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Jürgen Habermas
Comecemos por definir tais conceitos. O termo "moderno" é de longa data, tendo
sido historiado por Hans Robert Jauss. A palavra "moderno" em sua acepção latina
"modernus" surgiu pela primeira vez no fim do século V a fim de distinguir o presente,
que oficialmente se tornara cristão do passado romano e pagão. De conteúdo variável, o
termo "moderno" reitera a consciência de uma época que insiste em se referir ao
passado da antigüidade procurando conceber-se como resultado de uma transição do
velho para o novo.
Alguns autores limitam esse conceito de "modernidade" à Renascença, mas isto
historicamente é por demais estreito. As pessoas consideravam-se modernas durante o
período de Carlos.o Grande, no século XII, assim como na França do fim do século XVII,
nos tempos da famosa Querelle des Anciens et des Modernes. Ou seja, o termo
"moderno" surgiu e ressurgiu exatamente durante aqueles períodos em que na Europa se
formava a consciência de uma nova época através de renovada relação com os antigos —
sempre que. ademais, a antigüidade era considerada modelo que se havia de
restabelecer por alguma espécie de imitação.
O fascínio exercido pelos clássicos do mundo antigo sobre o espírito dos tempos
posteriores se dissolveu pela primeira vez com os ideais do iluminismo francês. Para ser
preciso. a idéia de que ser"moderno" implica voltar aos antigos mudou com a crença —
inspirada na ciência moderna — no progresso infinito do conhecimento e no avanço
infinito em direção ao aperfeiçoamento social e moral. Outra forma de consciência
modernista se formou na trilha dessa mudança: romântico modernista buscou opor-se
aos antigos ideais dós classicistas; voltou-se para uma outra época da história,
encontrando-a numa Idade Média idealizada. Esta nova era Ideal, concebida no início do
século XIX. não persistiu entretanto enquanto tal. Ao longo do século XIX emergiu deste
espírito romântico aquela consciência radicalizada de modernidade que se destacou de
todo laço histórica particular. Liste modernismo, o mais recente, estabelece
simplesmente uma oposição abstrata entre tradição e presente; e. de certa maneira,
ainda permanecemos contemporâneos daquela espécie de modernidade estética surgida
cm meados do século XIX. O traço distintivo das obras que passam por modernas é.
desde então, o "novo". A característica de tais obras é o "novo" que se há de ultrapassar
e tornar-se obsoleto pela novidade do próximo estilo. Contudo, enquanto o que é
meramente stylish logo vem a sair de moda. aquilo que é moderno preserva elos velados
com o clássico.
Claro está que tudo que sobrevive ao tempo sempre foi considerado uni clássico.
O testemunhe genuinamente moderno, porém, não mais empresta este estatuto de
clássico à autoridade de uma época passada; recebe-o. ao invés disso, por ter
configurado um momento autenticamente moderno. Este sentido de modernidade cria
seus próprios e auto-refe-ridos cânones do que considera clássico. Fala-se nesta
acepção, por exemplo, em vista da história da arte moderna, de modernidade clássica. A
relação entre moderno e clássico perdeu definitivamente qualquer referência histórica
fixa.
Certamente não podem, ser exorcizadas por mágica as crenças compulsórias que
comandam a autoridade. Assim pois, análises como a de Bell só fazem levar a uma
atitude que se estará disseminando na Alemanha tanto quanto nos Estados Unidos, ou
seja, a um confronto intelectual e político com os portadores da modernidade cultural.
Cito Peter Steinfells, conhecedor do novo estilo imposto pelos neo-conservadores ao
âmbito intelectual nos anos 70.
"O confronto consiste em expor toda manifestação do que se poderia considerar
mentalidade oposicionista, traçando sua lógica de modo a ligá-la a várias formas de
extremismo: aproximando modernismo a niilismo… função reguladora do governo a
totalitarismo, crítica aos gastos em armas a subserviência ao comunismo, movimento
feminista ou por direitos homossexuais a destruição da família… aproximando a esquerda
em geral ao terrorismo, ao anti-semitismo e ao fascismo…" (Steinfells, The
Neoconservatives, p. 65).
O tom ad hominem c o azedume destas acusações intelectuais também clamaram
alto e bom som na Alemanha. Não deveriam ser entendidas tanto em termos de
psicologia dos autores neo-conservadores como pela própria debilidade analítica de sua
doutrina.
