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NORBERTO BOBBIO. O POSITIVISMO JURIDICO 5 DE FILOSOFIA DO DIREITO LICOE compilacas pelo Dr. NELLO MORRA oe notas Kircio Pugliesi, da Faculdade de Direito da Universidade de Sao Paulo. Edson Bini, da Faculdade de Filosofia da Universidade de Carlos E. Rodrigues, da Faculdade de Direito da Pontificia Universidade Catélica de Sio Paulo. am editora Paulo. Dados Internacionais de Catalogagio na Publica -a do Livro, SP, Brasil) (Camara Bri Bobbio, Norberto, 1909 — 0 Positivismo Juridico: Ligtes de io (CIP) sofia do dircito / Norberto Bobbio: compiladas por Nello Morra; tradugdo € notas Marcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E, Rodrigues. — Sao Paulo: icone, 195, ISBN 85-274.0328-5 1. Direito 2. Direito — Filosofia 3. Positivismo |. Morra, Nello, 1 Titulo, 95-0422 indices para catdlogo sistent |. Positivismo juridico: Direto: Filosofia CDU-340.12 340.12 PARTE II A DOUTRINA DO POSITIVISMO JURIDICO 1290 INTRODUCAO 32. Os pontos fundamentais da doutrina juspositivista. Limitamos a parte histrica deste trabalho exclusivamente as origens do positivismo juridico, porque o seu ulterior desenvolvimento sera estudado a0 examinarmos os problemas douttinérios aos quais é dedicada esta segunda parte: tratando das varias teorias juspositivistas, Faremos vez ou outra referencia aos varios autores (especialmente da segunda metade do século XIX e do nosso século) que especificamente desenvolyeram tis teorias. As caracteristicas fiundamentais do positivismo juridico podem ser em sete pontos ou problemas, sendo que a cada um deles dedicaremos um capitulo: 1) 0 primeiro problema diz respeito a0 modo de abordar, de encarar 0 direito: 0 positivismo juridico responde a este problema considerando o direito como um faio ¢ ndo como um valor. O direito € considersdo como um eonjunto de fatos, de fendmenos ou de dados sociais em tudo andlogos Aqueles do mundo natural; o jurista, portanto, resur deve estudaro direito do mesmo modo que o cientista estuda a realidade natural, isto é, abstendo-se absolutamente de formular juizos de valor. Na linguagem juspositivista o termo “direito” & entio absolutamente avalorativo, isto &, privado de qualquer conotacao valorativa ou resso- hancia emotiva: o direito ¢ tal que preseinde do fato de ser bom ou mau, de ser um valor ou um desvalor Deste comportamento deriva uma particular teoria da validade do direito, dita tooria do formalismo juridico, na qual a validade do direito se fund rios que concernem unicamente a sua estrutura formal (vale dizer, em palavras simples, 0 seu aspecto exterior), prescindindo do seu contetido; segundo 0 positivismo jurfdico, a afirmagio da valida- de de uma norma juridica nao implica também na afirmagao do seu valor. 2) © segundo problema diz respeito A definigao do direito: 0 juspositivismo define © direito em fungio do elemento da coacao, de onde deriva teoria da coatividade do direito. Essa teoria € conseqiitn- ya, do modo de considerar 0 di jo, que aud © direito como fato leva neces nos no item anterior: 0 consid mente dircito © que vige como tal numa determinada so a aguclay normas que sao Feitas valer por meio da forga (convém notar, porém, que esta doutrina nao ¢ exclusividade do positivismo juridico, visto que seu primeira formulador ¢ geralmente considerado 0 juisnaturalistsslemo Christian Thomasivs). 3) O terceito problema diz respeito as fontes do direito, Na parte hist6rica consideramos o positivismo juridico sobretudo deste ponto de vista e vimos como este havia afirmado a teoria da legistagao como fonte preeminente do dircito, isto é, como este considera o direito sub specie legis: tal teoria coloca 0 problema das outras Fontes do direito, que ndo desapareceram totalmente. O positivismo juridico elabora toda uma complex doutrina das relagbes entre a lei e 0 costume (exeluindo-se 0 costume contra legem ou costume ab-rogativo ¢ admitindo somente o costume secundum legem e eveniualmente o practer legen), das rela- Goes entre lei e dircito judickirio e entre lei e direito consuetudindrio, H4, em seguida, o problema das fontes assim ditas “pressupostas” ou “apa rentes” do dirvito, como a eqiidade e a natureza