igieuse... pag. 30. Vé-se que me refiro * escola franceza, alli florescente, antes da guerra de 1870. — 8 — munho anachronico da philosophia cartesiana. assim que Levéque, em opposigado ads ideias de Scherer, nao duvida repetir o — Je pense, done je suis — e cré langar ao seu adversario uma barreira insuperavel! Vamos vér entretanto com que razdes 0 nosso espiritualista se suppoe victorioso. « O homem, diz o criticu atilado, néo é um corpo, nem um es pirito, nem a reunidio de um corpo e de um espirito. Nao se o pdde definir, porque sé se define pelo ge- nero e pela differenga, nem explical-o, porque toda explicagao consiste em reportar o facto particular a um facto mais geral, eo homem, sendo o termo mais elevado da mais alta série, ndo pdéde ser re- conduzido a um grupo superior. » (9) A este modo de expér e de explicar, Levéque chama « um processo logico de Aefinigdéo » Como se tal definigao nao se firmasse na observagdo dos factos!? Como se essa detinicao, sem alias dar-se por isso, nao resumisse 0 que o homem pdde offe- recer de real aos olhos da sciencia !? Levéque se engana. Suas respostas sao futeis ; — ellas nado descem ao fundo da questao. E’ falso que «qualquer que seja a série propria de um ente, se elle péde ser conhecido, possa por isso mesmo ser definido. » Esta proposigao, ainda que encer- rasse uma verdade em outros casos, tornava-se in- exacta, desde que se quizesse applical-a ao homem. Ff’ preciso que 0 espiritualismo tenha tambem uma logica sua, capaz de justificar tamanhos dis- parates. Mesmo admittindo, como verdade philo- sophica geral, que basta uma cousa ser conhecida, para poder ser definida, posta uma vez em duvida a applicacao desse principio 4 este ou aquelle ente, a pretendida verdade muda logo de caracter, e nao legitima argumento algum, porque ella é que pri- meiro carece de legitimagao. (9) Mélanges d'Hisloire réligieuse.... pag. 184. — 39 — se questiona, é justamente, se o on Bde set ‘deuinido, nao obstante poderem tot i beldos edescriptos alguns de seus mais ser Os redicados. A quem, como Scherer, da notaves diva solugdo, responder, como Levéque, vito aecat e cahir em grave paralogismo. | en brosigamos na analyse de outras razdes, exhi- pidas pelo nosso autor. Por exemplo: — « Nin- guem ainda provou a falsidade da equacao psycho- jogica, estabelecida por Descartes i yeu penso, Jogo eu sou—; a qual significa : — eu penso equi- vale a — ew sow pensante. » 0 philosopho 6 ingenuo em dar tamanha importancia 4 cousas tao frivolas. Ninguem ainda provou, ~ € verdade —, que fosse falsa a equacao referida. Porém o que ha de mais notavel, é que no se faz precisa semelhante prova. Entre esta proposigado — ew sow pensante, e esta outra — eu sou espirito, isto é, eu tenho uma alma substancial, distincta do corpo, ha um espago ainda nao atravessado pelas proprias aguias do es- piritualismo. Sé mostrando a identidade das duas proposigées, é que se poderia dar 0 cogito, ergo sum como o pértico indestructivel do templo da philo- sophia. Entretanto, contra a pretengao da senha carte- siana, o espirito real, separavel da materia,é sempre questao aberta. Nada importa, para resolvel-a, que o homem possa dizer-se um sujeito, uma cousa pensante. Este sujeito, esta cousa pensante, nado © um ser a parte, nao ; é o mesmo homem conside- rado na totalidade de suas funccdes intellectuaes, como elle é uma cousa sensiente, sob 0 ponto de Vista de suas funcodes sensitivas. Mas se é isto ao certo, o que nao admittem os homens da sciencia OPposta, busquemos entrar no fundo de seus racio- Ginios. Ea disse raciocinios ; era ~ palavreados — que devia dizer. Eis aqui: tem wom que tem consciencia de si mesma, sujeit 'S Consciencia de um sujeito. Demais, este ‘© possue a faculdade de se conhecer. Por ~~ conseguinte a elle compete ensinar-nos 0 que elle 6, e se suas faculdades sdo,ou nav, propriedades da materia. Consultada sobre este ponto, a alma res’ ponde que ella se vé tanto melhor, quanto menos ella serve-se dos seus cinco sentidos, que nao des- cobre em si cousa alguma de semelhante ds pro- priedades da materia, que ella se sente a mesma hontem, que ante hontem e em todos os tempos de sua vida; que finalmente ella 6 de tal modo uma, que de continuo estabelece a sua propria unidade substancidi, no meio da variedade infinita dos seus sentimentos ¢ dos seus actos. » E’ um pedago interessante, 0 que acabo de citar. Subterfugios involtns em banalidades; — nada mais. A existencia de uma alma, tendo con- sciencia de si mesma, como de um sujeito particu- lar, ndo é esta a questdo, que se debate? Com que direito pois o pbilosopho suppde assim tao liquide 0 que constitue o ponto principal da duvida? Me- lhor seria que se partisse de um principio incon- testada, e que o combate se desse em um terreno commum. Todos nés estamos de accordo em que o ho- mem tem consciencia de ser um sujeito pensante. Resta, porém, a saber, se essa consciencia é um grado superior da evolugao da materia, ou é propria e sémente propria de um ente unido ao corpo, e ao qual se dai o nome de alma. Quem vem desatar o né? No entender de Levéque e seus collegas, 6a mesma consciencia. « Incumbe sé ao sajeito pen- sante ensinar-nos o que elie é, e se suas faculdades sio, ou nao, propriedades da materia. » Contesso que mal posso resistir 4 indignacdo causada pela Jeitura de taes futilidades. E a isto 6 que se chama philosophia ?!... —M— IX Q nosso autor increpa O seu adversario, por ver dito que a consclencia, sendo um sentimento, haven negocio de vista ou de tacto, mas de perce- nae interia ; e assim, nada admira que ella tenha Pensciencia de si mesma, como de alguma cousa que differe do corpo. . « « Que significam, diz Levéque, estas palavras : — uma consciencia que tem consciencia de si? Jamais comprebenderemos que a consciencia exista noar,amaneira de entidade escolastica. Nosso adversario sabe muito bem o que diz, para ter que- rido dar 4 entender que ama pura abstraccdo seja dotada de consciencia, de sentimento, de vida, em uma palavra. » Nao vio o digno espiritualista que esta censura the cabia em maior escala?! Se ha uma philoso- phia, onde a consciencia tenha todos os caracteres de uma entidade, onde ella seja de continuo no- meada e invocada, 4 titulo de cousa real, auténoma, independente, é de certo o espiritualismo. Nao posso pois descobrir 0 motivo d’aquelle espanto. Sim; aconsciencia sé tem, sé pdéde ter consciencia de si mesma. Si ella 6 a faculdade que © homem possue, de conhecer-se internamente na parte superior das funcgdes mentaes, porque razao exerceria outro mistér? Porque ella nada affirma sobre as fancgdes inferiores da vida animal, inferir @ahi que existem no homem duas substancias, é 0 cumulo do illogismo e do desproposito. cons itite bem disse Scherer que, nado obstante a petmaneos darentit differente do corpo, todavia nao pode ubitavel, se a percepgao interna nao 6, Onoeea ser um attributo corporeo, Que responde estas vx autor ? Pouco mais do que nada. « ... Ou nao tem essdes de percepgao interna e consciencia Sentido, ou exprimem uma faculdade de OF —WQ— um certo ser, e neste ultimo caso a conclusao pre- cedente se reduz aos singulares termos seguintes ; - — o ente que tem consciencia, se sente differente do corpo ; comtudo bem poderia ser elle o corpo, do qual differe. » Ainda aqui o philosopho mostrou-se um pouco desorientado. Nao ha duvida que a percepgao in- terna é faculdade de um ser, mas este ser, — note- se bem —, 60 homem ; o qual se sente organisado e vivo, tefldo na mais alta regiao do funccionalismo vital esse poder supremo de conhecer-se directa- mente, Como sujeito pensante, Em outros termos, — etal é, se me nao engano, o que Scherer quiz dizer, — a consciencia & uma faculdade que se presta sémente aquillo, para que foi creada, isto 6, por ella da-se 0 conhecimento dos phenomenos mentaes ; e deste modo, tudo que esta fora de sua esphera, torna-se-lhe estranho, e como que de na- tureza diversa. Nao existe realmente analogia alguma entre os factcs de percepcdo interna e os que dizem res- peito ao corpo, observados pelos sentidos. Mas isto nada infirma, nem confirma. A questio fica em pé. O ser que pensa, e tem consciencia, é,um todo organico, onde se exercem innumeras fane- codes. O pensamento é uma dellas ;— a mais nobre, am sublime, por certo. Nao acho razao de ‘maior pasmo em julgar a materia organisada, de modo a produzir os pheno- menos intellectnaes, do que em vél-a dotada de outras capacidades. De ordinario, 0 que nos faz repellir essa doutrina, é um effeito de imaginagao grosseira. Quandu se falla na materia, occorre-nos de prompto uma série de objectos physicos, 0S mais rudes e baixos, que se possa imaginar. Esta mesa em que escrevo ; — esta penna que manejo; — aquella pedra em que tropecei ; — a poeira que levanto de meus pés... — tudo isto material ; — qaem podera admittir que 0 pensamento brotasse de semelhante argila ? ! —-3- Ninguem de certo. Porém nao fica ahi. Sim, teria 6 agnella pedra bruta; € a poeira gue ama do; — 6a lama em que piso ; — mas a ma- suspen nbem é aquella flor que se embala aos anhé- teria i noite, e, a trinta passos de mim, derrama Wesambiente perfumes deliciosos ; — a materia fambem éo rubro labio feminino, 0 seio alvo e pal- pitante, provocador de affectos e paixdes ; — sim, a materia tambem 6 _aquella estrella que brilha 3; — 60 sol que flammeja ; — & porque nagpdde ser ue pensa 2... a oe nsamento, — costuma-se dizer —, sé péde residir em um espirito. A razao desta sentenca? E’ o que nao se nos da 4 conhecer, de modo salis- factorio. Pelo contrario, todos os argumentos ad-~ versos sao frivolos, erroneos, incapazes de produzir o minimo abalo. : Evidentemente demonstrou-o Scherer ; e fora de esperar qne Levéque nao deixasse de lado, sem resposta, as consideracdes do eminente critico. As provas do espiritualismo, diz este, se podem quasi todas reduzir a uma sé: — a incompatibilidade ab- soluta da materia e do pensamento ; mas esta in- compatibilidade 6 precisamente o que esta em questao, de sorte que uma tal argumentagio con- stitue um circulo vicioso. (10 ) Que nova ordem de ideias oppoz-se a tao grave e decisivo juizo? Nem uma palavra. Se nao é que 0 philosopho entendeu dever guardar silencio, neste Ponto, pela impossibilidade da refutagao, dir-se-ha que a coasa pareceu-lhe demasiado fraca, para teeone asua resposta?... Pode ser; porém creio prevensaue melhor, demonstrando essa fraqueza, e rites me © assim, contra qualquer illusao, os espi- 8 menos reflectidos. debalde que ainda se rememoram os traba- Cousin e Jouffroy, como os que mais se em- —_—__ thos de (10) Mélanges... pag. 181, — 4h — penharam na sustentaciv da magna these espiri- tualista. Bem sabemos quanto suor de rethorica e! de eloquencia pingou da fronte do chefe do ecle. ctismo, para elevar ao grao de uma verdade resut. tante de observacao iinmediata a existencia da alma espiritual. Mas sera preciso dizer que o proprio estorco empregado demonstra, pelo menos, a difficuldade' da empreza, desmentindo claramente a pretendida immediagio?... Onde esto os fortes argumentos que tornaram impossivel qualquer duvida, e per- mittem aos novos psychologos fallar da immateria- lidade da alma, como facto indiscutivel, evidente 9} Nao é sem muita razdo que se lhes altribue o quererem