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Acelebrar20anosdeviagens,oviajanteprofissionalportugus
lanaumanovaobraquerenereflexesefotosdassuasrotas.
Aqui,atravsdeumadascrnicasincludasem"UmLugarDentro
deNs",Cadilhe,querecentementerecebeuoPrmiodeJornalismo
deViagens,levanosanavegar.
Desde a amurada
O enjoo como o suborno: ningum imune. O preo que pode ter
de variar. Ningum pode afirmar que nunca enjoa, o que existe so
nveis diferentes de tolerncia ao balano do mar. O meu nvel de
tolerncia no alto, mas a minha fria de viver imensa. Encolho os
ombros, cerro os dentes e embarco. Pacincia com o male di mare,
com a seasickness, serei um "mareado", sim, mas vido de mar.
As experincias mais bonitas e transcendentais da minha vida de
viajante tm acontecido a navegar. Caminhar em silncio pelo convs,
vazio de outra gente, chegar ao abismo de solido que a proa
alongada sobre o escuro lquido de um oceano profundo, apoiar-me na
amurada, ponderar o infinito. Parar. A substncia mais primordial do
planeta, a gua, em baixo; e a substncia mais primordial do Universo,
o cu, em cima. Eu, no meio. Eis o que navegar: regressar ao
princpio, ao mito da criao, flutuao amnitica do tudo.
No surpreende que ao longo dos milnios a navegao tenha sido
sempre to aclamada, to mitificada pelas vrias culturas do globo; e
que os seus participantes navegadores tenham sido o paradigma do
esprito aventureiro. Jaso, Ulisses, Sindbad, Gama, Magalhes, Cook.
No me surpreende. Eu sei.
Eis o que eu sei. Que navegar regenera. Que reconstitui. Que melhora.
Sei que sou melhor do que alguma vez teria sido se nunca tivesse
navegado. Naveguei trs oceanos, sete mares, rios que so como
mares, estreitos que so como auto-estradas martimas, poderosos
navios, velhos cargueiros, iates fretados, boleia fortuitas, passagens
pagas, beliches, camarotes, bancos de convs, tarimbas de poro. Um
pouco de tudo, um pasmo imenso. Que memrias salvaria eu de tanto
navegar?