das coisas ou dos fatos, (c veremos que esta tltima representa uma abertura inconsciente para 0 direito natural) 4) O quarto ponto diz respeito A reoria da norma juridica: 0 posix nig juridico considera a norma como um comando, formulando 8 teoria imperativisia do direito, que se subdivide em numerosas “subteorias”, segundo as quais € concebido este imperative: como positivo ow ncgativo, como autonome ou heteronomo, como tecnico ou Glico, Hi, em seguida, o problem considerar como day “norm: nifestar em menor grau a natureza imperativa do diteito; ¢, cnfim, trata-se de estabelecer a quem sio dirigidos os coman- dos juridicos, de onde deriva 0 problema dos destinakirios da norm: 5) © quinto ponto diz respeito a teoria do ordenamento juridico, que considera a estrutura nao mais da norma isoladamente tomada, ms doconjuntode normas juridicas vigentes numa sociedade, O positivismo juridico sustenta a reoria da coeréncia v da completitude do ordena- mento juridico': i) a caracteristic: namento juridivo possa permissivas”, isto é, se estas normas fazem my 1 coeréncia exelui que, em um mesmo orde- mente duas normas stir simultan wack 19800. NT publica antingmicas (contrad torias ou contririas), visto que jf esta implicito no proprio ordenamento, eipio que estibelece que uma das duas, ow aambas as normits, sito invalidas +b) com 0 requisito da completitude, o positivismo juridico atirma jue, das normas explicita ou implicitamente contidas no ordenamento {uridico, o juiz pode sempre extrair uma regula decidendi para resolver quuilquer caso que Ihe seja submetido: o positivismo juridico exelui assim decididamente a existéncia de facunas no direito. 6) 0 sexto ponto diz respeito 0 método da ciéncia juridica, isto €,0 problema da interpretagdo (entendendo-se 0 termo “interpretagao’ em sentido muito lato, de modo a compreender toda a atividade cientifi- ado jurista: interpret 0, canstrucao, eriago do sistema): 0 positivismo juridico sustenta a teoria da interpretacao mecanicista, que va atividade do jurista faz prevalecer 0 elemento declarative sobre 0 produtivo ou criativo do direito (empregando uma imagem modema, podcriamos dizer que 0 juspositivismo considera 0 jurista uma espécie de rob6 ou de ealeuladora eletrOnica). Este foi 0 ponto escolhido pelos adversirios para desencadcar a contra-ofensiva contra © positivismo juridico © que gerou logo um debate tremendo, chamado pelos alemaes de “batalha dos métodos” (Methodenstreit). 7)O sétimo ponto diz respeitoa teoria da obediéncia. Sobre este onto nao se podem fier generalizagdes ficeis, Contudo, ha um conjun- to de posigdes no Ambito do positivisine juridicu que encabega a tevria da obediéncia absoluta da lei enquanio tai, teoria sintetizada no aforismo: Gesetz ist Gesetz (\ei € lei) Com referencia esta teoria, contudo, melhor do que de positivism jutidico, dever-se-ia lular de positivismo ético, visto que se trata de uma ‘afirmagio de ordem nao cientifica, mas moral ou ideoldgica; e também as origens historias dessa Joutrina sto diferentes daquelas das outras teorias juspositivistas: enquanio, de fato, estas iltimas concerem a pensamento racionalista do séeulo XVII, a primeira diz respeito ao pensamento filossfico alem le do século XIX particular. a Hegel Concluindo, o positivismo juridico pode ser considerado sob res aspectos: TNE) ecomomente nvonaive eve rnp nnd Bie rade Tele Sampaio Peas J Induce ao ‘Tecmo Dectsao, Dininacoo EN, SH ina a) um certo modo de abordar estudo do direito (ver item 1); b) uma c) uma cer 11 woria do direito (ver itens 2 a 6); ideologia do direito (ver item 7) CAPITULO | O POSITIVISMO JURIDICO COMO ABORDAGEM AVALORATIVA DO DIREITO 33. O positivismo juridico como postura cientifica frente ao direito: juizo de validade ¢ juizo de valor. Opositivismo juridico nasce do estorgo de transformar 0 estudo do direito numa verdadeira © adequada ciéncia que tivesse as mesmas cas, naturais € sociais. Ora, a cavaloratividade, isto €, na distingao entre juizos de fato ¢ juizos de valor na rigorosa exclusao destes tiltimos do campo cientifico: a ciéncia consiste somente em juizos de fato. O motivo dessa distingdo e dessa exclusio reside na natureza diversa desses dois