impor-nos esta sua hypothese, a titulo de dogma. Que importa que, para proval-a, nao se recorra a deduccaio, porém se tenha o cnidado, como affirma o nosso autor, de excitar nos outros o sentimenlo da cousa, descrevendo com minu: ciosa exactidao os phenomenos, sob os quaes a alma invisivel apparece; ... que importa, dizemos nés, se taes descripgdes sao contestaveis e real, mente constestadas, pelo que trazem de exagerado| e de falso ? O espiritualismo francez é um systhema_artifi4 cial, um filho degenerado da theologia catholica. Assas temos andado no seu pizo, e ainda padece- mos de suas illusdes. E’ mister acabar com as re- ticencias e os circemloquios ridiculos. Antes de tudo, esobretudo, devemos ser sinceros. Nao $' altera ; ndo se torce impunemente a verdade; tard ou cedo, ella toma o ascendente; e a intelligencia, alliviada do peso dos prejuizos, como um gall tenro de arvore, onde pousava um abutre, procul a posicado que lhe é natural. Os philosophos-sacristaes, que se incumbe? de conservar bem accesas as vélas do altar, qa parecem revestidos de solaina e sobrepelliz, sé }he* faltandoa lonsura, para serem outros tantos padre pelo coragao, devem olharcom espanto para 0 lade — 45 — do futuro. Approxima-se de certo alguma cousa fe grave © profundamente extraordinario. Eo espirito humano, considerado em suas eminencias, ue langa ao desprezo o resto dos brinquedos de gua infancia. E’ a queda do ultimo véo que ainda nos occalta muita verdade santa, apenas presen- tida pelos raros eleitos da sciencia, cruelmente im- parcial como a natureza. Outubro de 1871. ° Yl. Sobre um escripto de A. Herculano (4) A noticia de haver reapparecido, na scena lit- teraria, o celebrado autor da Historia de Portugal, devia naturalmente fazer vibrar a fibra da geral cu- riosidade. _O inesperado da cousa, o arredamento no qual 0 digno escriptor, ha alguns annos, tem estado das lidas e afans da vida publica, orenome que 0 cir- cumda, e junto 4 isto, se nao a cima disto, a caren- . Cla de ideias frescas, a escassez, em que vivemos, de livros portuguezes, mais legiveis e menos im- peeeunos do que os do costume, sao circumstancias pazes deexplicar.o movimento causado pela nova Produceao do Sr. Herculano. que Capazes de explicar, e nao de justificar, foi o eu disse. Comprehendo a forga dos motivos eet (1) Opuscutos, Questées publicas 1873, — 4g — que possam influir sobre jovens litteratos e ama. dores, para de prompto acceaderem o thuribulos em honra de seu velho idolo. Ainda comprehendo que a nossa ignorancia do actual estado das ques. toes, como ellas se discutem, ou jase acham deci. didas na regiao dos espiritos cultos e elevados, nog dé um certo direito de pasmar e exagerar 0 merito daquillo que se nos diz ser producto de um homem competente. Nao gssim porém o desproposito, com que se cré pagar tributos de admiracav ao escriptor feste- jado, proclamando o seu escripto a ultima palavra que dizer se possa, neste ou naquelle assumpto ; bem como, — o que é peior, — julgando de ante- mao e 4 priori bellezas e primores de um livro, que nao se leu. E’ de feito o que entre nds acontece quasi sempre, com as obras recem-nascidas de au- tores portuguezes. Ainda os volumes estd@o na alfandega; 0 com- mercio bibliopolico ainda nado abrio a factura de sua nova mercadoria, e ja troam, por toda a parte, as bombas encomiasticas da obra gigantesca! Nao é que os parvos cultores e aproveitadores dos me- nores rebotalhos das lettras lusitanas tomem a peta de vir em publico dar conta de suas impressdes. Nenhum delles sente-se obrigado 4 pdr em relevo pelos meios regulares de uma critica séria, a gran- deza escriptorial dos seus predilectos. . E’ um negocio das ruas, dos cafés, das livrarias, onde os mocos belletristas mutuamente se inter- pellam, sobre a tal novidade litteraria, e lavram, como inspirados juizes, sem mais indagagio, a sen- tenga approbatoria de tudo que o livro encerra. Nao sei como se deva qualificar tamanha levian- dade; 0 certo 6 que ella muito contribue para > estado de miseria intellectual, que nos deprime- Eu ja o disse uma vez: — pelo qne toca av alto dominio das ideias, nés fazemos o que fazem 08 mendigos: sémente consumimos ; nada produ mos. E nao é uma grande prova desta indigencia — 49 — it, com que roemos qualquer pedago de o bon apret | por ventura nos atire a escassa com- pao velo, on rados portuguezes ? paisay des vexandre Verealano tem sobejas razdes a apertar-nos a mao, & confessar-se nosso amigo. para ni yutro escriptor do seu paiz goza_no Brazil Nevbun Opomeada ; -—nenhum outro se poderia dle ne especie de cullo, que aqui se lhe tributa. grbar ’ suas opinides, em qualquer ponto, sao ci- tadas como oraculos, ante os quaés | 6 forg@oso que nos inclinemos. As suas opinioes, disse en, e toda- via, sé tentasse agora mencionar alguma dellas, mais notavel pela profusdeza e originalidade, nao ser-me-hia facil descobril-a. Tanto é certo que o celebre escriptor nao é fecundo em grandes pensa- mentos, nao é um homem de sciencia, uina cabega moldada para as allasidéas, Quem pedisse aos seus admiradores uma prova do contrario, pél-os-hia cruelmente em sérios em-~ baragos. Com effeito, o Sr. Herculano nao se dis- tingne, entre os espiritos mediocres que abundam em Portugal, senao pelo talento de ostentar-se car- rancudo e imperioso, mesmo dizendo as cousas mais frivolas. Elle 6 sobretudu dotado de uma singular habi- lidade: — a de tomar posigdes e distancias ade- quadas ao realce de sua figura. As montanhas, vistas de loage, sio de um bonito azul celeste ; — nada faz presuppdr as asquerosidades, que ellas apresentam, quando de perto observadas. Este phenomeno repete-se igualmente na ordem moral. Ha homens que devem as suas apparencias de gowideza ao jogo da luz atravez da atmosphera, que chlane. “ Nesta classe esta inscripto o Sr. Her- um pola nsulando se e estendendo em torno de si compatiiot € orgulho, tem podido parecer aos seus gente ase ands outros brazileiros, pouco exi- S, 0 que de facto elle nao 6. conde. um ligeiro verniz de cultura européa, es- © escriptor ditoso todos os signaes da car- — 50 — coma portugueza. Sem aquella harmonia de facy}. dades, que constitue o homem de genio, elle se mostra cégo de todas as cem vistas do espirito. excepto uma sé: — a vista do passado, a intuigag dos velhos tempos. D’ahi a Simitagio e a estreiteza: — para elle nao existe 0 que nao entra no campo objectivo do seu telescopio. D’ahi o modo estrapho de preten. der podar a sciencia, reduzindo-a, quanto possivel, ao trond ermo da historia; e alnda esta, concen. trando a demasiado na historia da sua terra |! Ajuize-se do grao de forga mental, da facilidade de v6o, da largueza e clarividencia, que pode ter um escriptor assim predisposto, assim nutrido e enfesado, E’ debalde que o Sr. Herculano assiste aos grandes movimentos e mutagdes intellectuaes do nosso seculo ; a philosophia e a religiao, elle nao sabe em que pé se acham. Por mais que carregue o sobr olho e queira dar! mostras de serio pensador, sorprehende-se o de prompto a imitar o riso de Voltaire. Ele pertence ainda ao lado peior, e o mais vulgar, da escola deste mestre. E julga-se, com isso, muito adiantade|... Rir-se dos homens, escarnecer dos padres, des denhar o culto da Virgem, e outras galhardias da especie, tudo isto Ihe parece natural e permissivel. Mas, por exemplu, escrever uma sé phrase que viole os santos preceitos da lingua de Vasco Eannes de Azurara e Fernao Mendes; nao respeitar ett cheio as tradigdes idiomaticas do reino, é para elle o cumulo da barbaria, é uma cousa horrorosa, 10° supportavel. Que espirito acanhado! Que pertur bagao de vistas ! | we ~ O Sr. Herculano teve, ne meio da sua activ dade, uma ventura rarissima : — achar-se frente 4 frente, em lucta renhida, com um clero ignorante i o qual assim concorreu para dar-lhe todo 0 brilbo| erenome ulterior. Esta circumstancia, ladeada del outros motivos, nado menos poderosos, como 0 es —~s— 9 tempo, a falta abscluta de ambiente critico, lica perfeitamente a causa do phenomeno, Eé exp duvida um phenomeno digno de estudo a no- sem de que se lisongeiam certos homens, cujo mento em alguns pontos real, é todavia inferior ‘que distribue-se-lhes no quadro litterario. tado d merito. ao papel I Estas consideracdes que, muito Hf, se forma- ram em meu espirito, acabam de fortalecer-se com a leiturada nova obra doescriptor portuguez. O pu- blico bem sabe a que me refiro Ahi anda por varias maos um pequeno volume, onde se léem produc- goes de data e indole diversa. o. Nao se espere de mim, que tenha a paciencia de acompanhar o autor, artigo por artigo, linha por linha, na apreciacao do seu trabalho. Ainda bem que olivro é dos que se pode, como diz Taine, ati- rar para o lado, depois de vinte paginas; comegar pelo fim ou pelo meio, segundo apraz ao capricho do leitor. Assim, tenho por licito deixar intactos os de- mais pedacos, e occupar-me unicamente do ultimo: — A suppressio das conferencias do Casino. E’ uma longa carta, que dirigio o litterato a nao sei que personagein, e na qual trata de assumpto momen- toso. Nao 6 que eu julgue tal 0 pretendido attentado do governo portuguez contra a liberdade da palavra, nem 80 ponco o discurso proferids, ou que deixou de proferir-se em conferencia publica, sobre reli- giao. O que ahi ha de importante para mim, 6 a exhibicao das idéas do antor, em materia actual- mais: debatida, e que releva esclarecer cada vez o mining? orador, & quem tolheu-se a palavra,e questas to de entéo, escondem-se por detrazda Superior que o Sr. Herculano propoz-se — 52 — discutir em sua carta. Se com exito ou sem elle, 6 0 que seria facil demonstrar 4 leitores despreve, nidos, e que, para julgarem productos de tal ordem, tivessem mais perfeito criterio. Ante espiritos, porém, que Sse arrebanham em torno de qualquer autoridade, sem condigéo alguma, nao € tarefa pouco melindrosa. Entretanto apreciemos a substancia desta carta; — 0 que vem nella de realmente notavel ? Aqui ogcorre me um dito espirituoso. Fazia-se, em presenga de Lessing, a apologia de um livro, 00 qual havia muita verdade e muita novidade. « Nur Schade, acudio elle, dass das Wahre darin nicht neu, und das Neue nicht wahr ist... & pena somente que o que tem de verdadeiro, ndo seja novo, e 0 que tem de novo, nao seja verdadeiro. » Resposta igual poder-se-hia dar aos ingenuos encomiastas do escripto que mencionamos. Na sua advertencia prévia, o autor declara que a data de cada um dos opusculos contidos no volu- me é uni dos elementos indispensaveis, para estes serem julgados com justica e imparcialidade. Rasado ainda mais forte me sustenta, na preferencia que dei ao derradeiro. E’ de 1871; e como tal, deve melhor reflectir as feicdes do homem de hoje. Mas infelizmente, 4 julgar-se pelo fundo de todo o livro, nao ha progresso nem regresso. O.Sr. Herculano de ha dous annos é 0 mesmo de ha vinte e ha trinta. Ougamol-o mais de perto. O digno escriptor insurge-se contra 0 aclo offi- cial que supprimio as cunferencias, por lhe parecer peior que ama illegalidade, por Ihe parecer um des- proposito. Eis os motivos: «O que seria escutado, diz elle, e em grande parte esquecido, por cem ou du- zentos ouvintes, sera agora lido e meditado por milhares talvez de leitores. » Mal se pode comprimir o riso que provoca esta observagao. E’ incrivel que o Sr. Herculano co- nhega lao pouco o seu paiz e a sua gente, para — 53 — car-lhes o que lhes nao assenta. Mui i Ti . . assim @PPivna elle da sciencia dos rethoricos do alta 1déa for ino! . Cas eis nio via que os discursos desses mogos, odendo em reunides publicas alterar a ordem e 0 cego geral, desde que 86 se fizessem notorios por meio da imprensa, perderiam nove decimos do Valor intrinseco ? Sou de parecer que 0 governo portuguez revelousse, neste ponto, mais adiantado. O escriptor 6 em regra um homem @almo: _ o orador é em regra um homem de paixao. Nao é tudo. Os escriptos que nao saem de um profundo trabalho de reflexio e methodo scientifico, des- troem-se pur si mesmos, no podem conquistar ad- hesdes bem fortes e por ventura perigosas. Quem nos diz que as falladas conferencias nao eram deste quilate? A isso responde satisfactoria- mente, irrefultavelmente, o mo estado da cultura em Portugal, o almiscar dé pedantismo ignaro, 4 ressumbrar das poucas e estereis tentativas intelle- ctuaes, que a mocidade alli commette. A illustragao européa, maxime a sciencia alle- man, nao tem la um sé representante. Sim.