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Portugués Resumos das matérias Testes, actividades e exercicios Topicos de resposta e solugaes Nero Url i o essencial "pata saber 1. RELATO DE VIVENCIAS E EXPERIENCIAS O relato de vivéncias e experiéncias do proprio ou de outrem possui um caracter intimista, por vezes, confessional, que apon- ta para o memorialismo, género que remonta, ainda que de forma incipiente, as primeiras manifestagdes literarias em prosa da época medieval, nomeadamente as crénicas de viagem. Também na Peregrinagao" de Fer- ndo Mendes Pinto, no século XVI, se vis- lumbram tragos do memonalismo, pelo seu cariz predominantemente narrativo 6 auto- biografico. E, no entanto, nos séculos XVIII @ XIX, com a adesdo preferencial dos leito- res 4s narrativas autobiografica, epistolar ¢ diaristica, que o memorialismo ganha espe- cificidade, sendo que se trata de um género cujo autor recorda o que, num determinado momento, viveu ou pre- senciou, e que possui interesse pessoal ou colectivo. Assim, neste tipo de texto, incluem-se nao s6 as memorias direc- tamente relacionadas com a vida pessoal do autor - como experién- cias da infancia, da adolescéncia, profissionais, amorosas, etc. - mas também factos histérico-politicos de pendor mais abrangente. Aescrita intimista ¢ autobiografica pode concretizar-se, entre outros, através de memédrias, didrios, autobiografias, cartas e até mesmo textos poéticos®. De referir que a delimitagao entre os trés primeiros géneros citados nem sempre 64 nitida, o que muitas vezes gera duvi- das relativamente a classificagao literdria de determinados textos do género. José Saramago", no seu romance Manual de Caligratia e Pintura, afirma que «Escrever na primeira pessoa 6 uma facilidade, mas ¢ tam- bém uma amputagao. Diz-se o que esta acontecendo na presenga do narrador, diz-se o que ele pensa (se ele o quiser confessar) eo que diz @ 0 que faz, @ o que dizem e@ fazem os que com ele estdo...». de Ferndo Mendes Pinto (1814). (1) Publicada em 1614, narra as faganhas de Fernde Mendes Pinto no Oriente, du- rante os cerca de 20 anos que ai viveu. (2) Confrontar Formas podticas fixas (poemas de cardcter autoblografica de Luis de Camies) paginas 157-162 (3) Romancista, jornalista, cronista, poeta e dramaturgo portugués laureado com o Prémio Nebel da Literatura em 1998, Para saber | Sequéncia 2) Esorita intimista / autebiografica e texto 108 Na realidade, os géneros literarios intimistas pressupSem um dis- curso virado para o eu (presente ou subentendido), predominando, Por isso, formas verbais, pronomes ¢ determinantes na primeira pes- soa, bem como uma linguagem conotativa, subjectiva e emotiva. Neste tipo de textos, o eu evoca experiéncias marcantes momen- tos, etapas, iniciativas da sua vida pessoal/profissional, a sua relagao com quem/o que o rodeia, transmitindo simultaneamente as sensa- ges, sentimentos, emocoes que essas vivéncias Ihe despertaram. 1.1, MEMORIAS A memdria é a capacidade que cada um tem de reter informagées sobre alguém ou alguma coisa. Pede-se falar em meméria individual ou meméria colectiva. A primeira cinge-se aos acontecimentos, realidades, experiéncias e emogées de cada individuo; a segunda engloba o conjunto de recordacées pertencentes a um pais, a uma Comunidade, a um povo. As memérias pertencem aum género literario narrativo, cujo autor relembra acontecimentos passados 6 experiéncias vividas, transmite as suas emogoes/sentimentos ¢ apresenta simultaneamente realida- des sociais, humanas e politicas. Dai que, ndo raro, surjam citagdes a pessoas ilustres e momentos historicos marcantes. Uma vez que & a memoria o principal suporte dessas evocagées, torna-se, por vezes, necessario recorrer a outras fontes como docu- mentos de varia espécie, cartas, diarios, jornais, etc., que conferem uma ténica mais convincente e auténtica ao que se escreve. No funda, as memdérias possuem um valor documental, ao asso- ciar experiéncias