tipos de juizo: 0 juizo de ato representa wma tomada de conhecimento da realidade, visto que a formulagio de tal juizo tem apenas a finalidade de énformar, de comunicar a um outro a minha constatcio; juizo de valor representa, a0 contririo, uma tomada de posicao frente a realidade, visto que sua formulagio possui a fimalicade nav de informar, masde influlr sobre 0 outro, isto &, de fazer com que 0 outto realize uma escolha igual 4 minha e, eventualmente, certas prescrigSes minhas. (Por exemplo, diante do eéu rubro do por-do-sol, se eu digo: “o e6u¢ rubro™, formulo um juizo de fato; se digo “este cu rubro é belo”, formulo um juizo de valor.) A cincia exclui do proprio ambito os juizos de valor, porque ela deseja ser um conhecimento puramente objetivo da realidade, enquanto 0s juizos em questio sao sempre subjerivos (ou pessoais) e conseqiiente- mente contrarios a exigénciu da objetividade. O fato novo que assinala a ruptura do mundo moderno diante das épocas precedentes é exatamente representado pelo comportamento diverso que o homem assumiu peran- te a natureza: o cientista moderno renuncia a se pér diante da realidade com uma atitude moralista ou metafisica, sbandona a concepgao teleo- ogica (finalista) da natureza (segundo a qual a natureza deve ser compreendida como pré-ordenada por Deus a um certo fim) e aceita a realidade assim como é, procurando compreendé-la com base numa 135 concepgiio puramente experimental (que nos seus primérdios & um: concepgaio mecanicista), A mesma atitude lornou-se propria tamb cigneias soeiais (isto 6, das cigneias humano) estis 3 que estudam 0 comport stem efetivamente na soci sem a elas api juizo de valor, sem se perguntar, por exemplo, se sdo perleitas ou nao, se ‘io conformes ou nao um modelo ideal de lingua e assim por diante, esmo 0 historiador se esforga em ser objetivo, em reconsiruir os fatos, de suas paixdes e de suas preteréncias politieas e ideol6, gicas.de modo a explicaroseventose nao julgé-fos (neste sentido Croce dizia que “a Historia nao deve ser justiccira, mas justificadora”), Pois bem. o positivista juridico assume uma atitude cientifica frente ao direito jai que, como dizia Austin, ele estuds o direito tal qual é, ‘nao tal qual deveria ser. O positivismo juridico representa, portanto, 0 estudo do direito como fato, nao como valor: na defini¢ao do direito deve ser exeluid toda q que seja fundada num juizo de valor € que comporte a distingio do proprio direito em bom © mau, justo ¢ injusto. O ditcito, objeto da ciéncia juridiea, & aquele que efetivamente se manifesta na realidade historico-social; © juspositivista estuda tal dircito real sem se perguntar se além deste existe também um direito idea! (como aquele natural), sem examinar se 0 primeito corresponde ou nao ao segundo e, sobretudo, sem fazer depender a validade do direito real da sua correspondénein com 0 direite ideal: or 13, por exemplo, considerari direito romano tudo 0 que a sociedade romana considerava como tal, sem fazer intervir um juizo de valor que distinga, entre direito “justo” ou “verdadeiro” e direito “injusto” ou “aparente” Assim a esera iderad um instituto jurielico como qual- quer outro, mesmo que dela se possa dar uma valoracio negati: Essa atitude contrapde © positivismo juridico ao jusnaturalismo, que susteni do estudo do diteito real também a su valoragao com base no ditcito ideal, pelo que na definigao do direito sé deve introduzir uma q . que discrimine o direito tal qual & segundo um critério estabelecido do panto de vista do direito tal qual deve ser Para esclarecer estas dus atitudes diversas do juspositivismo e do jusmaturalisn qualquer itica que deve fazer par nveniente introduzir os dois conceitos de validade do uireito € de valor do direito, A validade de uma norma juridica indica a qualidade de nck a qual © do direito ou, em outros termos, existe I norma, ste na esti fee 10 ‘como nomi juridica, Dizer que uma norma juridiea & vdlida signitien dizer que tal norma faz parte de um ordenamento juridico teal, efetiva Incnle existente numa dda Sociedade © valor de uma norma juridica indica a qualidade de tal norma, pols qual esta € contorme o diteito ideal (entendida como sintese de