O neo-conservadorismo transfere ao modernismo cultural o peso incômodo de uma
modernização capitalista da economia e da sociedade mais ou menos bem sucedida. A
doutrina neo-conservadora oculta a relação entre, de ura lado, o processo desejado da
modernização social e, de outro, o deplorado desenvolvimento cultural. O neo-
conservador não desvenda as causas econômicas e sociais das mudanças de atitude
frente ao trabalho, ao consumo, ao êxito e ao lazer. Por conseguinte, atribui todas as
seguintes características — hedonismo, falta de identidade social, falta de obediência,
narcisismo, o descaso pelo status e o abandono da competição pelo êxito — ao domínio
da "cultura". A cultura, porém, intervém apenas de modo muito indireto e mediato na
criação de todos estes problemas.
Na perspectiva dos neo-conservadores, os intelectuais que ainda se sentem
comprometidos com o projeto da modernidade apresentam-se então como substitutos
daquelas causas não analisadas. O espírito que hoje anima o neo-conservadorismo de
modo algum tem origem no descontentamento provocado pelas conseqüências
antinômicas de uma cultura que está escapando dos museus para a corrente do dia-a-
dia. Este descontentamento não foi criado pelos intelectuais modernistas. Ele tem sua
raiz em profundas reações contra o processo de modernização na sociedade. Sob
pressões da dinâmica do crescimento econômico e das realizações organizacionais do
Estado, esta modernização social penetra cada vez mais a fundo os modos anteriores da
existência humana. Parece-nos que esta subordinação dos universos da vida aos
imperativos do sistema institui o distúrbio da infra-estrutura comunicativa da vida
cotidiana.
Assim sendo, os protestos neo-populistas, por exemplo, só exprimem de vez em
quando o temor endêmico da destruição do ambiente urbano e natural, bem como dos
modos de sociabilidade humana. Há uma certa ironia nestes protestos em termos de
neo-conservadorismo. As tarefas de transmitir uma tradição cultural, de integração
social e de socialização, requerem aquiescência a um critério de racionalidade
comunicativa. Há ocasião para protesto e descontentamento exatamente quando esferas
da ação comunicativa, centradas na reprodução e transmissão de valores e normas,
deixam-se impregnar por certa modernização dirigida por padrões de racionalidade
econômica e administrativa; todavia, aquelas próprias esferas dependem de padrões de
racionalização bem diferentes — de padrões do que chamaríamos racionalidade
comunicativa. Entretanto, as doutrinas neo-conservadoras desviam nossa atenção
precisamente de tais processos societários: projetam as causas, que não trazem à luz,
para o plano de uma cultura subversiva e seus adeptos.
A modernidade cultural também gera sem dúvida suas próprias aporias.
Independentemente das conseqüências da modernização societária e mesmo da
perspectiva do desenvolvimento cultural, surgem motivos para duvidar do projeto da
modernidade. Tendo tratado de uma tênue espécie de crítica à modernidade — a do neo-
conservadorismo — passemos agora à discussão da modernidade e de seu
descontentamento para um domínio diferente, em que se examinam estas aporias da
modernidade cultural, estes problemas que amiúde apenas servem de pretexto àquelas
posições (que ora reclamam uma pós-modernidade. ora pregam a volta a alguma forma
de pré-modernidade ou, ainda, que radicalmente excluem a modernidade).
O PROJETO DO ILUMINISMO
Simplificando ao extremo, diria que na história da arte moderna é possível detectar uma
tendência sempre maior à autonomia na definição e na prática da arte. A categoria do
"belo" e o domínio dos objetos belos constituiu-se pela pri-meira vez na Renascença.
Durante o século XVIII, a literatura, as belas artes e a música institucionalizaram-se com
atividades independentes da vida religiosa e cortesã. Por volta da metade do século XIX
apareceu enfim a concepção esteticista da arte, incentivando o artista a produzir sua
obra conforme a nítida consciência da arte pela arte. A autonomia do âmbito estético
tornou-se então projeto deliberado: o artista de talento podia traduzir em expressão
autêntica aquelas experiências por que passara ao encontrar-se com sua subjetividade
descentrada, destacada das amarras do conhecimento rotineiro e da ação do dia-a-dia.
