Você está na página 1de 1

BILHETE

O despertador não é aurora.

A primeira aurora deve ter sido sonora,


teria nascido do nascimento do acorde,
ou o acorde inspirou-se na aurora
de três sons, três cores, três sortes?
A aurora não grita, murmura,
num momento interciso do círculo
entre o arco e seu duplo,
entre o fuso e a corda,
entre o bule e a chávena,
entre o sono e o primeiro movimento
lânguido, tímido, lasso
da pálpebra.

Não é morosa como a vemos,


a aurora.
É mais, muito lentamente mais
laboriosa a tintura crescente da aura
que o levante súbito descolore.
A aurora é o silêncio necessário ao solo,
a proposta e a antessala, o primeiro vapor,
as carícias preliminares são auroras.

O despertador não é aurora.

Acorde-me às oito,
como a égua lambe o despertar do potro.

Você também pode gostar