todos os valores fundamentais nos quais 0 direito deve se inspirar); dizer que uma norma juridica € valida ow justa’ significa dizer que esta corresponde ao diteito ideal O cont jade & invalidade ¢ 0 contritio de valor (ou justiga) € desvalor (ou injustica). Temos assim dois pares de termos (validade —invalidade: valor —desvalor) que nao podem sersuperpostos, sam dois pares de j obre direito formulados com base em critérios reciprocamente independents. Ora, a pos Alida deve ser v. rig de val izos. porque represet jorosa (justa); nem todo o direito existente é portanto direito vilido, porque nem todo & justo. Esta posigao identifica o conceito de validade co de valor, reduzindo o primeiro ao segundo, Ha uma posigio juspositivista extrema que inverte a posicio jusmaturalista os dais conceitos, mas reduzindo a conceito de valor ao de validade: uma norma juridica 6 usta pelo tnico falo de ser valida (isto é, de provir da autoridade legitimada pelo ordenamento juridico para por normas). E dificil, porém, encontrar um positivista que conscientemente assumu esta posigio extrema, Talvez esta posigdo se possa encontrar em Hobbes, segundo o qual no estado de naturezi nao existem critérios para distinguir 0 justo do injusto, visto que jos somente surgem com at Constituigao do Estado, sendo justo © que o soberano "ambém esta identifie: luis « representados pelo comando do soberano ‘ordena e injusto 0 que 0 soberano vet). Mas no 6 esta a posigio tipica do positivismo jurfdico, Neste, 10 coniririo, ¢ habitual distinguit © separar nitidamente 0 conceit. de validade Uaquele de valor (pode, de fato, haver um direito valido que é njusto € um direito justo — por exemplo, 0 direito natural — que é invilido); ainda ndo excluindo a possibilidade de formular um juz sobre valor lo direito, este sustenta que tal juizo se afasta do campo da Esta Gti a formular um juizo de 1a deve se limi ciéneia juridica, TS Vida & olen ds ferme “valde”; “valonn” & 9 abetive da dome “valae dad, porte, que vain ei Hsntionmere pou ntsc, pornos subst pelo tive “jst ‘sia oak Cama eue e Ra 0 ici Es, validade do diteito, isto & assequrar si Sua eNistencia 341 distingio entre juizo de validade ¢ juizo de valor C1ao-somente um easo particular (referente ao diteito) da distingao entre iz de Talo e juizo de valor. (A proposigio: “este dircito € valido” tende, com efeito, somente a dar uma informagio que pode servir aos iladaos, aos juizes ete; a proposigao: “este dircito é justo ou € injusto” lende, uo contririo, a influir sobre © comportamento dos cidadios — Fazendo com que obedegam ou, respectivamente, desobedegam ao d reito.) 34. Ciencia do direito e filosofia do di lorativas © definigoes ¥; A distingio entre juizo de validade ¢ juizo de valor veio a a funcio de delimitagio das fronteiras entre ciéneia e filosofia do diteito. A atitude do juspositivista, que estuda o direito preseindindo de seu valor, fez refluir & estera da filosofia a problemitica e as pesqui ative Is a isso, 0 {ilésolo do diteito nao se contenta em conhecer # realidade empirica do diteito, mas quer investigar-Ihe 0 fundamento, a just ia do valor do direito. A «lo dircito pode, conseqiientemente, ser definida como 0 estudo do direito do ponto de vista de um determinado valor, com base no qual se julga 0 direito pasado ¢ se procura influir no direito vigente. ‘Temos assim dus categorias diversas de definigdes do direito, que podemos qualificar, respectivamente, como definigdes cientificas © dclinigdes filosstieas: us primeiras Sio definigies faiuais, ou avalorativas, inckt onsoldgicas, isto é, definem o direito tal como ele é AS segundis siio definigdes ideoldgicas, ou valorativas, ou deontolégica: isto €, detinem o diteito tal como deve ser para satisfazer um certo valor Os positivistas juridicos ndo aceitam as definigdes filoséticas, porque estas (introduzindo uma qualificacao valorativa que distingue 0 direito em verdudciro e aparente, segundo satisfaga ou ndo um certo requisito deontoldgico) restringem arbitrariamente a ‘rea dos fenéme- thos socitis: que empitica ¢ fatualmente sao direito. Defiuicoes valorativas: caracterizam-se pelo fato de possuirem ini estramra tcleoldgied, a saber, definem 0 