Em meados do século XIX teve início na pintura e na lite tura um movimento cuja
síntese Octavio Paz encontra já na critica de arte de Baudelaire. Cor. linha, sons c
movimentos deixaram de servir principalmente à causa da representação; os meios de
expressão e as técnicas de produção tornaram-se cm si mesmas o objeto estético. Assim
é que Theodor W. Adorno pode começar sua Teoria Estética com a seguinte oração: "É
uma evidência que nada na arte é evidente: nem a arte cm si mesma, nem em sua
relação com o todo, nem sequer cm seu direito à existência." Foi isto mesmo que o
surrealismo negou: das Existenzrecht der Kunst als Kunst. O surrealismo certamente não
teria desafiado o direito da arte à existência, se a arte moderna não tivesse reiterado a
promessa de felicidade no tocante à sua relação com a "totalidade" da vida. Para Schiller
tal promessa provinha da intuição estética ainda que esta não a conseguisse cumprir. As
Cartas sobre Educação Estética do Homem de Schiller nos falam de uma utopia que
supera a própria arte. Já pelos tempos de Baudelaire, que reiterou esta promete de
bonheur através da arte, a utopia de a reconciliar com a sociedade azedara. Surgira uma
relação entre opostos, tendo-se a arte tornado espelho critico, mostrando a natureza
irreconciliável dos universos estético e social. Esta transformação modernista foi tanto
mais dolorosa quanto mais a arte alienava-se da vida e se recolhia à intocabilidade da
completa autonomia. Destas correntes de emoção compuseram-se enfim as energias
explosivas que se liberaram na tentativa do surrealismo de explodir a esfera autárquica
da arte e de forçar a reconciliação da arte com a vida. Mas todas as tentativas de
conduzir arte e vida, ficção e práxis. aparência c realidade ao mesmo plano; as
tentativas de eliminar a distinção entre artefato e objeto de uso, entre encenação
consciente e excitação espontânea; as tentativas de proclamar tudo arte e todos
artistas, de suprimir todos os critérios e de equacionar juízo estético com a expressão de
experiências subjetivas — todos esses projetos mostraram se algo absurdos. Estes
experimentos acabaram por reconduzir à vida c por evidenciar o fulgor daquelas
estruturas da arte que exatamente pretendiam dissolver. Conferiam nova legitimidade à
aparência como meio de fixação enquanto fim em si mesma, à transcendência da obra
de arte sobre a sociedade, ao caráter concentrado e planejado da produção artística,
assim como ao especial status cognitivo dos juízos de gosto. A tentativa radical de negar
a arte culminou, por ironia, em levar às suas últimas conseqüências exatamente estas
categorias através das quais a estética do iluminismo havia circunscrito o domínio de seu
objeto. Os surrealistas esmeravam-se em sua fúria, mas dois erros em particular
frustraram sua revolta. Desde logo, quando os contornos de um âmbito cultural
autonomamente desenvolvidos vêm a se romper, os conteúdos se dispersam. Nada
permanece de uma significação dessublimada ou de uma forma desestruturada; efeitos
emancipatórios não se seguem.
Seu segundo erro traz conseqüências mais importantes. Na comunicação da vida
diária, significações cognitivas, expectativas morais , expressões e valorações subjetivas
devem relacionar-se. Os processos de comunicação necessitam de tradição cultural que
inclua todos os âmbitos — cognitivos, prático-morais c expressivos. Um cotidiano
racionalizado dificilmente se salvaria, pois. do empobrecimento abrindo um só de seus
âmbitos culturais (a arte) c abrindo, assim. caminho a um só complexo de conhecimento
especializado. A revolta surrealista teria reconduzido à vida apenas uma abstração.
Há, no âmbito do conhecimento teórico, como também no da moral, exemplos
paralelos desta malograda tentativa do que poderíamos chamar falsa negação da
cultura. Só que são menos acentuados. Desde os tempos dos jovens hegelianos, tem-se
falado da negação da filosofia. Desde Marx, o relacionamento entre teoria e prática tem
sido posto em questão. Os intelectuais marxistas aderiram todavia a movimentos sociais,
e só perifericamente houve tentativas sectárias de levar a cabo um programa de
negação da filosofia semelhante ao programa surrealista de negação da arte. Engano
paralelo ao surrealista manifesta-se nestes programas quando se examinam o
dogmatismo e o rigorismo moral resultantes.
