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Suiga: 700 Anos - Modelo de Federalismo e Democracia Ricarpo Arnatpo Matuemos Fruza Professor de Direfto Constitucional na Fa- culdade de Direito “Milton Campos”. Asses- sor Judiciério no Tribunal de Justica do Estado de Minas Gerais. Jornalista SUMARIO 1. Introdugéo. 2. O Federalismo. 2.1. Os Cantées. 2.2. As Autoridades Federais, 2.2.1. A Assembléia Fe- deral, 2.2.2. O Consetho Federal. 2.2.3. O Tribunal Federal. 3. A Democracia. 4, A Landsgemeinde. 5. Conelusdo. 6. Bibliografia. 1. Introdugo Ha 700 anos atrds, tendo como cendrio de fundo os picos nevados dos Alpes Centrais, refletidos nas éguas azuis do Vierwaldstattensee, 0 Lago dos Quatro Cantées, os homens do Vale de Uri, a gente do Vale de Schwyz ¢ a comunidade do vale inferior de Unterwalden firmavam, “em nome de Nosso Senhor”, um pacto perpétuo de defesa miitua ¢ nao-agres- siio. Assim, no infcio do més de agosto de 1291, em dia que, posteriormente, convencionou-se ser 0 dia 1.°, nascia a Confédération Suisse. Daquele ano até 1815, através de guerras, revolugdes, reformas € con- tra-reformas, outros pactos e novos tratados, o antigo territGrio dos helvécios se foi transformando, qual colcha de retalhos, no territ6rio dos sufgos, tendo, a Oeste, os Montes Juras e, a Leste, 0 Macigo Alpino. Entre eles, numa das paisagens mais belas do mundo, a Mittelland, fértil planicie, limitada, a0 Norte, pelo Lago Constanga e, a0 Sul pelo Lago de Leman. Palestra proferida, em Belo Horizonte, no dia 12-8-91, na sberturs da expo- ‘sigdo “Suiga Pace 2 Pace”, integrante das comemoragbes dos 100 anos da Sufa. R. Inf, legisl. Brosilia @, 29 }3 jon./mar, 1992 505 Hoje, com seus’ 20 cantées e 6 semicantées, organizados sob uma Constituigio Federal, datada originariamente de 1848, a NacZo Sufca, bem estruturada num verdadeiro Estado de Direito, apresenta-se aos mestres € estudiosos do Direito Constitucional Comparado e da Teoria Geral do Estado como um vasto e notével campo de pesquisas. Embora nio seja a criadora das duas instituigdes, a Sulca € um exem- plo perfeito de Federalismo e de Democracia. Ao lado do progresso industrial, do desenvolvimento tecnolégico e da modelar economia, os sufgos aperfeigoaram ao méximo a forma de Estado inventada pelos notte- americanos em 1787, com base sobretudo nos escritos dos “federalistas” HAMILTON, MADISON e JAY, e a forma de Governo de que jé falava Aristételes, hé cerca de 300 anos antes de Cristo. 2. O Federalismo HA sete séculos atrés, conforme jé referido, a Sufca nascia como uma Confederagdo, eis que formada, através de pactos, pela unido de cantées que, embore tnidos, conservavam suas soberanias individuais ¢ suas cons- tituigdes proprias. E como tal, até o fim do século XVIII o pats dos helvécios “era um estranho amélgama de pequenos Estados”, como relate AUBERT, em sua magnifica Petite Histoire Constitutionnelle de la Suisse. Em 1798, tentou-se a criagdo de um Estado Unitério com a promul- gagtio da “Constituigéo da Republica Helvética”, de 12 de abril, trans. formando-se os cantdes em departamentos administrativos, 4 maneira da Franga. Justamente por ter sido imposta por influéncia dos franceses ¢ por querer implanter uma centralizacéo politica que chocava os sentimentos cantonais de independéncia, tal experiéncia levou os sufgos a “temps de souffrance et d’humiliation” (AUBERT, ob. cit.). Iniciada em 1882, como uma forma intermediéria entre a Confederagao — que mantinha os cantées soberanos — e Unitarismo — que submetia os mesmos canties a um governo central — a “federalizagdo” da Suiga iria se