direito como um conseguir um certo valor. Naturalmente 0 io; ¢ ei-lo assim colocado diante do probl Filosof mento que serve para 8 valor, em Lunean do qual 0 diteito € definide, varia de filosofo para fildsot. ‘Uma das mais tradicionais definigdes fitosoticas € a que define © direito em funeao da justica (isto &, como ordenamento que serve para realizagio da justiga). Esta definigao jé 6 encontrada em Aristoteles Neste autor, a props dentificagdo de direito e de justi © plano lingiistico, visto que para indicar 0 “direito” Aristo termo dékaion, que significa propriamente “justo” (de diké = justiga: ct. § 1). Esta mesma definigio pode ser enconirada num filésofo contempe raneo, Radbruch: Diteito Ean lade que tem seu significado no servi a justica (Reehtsphilosophie, § 4). a0 valor juridico, isto é, 4 id Um outro valor, em fungio do qual se define freqientemente 0 direito, € 0 bem comum; clissica € a formulagio de Santo Tomas de Aquino: Lex nihil aliud est quam quaedum rationisordinatio ad bonum commune ab eo qui curam communitatis habet promutgata (S. th. Li Wae, 4.90, art. 4). Esta detini a lei é defini ‘40 € claramente deontologica ou valorativa, visto que ‘© bem comum; de once, deste ponto de vista, ler de um ti toe, do lirano que exerce o poder pars x propria vantagem pessoal e no para o bem comum) nao é uma lei verdadeira. Uma outra famosa definigao do direito é a de Kant: ja.em relagao a um O direito é 0 conjunto das condigdes por meio das quaiso anbitrio de un pode entrarem acordo com o atbitrio do outro, segundo uma lei univer sal da liberdade (Metafisicw dos Costumes, em Escritos Politico, el. | UTET, p. 407) , Esta definigio € ontol Fo ontologica, mas nds Nao define, com elvito, o dieito mas assim como Kant queria qu ou deontolégiea? Alguns a considera sustentamos que € cliramente deontoliy sim como este 6 em todos os fosse, segundo suas proprias concep: Aso (7 Conleame Ko 1998, pao aa .ghees politicas. Ainda aqui o direito é definidoem funcio de um valor que este deve realizar, mesmo que este valor ndo seja nem a just mente segundo a conce} nncia de impedimento) 0 valor que, por Kant, o Estado deve garantir alravés doordenamento juridico, Que definicao de Kant nio é ontolégica mas deontoldgica deflui com total evidéneia do fato de que bem poucos sio 08 ordenamentos juridicos que garantem a cada cidadio uma esfera igual de liberdade. Com base na formulagio kantiana, a todos os ordenamentos que nio garantem este resultado deveria ser negado 0 cardter da juridicidade (assim nfo seria direito 0 ordenamento normativo da Unido Sovistica, que se inspira na idcologia socialista, segundo a qual 1 Estado deve gurantir aos cidadios a seguranga social). Um recentissimo exemplo de definicao valorativa do direito pode ser encontrada nesta formulagio de Piovani: O direito € 3 atividade dirigida A criagio de meios capazes de impedit jentados & expansiio da individualidade, que se realiza no mundo hhistorico (Linge d’nna filosofia del diritto, Pidua, Cedam, 1958, pp. 35-36). Meso esta € urna definigio deontolégica, porque define 0 direito em fungio de um certo valor (representado neste caso pela individuali- dade humana), Definicoes avalorativas. © positivismo juridico dé uma defi fatual, Mas definigoes deste genera ja sto encon- ores anteriores, que podem ser considerados precursores i: doutrina juridica. Um pensador no qual ja se pode encontrar uma clara distingio entre a definigo ontolégica do direito e a deontolégica é Marsilio de Padua (pensador medieval, autor de Defensor pacis, uma obra escriti com a finalidade de defender a independéneia do Estado lareja, © que leva as suas extremas conseqiéneias as doutrinas is pelos {autores do Império contra os curialistas). Ele, distin- guindo os viirios significados do termo “lei”, atimma: A lei pode... ser consid le dois modos. No primeiro, pode ser iderada em si, enquanto mostra somente o que é justo ou © que & injusto, « Pode-se, em seguida, considerar a lei -gundoo qual pela sua observinciaé dado um preceito coative ligado a uma punigio ou a uma recompensa serem ttribuidas neste mundo, ow segundo seja derivada de unm tal preceito; somente quuindo & considerada deste tltimo