A práxis cotidiana reificada só pode ser superada pela livre interação dos
elementos cognitivos com os prático-morais e estético-expressivos. Não se há de
suplantar a reificação forçando apenas um estes âmbitos culturais altamente estilizados
a abrir-se c a tornar-se mais acessível. Ao contrário, em certas circunstâncias vemos
emergir uma relação entre atividades terroristas c o expandir-se de algum destes
âmbitos para outros domínios, seriam exemplos as tendências a estetizar a política, ou a
substituí-la por um rigorismo moral, ou ainda a submetê-la ao dogmatismo de uma
doutrina. Tais fenômenos não nos deveriam contudo induzida denunciar as intenções da
tradição sobrevivente do iluminismo como intenções enraizadas era uma "razão
terrorista". Quem confunde o próprio projeto de modernidade com o estado de
consciência e a ação espetacular do terrorista individual é tão míope quanto aqueles que
postulam ser o terror burocrático, incomparavelmente mais extenso e persistente,
praticado no escuro, nos porões das polícias secreta c militar c cm campos de
internamento e instituições, a raison d’être do Estado moderno só porque este tipo de
terror administrativo se utiliza dos meios de coerção das modernas burocracias.
ALTERNATIVAS
Acho que cm vez de renunciar à modernidade c a seu projeto como uma causa
perdida, deveríamos aprender a lição dos enganos daqueles programas extravagantes
que tentaram negá-la. Os tipos de recepção da arte talvez possam oferecer exemplo que
no mínimo indique o caminho da saída.
A arte burguesa tinha ao mesmo tempo duas expectativas em relação a seu
público. Por um lado, o leigo que apreciasse arte deveria educar-se para vir a ser um
conhecedor. Deveria comportar-se também, por outro lado. como consumidor
competente, que usufrui da arte c relaciona as experiências estéticas a seus problemas
existenciais. Esta segunda maneira de vivenciar a arte: inofensiva, segundo parece,
perdeu suas implicações mais profundas, precisamente porque mantinha relação confusa
com a atitude de ser conhecedor e profissional.
A produção artística certamente chegaria à esterilidade caso não evoluísse para a
forma do tratamento especializado de problemas autônomos e se deixasse de ser assunto
de conhecedores mais ou menos alheios a questões esotéricas. Artistas e críticos
aceitara por isso o fato de que tais problemas pertencem ao evento do que antes chamei
de a "lógica in-terna" de ura domínio cultural. Mas este delineamento rígido, esta
concentração exclusiva em um só aspecto de validade e a exclusão dos aspectos de
verdade e justiça ruem logo que a experiência estética se introduz na história pessoal e
se impregna de cotidiano. A recepção da arte pelo leigo ou pelo "aficcionado" diverge
bastante daquela do crítico profissional.
Albrecht Wellmcr chamou-me a atenção para como a experiência estética que não
se forma pela crítica dos juízos de gosto do conhecedor pode ter o alcance de sua
significação alterado: tão logo tal experiência vem iluminar uma situação de história
pessoal e se relaciona a problemas de vivência, transforma-se em um jogo de linguagem
que não é mais o do crítico de arte. Neste momento, a experiência estética não só
renova a interpretação de nossas carências, à luz das quais percebemos o mundo — ela
permeia tanto nossas significações cognitivas, quanto nossas expectativas morais,
mudando a maneira pela qual estes momentos se referem um ao outro. Seja-me
permitido exemplificar este processo.
Esta maneira de receber a arte e com ela se relacionar delineia-se no primeiro
volume da obra A estética da resistência do escritor teuto-sueco Peter Weiss. Weiss
expõe o processo de reapropriação da arte apresentando um grupo de trabalhadores
politicamente motivados, ansiosos de conhecimento na Berlim de 1937. Eram jovens
que, devido a um curso colegial noturno, adquiriram os meios intelectuais para sondar a
história geral e social da arte européia. A partir da construção alegre da mente objetiva
que tomava corpo nas obras de arte que repetidamente viam nos museus de Berlim,
começaram a remover seus fragmentos, os quais reuniram e reorganizaram no contexto
de seu próprio meio. Este meio estava longe de ser o da educação tradicional bem como
o do regime então existente. Estes jovens trabalhadores foram c vieram do edifício da
arte européia a seu próprio meio até se tornarem aptos a iluminar a ambos.
Em exemplos como este, que ilustram a reapropriação da cultura do expert do
ponto de vista de uma vivência definida, pode-se discernir um elemento que faz justiça
às intenções das inócuas revoltas surrealistas e, talvez até mais, ao interesse que Brecht
e Benjamin dedicavam a descobrir a maneira como obras de arte, de aura esvaída,
podiam ainda ser recebidas com impacto revelador. "Em suma, o projeto da
modernidade ainda não se cumpriu, sendo a recepção da arte apenas um de ao menos
três de seus aspectos. Ele visa a modificar os laços da cultura moderna com a práxis da
cultura cotidiana que ainda depende de heranças vitais mas que se veria empobrecer se
limitada ao mero tradicionalismo. Este novo desenlace só pode no entanto estabelecer-
se se a modernização societária também tomar novo rumo. O universo da vida tem de se
habilitar a desenvolver instituições oriundas de si mesmo, que estabeleçam os limites
entre a sua dinâmica interna e os imperativos de um sistema econômico quase autônomo
e seus complementos administrativos.