concretizar definitivamente em 1848, com a Constituigo de 12 de setembro. Af, entio, 2 maneira americana, os cantdes cederam sua soberania & Unido, conservando pata si autonomia politica e administrativa. Embora continuando a se chamar “Confédération Suisse”, o pafs passou. a ser uma verdadeira “federacdo”, A manutengiio do nome antigo se explice, segundo ANTOINE FAVRE, em seu classico Droit Constitutionnel Suisse, “par les habitudes du tangage, et aussi par le souci de respecter une 506 R. inf, legisl, Brasifio o, 29 on, 113 jom./mor, 1992 tradition et de manifester a 'égard de Vetranger 1a continuité de Ia vie juri- dique du pays”, Revista inteiramente em 29 de maio de 1874 e emendada em vérias ocasides posteriores, até 1985, a atual “Constituicfo Federal da Confe- derago Suiga” adota evidentemente, a separagio montesquiana dos érgios do Poder, estruturando, assim, 0 Estado helvético, em dois planos harmé- nicos de governo: o federal ¢ 0 cantonal. 2.1. Os Cantoes © artigo 1° enumera os Estados-Membros da Federacdo. So os cantdes de Zurique, Berna, Lucerna, Uri, Schwyz, Glaris, Zoug, Fribourg, Soleure, Schaffhouse, Saint-Gall, Grisons, Argovie, Thurgovie, Tessin, Vaud, Valais, Neuchatel, Genéve e Jura ¢ os semicantdes de Haut-Unterwald, Bas-Unter- wald, Bale-Ville, Bale-Campagne, Appenzell-Rhodes-Extéricures, Appenzell- Rhodes-Intérieures, _ © artigo 32, embora usando o antigo termo “‘soberania”, na verdade confere “autonomia politica © administrativa” aos cantées, a0 estabelecer que eles “‘sfo soberanos na medida em que sua soberania nfo seja limitada pela Constituiggo Federal, e, como tal, exercem todos os direitos que nio sejam reservados a0 poder federal”. O artigo 8° ratifica a forma federativa de Estado, ao dizer que “‘somen- te a Confederacdo tem o direito de declarar a guerra e concluir a paz”, assim como o de fazer, com Estados estrangeiros, aliangas e tratados, no- meadamente aliangas aduaneiras e de comércio. A mesma caracteristica federativa contém o artigo 9.° ao declarar que “excepcionalmente os cantdes conservam o direito de concluir, com Estados estrangeiros, tratados sobre assuntos relativos A economia piblica e a relagdes de vizinhanga e de politica; no entanto, esses tratados nfo devem conter nada que seja contrétio 2 Confederagio ou aos direitos de outros cantoes.”” OSWALD SIGG, em sua didética obra As Instituigdes Politicas da Suiga, explica: “Os cant6es sufcos nZo so meras circunscrigdes administra tivas e, sim, verdadeiros pequenos Estados autGnomos que, juntos formam a Confederagiio Helvética. Esse anseio de manter a auto- nomia cantonal se chama federalismo. Eo principio bésico da vida politica sufea influi de maneira consideréyel na repartico das atribuicdes estatais entre a Confederagio ¢ os cantdes.” R. Inf. legisl, Brosiio a, 29 nm. 113 jon./mor. 1992 507 2.2. As Autoridades Federais Dos artigos 71 ao 114, a Constituicio Suica cuida das trés grandes autoridades federais: a Assembléia Federal, Conselho Federal e o Tribunal Federal. 2.2.1. A Assembléia Federal A Sufga tem na Assembléia Federal o Srgdo supremo politice-legis- lativo da Unido. Duas cimaras compéem tal Assembléia: 0 Conselho Nacional ¢ 0 Consetho dos Estados. primeiro é, sem divida, a Camara Baixa, sendo “composto por 200 deputados do povo sulgo” (art. 72 da Constituigao), eleitos por sufrdgio direto e proporcional & ‘populacio dos cantées, por uma legislatura de quatro anos. A Camara Alta, com 46 componentes, representa, em numero fixo e igualitério, as unidades da Federagao, Cada cantéo nomeia dois deputados ¢ cada semicantéo nomeia um. O