modo é chamada de 06 propriamente (i! difensore della pace, trad, it. UTET, 1960; Disc, 1, cap, X84, ps 15S). mo se ve, Marsilio distingue o significado deontol6gico da lei do ontolégico. Se no primeiro sentido (impréprio) a lei indica o que justo © o que ¢ injusto, no segundo sentido (que € 0 proprio) a lei indic: somente uma realidade fatual, isto €, um comando do Estado que s valer coutivamente, O autor prossegue assim no § 5: Por esta tazio, nem todos os conhecimenios verdadeiros das coisas ju Isso leis, quando nd foram emsinadas median- {e um comando coative que imponha a sux observancia, ou no foram feitas por meio de um commando, mesmo se,em seguida, um tal eonheci mento verdadeiro seja certamente necessitio para haver uma lei perfeita. Na verdade, mesmo conhiecimentos falsos de coisas justas tornam-se as vezes leis, se & dado © comando para sua observancia ou sao feitas por ‘meio de wi tal comando, Um exemplo pode ser encontrado em alguns, paises barbaros, onde & tida como norma justa ser absolvido da culpa e da punigio civil um homicida, desde que pague uma certa soma por tal delito, Ors, esta norma€, . absolutamente injusta ¢, conseqientemente, as leis desses barbaros nao sao absolutamente perfeitas (op. cit, p. 156). A partir desta passagem resulta que para Marsilio: a) 0 que € justo nao & de per si proprio direito; b) 0 justo nao é um requisito essencial da lei, visto que a auséncia da justiga nio exclui a juridicidade da norma: ¢) 0 justo serve para distinguir nao tanto a lei da nao-lei, mas sim a lei perfeita da lei imperfeita, isto €,u justiga incide nao sobre a juridicidade mas sobre 0 valor lei Encontramos, enti, neste autor, pela primeira vez, uma definigao neutral do diteito, que 0 liga a0 poder soberano e aquela expressao tipica desse poder, que € a coercio. Definigdes deste género sio encontradas sucessivamente no de senvolvimento do pensamento justilosotieo, de Hobbes (ver § 8) a Austin (ver § 26) até os mais recentes expoentes do positivisme juridico, Bastard recordar neste ponto a definigio que do direito di Kelsen, iderado um dos mais importantes ¢ coerentes tebricos do positivismo o. Segundo este autor 0 d M1 a técnica soctal que consiste em obter 4 desejida conduta social dos homens mediante a ameaga de uma medida de coergaa ser aplicada em caso de condita contriria (Teoria geral do direito e do estado, tad. it, Comunits, 1952, p. 19), Notar- como esta definigio € depurada de todo elemento valorativo € de todo termo que possa ter uma ressonancia emotiva. O dircito € definido como uma simples técnica; como tal pode servir & ) de qualquer propésito ou valor, porém € em si independente de todo propésito e de todo valor “Positivismo juridico” ¢ “realismo juridico”: a definigao do direito como norma valida ou como norma eficaz. O positivismo jutidico, definindo o direito como um conjunto de ndos emanados pelo soberano, introduz na definigao 0 elemento {inico da validade, considerando portanto como norms juridicas todas aS normas emanads num determinado modo estabelecido pelo préprio ordenamento juridico, prescindindo do fato de estas normas serem ou nijo efetivamente aplicadas na sociedade: na de introduz assim 0 requisito da eficdcia. Uma corrente juridlica contemporanea (surg pasado), que pode ser considerada pertencente ao positivismo juridico Hendido em sentido gencrico, embora se diferencie do positivismo em lo estrito, sustenta que ¢ insuficiente a defini¢io do direito baseada ‘no requisito tinieo da vali endo necessario, pelo contrario, introdu- zir também o requisito da eficdcia. O dircito, observa essa escola, € uma realidade social, uma realidade de fato, e sua fungio € ser aplicado: logo, uma norma que niio seju aplicada, isto é, que nao seja eficaz, nao 6, conseqiientemente, diteito. A doutrina desta corrente, que € conhecida com o nome de escola realista do direito, pode ser resumida da seguinte maneira: € direito © conjunto de regras que sao efetivamente seguidas ‘numa determinada sociedade. As diferentes definigdes do direito uelasda eseok pos pela escola realista © 1a (em senso esttito, por exemplo, ade Kelsen) decorrem do ponto de vista diverso em que os expoentes das duas escolas