—Por- tugal ndo tem um philosopho, nao tem um theo- logo, nao tem um critico investido das verdadeiras idéas e tendencias do mundo actual. Onde achou, pois, aquella meia duzia de jovens pretenciosos forga bastante e bastante consciencia para prose- guir ein seus commetimentos ? Renae” & mais do que ler algumas paginas de hehe depois ao Casino conferenciar sobre os sloriadores criticos de Jesus? !... Nao &@ mais do thai par a0 arsenal de Michelet algumas phrases nisme ns mcientes, mais retemperadas de voltairia- ligiao ‘do Pergnlarse em publico, atacando a re- cebidog ) uv, por meio de discursos mal con- taiz fost JHereulano nao quiz vér onde estava a al. Como todos os que teimam em ser Cat i holicos, fazendo selecedes ne corpo da doutrina ~— Bh confessional, n&o admittindo que na amphora do velho dogma se derrame vinho novo, elle se esforca por inculpar o governo de ndo sei quantos abusos* e desleixos, Entretanto, éevidente, para quem nao se deixa obceear pela poeira de caducas antigaalhas, e tam. pouco por idéas preconcebidas de extemporaneas reformas, @ evidente, repitc, que qualquer governo onde haja religido legalmente instituida, nao exor. bita em psocurar defendel-a. Pdde ser, com suas medidas de hygiene moral, anti politico, inconve- niente, porém sempre no terreno da legalidade. Continua o escriptor : . « Diz-me que se tomon por pretexto da sup- pressao das conferencias 0 desaggravo da religiao offendida. Erro deploravel. Idéa persegnida, idéa propagada: lei perpetua do mundo moral... » Enganava-me, quando suppunha que o autor nao era homem de render cuito ao palavready este- ril. « Idéa perseguida, idéa propagada .:.» duplo dislate. Primeiramente: — quando se podesse ainda hoje repetir, em tom de verdade incontesta- vel, essa frioleira, — vinha féra de proposito appli- cal-a ao caso vertente. Qual era a grande idéa, a idéa immortal e sobré vividoura a sua persegnicao, que os mogos do Ca- sino apostolavam? Ora... estal E nao faz ama certa impressao comica o sério, com que falla o velho historiador daquelle entretenimento de rapa- zes pouco escrupulosos ?... Depois : — onde é que esta positivado, como lei perpetua do mundo moral, que a idéa perseguida éidéa propagada ?... . Qne am espirito ligeiro, acostumado a nutrir-se de bagatellas, viesse-nos repetir por sua vez, este apophthegma decrepito e erroneo da inefficacia do martyrio, podia-se tolerar. Mas um homem que escreve historia e deve sabel-a; um homem para © qual as phrases consagradas nao podem ter valor & cima dos factos, dar-se ainda ao trabalho de aiteat — 6 — o cotharno, & proferir uma futilidade, 6 o que nao se descule psychologica e historica, esse dito, aim véga na bocca dos declamadores, tem m si tao somente algumas apparencias. O chris- pors mo, mal estudado, offerece-as no seu comeco. Mea pao é permittido deixar-se illadir por ellas. Mest de parte o milagre, que ninguem sisuda- mente invocara, como razao, O que seria feito da religiao christan, se lhe tivesse faltado @ apoio do prago imperial 2... . Sem Constantino, 0 sapgue dos martyres teria servido para afogar a nova idéa. Se o christianis- mo, como é costume dizer, subio ao _throno com esse soberano, todos sabem que Juliano fel-o descer ; e de um modo que seria decisivo para 0 futuro, se o illustre apdéstata reinasse por mais tempo, ou tivesse successores de igual forca. Em epochas menos remotas, 0 ferro e o fogo extinguiram heresias, que nao se propagaram. Francisco I queimou protestantes ; 0 que é a Franca de hoje ? Profundamente catholica. A perseguigao banioareforma. Se Luiz XIV, diz um autor com- petente, fora um principe tolerante, um quarto da populacdo provavelmente seria heretica. _ Onde estado pois us fundamentos da tal perpetua lei do mundo moral? Se a perseguigao da idéa do Casino vae gerar a propaganda, porque razdo a idéa catholica ¢ ultramontana, onde quer que tenha Sido perseguida e expulsa, tambem nao ha de geral-a? A lei éuma ea mesma para ambas. por Deste modo, _Seria fatalmente necessario que, conquisteese os jesuitas na Allemanha ainda re- a inter assem os postus perdidos. Dispensando : vencao de Deus, e sé por forga da lei citada, to 1X e sua gente rig a . 2 esperangas, (2) poderiam. conceber fundadas _—_— (2) Isto. er: 7 kam Is ‘a escripto uo tempo em que achamada Kulture 'pf mais renhida se travira ma patria de Bismark. — 356 — Por quanto, se nao é que para o digno eserj. ptor e seus irmaos em pensamento, os jesuitas nao tem uma idéa, ndo representam principio algun da ordem social e religiosa, — o que seria pdr-se fora de todos os limites do bom senso e da razao,— esta claro que, sendo perseguidos, devem adiante levantar-se mais robnstos e cheios de nova vida, E’ 0 qne exprime a deducgio logica, inevitavel, do pretendido axioma, pomposamente invocado pelo Sr. Herculano, e que alids nado passa de um reflexo do supra-naturalismo, da intuicdo milagreira do espirito catholico. E, pois que essa consequencia importa um facto, nao dar-Ihe-hei_ 0 nome de ab- surda; — mas tenho-a por phantastica, anachro- nica, impossivel. II O escriptor portnguez € singular em suas ap- prehensdes. Reconhece que os discursos do Ca- sino nao tinham bastante forga para derribar a re- ligido de S. Paulo e de S. Agostinho, de S. Bernardo ede S. Themaz, de Bossuet e de Pascal. Bem re- conhecido. Ha sémente uma cousa a esclarecer :— éque esse resultado nunca dar-se-hia, ndo por se tratar da religido de S. Paulo, mas por ter ella contra si os discursos do Casino. Eis a verdade. « O perigo, ainda diz elle, 0 perigo, nado abso- luto, mas relativo, esta n’outra parte. Aggredido pela frente, o catholicismo pdéde applicar a si, melhor que o protestantismo, 0 verso do bello hym- nario de Luthero : Ein’feste Burg ist unser Gott. Nao se toma a fortaleza divina; mas péde set minada e alluida por uma guarnicao desleal. este actualmente o grande perigo que a ameaga..-? -—57— eg me parecem muito appropriadas «9 Paras eda do estado mental du Sr. Her- & dat a Joe ryelacio as questdes religiosas do tempo. gulane ait o que elle chama aggredir o catholi- Com e so a frente, é menos adaptavel ds conferen- gas do. Casing, do ave 4 outros movimentos litte- i ualidade. Paris que as producgées de um David Strauss e Christiano Baur, com toda a immensa_cohorte cri- tiea, nao sejam aggressivas da velha Igreja? Sera que os grandes trabalhos da exegése bMlica nao vao directamente abalar os fandamentos da religiao de § Thomaz? E é certo que nada tem & temer desses ataques, tanto mais terriveis, quanto mais calmos e sinceros 2? | . | Digamol-o sem receio: — é mister que o Sr. Herculano, ou ignore absolulamente o que existe la pur cima, nos dominios superiores da sciencia contemporanea, pelo que téca 4 podridao intima, irremediavel do catholicismo; — ou seja um crente, no rigor do termo, um daquelles fana- ticos devotos, que sacddem a cabega e, como Joam de Wit, recitam o justum et tenacem propositi virum, 4 medida que se Ihes impde a tortura cruciante da evidencia dos factos. Sim, 6 preciso que elle se ache em uma destas Posigdes, para tornar concebivel e explicavel a sua contianga no poder immorredouro da religiao ca- tholica. A lembranga do verso de Luthero, que lhe approuve repetir-nos, mal disfarga o caracter ortho- doxo de todo aquelle periodo 6co e retumbante. there identicas palavras poderia, em vez de Lu- ° phraseaget, oO hume de algum santo, e acabar adversug oe 0 pelo — et porte inferi non prevalebunt escripto ou. Nao daria assim. de certo, ao seu Denser Oise de novidade, as apparencias de livre cautos do metic tanto se illudem os idolatras in- vance @ Pi eseriptor portuguez, porém seria mais Os incoherente. Quem nao duyida dos predicados sobrenatu- — 58 — raes, que adornam por excellencia 0 catholicismo quem nelle vé a fortaleza divina, inexpugnavel ¢ eterna, 6 para admirar que n’outros pontos se re.” vele tao aspero e severo. Nao lhe assenta seme. \hante rigidez; - ha uma desharmonia, ao mesmo tempo anti-scientifica e anli religiosa, que ja nag sda bem aos ouvidos da nossa epocha. As aggressdes de frente, 4 que se referio, sao mais fortes e mais serias, do que dao a induzir og discursog, de Casino Todavia, para elle, ou por desconhecel-o, ou por menosprezal.o, 0 perigo nao éesse. O mal vem do proprio seio da Igreja, do clero faccioso e sem conviccdes. E’ a vulgar can- tilena dos sonhadores de reformas para o irrefor- mavel; 60 grito de guerra que repetem os arautos do chamado velho cathulicismo ou neoprotestantismo : duas palavras que dizem a mesma cousa. Mas, antes de proseguir, importa ainda ponde- rar aquella expressdo fradesca, na qual bem se re- velam as curtas vistas do escriptor, dando ao ca- tholicismo o direito de applicar 4 si, « melhor que 0 protestantismo, » as citadas palavras de Luthero. Porque « melhor? » — se lhe pode perguntar; ea resposta nao seria muito prompta. ‘ Entrevé-se que 0 autor, pouco original, mode- lou suas idéas religiosas pela Historia das variagées, e, nao menos talvez, pelo livro arido, esteril, do padre Balmés. Esta por conseguinte horrivelmente atrazado. Donde quer que tenha recebido uma tal intuigéo, é manifesta a sua incompetencia para entrar nestes assumptos, de um modo vantajoso & digno da questao. Mal sabe que a solidez e o rigor preconisados da religiao de Bossuet sao justamente 0 que torna irremovivel o seu desmoronamento. Desde que 0 templo ameaga desabar, 6 impos- sivel sostel-o, porque a quéda estd deverminada pelos proprios attributos immanentes ao espirito que o anima. Incapaz de desenvolvimento, no sen- tido positivo, porque cedo e muito cedo deu-se por completo em sua organisagdo, o catholicismo § — 59 — senvolver-se no sentido negativo, isto é, entes e cada vez mais sensiveis os ger- morte que pousam-lhe no fundo, como mno fundo de todos os factos e apparicdes tinha 4 de tornar pat mens de elles jaze da ve abi, pois, o motivo da desordem que hoje . io da Igreja, e que a tem posto em domo de eno poder resistit as duras influencias da athmosphera do seculo, E? um estribilho antigo ¢ ja de poucey alcance, este continuo clamor contra o chefe ecclesiastico e os mais funccionarios da grande sociedade, como