sistema legislativo sufgo ¢, portanto, na Unido, puramente “bicameral federal”, pois nao hd diferenga de idade minima exigida para os candidatos as duas cAmaras. (Como ocorre, por exemplo, no Brasil, onde o sistema € bicameral federal conservador, justi- ficando a existéncia de uma Camara Alta chamada Senado). Além des atribuigGes legislativas, o Parlamento suigo tem a importante atribuiggo politica de formar o “Governo” Federal, eleger os membros do Tribunal Federal e nomear o General do Exéreito (somente em época de guerra, j4 que durante a paz, nio hé generais na Suiga....). Uma curiosidade da Federagio suiga: os deputados da Camara Baixa so pagos pelos cofres da Uniio e os deputados da Camara Alta ecebem de seus proprios capté¢s. Isso pata bem caracterizer a representagio can- tonal. 2.2.2. O Conselho Federal ‘A Constituigio da Suica estabelece no artigo 95 que a suprema autoridade diretorial e executiva é exercida por um Conselho Federal, com- posto de sete membros. Os membros de tal Conselho sio designados para quatro anos de governo pela Assembltia Federal. Nao hé chefe de governo na Su(ca, pois a administracao (a funciio executiva) € exercida em conjunto pelo Conselho Federal, um 6rgio colegiado. 508 Ro Wn, begitl, Brasilia o, 29 nm, 113 jan./mor. 199% A fim de exercer as fungées de Chefe de Estado, mormente no papel protocolar de representante da nagdo e na fungao prética de presidir as reunides do Conselho, a mesma Assembléia escolhe um dos conselheiros para ocupar, por um ano, o cargo de “Presidente da Confederagiio”. Os Conselheiros Federais sfio, 20 mesmo tempo, e com muita impor- tancia, os Chefes dos Departamentos do Executivo (compardveis aos nossos Ministérios), Estes siio os departamentos do Governo suigo, que, por serem somente sete, equivalem a “superministérios”: a) Departamento de Relagdes Exteriores: politica exterior, direito inter- nacional, planejamento ¢ desenvolvimento, ajuda humanitéria, b) Departamento do Interior: determinadas tarefas culturais a cargo da Unio, escolas politécnicas federais, meteorologia, ahras piblicas, flores- tas, satide, seguros sociais, prote¢o ao meio-ambiente, estatistica, cultura e ciéncia. ¢) Departamento de Justia e Policia: Justiga, policia, controle de estrangeiros, advocacia federal, seguros, registro de patentes, protecio civil, fomento dos recursos do pais. d) Departamento Militar: defesa nacional. e) Departamento de Finangas: finangas federais, funcionalismo federal, tributos, alfandega, dicool, cereais, pesos e medidas. ) Departamento de Economia Piblica: economia exterior, indistria, artes e offcios, trabalho, agricultura e pecuéria, questées conjunturais, pre- visio econémica para época de guerra, habitagéo. ) Departamento de Transportes, Comunicagbes e Energia: transportes, aviagdo civil, éguas, energia, ferrovias federais, correios, telefones e telé- grafo. Vése que o sistema de governo dos helvécios € mesmo sui generis, nico podendo ser enquadrado no presidencialismo, no parlamentarismo ou no semipresidencialismo, 2.2.3. O Tribunal Federal ‘A Constituigdéo Suiga, no art. 64, n° 3, determina, que “a organiza- (ao judiciéria, o processo e a administrago da justica continuam a per- ‘tencer aos cantées tal como anteriormente”.. R inf, legisl. Brasilia. a, 29m, 113 jon./mer. 1992 509 Porém o art. 106 estabelece que o drgiio judicigrio mais alto da Sufga € 0 Tribunal Federal, com sede em Lausanne. OSWALD SIGG (ob. cit.) explica “que o fato de Lausanne ter sido escolhida, em 1874, como sede do Tribunal Federal nfo se deve ao acaso e, sim, a intengdo clara de se deixar