se colocam, para considerar 0 fendmeno juridico; os juspositivistas enfocam 0 diteito pelo angulo visual do dever ser, considerando assimo diteito como uma realidade normativa; os realistas enfocam 0 direito do Angulo visual do ser, considerando assim o direito como uma real fant E incorreto considerar incompleta a definicao juspositivista bust ada no requisito Unico da vatidade; esta realmente se adequa ¢ reflete fielmente a atitude operativa, que efetivamente o jurista assume. O jurista sua atividade, se coloca diante do direito de um Ponto de vista normativo, considera as normas juridicas no plano do dever ser: ele, antes de estudar conteido de uma norma ou de um institulo juridico, se pergunta se eles sao validos, mas nao se indaga também se sio eficazes, isto é,s€ ou em qual medida foram, sao ou sex aplicados. A diversidade entre a definigao juspositivista ea Ultima aniilise, do modo diverso de individualizar a fonte do direito. O que significa para um realista dizer que o direito sio as normas efetiva- ‘mente cumpridas? Em outras palavras: que conduta se observa para estabelecer a efetividade de uma norma? Talveza conduta dos cidadios? Nao: quando os realistas falam de eficdcia do direito ndo se referem a0 comportumento dos cidadios; nio pretendem dizer que sao direito a norms aplicadas por estes diltimos, ¢ isto por dois motives: em primeito lugar, se se devesse acolher uma semelhante definigio do diteito, este nao existirin porque nao hé normas juridicus que todos os cidadios respeitem: em segundo lugar, é extremamente dificil (e praticamente impossivel) desenvolver uma investiguedio sociolégica para verificar se € em qual medida os cidadaos aplicam certas normas — e conseqiiente- ‘mente constatar quais sio as normas juridicas. Falando de eficdcia, os realists se referem ao comportamento dos juizes, duqueles que devem fazer respeitaras regras de condu 405 cidadios. Normas juridicas sio, pois, aquclas que os ju no exercicio de suas fungies, vale dizer no dirimir as controvérsias. A definigio realista do direito nao faz conseqiientemente tani a0 legislador que estabelece a norma, mas sobretudo ao juiz que a aplic naturalmente no aplicar as normas legislativas € possivel que 0 jaiZ THES modifique © conteddo, & portant € possivel uma divergen defusagem entre 0 ordenamento do legislador e 0 dos jutzes. O problema de se dever considerar o direito do ponto de vista da validude (do dever ser) ou di cficécia (do ser), pode portanto ser reformulado assim: qual € 0 verdadeiro ordenamento juridico? O do 1 desenvolver 143 legislador, embora nao aplicado pelos juizes, ou o dos juizes, embora nao seja conforme As normas postas pelo legistador? Para os realistas, deve-se responder afirmativamente a segunda alternativa: & direito verdadeiro somente aquele que € aplicado pelos ju hormas que procedem do legislador, mas que nao chegam ao juiiz, nao sao dircito, mas um mero flatus vocis. Kantorowice", por exemplo, define o direito como: conjunto das regras da conduta externa cencarregado (“Legs de cuja aplicagio o juiz esta » Columbia Law Rev., 1928, p. 679). Num obra posterior (The Definition of Law —Cambridge, 1958), omesmo autor, depois de ter examinado ¢ descartado uma longa série de definigodes do direito, afirma que caracteristica do direito éser justiciable (termo inglés que nao tem correspondente em italiano ow portugues), isto é, suscetivel de ser aplieado por um rgio judieiario com um procedimento bbem detinido (op. cit, p. 79). A escola realista surgiu e se desenvolveu principalmente nos paises anglo-saxOnicos, enquanto 0 positivismo juridico Nloresceu so- bretudo na Europa continental —o que se explica perfeitamente, j4 que no mundo anglo-saxGnico os juizes desempenham um papel de primeiro plano na produgao das normas juridicas, enquanto no mundo europeu continental a produgio do direito € obra essencialmente do legistador. 