de vida do préprio com o contexto sociocultural que o envolve, muito embora de caracter subjectivo, dado serem perspec- tivadas pelo eu. As memdrias estao no meéio-termo entre a autobiografia @ a crénica, variando, de caso para caso, 0 peso relativo do eu no conjunto do narrado. Sdo, sem duvida, uma forma de escrita sabre si mesmo (por isso lhe chama Marguerite Your- cenar 0 retrato duma voz), mas dao-nos também, @ sobre- tudo, @ testemunho dum tempo e dum meio, somando ao relato de casos pessoais e familiares o de acontecimentos. histéricos @ politicos. A narrativa memorialistica tem um funde histérico-cultural, sujgito embora a filtragem subjec- tiva de quem o produz. in Mascaras de Marcisa de Clara Rocha (Almedina) 110 1.2. DIARIOS O diario consiste num livro/caderno em que se anotam, de forma regular e assidua, acontecimentos, impressGes, ideias, emogGes, con- fidéncias pessoais do quotidiano, que - ao assumir um interesse mais lato - se torna um testemunho histérico. Enquanto obra literaria ou nao, o diario possui um cardcter inti- mista 8 autobiografico, em que o seu autor expressa o que sente rela- tivamente ao que/a quem o rodeia, dirigindo-se, normalmente, a um tu ficticio, a quem interpela e faz revelagdes secretas @ reservadas. Dai que o didrio assuma, por vezes, o estatuto de um amigo confidente, nao sd do adolescente e do individuo comum mas também dofa) escritor(a) (re}conhecido(a), que confia as paginas de um livro o que nem sempre é capaz ou pode confessar a outrem. No discurso diaristico, predominam essencialmente as fungées informativa ¢ emotiva da linguagem, muito embora a fungaio postica possa estar também presente, Trata-se de um discurso de primeira pessoa, portanto, subjactivo e, normalmente, acessivel, privilegianda- 86 0 registo de lingua familiar, As anotagdes didrias, em prosa ou em verso, 840 feitas durante um periodo de tempo mais ou menos extenso, dé uma forma mais cu menos assidua. Esses registos sao, normal- mente, datados, o que implica uma construgdo fragmentada e des- continua dos mesmos, nao havendo necessariamente um ancadea- mento ldgico entre eles. Ha, contudo, uma apresentagao cronolégica ha narrag4o dos factos que vao sendo anotados 4 medida que os dias se sucedem. As caracteristicas essenciais do diario narrativo tm que ver directamente com as motivagdes que o originam: a necessidade de ir anotando os incidentes de uma viagem (cf. os didrias de bordo), uma experiancia profissional esti- mulante (cf. © Diario de Sebastido da Gama), uma situagao anormal e humanamente imprevista (cf. 0 Didrio de Anne Frank), etc. Daqui decorrem as seguintes caracteristicas: fragmentagao diegética imposta pelo ritmo em pri quotidiano dos actos narrativos que compéem o diario; ten- déncia para o confessionalismo, assumido de forma mais ou menos aberta; peculiar posicionamento e configuragao. do destinatario, cujo estatuto pode ser modelado de formas: diversas. Tendo que ver directamente com os didrios reais, os didrios narratives ficcionais carecem normalmente (por Para saber | Sequéncia 2| Escrita intimista / autobiografica e texto 11 intuito calculado ou no) do cardcter organico e do equili- brio composicional proprio, por exemplo, do romance ou da autobiografia, uma vez que nestes Ultimos a narragao ocorre quase sempre (sempre, no segundo caso) depois de terminada a histéria e de conhecido (ou previsto) o seu desfecho. in Diciondrio de Narratologia de Carlos Reis ¢ Ana Cristina M. Lopes 1.3. BIOGRAFIAS E AUTOBIOGRAFIAS A biografia 4 um género narrativo em prosa que consiste no relato da vida de uma pessoa. Uma biografia pode conter apenas factos concretos da vida de alquém, narrados segundo uma ordem cronolé- gica, ou também interpretagdes desses factos, embora com preocu- pagdes de rigor historico. Ao recolher dados biogrdficos sobre a vida de alguém devem ser tides em atengdo aspectos como: nome completo, local e data de nascimento, alusdo a