patente, inclusive geograficamente, sua independéncia com relagio aos 6rgios sediados em Berna, o Governo e¢ o Parlamento. De outro lado, se quis atribuir & Sufca francesa um elemento importante do Estado, para cimentar desta maneira a alianga federal com as regides de minorias lin- © att. 107, n° 1, estatui que os 30 juizes do Tribunal Federal ¢ os seus 15 suplentes so designados pela Assembléia Federal, a qual cuidard para quo nele estejam representadas as trés linguas oficiais da Confede- ragéo. [Segundo 0 art. 116 da Constituicao, as Iinguas nacionais da Suice so 0 alemo (falado por 65% da populagio), o francis (18%), 0 italiano (10%) e 0 rético ou romanche (1%) e que as linguas oficiais sio 0 alemio, © francés ¢ o italiano.] Uma lei federal determina que os componentes do Tribunal Federal so escolhidos para um mandato de seis anos (podendo ser reconduzidos), durante os quais no poderdo ocupar outro cargo piblico (federal ou can- tonal) ou exercer qualquer profissio. As principals competéncias do Tribune] Federal, evidenciando muito bem a sua natureza nacional, so conhecer ¢ julgar os litigios: 4) entre a Confederagdo e os cantdes; b) entre a Confederaso, por um lado, e corporagdes ou particulares, pelo outro lado, quando essas corporagdes ou particulares forem 08 quei- xosos ¢ quando 0 litigio atingir 0 alcance determinado pela legislaggo federal; ©) entre cantdes; d) entre cantdes, por um lado, e corporagdes ou particulares, pelo outro lado, quando uma das partes o requerer ¢ o litfgio atingir o alcance determinado peta legislagdo federal. PIER FELICE BARCHI, em Les Institutions Politiques (da série “A La Rencontre de ia Suisse”) destaca a grande importincia do Tribunal Federal na garantia da aplicagio uniforme do direito nacional, principsimente 510 R. inf, fegisl. Brasilia a, 29m. 113 jam./mar. 1992 se se levar em conta que o diteito substantivo suigo é federal, mas o direito processual é cantonal, variando bastante de canto para cantio. 3. A Democracia Dentro da classificego tradicional das formas de Governo, podemos dizer, sem sombra de diivida, que a Suiga € uma repiblica democrdtica indireta ow representativa, cis que o povo helvécio participa efetivamente das decisies dos trés Srgaos do poder estatal através de seus representan- tes eleitos pelo voto direto, como no caso da Assembléia Federal, ou pelo voto indireto, como acontece no Conselho Federal ¢ até mesmo no Tri bunal Federal. Em se tratando do Conselho Federal (0 Srgio executive colegiado jé referido), vale a pena mencionar, o interessante sistema adotado informal- mente em sua composiggo, a fim de que a democracia se torne ainda mais evidente. Desde 1959, ali se consagra a “{6rmula magica”, que consiste distribuir suas sete cadeirs pelos quatro partidos politicos mais importantes no cendrio nacional: duas para os radicais democratas, duas para os demo- cratas cristdos, duas para os socialists ¢ uma para os democratas de centro. Conforme alerta DIETER FAHRNI, em sua Histéria da Suiga, tal sistema permite que 80% dos eleitores esiejam representados no governo. Ainda informalmente, procuta-se distribuir as cadeiras por representantes das qua- tro linguas nacionais ¢ evite-se que um mesmo cantéo tenha mais de um conselheiro. Todavia, na Suiga, a democracia se faz ainda mais patente na inicia- tiva popular e no referendum, nobres institutos da democracia semidireta ali adotados com salutar freqiiéncia. Pela iniciativa popular (também chamada petigdo popular ow iniciative constitucional), cem mil cidadios suigos, no minimo, podem propor, atra- vés de abaixo-assinado, colhido