sendo a causa unica da derrota, da miseria e cor- rupcao que devoram as entranhas da bella esposa de Jesus. Entretanto, um olhar psychologico lan- cado com attengio no intimo do crente, maxime do eatholico, autorisa 4 se julgar que o phenomeno émuito natural,e ha de repetir-se em todas as phases criticas da historia religiosa. oo, De feito, quem admitte a idéa de um instituto divino em sua religiao ; quem acceita como irrefra- gavel o principio da santidade e immaculidade das doutrinas que professa, bem como o da perpetua duragdo da grei, A que pertence ; quem cré sincero em tudo isto, nao péde deixar de ir ao encontro dos factos com clamores e appellos daquella ordem. Se a Igreja é divina, se a Igreja 6 perduravel até o fim dos tempos, como explicar tantos vicios e achaques que a deturpam, que promettem derribal-a? Como justificar as largas brechas que se fazem paparea de S. Pedro, e pelas quaes ella mesma, Cortera ° Sr. Herculano, « se podesse perecer, » seculo (frande risco de nao completar o vigesimo ora exter existencia ? _Attribuir a qualquer causas estraniy poder de assim abalal-a ; procurar nao seria has e independentes do seu dominio, a porem duvida a origem miraculosa e o c . srarter transcendental da religiio de S. Paulo ? refagi ontestavelmente, Logo, é mister um certo io par. é © para as crengas estremecidas pelo choque — 60 — dos acontecimentos, e tambem algum subterfugio para salvar da annullagao total os preconceltos communs, tristemente batidos e postergados. D'ahi todo esse irromper de cholera contra os padres -— d’ahi todo o barulho levantado, em nome da neces. sidade, cada vez mais urgente, de oppor um dique a innundagio da seara divina pelo oceano de abu- sos e desatinos, que rebenta do seu proprio terreno, Se é certo que as portas do inferno nao podem prevalecer diante da Igreja, nao éigualmente exacto que ella deixe de poder ferir-se, eStragar-se, anni. quilar se a si mesma. Nao péde perecer por mio albeia ; mas esta impossibilidade nao abrange o suicidio. E’ portanto indispensavel que’ seja o clero quem receba toda a pancada desta logica dos crentes, que sabem intercalar as risadas de Voltaire nos solugos de Jeremias. Este modo de explicara propria derrota é ainda uma forma, um testemunho de orthodoxia. Mas salta aos olhos odesproposito, a inanidade completa das razdes insinuadas: « O clero de Pio IX é faccioso e sem conviccdes... » Occorre perguntar : — e por ventura andou mais avisado 0 de Clemente IV, Gui Folquey, 0 poeta provengal, que, subindo ao pontificado, julgou dever conceder cem dias de indulgencia 4 quem recitasse 0 seu poema dos Sete gozos de Maria? Eo de Clemente V, o simoniaco, foi menos immoral e cheio de mise- rias ? . Foi menos desconvicto e faccioso o clero, In- ferior e€ superior, de outros tantos vice-deuses, como Benedicto XII, o ebrio, Clemente VI, 0 im- pudente, de quem diz uma chronica da epocha: rapine et fornication estoit toute sa gloire?..- > Para que assim querer-se hoje concentrar a forga do mal no coracao da Igreja, quando elle existe no ambiente do espirito catholico, em forma de ten dencia e aspiragao geral, ou ja incorporado aos grandes feitos da sciencia moderna? — Fatal obce cacao | — 64 — I FE’ uma idéa exacta. em si e por si, que na actua! evolugaiv do catholicismo, os jesuitas for- como dizem os allemaes, 0 momento mobil, Ppomento agitador, das bewegende Moment. Mas esta idéa pode ser exagerada, e abrir campo 4 mui- tos etros e vistas falsas. 0 menos que @contece, 6 pao poder se mais enxergar, sendo planos jesui- ticos, em toda e qualquer acgao catholica, indivi- dual ou collectiva ; — _circumstancia que impossi- pilita o exame scientifico, objectivo dos factos no- yissimos. - . . . Se um tal modo de vér, estreito e parcial, nao tem sido evitado por espiritos de outro v6o, como éna Allemanha Wolfgang Menzel, a quem um es- criptor d’alli, (3) ainda ha pouco, fazia a critica desse vicio impregnado na ultima obra do notavel historiador, qual seria, em ponto semelhante, o destino preparado ao Sr. Herculano, pelo rancoroso eenvesgado do sen clhar contra tudo que pareca vir do clero 21 E’ certo que devia fatalmente cahir nos despropositos da phrase estolida e impensada. __ Vejam como elle lamenta que «0 orador do Ca- sino nao conhecesse melhor a doutrina ea tradicao verdadeiramente catholicas, porque havia de ser menos injusto com o catholicismo, embora nao fosse menos severo, on talvez o fosse ainda mais com 9s padres... ! verd 0 NOSSO autor conhece a doutrinae a tradigao verdadeiramente catholicas!?... E’ muito feliz! neste lastimar que ainda nao quizesse dar-nos, ‘ston en ido, algum fructo de suas locubragdes icas, e pornos em estado de melhor consi- —— = pag, hgaazin fur die Litteratur des Auslandes — 1873—n. 19 — 62 — derar a importancia do assumpto, como tambem de entender melhor o proprio Sr. Herculano. Mas eu me illudo : — este escriptor, posto que” velho e amestrado, segundo affirmam, no manejo da penna, ainda 6, e sempre serd, um tribatario submisso do palavreado imponente, que faz effeito, que deixa o teitor perplexo, quando nao de todo inclinado 4 dar Ihe razao. Ja houve quem dissesse de Chateaubriand, que elle nao era tanto um eseri- plor, comp era um magnifique fuiseur de phrases. Bem sei que seria cruel involver a ordinaria estatura do portuguez na chlamyde homerica do autor de René. Corria o risco de tropegar e cahir, embaracado nas largas dobras da purpura genial. Todavia, excepto 0 magnifique, aguella expres- sao se adapta ao nosso litterato. E quer se vér, entre outras, uma prova irrecusavel dessa mania de brunir banalidades, ou de esconder a pobreza das idéas, na capsula da phrase adocicada? Repa- re-se bem neste pedacinho : «Cuidando apportarem 4 praias ignotas, os publicistas mais de uma vez tem plantado padrées de descobrimento em regides onde, embora occul- tos pelos musgos e sargas, os padrdes da cruz estao plantados ha mais de mil e oitocentos annos. > Fosse isto expresso em termos claros e positi- vos ; nao tivesse o escriptor buscado encobrir as rugas do sen pensar, sob esta ponta de véo azul dourado, que ahi fica 4 tremular na imaginacao dos leitores, e o erro seria de uma hedionda grossura. Porém a cousa é mesmo feita para deslumbrar. Quando depois de quarenta linhas, todas tracadas na direccao do dislate ou da antigualha inaprovel- tavel, o leitor pouco instruido comega 4 arregalar os olhos, atira-se-Ihe em cima um punhado de fais cas, que o deixam por instantes meio cego e in capaz de reflectir. A victoria éinfallivel. | O espirito do publico iegente, no Brazil e em Portugal, ainda voa muito rasteiro. A maioria ab- soluta 6 dos que gostam de ira beira-mar, nao para — 6 — nsamento na profundezae magestade jo sémente para contemplar as do abysm0- mae oie, as Wnflexoes poeticas das vagas. bolhas dare nao tiram o seu chapéo a logica das Sao a d factos, mas se curvam diante da meta- ideas © %” vardam ancioscs 0 phraseado que vem hora. Brarulhento, escumoso, insinuante; — de lone resto a pancada da onda que os enton- one e gritam convencidos : — muito bem! Isto é ve éraciocinar ! . @ Permitta se-me aqui langar a seguinte nota. Ultimamente, um escriptor de Berlin, Heinrich Homberger, em artigo relativo as tres maiores nagoes da raga latina, disse com bastante senso :— «Nas margens do Arno e do Tibre, a _metaphora é um encanto, uma arte, uma delicia. No Ebro eno Sena, ella é um argumento... Die Metapher ist am Arno und Tiber eine Zier, eine Kunst, ein Genuss. Am Ebro und an der Seine ist sie ein Argument ». (4) Comprehende-se que a Italia viraé portanto 4 sera mais ajuizada. Nao é este porém o fim da minha mengao. Se ndo se presuppoe extensive a Portugal o que ahi se diz da Hespanha, seria iniquo ao Ebro e ao Sena addicionar o Tejo? E nao sé 0 pobre reino, de ce- rebro acanhado € am pouco rijo para as sérias me- ditagdes, mas tambem o seu appendice intellectual de aquem do mar, o triste imperio da America, Seria injusto abrangel-os todos na mesma cathego- rla da predileccdéo pela rhetorica ? Responda a jornalistica esteril dos dois paizes, onde as questdes sempnstas para o torneio phraseologico, tomam ein, pracag aa poeto oraratto, uma attitude tribuni- estadadas, © profuso dos manejos e posigdes Res, que ha immergir 0 pe pondam os seus parlamentos... oh l... eo © de elles responder? O que todos nés —_— (4) Dle Gegenwart — 1873 — ne 44 5 — pag. 162. — 64 — sabemos desses fécos de atrazo e entorpeciment publicos. E’ ainda o imperio da rhetorica, mag de rhetorica chatamente classica :— o lugar commun: eadeclamagdo. Respondam as conferencias. og discursos belletristicos da epocha, nos quaes sé se depara com as ninharias do fundo, e as douradurag da forma. Tal a verdade, francamente expressa. E, nao obstante possuirmos 0 mesm» séstrode palavreado que deturpa os nossos irmaos na lingna e civilisa, cao romanica, Ccomtudo nanca tivemos, nao temog umgrande orador comy Castellar, nem um pequeno, sequer, como Gambetta. , Neste sentido, que diremos do nosso litterato? Ainda 6 tempo de juntar mais alguns tragos 4 sua caracteristica. IV Indubitavelmente o Sr. Herculano tem todas as qualidades inherentes, ndo tanto 4 raga, como a cultura latina, um pouco oxidadas pela gelidez do clima social, em que reside. Rara vez se ha de en- contrar, em espiritos yue pensam, affirmada, com mais arrojo e menos talento, a inconsciencia de um mao estado scientifico. E’ debalde que elle se exaspéra contra os homens que dirigem o seu paiZ, ese esforga por fazer crét que nao é comprehen- dido, que alli nao se aprecia, poryue tambem nao se mede, ou nao se allinge 4 altura do seu pensa- mento. . Presuppondo-lhe a sinceridade, julgo-me obri- gado 4 denuncia!-o como victima de uma illusao- Elle esta precisamente ao nivel du senso portugue2; —éum antor que reflecte pelas duas ou tres unicas facetas do seu espirito, alguma cousa embacado% todos os estragose lacunas da nagao aque pertence Como foi pois que the incutiram, se 6 que 14° —-6— no proprio fundo da sua vaidade, a cruel a cao que o atormenta ? preten cousas do nosso seculo, para o qual estava Sao o glorioso mistér, posto que ainda nao reen chido de tudo comprehender e tudo perdoar. Pree nomenos ordinarios da vida intellectual de Sho Per povo semiculto, que se illustram por mo- qual sychologicos e sociaes. No estudo do seu aie aoivimento ena ponderagdo do meio em que elle vive, descobrem-se as razoes geneticas do en- gano, ao qual cedeu 0 velho escriptor. m se lhe pode, até um certo ponto, descalpar esse defeito. ‘Até um certo ponto, — disse eu; — porque nao acho razdo para perdoar-the a mania voluntaria de entregar-sé 4 no sei que nova especie de orgu- Iho litterario, pelo qual jalgon punir a indocilidade da sua gente, nada mais escrevendo, nada produ- zindo! Tambem nao comprehendo que Achilles, depois de retirar-se agastado, volte outra vez ao combate, se elle nio vem para mudar a sorte da peleja, se nao traz novas forcas e novas armas, ca- pazes de abater o inimigo. Recolhendo-se ao silencio, por um largo tempo, tinha o Sr. Herculano o indeslinavel dever de nao quebral-o jamais, sendo apadrinhado com alguma idéa fecunda e altamente meritoria, que nos viesse annunciar. Mas levar emmudecido um grande mor- talis evi spatium, — provavelmente lendo e estu- dando, pois nao se concebe que podesse desprezar os livros; e no dia em que se arrepende do pro- testo, em vez de outro presente mais interessante, tirar da algibeira um pobre livrinho de antigualhas Faatellas... 