familia, periodo da infancia / adolescéncia, for- magao académica / estudos / cursos, profissao / cargos desempenha- dos, etc. O discurso é de terceira pessoa e a linguagem predomi- nantemente objectiva e informativa. Como o termo indica 4 uma vasta tradig¢ao cultural tem evidenciado, a biografia constitui a representagao, muitas ve- Zes em forma de relato, da vida de uma determinada perso- nalidade, no desenrolar da sua existéncia, no seu crescimen- to e maturagdo, nos eventos que Ihe deram peculiaridade e mesmo nos incidentes que conduziram ao desaparecimento dessa personalidade, in Diciondrin de Marratologia de Carios Reis e Ana Cristina M, Lopes A autobiografia visa igualmente retratar a vida de uma pessoa, mas, neste caso, autor, narrador e personagem identificam-se, na me- dida em que é o préprio quem narra a sua experiéncia vivencial. Trata-se de um discurso de primeira pessoa, pelo que assume um caracter subjective, em que predomina a fun¢ao emotiva da lingua- gem. A partir da meméria, o autor recria vivéncias passadas, directa ou indirectamente relacionadas com a sua propria vida, podendo mo- dificar a narragdo cronolégica des acontecimentos. 112 © autobidgrafo recria através da memdria um vivido que pode abarcar uma visdo retrospectiva ¢ englobante. Tal facto permite-lhe diversas op¢des técnico-compositivas. Por exem- plo, a autobiografia nao é forgada a seguir a ordem do ca- landario. Sdo-lhe permitidos desvios tamporais, flash-backs, antecipagoes, associagées entre episddios pertencentes a tempos diversos. Georges May fala das ordens tematica, associacionista, didactica, obsessional ead hoe, além da cro- nolégica. in Atdscame de Narciso de Clara Rocha 1.4. CARTAS A carta consiste num texto escrito, cujas linguagem e estrutura depen- dem da intengao do remetente e da pessoa ou instituigdo destinatdria. Os objectivos que presidem a redacgao de uma carta sao: = comunicar com at e/ou familiares; ~ exprimir sentimentos/opiniées; - contar experiéncias vividas; - dar ou pedir informagées; - estabelecer contactos comerciais e/ou profissionais; ~ fazer reclamagées... Mediante a sua finalidade, a carta pode ser informal (pessoal) ou formal (oficial), inserindo-se neste tipo a profissional, a técnica, a admi- histrativa & a comercial. A carta possui igualmente uma vertente literaria, sempre que trata temas profundos e complexos e se registam preocupagées a nivel estético e da linguagem. Neste caso, trata-se do género epistolar, onde se inserem as Cartas de Anténio Ferreira, a Carta do Achamento do Brasil de Péro Vaz de Caminha, as Cartas a Ramafho de Ega de Queirds, as Cartas a Sandra de Vergilio Ferreira, entre muitas outras do género. Na carta informal, a linguagem utilizada depende do grau de inti- midade entre o remetente e o destinatario. Contudo, o mais frequente 6 situar-se entre um registe de lingua corrente e familiar, sendo 0 dis- curso predominantemente de primeira pessoa, com marcas de sub- jectividade e emotividade do emissor. Para saber | Sequéncia 2| Escrita intimista / autobiografica texto lirica 13 A linguagem numa carta formal deve ser clara, concisa, coerente™, objectiva e precisa, com um vocabulario adequado” a situagdo de comunicagac. Os paragratos devem ser sucintos é divididos de acorda com o desenvolvimento légico das ideias expostas. Relativamente 4 estrutura, as cartas informal e formal possuem uma forma mais ou menos fixa, como se pode verificar a seguir: Carta informal Local ¢ data (no canto superior esquerdo ou direito) Saudagiio (lado esquerdo) ‘Como da carta Formula de despedida Assinatura (lado direito) (4) Consultar Coeréncia @ coesdio textual, pagina 99. (5) Consultar Registos de lingua, pagina 194, Carta formal Remetente (enderego) Destinatario (enderego) Local, dia (de) més (de) ano Assunta: Saudagao, Intredugao: Remetente (canto superior esquerdo) Destinatdria (canto superior direita) Data Assunta: (lado esquerdo} Saudagao (lado