no prazo méximo de 18 meses, uma emenda constitucional & Assembléia, que pede parecer do Conselho Federal. Com parecer favordvel ou contrétio do conselho, © projeto seté submetido & votagiio da Assembléia. Com votagdo favordvel ou contréria da Assembléia, ainda teré a proposta de emenda que ser submetida a votagio popular e a aprovagdo das assembléias dos cantoes. Pelo referendum, 0 povo sanciona ou veta uma legislagio jé elaborada pela Assembléia Federal. Segundo os autores suigos, ali se adotam dois R. Inf, legisl. Brasilia a. 29m, 113. jon./mor. 1992 0 tipos de referendum: 0 obrigatério ¢ 0 facultative. No primeiro caso, a propria lei, em virtude da gravidade do assunto por ela tratado, contém cléusula que condiciona a sua vigéncia & resposta afirmativa na consulta popular. Jé o referendum facultativo ¢ pedido pelo povo no perfodo de vacatio tegis. A Assembléia pode ou nao aceitat o pedido e realizar ou nfo a consulta. Nao realizada, a lei entra em vigor no prazo determinado, Rea- lizada a consulta com resposta afirmativa, obviamente que a lei entra em vigor no prazo marcado. Negativa a resposta 20 referendum, consubstan- cia-se o “veto popular indireto”. 4. A Landsgemeinde Mas, sem divida, que, entre o elenco das instituigdes suigas eviden- ciadoras da democracia, nenhuma € tAo interessante como a Landsgemeinde, que, segundo PETER DURRENMATT, nfo & apenas um “folclore” politico e, sim, a titima manifestagio viva e auténtica, no mundo, da democracia direta, “A forma perfeita do exercicio da soberania popular”, como a con- siderava JEAN-JACQUES ROUSSEAU, o notivel “citoyen de Gentve”. No cantéo de Glaris ¢ nos quatro semicantées de Unterwalden ¢ Appen- zell, no fim de abril ou comeso de maio, quando a primavera distribui cores na paisagem alpina, realiza-se solenemente a Landsgemeinde. Os cida- dos dessas comunidades montanhesas, rednem-se 20 ar livre, numa praga circular, o “Ring’, para num simples e, a0 mesmo tempo, to soberano, Ievantar de mao, eleger o confirmar suas autoridades, como o “Landam- mann” (governador do cantéo), os principsis funcionérios piblicos, os Je gisladores cantonais ¢ os jutzes, ¢ ainda para aceitar ou rejeitar nova legis Jago ou para discutir cs assuntos principais do cantio. A Landsgemeinde mais velha que a propria Confederagio, pois, de acordo com HANS 'TSCHANI, em seu Profil de fa Suisse, os homens que concluiram ha 700 anos, em 1291, a Alianga Perpétua, certamente ratificaram o seu pacto:por uma dessas assembléias populares. Néo hé regulamentos escritos para as Landsgemeinden. A tradigio, consubstanciada em antigos usos e costumes, dirige o espetéculo. Antige- mente permitida s6 aos homens, pouco a pouco a Landsgemeinde foi sendo aberta as mulheres. E esse talvez seja 0 tinico ponto em que a democracia helvética me- rece reparo: a inexplicével dificuldade que as mulheres suigas tém tido 12 RL Inf. legisl. Brositia a. 29 nm. 113 jon./mor. 1992 para verem scus direitos reconhecidos em pé de igualdade com os homens. No plano federal, a isonomia ja foi conquistada plenamente, é verdade. Mas em alguns cantdes ¢ pequenas comunidades, ainda hé certa resisténcia. © processo da Landsgemeinde dividese em duas partes: 0 desfile de abertura e as deliberagdes do “ring”. As autoridades cantonais tomam parte na “procissio” inicial, acompanhadas por destacamentos militares. Em Appenzell, © encontro & aberto com 0 canto solene da “Ode a Dieu”: “Pris de moi je sens Ta main, ‘Tu me gardes dans mes luttes, me relaves quand je bute, Tu me montres le chemin.” £ um engano pensar-se que, conservada em apenas cinco