6 com effeito ama cousa extraordi- Sobe de quando se con Cutida, em o do. E> diff desgosto e m naario reserva ponto a estranheza do successo, sidera a dignidade da materia dis- bequeno escripto, 4 que me hei refe- cil resistir 4 um certo sentimento de enosprego, diante do modo anachro- oF, — 66 — nico.e um pouco sedigo, pelo qual © autor, entre nés celebre, se exprime sobre a Igreja de Roma, Catholico de lei, qual se suppoe, € NAG seguidoy’ do papa com os seus jesuitas, — distinegdo que me € incomprehensivel, — arremette violento contra as ultimas tendencias do romanismo reli. gioso. Como se ellas nao sejam rebentos naturaes da arvore secular, 4 cuja sombra quer permanecey: o pensador portuguez! Como se esse romanismo: nao exprigia uma phase evolucional da historia do catholicismo ! Como se Pio IX, que subio ao throng em uma epocha ainda cheia de intuicdes e aspira- codes romantlicas, nio seja, como tal, um romantico perfeilo, sonhando com a idade média, e buscando renovar o esplendor perdido da velha instituicadol.,, Singular, singularissima idéa é de certo a que agarrou-se ao cerebro destes homens, prelendidos conselheiros de reformas salutares para uma reli- gido, em cujo poder ja elles nao acreditam. Se fogem de dizel-o, s6 uma de duas cousas explica: essa anomalia : ou pouca sinceridade, ou a falta de: psychologia do proprio estado moral. Nao é sem muita razao que o sabio belga Freé-’ deric Laurent se insurge contra alguns philosophos e outros escriptores da actualidade, os quaes no seu entender, nav ousam pensar livremente, ou nio ousam dizer o que pensam. — « Ils traitent la réligion catholique avec une indulgence, que nous appellerons coupable, parcequ’elle donne des espe- rances aux partisans. du passé, et qu’elle retient: dans les chaines de la superstition les faibles et les: timides, toujours heureux de trouver un prétexte: pour couvrir leur lacheté. » (5) . E que diremos d’aquelles que, sustentando por. timbre o nome de catholicos, querem justificar a8) suas rebeldias, accusando a Igreja de perdida e desvairada nas mos do jesuitismo? Confesso que (5) E'tudes sur UHistoire de UHumanité... La réligion te VAvenir, ~ pag. 12. — 67 — 3 novos rotestantes causam-me a impressaio ester hos desalmados, que recusassem pedir a le a asua mie, sob o pretexto ficto de que ella bengae neita a memoria e as cinzas de seu pae. me sao sobremodo ingenuos os taes reformadores, ra quem existem dous catholicismos, um falso, mae Pi de Roma; — e outro verdadeiro, que 6 o aes. On!... santa naivelé! — Quem thes fara comprehender 0 disparate das suas pretengdes 7 0 Sr. Hercniano, de instincto on de @ndustria, pertence a moderna escola anti-romanista. E elle quem diz: — « O earacter fundamental do catho- licismo verdadeiro, do catholicismo que nos incnl- caram na infancia, era a immutabilidade, a perpe- tuidade ea universalidade dos seus dogmas e das suas doutrinas, na successio dos tempos; — ca- racter precisamente descripto no celebre Commo- nitorium de Vicente de Lerins. Nessa crenga, tio incomprehensivel seria a suppressdo de um dogma antigo, como a addigado de um dogma novo. Nao acha o leitor que estas palavras poem & descoberto uma soffrivel dése de insciencia e po- breza de ideias? Porventura, 0 catholicismo do Vaticano, 0 que existe actnalmente, considera os seus dogmas e as suas doutrinas menos immutaveis, menos universaes ? Tulga elle fazer a addicdio de um novo dogma, quando declara a immacnlidade da Conceicio de conten quando diz qne o papa & infallivel ? Pelo a aut ro, elle se apoia em textos sagrados e invoca oridade patristica. (6) Seé bem ou mal fir- (6) 0 padre Ki tort, tt Jeulgen, que foi o encarregado de arranjar itue pone intallibilidade, nao inventon por certo as palavras Delicio com um buen — Sabemos, que a esse padre, em com- No atrania domination” 9 padre Franzelin, foi dada a incumbencia le Kleutgan fot pr f bela commissio do concilio ; mas o trab\lho Parte da Gloria yeeeetido. | Note-se que, ainda wisto, a maior allemao. + Posto que dliversamente apreciada, pertence A um — 68 — mado o seu apello, nao incumbe aos fieis invest;. gar; e desde que assim praticam, desde que se ap rojam 4 pedir contas 4 Roma do seu procedimento levantem a bandeira de revolta ‘ Catholicos que nao acceitam a infallibilidade do pontifice romano, sio como os protestantes que nao créem.no caracter theopneustico das santas escripturas ; isto 6, trazem um titulo, do qual nao se mostram dignos, visto que arrancaram do espj- rilo a mais brilhante insignia da sua religiao. Protestantismo sem biblia, catholicismo sem papa, sao grimacias que delurpam a face do seculo: sio phenomenos que bem podem figurar ao lado de um christianismo sem Christo. Nossa epocha esta presenciando todas essas maravilhas. Quando se affirma, com o fim de combater as ultimas decisdes da Igreja, que o catholicismo ver- dadeiro nao permittia a addicdo de um dogma novo, exhibe-se um documento de ignorancia e nado pe quena. A dogmatica eatholica tem uma historia ; o que vale dizer que ella tem tido am desenvolvi- mento. Os dogmas que hoje se impdem 4 fé, nao se formularam todos de uma vez; nem tambem appareceram por capricho: — elles foram provo- cados pela necessidade dos tempos. Desde o primeiro concilio de Nicéa, em 325, até 0 quarto laterano, em 1215, 0 catholicismo tinha podido viver e dominar com os dados da sua historia e das suas tradicdes. Entretanto, Inno- cencio ITI fez consagrar-se 0 mysterio dos myste- rios, a franssubstanciacdo ; ajuntando deste modo um novo élo & dogmatica existente. Como é pols que se nos diz que antes de Pio IX, era_cousa 10° admissivel augmentar o contetido da fé? Sr. Ale xandre!!.., Vie Ainda que as palavras do theologo gaule?, r cente de Lerins, se prestassem ao sentido que the: deu, nado devia o nosso autor limitar-se & repetil: o como expressio de uma verdade geralmente “ ceita. Devia porém buscar saber os motivos @ * i ue dictaram esse modo de pensar. cirumstanciae te rmonia com os factos. ' ; am Bo torio que escrevendo no secuio V, o theo- E ha em mira ir de encontro as innovagdes ‘giosas do seu tempo. As suas vistas portanto relig vuxiliam para ajuizar-se do desenvolvimento nada ee do catholicismo. Causa riso a gravidade, que o Sr. Herculano declara que a religido da gua infancia era tal qual a descrevéra em poucas phrases, pa mil e quatrocentos annos, Nicente de Lerins ! . Mas ia-me esquecendo de pegar o escriptor em flagrante delicto de ignorancia historica. «Osym- polo salvo, diz elle, pelo concilio de Nicéa, e pelos esforcos de S. Athanasio, continuon até nés immu- tavel. » Isto éimproprio de um espirito culto. JA observei, contra essa ideia, que o dogma da trans- substanciacao, do qual alids nao falla o symbolo de Nicéa, appareceu no seculo XIII, sob 0 pontificado de Innocencio III. Posso ainda observar que a crenca no purgatorio, da qual tambem nao se occu- pou a theologia Nicena, e que 8. Agostinho tivera apenas por uma hypothese verosimil, veio 4 ser dogma muito posteriormente, no sexto seculo. (7) Ha melhor demonstracdo do erro que palpita naquelle asserto do autor portuguez? Nao fica ahi porém o seu atrazamento. Na falsa convicgao de que 0 catholicismo permaneceu immnutavel em sta dugmatica primitiva, até pouco tempo, elle entra no dominio do direito publico, e abre a Carta: apostate legislador que a religidio catholica, reine. ea, romana, continuaria 4 ser a religiao do tones ao disse que essa instituicdo seria uma east Hova, fluctuante, mudavel, conforme appron- Vesse aos jesuitas j rimint dogmas a Nocti ir supprimindo ou annexando ow inconsel tina catholica, mediante 0 assenso, Clente ou incredulo, co papa e do episco- OH Jogo tin a . ) Michel Nicolas, — Le Sgmibole des Apétres, — pag. 232. — 70 — pado 0 que continvia, nio é o que vem de noyo- 6 0 que existe no acto de continnar. » y Esta interpretagao é insigne de futilidade, Um lente de Goimbra, on a puldades do Brazil, nao se exprimiria com mais arrogancia em materia de biblicismo constitucional. O argumento tirado da significagao do verbo continuar, 6 pueril, @ nado ex. alta o talento dialectico de quem o emprega. Ainda é preciso lembrar ao Sr. Hereulano que 0 catholigismo, como tudo neste munilo, sem ex. ceptuar mesmo aquillo que se tinha em Conta de santo e divino, asta sujeito a lei do desenvolvi- mento?! Uma ideia que apossou-se de todas ag cabecas bem formadas! 2... O legislador portugnez nao podia dizer qnea | veligido catholica, apostolica, romana continuaria dser.a religido do reino, sem respeitar implicita- mente a lei do progresso ; — esta lei que se assi- gnala por modos diversos, provocando a vida ou a morte, a ascencio ona queda das cousas subordi- nadas 4 sna influencia. Nao podia articalar aquelle principio, no sentido de obstar a marcha da histo- ria, sob pena de cahir em grave erro. A historia tem dous momentos: o factum eo faciendum, 0 Werdende e 0 Gewordene. A fixidade do primeiro naioembaraga a mobilidade do segundo. Os espiritos illustrados sabem tomar nas azas 0 peso de ambos ; — nao assim as cabegas lacunosas, incompletas, que tudo observam sob um sé porto de vista. O catholicismo continou & ser a religido do reino, com todos os sens attributos, com todas as suas tendencias, ja manifestas ou ainda occultas. Era uma dellas a propensao para exagerar 0 sell principio ea forga de exageralo, chegar emfim? negacado de si mesmo. . Nao é aos jesuitas que cabe a gloria de fechat o cyclo catholico, supprimindo ou annexando dog: mas; — ella a ningnem pertence, porque © am facto natural, quero dizer, uma necessidade hist —-W— . 