36, O “formalismo” como caracteristica da definigio juspositivista do direito. A detinigao do positivis 10 (em senso estrito) ¢ a do realismo juridico, em sua diversidade, tém um elemento em comum: so defin Ges anti-ideol6gieas, definigSes que nao fazzem referéncia a valores ou fins que seriam proprios do direito. Deste ponto de vista, ambas podem ser qualificadas como definigdes posirivistas (em sentido lato), em contrapo 8 ideo que (sempre em sentido lato) podem ser qualificadas como jusnaturalistas. (NA) Ls dew lento emyrad at ster qu ne, porta, 40g enti ds ales lates a revidade psi dongles 144 Se desejarmos tentar prec racteristica fundamental das definigdes positivistas, veremos que esta ¢ representada pelo fato de que aas mesmus procuram estabelecer o que é o direito prescindindo de seu contetido, vale dizer, da matéria por este regulada; isto porque o contet- do do diteito ¢ infinitamente variado. O ordenamento de uma sociedade primitiva ¢ 0 de uma sociedade desenvolvida, 0 ordenamento de um Estado liberal e 0 de um Estado socialista, 0 ordenamento do Estado ¢ 0 candnico ou o » diversos um do outro quanto ao conteddo. Qualquer tentativa de definir o diteito em relagao a0 seu contetido estiia fadada ao fracass0, porque nao existe matéria que o direito nao tenha historicamente regulado ou nao possa num eventual futuro regular —até que a limitacio do direito a disciplina exclusiva das, reli externas (como faz Kantorowiez na primeira de suas duas definigSes referidas no pariigrafo anterior) pudesse ser desmentida por ‘uma Sociedade do tipo daquela imaginada por Orwell*, onde um Estado superiotalitario control siiditos Com referéncia ao contetido das norms juridicas, € possivel fazer uma tinica afirmacio: © direito pode disciplinar todas as condutas humanas possiveis, isto é, todos os comportamentos que nio so nem necessirios, nem impossiveis: e isto precisamente porque 0 direito é uma técnica social, que serve para influit na conduta humana. Ora, uma horma que ordene um comportamento necessario ou proba um compor tamento impossivel seria supérflua © uma norma que ordene um comportamento impossivel ou proiba um comportamento necessirio seria va, Este modo de definir o direito pode ser chamado de formatismo juridico; 1 concepeao formal do diteito define portanto 0 direito exclu- sivamente em funcio da suaestrutura formal, prescindindo completamente ‘do seu contetido — isto é, considera somente como o direito se produz.€ 0 0 que ele estabelece. O termo “formalismo” € usado em muitos ramos do saber filos6- fico ¢ cientifico com significados muito variados, ¢ também na linguagem juridica tem sido usado para indicar uma pluralidade de conceitos diversos. Para evitar confusdes, acrescentaremos ao termo formalism ‘um adjetivo que Ihe precise a acepgdo. Assim, com referencia & concep io do diteito ora exposta, falamos de formalismo juridico. Disto (é mesmo os pensamentos ¢ os sentimentos dos TINT Orval Goon — 1084, Ca Ed Nason. PONT) 145, permanccem distintos @ formalise cientifico ¢ o formalismo ético, que duis outras principais acepgoes com as quais este termo é empregado na finguagem dos juristas. a) Entende-se por formatismo cientifico a concepgio da eiéneia juridica que di relevo predominante & interpretacio légico-sistematics de preferéncia a teleolégica; segundo a concepeio formalista da inter- pretacio (caracteristica, como jf vimos, da escola da exegese), as concretus regulae decidendi sio extraidas da norma legistativa, descon- siderando a finalidade perseguida por esta, o conflito de interesses que se deve dirimir e assim por diante, mas essencialmente com base numa operacao de cariter logico, b) Entende-se por formatismo érico a concepgao propria do positivismo juridico como Weltanschauung, segundo a qual a agao justa consiste pura ¢ simplesmente no cumprimento do dever imposto pela lei, qualquer que seja esta, qualquer que seja seu contetido (neste sentido se ja também de concepedo legalista da moral). Estas duas outras concepedes do termo “formalismo” teremos oca- jo de encontrar seguir em nossa exposicao da doutrina do positivismo juridico. esclarecer as relagdes entre a concepgao Positivista ¢ a concepcao formalista do dircito, Estas duas doutrinas nao se identificam nem so estranhas uma a outra; diremos antes. que so duas doutrinas diferentes que possuem, todavia, muitos pontos em ‘comum © que Se acompanham em seu desenvolvimento hist6rico. L406,

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