Estados suf- gos, com um niimero de habitantes relativamente pequeno, e também, em pequeninas aldeias, a Landsgemeinde seja propria de populagdes menos adiantadas. O cantéo de Glaris, para citar um deles, é uma das regioes mais industrializadas da Suica, ¢ foi ali que, em 1864, a Landsgemeinde votou a primeira lei de protegao ao trabalho em todo o continente europeu. © fato de que essas reunides sejam realizadas com uma grande dose de ceriménia, atraindo turistas e visitantes de todo 0 mundo, pode tam- bém nos fevar a conclusdo errénea de que elas constituem um simples “festival” politico. Na verdade, apesar de substituida pelas urnas nos demais cantdes suigos, a Landsgemeinde impressiona pelo ar de seriedade que dela emana. Em nossos dias, conforme muito bem diz PETER DURRENMATT (0b. cit), quando o Estado é ameagado pelo anonimato (mesmo numa rept blica federal como a Suica, com suas manifestagdes de democracia indireta © semidireta), j4 que ele € visivel 0 cidadio através de formulirios, bal- ees, guichés (e das abomindveis filas), é muito importante que, uma vez por ano, ele se apresente vivo, na procissio das autoridades ¢ na ceriménia do “ring” © que o individuo, verdadeiro soberano, possa expressat sua opinifo c eleger seus Ideres, Jevantando a mo entre seus iguais. 5 Conclusao Os suigos questionam a si proprios: — “Como € que os outros nos véem? Seremos s6 conhecidos pelos Alpes, pelo queijo sufgo e pelo choco- R. Inf. fegisl, Brasitia @. 29 mn. 113 jon./mar. 1992 513 late? Polos nossos precisos reldgios ¢ maquindria suiga? Ou pelos bancos que atraem o capital de todo o mundo?” Pode ser até verdade que muitas pessoas s6 conhecam a Suica pelos faiores tursticos, industrials e financeiros acima mencionados. Mas também é verdade que iodos aqueles, mestres e alunos, pratican- tes ou teéricas, que se dedicam ao estudo da Histéria, do Direito Consti- tucional e da Ciéncia Politica, sabem muito bem que, ao lado das mara vilhas oferecidas pelo pais, a Suiga, como Estado, é um perfeito laboratério onde o federalismo e a democracia, levados a sério, foram capazes de fazer com que pessoas falando linguas diferentes, professando religides diversas, conservando costumes variados, se tornassem uma populaciio homogénea, no sentido de formarem uma nagdo e um povo, que, sobretudo, ama a li- berdade, ido bem simbolizada pela figura lendéria de GUILHERME TELL. 6. Bibliografia AUBERT, J. F. Petite histoire constitutionnelle de la Suisse. Berne, Fran- che ditions, 1974. BARCHI, Pler Felice. Les institutions politiques. In: A La rencontre de la’ Suisse, Lausanne, Office suisse d’expansion commerciale, 1982, CAETANO, Marcello, Direito Constituctonal, V. 1, Rio de Janelro, Ed, Fo- yense, 1977. DURRENMATT, Feter. The Landsgemeinde: more than political foklore. Gazette, revista mensal da Swissair, jul./77. FAHRNI, Dieter. Historia de Suize. Zurich, Pro Helvetia, 1989. FAVRE, Antoine. Droit constitutionnel suisse. 2% ed. Fribourg, Editions ‘Untversitatres, 1970, FIUZA, Ricardo Arnaldo Malheiros. Dez dtas na Suiga. Belo Horizonte: Liv. Montemuma, 1977. PIUZA, Ricardo Arnaldo Malheiros. Direito Constitucional Comparado. Belo Horizonte: Liv. Del. Rey, 1985. SIGG, Oswald. Las instituctones politicas de Sutea, Zurich, Pro Helvetia, 1983. SUIGA (Constituicdo). Constituigio da Confederagéo Suica. In BRASIL. Senado Federal. Consttiuigdo do Brasil e Constituigdes Estrangeiras. Brasilia, 1987. ‘TSCHANT, Hans. Profil de ta Suisse, Lausanne, Spes, 1972. 514 “ K. Inf. fegisl, Wreaiia 0. 29 n. 113 jon./mar. 1992

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