4bra o Sr. Herculano um pouco mais os olhos, rica. vie é uma estolidez atacar, por este modo, eve ia romana. Mas eis 0 que € espantoso : “ ere jesde a promulgacao da carta, Lem-se reali- sado gradualmente uma revolugao na igreja catho- | Com assombro da gente illustrada e sincera (2), 08 transformar em dogma uma superstic¢ao dos seculos de trevas, rendoso mealheiro de francis- canos, tinetura de pelagianismo, aproveitada hoje para aviary receilas na botica de S. Ignagjio, a im- maculada Conceigao de Maria, dogma que forgada- mente conduz, ov Aruina do christianismo pela pase, tornando inconcecivel a redempc¢ao, ou a dei- ficagao da malher,a mulher-Deus, a mulher redem- plora, recurso tremendo nas maos do jesuitismo, que lisongeando a paixao mais energica do sexo fragil, a vaidade, 0 converle em instramenlo seu para dilacerar e corromper a familia, e pela familia a sociedade. » Quasi paro de cangado em meio caminho; o periodo é horrivel. Valeo mesmo que um adagio musical de dez compassos yguaternarios, que se deva canlar de um sé folego. O germanista Daniel Sanders disse uma vez, e 4 propusito de um perio- do escripto por Adolpho Stahr, que sé vingar-se-hia do autor, condemnando-o 4 ler, elle mesmo, a sua enorine tirada. E” tambem o que merecia o Sr. Her- falano. E julgo dever perguntar aos seus discipu- balay eadores, se no acham aquella rama de listica Toe breve convincente da exemplar esti- sua Quanto ao fundo, ahi esta mais que patente a [roncisomnme ence. Aquelle vendoso mealheiro de aquella potion jae tinctura de pelagianismo ; escriptorial tae S- Ignacio, sio rasgos de gentileza Daravel, ene crepitagdes de um espirito incom- 40 chamado ments 4 observar que estes ataques doeno mente tanismo nao tem mais nem o pe- a novidade. Sao ideias que asse- Melham-ge a p . “M-Sé a roupa servida e fora do uso, da qual —-2~— somente os pobres e muito pobres se appropriam por esmola ou baratissima compra. > O Sr. Herculano apanhou a casaca velha do” defuncto Bordas-Dumoulin, e depois de passar-lhe a escova e pregar-Ihe botdes 4 portugneza, eil-g que sae 4 frente para combater a Immaculada Con. ceicdo, Ora!... por amor de Deus, arrede-se do caminho; — deixe-nos ir adiante. Isso qne quer dizer-nos sobre o penultimo dogina, tudo o que possa adguzir para justificar o seu espanto, ja foi dito e adduzido, ha 18 annos, pelo autor dos Essais sur la réforme catholique, de um modo vinte vezeg mais brilhante, — e todavia inutil. O que de certo nao se justifica, & a falta de co- herencia, quer dos sectarios, quer do chefe e pri- meiro pregador da ideia, pelo qual foi mesmo in- ventado o nome de marianismo. Repetlem a mulher. deus, a mulher redemptora, e entretanto admittem o homen deus, segunda pessoa da trindade, que morreu e resuscitou, Ndo acceitam a mulher-deus, mas adoram a divindade sob as especies de paoe vinho. Sera menos racional a Immaculada Conceicao de Maria, do que a transformagado operada pela magia do verbo sacerdotal, no sacrificio da missa ? Sea crenga aqui 6 indispensavel para a salvagio das almas, porque nao tambem alli? E’ uma exquisitice de mao gosto. Vv No que téca especialmente a infallihilidade, @ grande agitadora hodierna, — nao é menor a extta- vagancia dos catholicos que a combatem. Alem de ser um dogma, como yualqner outro, deve-se pon derar que nao foi uma estranha novidade, segund? quer parecer aos seus adversarios. No juizo que se forma de Pio IX, diz Bluntschl: —-B- pserva a distinccdo precisa entre o pro- ico e o proceder politico. Somente tee nao dquelle, é que se deuuma se Ol Peder ecclesiast em relagao & es modanca (8) a sua primeira encyclica de 9 de Beer de 1846, como a ouverture de uma opera Nove go seu desenvolvimento, ja annunciava a da idéa os que viriam assignalar o pontificado. serie de actos ¢! : vel tholici. 2 Nat ‘omo porton-se entao o velho catholicismo ? — Natus Coe Te ‘Acceitaram-se as premissas ; e agora se nretende negar as consequencias, que sahem logi- pamente dos principios admittidos ! "Estamos assistindo 4 um espectaculo! A ex- pr onaio émioha; 6 de Eduard von Hartmann: « Wohl selten war die Welt Zeuge eines wanderba- reren Schauspiels, als der gegenwartigen Bewegung der gebildeten Katholiken gegen die Unfehlbarkeit.» Ddllinger e seus consortes, Friedrich, Hanemberg e outros, nado podem escapar 4 censura dos espiri- tos livres e despreoccupados : — elles so pouco sinceros nessa lucta interna, que nao traz vantagem alguma, nem para a religido, nem para a sciencia. Convinha que livessem mais coragem, que fi- zessem valer em publico as suas conviegdes, taes quaes ellas se acham, radicalmente alteradas, em seu intimo; e nao, que pretendessem incutir o futil pretexto de reformas impossiveis. _, Dando conta do congresso velho-catholico, ha- mee em Colonia, 0 anno passado, e 4 respeito dos dees Dortadores da idéa, escreveu o presidente Diese Ma anten- Verein, que alli tambem estivera : issenchane sind den Bischdfen ohne Frage an rakter weit » an lebendigem Glauben und an Cha- veberiegen,.. a mane oridade na sciencia, pode-se ad mittir ; Se ao caracten ehensivel. Quanto porém a viva ',ndo 6 sem contestagao. Ao con- ee - '8) Die Cegenwart... 1812 — II, n, 24, pag. 4. 10 . NS trario, considero mais honroso, mais caracteristic, de uma fé vivace, 0 procedimento de um Scher ou de um Rauscher, do que o de um Déllinger, of de um Schulte. Aquelles estado com a logica, —'sio coherentes. A estes é que tudo falta, para Jastificay a sua altitude. O Dr. Schulte, de Praga, que ainda em 64, ha tao pouco tempo, es®revia para o Slaatswoerterbuch de Blantschli artigos ultramontanos sobre o papa ea Igrej@ catholica romana, vir agora, como pra. ticou-o no congresso referido, declarar que andava enganado !... é certamente uma cousa digna de re. . flexio. Admira que tao tarde fosse que viesse ag sabio professor alembranca de comparar a Alle- manha catholicacom a Allemanha protestante, e achar que esta se acha essencialmente melhor. Por mais que me esforce para apoderar-mne do sentido da revolugao projectada pelo neoprotestantismo dal: lingeriano, nao posso descobril-o. O Sr. Alexandre Herculano, de quem me ia es- quecendo por amor de outras figuras mais interes- santes, como que intimando o seu governo, dizo seguinte: « Na Allemanha, no paiz da forga e da vida moral, da sciencia e da consciencia, as auda- cias de Roma perturbam e concitam os animos, eo velho catholicismo arma-se para 0 combate. » - Esta junegao de seiencia e consciencia, motivada unicamente pelo gosto de_ uma phrase rythmica, involve uma falsidade. — E’ 0 paiz da sciencia, — sim; somente os tolos contestal-o-hao ; — mas igualmente nao 6 0 da consciencia. Sem referir-me ao mais, o proprio saber ainda alli se mostra incon- sciente do que elle vale e do que elle pode. A cultura alleman, asciencia alleman, come ella hoje nos espanta, s6 poude chegar ao conbecr mento de si mesma, 86 poude ter consciencla 0 seu destino e da sua alta significagio em homens, como Strauss, Uhlic, e raros outros. Se assim ne fosse, deixar-se hia actualmente de assistir a0 esp ctaculo, pouco edificante, de homens cultos, jeva _~BA- i POTEM seria justo ? Que diria & respeito o autor — 7% — tengao a eternidade ou a estabilidade das religide (10). Que juizo pois nao faria o illustre belag d um pretendido grande histuriador, ao qual ony dizer que a religiaio nado tem aperfeigoamento, é mutavel e eterna?! Entrego o Sr. Herculano ao julgamento austerg deste juiz competente, para quem os homens cultos que ainda se alimentam de umas migalhas de fé na eternidade do catholicismo, so verdadeiros sots ¢), cravate blanche. O portuguez é um delles. . En bem sei, quanto as phrases do Sr. Herculano agradaram, entre nds, aum certo liberalismo, que se delicia em medir forgas com os ultramontanos sobre os direitos da Igreja e dc Estado. Raros sio os que nao se julgam aptos para subirem 4 tribuna publica da imprensa, e dizerem o seu parecer a res- peito da questio. Infelizmente nada adiantam ; sao sempre as mesmas futilidades. Publicistas dilettantis, con- vidam-nos para ouvir as producgées originaes da sua musa; e eis que sdmente executam, na gaita de Tityro, magras variagGes sobre motivos de uma vulgar cantilena, decrepita e estragada. Nesta conjunctura, um escripto do celebre lit- terato, defendendo e sustentando as prerogativas do Estado, em relagao as pretencdes da Igrej devia nataralmente encontrar o maior apoio. Nao sei, porém, onde esta o grande interesse, que al- guem possa tirar, de por-se ao Jado de um ou de oulro dos dois combatentes. O autor de Nathan der Weise, que buscou alar- gar com a ideia de ampla liberdade o pensamento estreito da Igreja religtosa, tinha em mente escre ver um outro Nathan, para tambem impugnar os despropositos da Igreja politica, o Estado. vale a pena aqui citar um pedacinho do drama projé ctado, como lemol-o em Adolph Stabr. (41) isse im. (10) La Rétigion de UAvenir... pag. 22. (41) Weimar und Jena, Bertin, 1871. — Band II, 208. —Ti— Conversam dous individuos, A eB. — « Nao ° espanto, diz o primeiro, quando se usat + eve. Pa 16s temos mais frades do que sol- considera que ! 9 . dades “_. Queres dizer que ha mais soldados do rades. . que frade Nao |... ndo!... mais frades do que sol- dado — Causar espanto? Porque tambem nao jasmamos de que baja muito mais soRlados, do que frades? co Se o camponez vé a sua seara anniquilada por Jesmas e ratinhos, de que é que elle se espanta : de existirem mais lesmas do que ralos? Ou 6 de haver tantas lesmas e tantos ratos?- A. — Naéo comprehendo. B. — Porque nao queres comprehender. O que sio soldados ? A. — Os sollados so defensores do Estado. B. — Eos frades sao defensores da Igreja. A, — Vae-te d’ahi com a Lua Igreja. B. — Vae-te d’ahi com o teu Estado. A. — Estas sonhando? O Estado, o Estado | A felicidade que o Estado garante 4 cada um de seus membros nesta vida... __ B.— A bemaventuranea que a Igreja promette 4 todo homem no outro mundo... A. — Promette | B. — Pateta ! » “a ate’ soberbo ¢ magnifico de espirito ¢ ver- ade. Como Lessing, ha quasi um seculo, estava Mais adiantado que os liberaes de hoje! -- Deixe- Mol-os em paz. em Ter-me hia sido possivel, se o quizesse, criticar Mas atten y bas todo o volume do Sr. Herculano. na Earop, (a uma circumstancia: — nao estamos © critieg wy inero dizer, na Europa illustrada, onde com as Viste Panesumir 0 seu juizo, porque conta due 0 eseri S$ desprevenidas do leitor. Accresce pto mencionado foi um pretexto excel- — 7% — lente para dar sahida 4 certa ordem de ideias, qne sao ds minhas, no que respeita ds questdes da epo. cha. E por mais que ja tenha dito, nao me julaq dispensado de ainda entrar em uns ultimos detathes estimativos do escriptor, na sua totalidade litte. raria, Diz um jornalista de Berlin, que Victor Hugo produz presentemente a impressao de um velho tenor que perdeu a voz: a technica, a habilidade dos man@jos e attitudes scenicas, 6 a mesma: porém a guéla estragou se. > Sinto nao sei que desejo matigno de cotejar por este padrao 0 litterato de Lisboa. Verdade 6 que elle nunca teve boa garganta ; — mas pode compa- rar-se 4 um musico antigo que tocava garboso o sen violoncello, nas pequenas solemnidades da sua terra ; hoje porém, no meio de uma orchestra ju- venil, enthusiastica e ruidosa, @ apenas tolerado, uma vez que o nao obrignem a dizer algum sélo, porque entao o fiasco é infallivel. Quem quer que seja o futuro historiador da lit- teratura porlugueza, neste seculo, se for imparcial e consciente, ha de accusar a illegitimidade da as- censao e do supremo renome do Sr. Herculano. De feito, este escriptor que deve uma bda parte da sua auréola ao mao estado do seu paiz, pio deve menor quinhdo aos caprichos do destino, que nao se deixa comprehender nem explicar por méios re- gulares. A ignorancia do publico legente, por si 86, nao 6 sufficiente para dar inteira conta do pheno- meno. Aestrella da felicidade, mesmo através de uma certa nuvem que parece turvar a fronte do ho- mem, dilata-se, irradia-se até o fundo do seu pen- samento. ~ As vozes do tempo, no que téca as duas nagoes irmans, tem proclamado o Sr. Herculano um grande romancista, um grande historiador e, sobretudo, um grande estilista. . Eu deixo de lado o que respeita ao romance + limitando-me a observar que, nesse dominio mes Salers ta olhar mais penetrante e menos deslam- o dos pseudo criticos | porluguezes, ira veoprir, muita pobreza de imaginacao creadora, dese rta por uma nao-vulgar habilidade de execu- encobery porém nao quer dizer qne elle possna em oe scala todos os attributos da plastica poetica, arorma sempre bella’e harmoniosa, Nenhuma cousa 0 separa do epigonismo com- mum, salvo o dom particular, que ja nolei em prin- ci io. de saber franzir 0 sobr’olo e inp silencio ao auditorio. E’ este o grande segredo da sua