Você está na página 1de 1

Clarice Lispector

(Ucrânia, 1925 - Brasil, 1977)

Esperança

Custei um pouco a compreender o que estava vendo. Estava vendo um


inseto pousado, verde, de pernas altas. Era uma "esperança" verde, o que
sempre me disseram que é de bom augúrio. Depois a esperança começou a
andar bem de leve sobre o colchão. Era verde-claro, com pernas que mantinham
seu corpo em plano alto e solto, um plano tão quebradiço quanto as próprias
pernas que eram feitas apenas da cor da casca. Dentro do fiapo das pernas não
havia nada dentro: o lado de dentro de uma superfície tão rasa já é a outra
própria superfície. Parecia com um raso desenho que tivesse saído do papel e,
verde, andasse. Mas andava, se sonâmbulo, determinado. Sonâmbulo: uma
folha mínima de árvore que tivesse ganho a independência solitária dos que
seguem o apagado traço de um destino. Ela, a esperança, andava com uma
determinação de quem copiasse um traço que era invisível para mim. Sem
tremor ela andava. Seu mecanismo interior não era trêmulo, mas tinha o
estremecimento regular do mais frágil relógio. Como seria o amor entre duas
esperanças? Verde e verde, e depois o mesmo verde, que, de repente, por
vibração de verdes, se torna verde. Amor predestinado pelo seu próprio
mecanismo aéreo. Mas onde estariam nela as glândulas de seu destino, e as
adrenalinas de seu seco e verde interior? Pois era um ser oco, um enxerto de
gravetos, simples atração eletiva de linhas verdes. Eu? Eu. Nós? Nós. Nessa
magra esperança de pernas altas, que caminharia sobre um seio sem nem
sequer acordar o resto do corpo, nessa esperança que não pode ser oca, pois não
existe linha oca, nessa esperança a energia atômica sem tragédia se encaminha
em silêncio. Nós? Nós.

Você também pode gostar