esquerdo) Corpo da carta Formula de despedida Assinatura (Nome legivel) De salientar que a saudagdo ao destinatdrio deve ficar alinhada com 0 inicio dos paragratos e que, imediatamente a seguir 4a mesma, sé deve fazer paragrafo. Por vezes, no final da carta, depois da assinatura, surge a indica- G40 de anexos [Anexo: (por exemplo, o curriculum vitae)], obrigatéria quando ha o envio de documentos; e/ou uma nota breve (PS.], na qual se menciona uma recomendagao especial ou algo que se esque- ceu de referir no corpo da carta. As férmulas de saudagdo e de despedida s4o diferentes con- soante se trate de uma carta de cariz pessoal ou oficial. No quadro seguinte, apresentam-se algumas das formulas de tratamento possi- veis, nos dois casos: Para saber | Sequéncia 2| Escrita intimista / autobiografica e texte lirica 115. SG he ee) Deo Querido)... Excelentissimofa) Senhora), Ola, .... ‘Senhor(a) Director(a), oe Saudoso(a) amigoi), Ex.ma(a) Senhor{a) Presidente, Estimado(a) amigo(a), Ex.maa) Senhor(a} Doutor(a), Cara(o)irm8(o},(..) Mau caro Senhor(...) Com os melhores cumprimentos, Mts eos anean epee Formutas de Um grande abrago, all S _— " despedida O teu fiel amigofa), ose Com amizade sincera, venmoeerents, Um xi-coragia, (..) oe acai consideragbes, (...) 1.5. RETRATO, AUTO-RETRATO E CARICATURA O retrato” consiste na representagao oral, escrita ou por meio de uma imagem (fotografia, pintura, desenho...) de pessoas (caracteriza- Gao fisica e/ou psicolégica), animais ou objectos. Enquanto criagao ficcional, o retrato encarna uma fun¢do estética e poética. Na elaboragdo de um retrato, enquanto descrigdo literdria, dever- -8e-a Sallentar: * tragos importantes do aspecto fisico (aparéncia, estatura, tamanho; modo de andar; cabelos, tom dea pele, rosto, olhas, nariz, boca; vestuario...); * qualidades psicolégicas (personalidade, comportamento...); * caracteristicas sociais (meio ambiente, profissdo, habitos...). © auto-retrato consiste na caracterizagao fisica e/ou psicoldgica que alguém faz de si pro- prio. Trata-se, portanto, de uma descricao esta- tica e reflexiva: ...tal como o pintor necessita do espelho Para recriar a sua figura, também aquele que se pinta na escrita sé mira no espelho de Narciso. in Mascaras de Narciso da Clara Rocha (6) Ver Descrig¢do, pagina 237. Vermeiho de Max Beckmann, 116 A caricatura consiste igualmente na re- presentagao de algo ou alguém, quer por meio da escrita quer da imagem, mas defor- mando ou exagerando certos tragos mais salientes, com intengdo critica, satirica ou humoristica, e a partir da qual se enfatizam determinadas limitagdes pessoais ou sociais. José Saramago, por Vasco. A caricatura, a que se passou a chamar, por afei¢ao ao estrangeirismo, cartoon, tera origens tao remotas como im- precisas. Situagdes ndo terdo faltado, ao longo da Histéria, para satirizar a sociedade ou os individuos. Os romanos, por exemplo, viam no riso uma mangira de castigar os costumes: (ridendum castigat mores). E se antes dos romanos houve a propensdo para o édio ao burlesco € a futilidade, tanto como para atacar pessoas ¢ ideias, sera no campo das con- Jecturas que se deve encontrar a origem das caricaturas em certas obras pré-histéricas. ‘Com o Renascimento, sim, aparecem caricaturistas, como Leonardo Da Vinci qué, na “arte menor”, teve a boa compa- nhia de outros grandes . Mas é no século XVIII que a caricatura, sobretudo a poli- tiea, ganha importéncia ¢ a popularidade que lhe reserva- riam um lugar destacado na Imprensa de todo o século XIX. Daumier, Goya, Garan d'Arche, Faivre, Keen, Oberlander, Dana Gibson, Caronte ¢ muitos outros emprestarar a cari- catura uma roupagem artistica muito especial. Em Portugal, e certamente por influéncia da Inquisigaa, 86 a partir das InvasGes Francesas (de 1808 a 1810) surgem as primeiras caricaturas genuinamente nacionais. in © Mundo na Milo 2 de Costa Carvalho (Areal Editores)

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