in- fluencia e da sua autoridade. , Se o mister de escriptor publico 6 uma especie de magistratura social, 0 Sr. Herculano vem 4 ser win magistrado que nao da o menor despacho, sem primeiro vestir a tga talar, para infundir sabmissao erespeito. O tom de sua linguagem nunca 60 de um advogado que defende o direito desta ou da- quella idéa ; — porém sempre o de um juiz que de- cide, e nio admitte contestagao. mo, um prado que VI Tem-se deixado correr, como verdade intuitiva, que o digno autor 6 o modelo perfeito da estilistica Portugueza, — e creio yue elle mesmo é o mais convencido desta primazia Nao sei porém se se- melhante abusio tem forga de durar ainda longo lempo, ¢ resistir 4 uma analyse rigorosa. vel Uma cousa, pelo menos, me parece indubita- >» & OS proprios encomiastas nao poderdo negar: eo ge eulano éum escriptor parco de elegancia, Nos 3e bastante © prejudica, muitissimo desigual. entre o tea iptos ha uma desproporgao enorme doces ia é bome © que é mao, entre os periodos » Tegulares, affeigoados com arte, e 0s perio- ‘0 - s ae 8, oblongos, fatigantes. . uma pagina animada e gostosamente le- — so — givel, contam-se quarenta cheias de rudezas, que difficultam a viagem do leitor por terreno aridissi- mo e pedregoso, onde nao ha sequer uma gotta de de agua, que se possa beber. E d’aqui nao se de- duza que eu aprecio as larguezas, os desperdicios da imaginagao affectada e luxuosa. Opino contra- riamente. : Pouca impressao me causam espiritos levianos, que extremam a coquettice litteraria ao ponto de nado sahirem arua, qualquer que seja o motivo, sendo lod@s perfumados e uniformisados na grande gala da metaphora. O trajo domingueiro da phrase poetica, elles 0 estragam em diarios e inuteis pas- seios. Péde isto 4 outros parecer louvavel ;—quanto & mim, 6 uma extravagancta ridicula. Um bomem, como Peiletan, por exemplo, que nunca se pode a meza do jantar, mesmo o mais fru- gal e menos appetecivel, sem tomar a casaca e calgar as luvas, nao deixa de provocar algnma des- confianga do sen bom senso e do seu caracter. Ja sevéqueoSr. Herculanu ndo pertence a esta ca- thegoria. Se incorre em censura, 6 pelo extremo oppesto, quero dizer, pela escassez do colorido, pela auseucia daquellas qualidades, quedistinguem, entre nds, os mestres reconhecidos da estilistica franceza. Deste modo, se lhe falta a simplicidade natural e encantadora de um Thiers ; se lhe fallecem tam- bem as gragas austeras de um Guizot, muito menos coube-Ihe em partilha a poesia exhuberante de um Michelet. Eu desconhego qual seja oestilo typico. Ad- mitto com Scherer que ha lugar para todas as voca- codes e todos os estilos, sé tendo por limite o bom senso e 0 bom gosto, sem outras restricgdes, senao as que sao impostas pela razao e pelo interesse mesmo dos nossos guzos. Mas acho admiravel que se imponham como normas de lavor artistico as produccées de um escriptor, cujo pensamento é pouco rico e variado em seu fundo, e que trata de — i — occultar esta pobreza com singularidades ortho- graphicas e formulas archaizantes. Tenho como decisiva, contra as presumpcdes do Sr. Herculano e os applausos dos seus discipu- los, a seguinte observacao. Nas linguas cnltas de hoje, 0s melhores escriptores nao sao para o estran- geiro os mais difficeis de ler. E’ o contrario que se nota. Quem estuda um idioma estranho, — sirva de exemplo o allemao, ~- tendo 4 luctar, entge outros muitos, com 0 magno embarago provindo da copia de termos, admira-se de ver que 0 seu pequeno pe- culio de nogdes, adquirido nos exercicios e praticas grammaticaes, é quasi sufficiente para _traduzir uma pagina de Strauss, um pedago novellistico de Mugge,ou de Fanny Lewald, e, 0 que ainda mais ad- mira, até um Lied de Geibel. E sera pela razio de faltar 4 todos estes a qua- lidade de bons escriptores? Ninguem dil-o-hia. Mas agora imaginemos tambem um estrangeiro, um allemao mesmo, que pretenda aprender o por- tuguez. Depois de algum estudo, e de ja poder lér ‘no original, sem abrir muitas vezes o diccionario, os episodios mais interessantes dos Luziadas, eil-o que se encontra com 0 Eurico do Sr. Herculano, ou comasua Historia de Portugal. Nao 6 certo que esse estrangeiro tem de desesperar, diante das no- Vidades archaicas, das phrases mortas, resuscita- das, que esterilmente enriquecem a lingua do nosso autor? E 4 isto é que se chama escrever bem? Nao ha maior cegueira, E’ como historiador que oillustre litterato deve Ser, de preferencia, encarado. Ahi — dizem, — fundou elle a sua gloria. Os trabalhos anteriores se podem considerar como cane especie de gymnastica habilitadora dos mus- 08 que tinham de sopezar o montante de Affonso €nriques. Merece referir-se que o autor foi quem intro- MAF, — 8 — duzio em Portugal o romance historico, — este ge- nero decahido, ao qual entretanto muito deve a sciencia do moderno historiar. E’ sabido que A. Thierry, com a sua Historia da conquista da Inglaterra, nao sé em Franga, mas em toda a Europa, abrio caminho 4 um novo modo de escrever esta materia; assim como é notorio que afonte inspiradora do celebre francez outra nao foi, sende o Ivanhoe de W. Scott. Ora,g Sv. Herculano que tem a pretengio de ser em sua lerra 0 que foi e ainda é hoje reputado na Allemanha Leopoldo Ranke, chefe de escola, mestre insuperavel, teve a vantagem de ensaiar-se no romance e predispor-se dest’arte para ser um grande caracterista, um psychologo da alma na- cional, um vidente do passado, diante de quem os factos se reanimam, ¢ o enigma dos tempos deixa- se decifrar. Mas péde-se dizer que elle se assignala por estes predicades? De nenhum modo. Na apre- ciacéio dos meritos de um autor, 6 preciso separar o que elle deve 4 si proprio, 4 suas faculdades ge- niaes, daquillo que Jhe é dado pelo espirito da epo- cha e tendencias dominantes. O que ha, pois, de especialmente ngtavel na Historia de Portugal, que engrandeca e illumine, fora do commum, o vulto de seu autor? A expulsao do milagre? Seria curioso que neste seculo, e de- pois de tantos exemplos de indagagao liberrima, um escriptor leigo ainda nos viesse regalar com vi- sdes e apparigdes celestes | (412) Alem disto, julgo ser uma falta de coherencia banir, por um lado, o sobrenatural da tradicao, e por outro, conserva-io, no modo de encarar e (12) O milagre de Ourigne jA tinha sido expulso pelo alle- mao Gfeiariets Schafer, em sua Geschichte von Portugal bis swi Ausbruch der Revolution im Jahre 1820. Gotta — 1836 — 54 Sendo assim, o que resta para o Sr. Herculano ? — 8 — ehender a successao dos factos. Assim, nado compr Sn gant ve dace . . obstante o set intuito de arredar da historia o ele- mento theologico, o Sr. Hercnlano ainda é um velho pistoriador theologo. , , Lopes de Mendonga, que tinha em alto gréo o talento de escrever, porém nada mais sabia, do que aquillo que 6 bastante para ser em Portugal um ha- pil folhetinista, entrou, com a sua quota de pala- yreado, na formacdo do renome que cinge o nosso autor. Disse delle cousas brilhantes de exmgeragaio e desproposito, que podem actaalmente provocar 0 riso de leitores menos ingenuos. Aos olhos desse critico innocente, cujo ponto de vista lacunoso é ainda o que domina no Brazil, o patrio historiador tem todos os attributos neces- sarios ao mister. Entretanto, 6 para admirar que tao raros e quasi nullos, se manifestem na obra celebrada os distinctivos das grandes capacidades historicas do seculo. Debalde ahi buscar-se-hia alguma cousa de ana- logo e comparavel a caracteristica de Sylla, ou ade Cezar, em Mommsen; o que quer que, de longe ou de perto, seja semelhante ao retrato de Innocen- cio If, em Huter; ao de Luthero em Ranke; ao de Carnot, em Sybel. E tudo isto refere-se & ma- neira de escrever a historia; — que diriamos do modo de comprehendel-a, no qual esses autores empregam as largas intuicdes do seu talento, se- Cundadas pelo estudo de ontras sciencias ; — es- tudo que nao teve, que nao tem o Sr. Herecu- lano? plo 0 professor Juergen Bona Meyer, em um escri- che. a Newer Versuch einer Philosophie der Geschi- istoriea Se exprime: « O mister da escriptura historic diz Lazarus, é differente do da sciencia comtudo nos bode-se escrever bem historia, sem ‘esta concssuil-a. Aquella mantem se em relacado tanica’ On a arte do jardineiro em relagao a bo- logicas a otanista deve conhecer as leis physio- ° © mundo vegetal, ao passo que o jardi- — 4 neiro, sem esse conhecimento, pode exercer a sua arte com tacto de genio. Semelhantemente pode o escriptor de historia genialmente cumprir o mister artistico de narrar, nao obstante a falta de idéas scientificas ; — porém é sé por meio da nogao das leis, que a sua arte se eleva 4 altura de uma sciencia. » (43) Se esse exactissimo asserto carecesse ainda de uma prova, ninguem melhor dal-a-hia, do que o Sr. Hercalano. Elle 6 um simples jardineiro da his- toria, posto que, nao rara vez, destituido de tacto genial. Os portuguezes mostram ter immenso -orgulho do seu historiadur. Porque elles o consideram uma raridade litteraria, sem mais nem menos, jul- gam-se obrigados a altear 0 cothurno e engrossar as phrases laudativas, sempre que fallam no grande homem. Nao serei eu de certo quem negue-lhe 0 direito de adorarem submissos o seu actual prin- *cipe da penna, ao ponto de nao verem, acima delle, qualquer outra figura, nacional ou estrangeira, mais esplendida e mais admiravel. Quero crer que essa homenagem, um pouco radicada na ignorancia geral, nao deixa, todavia, de fazer alguma honra aos tributarios, bem que cégos e inconscientes. O que porém se me antolha, como um desproposito, é tomar-se o proprio fana- tismo por medida objectiva do merito de um autor compatriota, e dest’arte converter-se em uma das glorias de Portugal aquillo que é upenas gloria par- ticular do Sr. Herculano, se é que elle julga a pobre opiniio do seu paiz capaz de fortalecer e tranquillisar a consciencia de um escriptor. Nao basta aos sabios e litteratos, como se dé com os reis, a acclamagao, ainda unanime, de um povo, para assumirem a dignidade suprema. O di- (13 ) Historische Zeitschrift XU Jahrgang 2 Heft — 329. — 3 — yeito da repnblica das lettras 6 todo externo, inter- nacional, cosmopolitica, , Nao posso comprehender que o escriptor por- tuguez se tenha em alta conta scientifica, se faltam- jhe os fundamentos para um justo ¢ merecido or- ulho. OSr. Hercalano, qne nao é geralmente no- meado na Europa, que é mesmo desconhecido, ou entio, - 0 que parece-me peior, — pouco consi- derado pela parte mais culta da Allemanha, nao tem razoes bem fortes de ostentar-se ineperioso e gobranceiro. E’ difficil descobrir qual o sentido, que seus admiradores ligam ao conceitu de gloria litteraria de uma nagao OO renome do honrado historiador éum renome interno, e que nao passa além dos curtos e obscuros dominios da lingua portugueza. Ha uma especie de idolatria neste modo de endeu- sar um autor patrio, sobre quem nao se ha pronun- ciado em altima instancia o juizo estrangeiro, por meio dos seus mais competentes orgios. . A pretendida gloria de Portugal, na pessoa do Sr. Herculano, 6 um idolo fabricado pelos porta- guezes, os quaes veneram assim a obra de suas maos. Pode ser que exista de minha parte algum excesso de rigor, na ponderagao dos. reqnisitos, & meu vér, indispensaveis, para qualquer individuo, pelo que téca ds lettras, tornar-se de facto a gloria de um paiz. _ Como quer porém que seja,o certo 6 que a minha critica nfo esta sem base. Causa-me certa estranheza vér o autor portuguez, nao obstante o brilho extraordinario que o adorna em sua terra, de todo esquecido no mundo superior da sciencia Moderna, Parece-me singular e digno de nota, que auto- a allemaes, na epocha presente, e em artigos con- eaprados ao desenvolvimento historico de Portugal, th as suas diversas relacées, demonstrem nao co- cer os trabalhos do.Sr. Herculano, deixando de — 6 — mencional-os ao lado de outros, pertinentes ao as- sumpto. (14 ) Onde esta pois a nomeada européa, de aque tanto fallam os apologistas do illastre litterato ?... Nao fica ahi. Ainda ha bem ponco tempo, um sabio italiano compoz um livro notavel, que tem por titulo — La scienza della storia, e no qual o an- tor se occupa dos grandes historiadores, desde He- rodoto até os nossos dias. Especialmente, quanto ® (14) Vide Staatswoerterbuch de Bluntschli ; art. Portugal, por Schubert, tomo 8.9, 1864: art. Pombal por Beumgarten, idem: art. Inquisigdo por Dove, tomo5.