Se não me engano, as chances para isso não são hoje das melhores. Mais ou menos
era todo o mundo ocidental formou-se um clima que favorece processos capitalistas de
modernização assim como correntes críticas do modernismo cultural. O desencanto por
causa da falência daqueles programas que apelavam para a negação da arte e da
filosofia acabou servindo de pretexto a posições conservadoras. Vamos pois rapidamente
distinguir o anti-modernismo dos jovens conservadores do pré-modernismo dos antigos
conservadores c do pós-modernismo dos neo-conservadores.
Os jovens conservadores recapitulam a experiência básica da estética da
modernidade. Proclamam suas as revelações de uma subjetividade descentrada,
emancipada dos imperativos do trabalho c da utilidade c com esta experiência evadem-
se do mundo moderno. Fundados cm atitudes modernistas, justificam um anti-
modernismo irreconciliável. Transmigrara para o âmbito do longínquo e do arcaico os
poderes espontâneos da imaginação, da auto-experiência e da emocionalidade. A razão
instrumental justapõem de modo maniqueísta ura princípio somente acessível pela
evocação, embora seja este princípio a vontade de poder ou soberania, o Ser ou a
compulsão dionisíaca ao poético. Esta linha, na França, conduz de Bataille a Derrida via
Foucault.
Os antigos conservadores não se permitem ser contaminados pelo modernismo
cultural. Apontam com tristeza para o declínio da razão objetiva, para a diferenciação
da ciência, da moralidade e da arte, para n concepção moderna do universo com sua
racionalidade meramente operacional, aconselhando uma retirada à posição anterior à
modernidade.
Em particular, o neo-aristotelismo desfruta hoje de algum sucesso. Em face à
problemática da ecologia acha oportuno pleitear uma ética cosmológica. Podemos citar
como pertencentes a esta escola, iniciada por Leo Strauss, as instigantes obras de Hans
Jonas e Robcrt Spacmann.
Os neo-conservadores. enfim, saúdam o desenvolvimento da ciência moderna
contanto que este só ultrapasse seu âmbito para levar adiante o progresso técnico, o
crescimento capitalista e a administração racional. Além do mais, propugnam uma
política que desative o conteúdo explosivo da modernidade cultural. De acordo com uma
de suas teses, a ciência, corretamente entendida, deixou inapelavelmente de ter
sentido para a orientação do universo da vida. Outra tese sustenta que a política deve se
manter tão afastada quanto possível das exigências da justificação moral e da conduta.
Uma terceira assevera a pura imanência da arte, recusa-lhe qualquer conteúdo utópico e
aponta seu caráter ilusório com o fito de limitar a experiência estética ao domínio do
privado. Lembraríamos aqui o primeiro Wittgenstein, Carl Schmitt, em seu período
intermediário, e o último Gottfried Benn. Entretanto, com o decisivo confinamento da
ciência, da moralidade c da arte a âmbitos autônomos, separados do universo da vida e
administrados por conhecedores, o que fica do projeto da modernidade cultural é
somente o que nos restaria se fôssemos abdicar do projeto da modernidade como um
todo. Por sucedâneo sugerem-nos as tradições, que entretanto são tidas como imunes às
exigências (normativas) de justificação e validação.
Está claro que esta tipologia, como qualquer outra, simplifica; talvez nào seja
porém de todo inútil na análise dos confrontos intelectuais e políticos contemporâneos.
Receio que idéias de anti-modernidade mescladas a umas pince ladas de pré-
modernidade estejam se disseminando em círculos de cultura alternativa. Observando-se
as transformações de consciência nos partidos políticos da Alemanha salta à vista uma
nova virada ideológica (Tendenzwende) qual seja a aliança de pós-modernistas a pré-
modernistas Parece-me que nenhum partido em particular monopoliza o logro dos
intelectuais e a posição do neo-conservadorismo. Tenho pois boas razões para ser grato
ao espírito liberal com que a cidade de Frankfurt oferece-me um prêmio com o nome de
Theodor Adorno, ilustre filho desta cidade que, como filósofo e escritor, imprimiu de
maneira incomparável a imagem do intelectual em nosso país; mais que isso: que
compôs a própria imagem a ser alcançada pelo Intelectual.