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cinqüenta anos de
internacional de são paulo
MARIA ALICE MILLIET
é doutora em História da
Arte pela FAU-USP e
autora de Lygia Clark:
Obra-Trajeto.
Bienal:
percursos e percalços
nal
MARIA ALICE MILLIET
2
001. A Bienal de São Paulo faz e tornou obsoleta a pintura que faziam e o
50 anos. Às vésperas de sua 25a que representava: uma certa visão de
edição, que há para comemorar? brasilidade. Para além da questão estética,
Por certo, melhor seria fazer um todo um ambiente cultural se desestabiliza.
balanço que festejar. Mas antes Artistas e público se depararam com os
de qualquer avaliação, existe um desafios que a convivência plural instiga,
feito que não se pode negar: a com os confrontos que suscita nem sempre
Bienal, com altos e baixos, atra- em igualdade de condições. Com a vinda
vessou meio século de atividade ininter- de exposições antológicas descobriu-se a
rupta, promovendo a realização de um complexidade e extensão da arte moderna,
certame artístico internacional a cada dois suas várias vertentes e versões, os grupos e
anos, ou quase. É de esperar que, após 24 as singularidades que abrigava. Em dez
edições, a instituição esteja consolidada. anos, viveu-se um acelerado processo de
Mas não. O que se tem é uma Fundação modernização. Nessa época, a arte brasileira
agitada por glórias efêmeras e crises crô- aderiu aos rigores do construtivismo e na
nicas, nunca segura de que vencerá com construção geométrica encontrou a essência
sucesso o próximo biênio, assolada conti- da linguagem plástica. Com as exposições
nuamente pela falta de recursos e por pro- internacionais que circulavam pelos museus
blemas operacionais não resolvidos. Pode- de São Paulo e do Rio de Janeiro e as mostras
se dizer que a Bienal chega à maturidade históricas apresentadas nas Bienais consoli-
tão perplexa quanto o mundo à sua volta. dou-se definitivamente o moderno.
Paradoxalmente, à instabilidade insti- Institucionalizada a arte moderna, o
tucional se contrapõe a expectativa geral campo artístico abriu-se à penetração avas-
de que cada nova versão venha superar a saladora dos novos “ismos”. Entre resis-
anterior em arte, em polêmica, em festa. tências e adesões fáceis, projetava-se a
Contrariando as previsões agourentas, a crescente internacionalização das lingua-
abertura da Bienal continua sendo um gens. Na virada da década de 50, o debate
acontecimento aguardado. Esse dado é por entre abstração e figuração tomou conta da
si uma confirmação da imagem positiva que cena cultural. Na realidade, o que estava
ela ainda retém e um estímulo à sua conti- em jogo era não somente a afirmação de
nuidade. A grande mostra de São Paulo segue um paradigma estético, mas o controle ideo-
sendo o único evento do gênero sediado na lógico em clima de guerra fria. Nesse emba-
América do Sul a figurar na agenda interna- te, alinhavam-se em campos opostos as
cional. O deslocamento que provoca ao atrair tendências figurativas endossadas por
para a capital paulista a arte e o debate de marxistas e nacionalistas, freqüentemente
ponta (via de regra um privilégio dos centros antiamericanistas, e as correntes abstracio-
hegemônicos) constitui referência nistas – construtiva e informal – que tam-
importante não só para nós como para todo bém disputavam entre si. O abstracionismo
o continente. Apesar de ter atravessado uma informal, cujo carro-chefe era a pintura
década de perda de prestígio, cujo marco gestual de Pollock, promovido pelo MoMA
inicial foi a Bienal do Boicote (1969) em sob as bênçãos do Departamento de Estado
protesto ao cerceamento das liberdades americano, foi apresentado como a mais
democráticas no Brasil, nenhuma outra legítima expressão de liberdade individual,
instituição cultural brasileira alcançou igual alheia a qualquer constrangimento social
projeção no país e no exterior. ou político. Aos olhos da esquerda, entre-
Sua inauguração foi um divisor de tanto, essa pintura não passava de uma arte
águas. Para trás ficou o travo provinciano, alienada e alienante.
freqüentemente sectário, que cerca toda A Bienal de São Paulo não ficou fora
exaltação do nacional. A abertura da mostra dessa disputa. Ao contrário, nos anos 50,
internacional de 51 marcou o fim do domí- posicionou-se favoravelmente aos movi-
nio inconteste de Portinari e Di Cavalcanti mentos de raiz construtivista que ganharam
BIBLIOGRAFIA