°, 1860. Verdade é que ultimamente, em uma nova Revisla litleraria ingleza, New Quarterly Review, iniciada em Outubro deste anno, segundo publicou 0 Jornal do Commercio de Lisboa, sahio um Hi- songeiro artigo sobre o Sr Hereulano. Mas quer me parecer que © autor desse clogio no merece a consideracao de um critica im- parcial e julgaaor sincero. 0 louvor em demasia é um digno irmao da provu de mais: — desirée o que pretende construir. Dizer, como la se diz, que as quatidades dw historiador porluguez sio taes e tantas, que nao tinham-se encontrado em nenhum outro, depois de Gibbon, 60 cumulo do dislate. Antes de tudo, o crilico revela desconhecer a posicaéo que occupa o historiador inglez, como um dos patriarchas da sciencia historica moderna Os predicadys que o caracterisam sao superiores 4 sua epocha, porém ja esto aquem das exigencias do nosso tempo. Gibbon é do seculo passado; e todos sabemos, menos 0 autor do arligo, qual o progresso que tem a historia feito neste seculo. Se alguma cousa ha em Gibbon, qne possa ser cofimum ao Sr. Hercutano, é a intuigdo estreita e lacunosa, que um deve ao seu tempo, @ 0 outro, a falta de philosophia. Se em ambos alguma cousa brilha por sua ausencia, ude é de certo a rhetorica. Existe ainda no historiador inglez o singular defeito de uma pretenciosa artificialidade de estylo, que ja chocava os seus contemporaneos, como nol-o ensina Hermann Hettner ; — ... Und su diesen Man- geln tritt auch nicht selten eine anspruchsvolle Kunstlickkeit des Stits, tvelee selion die Zutgenossen verletsie. Neste ponto o portuguez 0 iguala. O escriptor da mencionada Revista foi infeliz em sua desco- berta. Quem tem coragem de affirmar que o Sr. Herculano ¢ talves no todo o primeiro historiador da presente epocha, nao ama a ver- dade, nem sabe respeitar a opiniao do seculo. Se nao 6 um elogio encommendado, 0 autor do tal artigo deve ser, ou muito caprichoso ou muito ignorante. ~ 37 — modernos, apreciando-os, segundo as vistas de aumeo modo de escrever e entender a histo- Marselli abre diversas cathegorias em que entram Cantu, Thiers, Gervinus, Mommsen, Macau- lay, Michelet, Laurent... oo Como se pode explicar que o sabio italiano passasse em silencio o sabio portuguez? a Nao se trala de um representante do espirito ermanico; — & um orgao do espirito latino, a quem, por sympathia de raga e de cultura a gran- deza do Sr. Herculano nao podéra ser extranha, se de feito ella existisse. A mencao que fiz de Marselli, impde-me o dever de nao calar o qne disse um escriptor 4 respeito do citado livro. (13) Nao deixando de notar certas jJacunas, cuja ausencia tornal-o-hia ainda mais in- teressante e merecedor de seria leitura, esse escri- ptor se exprime por um modo, que provoca a refle- xao e di logar 4 novas duvidas, mesmo em relacao ao nosso historiador. « Medida pela bitéla da sciencia italiana, — diz elle, — a obra é significativa ; considerada porém do ponto de vista da sciencia alleman, apenas se eleva 4 cima do mediocre... mit dem Masstabe ita- lienischer Wissenschaft ist das Werk ein bedeuten- des, vom Standpunkte der deutschen Wissenschaft aus letrachtet, erhebt es sich dageged kaum_ ueber das Mittelmaessige. » E’ claro que, na mente doescriptor, existe uma medida suprema, com que se determina a_impor- tancia absoluta de qualquer obra: é a scienciaalle- man. Nao basta que um escripto se recommende belo grande applauso que possa ter colhido em o Paiz d’onde elle é oriundo; faz-se mistér saber se esté ao nivel das idéas correntes, se pode ser con- aos cad ria, ee (15) A. Seartazzini; — Magazin fur die Litteratur des Aus« londes, — 4873 n, M1, pag. 005 i ON — 88 — frontado com as obras de igual forma e contetido filhas da Allemanha. , Sera preciso dizer que semelhante criterig - mata as pretencdes do Sr. Herculano? De feito, 6 impossivel consideral-o sobre outro ponto de vista, que nao o da sciencia moderna, qual vemol-a entre as maos dos maiores espiritos do seculo. Sobre ser elle o unico historiador pcrtuguez da actuali- dade, e nao haver no seu paiz uma bitdla scientifica, por onde,se 0 compare, accresce a circumstancia, muitissimo ponderave], de que o honrado escriptor mesmo julga se capaz de receber essa medida, e olha com sobranceria para as migalhas litterarias de sua terra. Ora, nao ha duvida que, assim estabelecido o juize da critica, o Sr. Herculano diminue_sensivel- mente de tamanho. As suas obras nao sao pheno- menos animados de alta sciencia e largas intuicdes, que tenham sahido ainda mais fortes, altivos e triumphantes, da juta pela vida, sustentada com outras apparigdes da especie. Em uma ilha isolada, cujos habitantes nunca tivessem visto, por toda a sua fauna, senio lebres e doninhas, o primeiro cervo que ahi se mostrasse, nao causaria espanto, como um enorme e ferocissi- mo animal? Eis a imagem do que se da no terreno da litteratura portugueza, com os livros do Sr. Her- culano. Podemos concluir. O digno escriptom mais nada tema dar-nos, Esta fechado o cyclo da sua missao, que alias nado deixou de ser proveitosa para asuagente. Ja é possiveel, sobre elle, um juizo definitivo. E como quer que sejulgue, deve ficar assentado, que o Sr. Herculano é um original. Mas ha originaes de duas formas ; uns que sao-no, por- ue querem, outros que o sao, porque devem sel-o. is primeiros so producto da arte, os segundos da natureza. Com aquelles, por mais serios que se mostrem, podemos sempre tomar a nossa parte de gracejo & — 9 — divertimento ; visto como, Ad i es seus esforgus para se apresentatom greed ooo a yeis, nado Conseguem occaltaro lado risivel da a sivel da mit sua singularidade Estes, puré . gi 7 . » porém. a par . cousa esdruxala e falsa, deixam vér ee (pita OS Si- naes da forga e natural fre ee u escura de uma vide mente original. O Sr. Herenlano pottenee aaah. a pri- meira classe. Julho e Dezembro de 1873. ° 42 F. 88 Auerbach e V. Hugo (1) A’ muitos dos meus leitores ha de afigurar-se um pouco estranha e caprichosa a junccéo destes dous nomes. Tanto tem de conhecido e justamente apreciado, entre nés, ogrande poeta francez, quanto & por todos ignorado, como quem se acha fora do circulo habitual.das nossas contemplagées, além do Nosso horisonte, o novellista allemao. Nao sei se posso dizel-o impune: — eu sou talvez o primeiro que aqui profere conscientemente —_——- Ta ‘1) Wieder unser -- Gedenkblactter zur Geschichte dieser “49e5 von Berthold Auerbach. — 1871. onome de Auerbach. {2) Esta prioridade, que tambem me cube, sobre outros escriptores alle. maes, desconhecidos e inexistentes até para os op. gaos mais autorisados uz litteratura brazileira, nag quero disputal-a, como cousa capaz de me elevar na opinido do paiz, e dar por conseguinte saboroso pasto 4 minha vaidade. Ao contrario me parece que, se ha nesta alle. gagao alguma vista de gloria, 6 somente a que con. siste em geclarar-me unico calpado, e precaver em tempo a responsabilidade atheia. Confesso pois o meu crime, que mais nav é, do que tratar sem res- peito as lettras patrias, considerando as em misero e pessimo estado, para dirigir o men espirito 4 regides superiores, posto que traga sempre, de volta, cada vez mais reforcada a conviccao da nossa nul- lidade. E’ istoem mim talvez j4 o resultado de uma doenga. Nao affirmo que a minha intuigdo seja nor- mal e estreme de gnalquer influencia morbida. Sinto nao poder prestar-me 4 observacdo do doutor Puschmann, 0 ousado psychiatra, para verificar se estou soffrendo de uma especie de ictericia intelle- ctual, que me faz dar & todas as cousas de minha terra um aspecto melancholico e, por assim dizer, a cér do anniquilamento, a pallidez da morte. Todavia nado se julgue que descreio da _possibi- lidade e efficacia de uma reaccao contra a tenden- cia que nos vae levando. Ou seja, porque afnda illu- de-me um resto de adolescencia credula e descui- dosa ;— ou seja, porque pressinto, nao obstante, 0 céo carregado, a proxima limpidez da athmosphera; — ocerto 6 que nao posso resignar-me 4 achar, (2) Assim me exprimindo, nao desconheco as doze linhas! que em seu Resumo de Historia litleraria the consagra o conego ‘inhciro ; as quaes de certo pouco adiantam, e deixam o leitor em completa tguorancia de qual seja realmente o merito do escriptor allemaio. E’ presumivel, pelo que diz, que o illustre conego nunca leu as producgées de Auerbach. —~ 93 — pom tudo o que € nosso, e sé porque 6 nosso; — nem comprimir, como mao e anti patriotico, co de- sejo de vér a mocidade conterranea, animada do espirito do tempo, deixar a 16ta batida, e seguir melhor caminho. Espero que, mais tarde, ahi che- yemos. Barratt tanto é para lastimar que ainda sejamos hoje, em materia litteraria, 0 que eramos, ha qua- renta annos, isto 6, uma nagao impotente, balda de iniciativa. sem a minima seiva de _prod@ctividade original. E bem que para mim a ideia de littera- turatenha mais extensao, do que é costume suppor, ni quero aqui referir-me 4 nossa vida espiritual, em sua totalidade ; mas somente ao districto da poesia, ao dominio da belletristica. Sob este unico pontu de vista mesmo, os factos dao testemunho de uma notavel pobreza, e tanto mais humilhante, quanto menos percebida, porque ella ndo penetrou na consciencia de tod6s, em forma de desgosto e de vergonha, ou outro senti- mento de igual forga reactivae instigadora. A pre- sumpcao geral, € que vamos em demanda de um porvir maravilhoso, e que o nivel da nossa intelli- gencia nao é inferior au das nagdes mais cultas da actualidade... Seria um curioso estudo a indagacao das causas que determinaram este modo singuler de procla- mar-se grande e fazer-se a propria apologia. A nin- guem € permittido ser comsigo mesmo mais indul- gente, do que o publico. Verdade, quanto aos in- dividuos, que persiste igualmente irrefragavel, quanto as nagdes. Ora, estas s6 podem ter, como Seu publico os estrangeiros, — que formam, se- Sundo uma expressio de Stael, a posteridade con- lemporanea, : nose preciso que elles se pronunciem acerca do bossa merito, e de uma maneira accorde, para que Conta oe Conforme 0 bom juizo, ter-nos em alta menos A importancia litteraria de um paiz, nao OS que a importancia commercial e politica,

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