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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO

EGRÉGIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE GOIÁS

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, no exercício de suas


atribuições constitucionais e legais, previstas nos artigos 129, IV, da
Constituição Federal, 29, I, da Lei Federal nº 8.625/93 e 52, II, da Lei
Complementar Estadual nº 25/98, vem perante esse Egrégio Tribunal
de Justiça, com fundamento no artigo 60 da Constituição do Estado
de Goiás, propor a presente

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, COM PEDIDO DE


LIMINAR,

em face dos arts. 2º, 3º e 4º da Lei 17030, de 2 de junho de 2010, do


Estado de Goiás, pelos fundamentos fáticos e jurídicos abaixo
alinhados:

I – A Lei ora impugnada extinguiu o Programa de Participação em


Resultados – PPR, que havia sido instituído pela Lei 16382, de 21 de novembro
de 2008.
Contudo, ao fazê-lo, a Lei impugnada incorreu em vícios de
inconstitucionalidade no que diz respeito à sucessão do PPR e de suas parcelas
pagas individualmente, denominadas Gratificação de Participação em Resultados
– GPR.

O art. 2º prevê, em seus incisos I e II, a permanência do pagamento


do valor individualizado da GPR, sob os títulos respectivos de Ajuste de
Remuneração, quando se tratar de servidor ocupante de cargo efetivo ou emprego
público permanente, que integre o quadro de pessoal da SEFAZ, e de Vantagem
Pessoal Nominalmente Identificada, para os demais servidores.

O art. 3º trata da forma de apuração do Ajuste de Remuneração,


portanto deve seguir, na técnica denominada de arrastamento, a mesma
consequência de julgamento de inconstitucionalidade reservada ao dispositivo
principal.

O art. 4º, por fim, considera como em efetivo exercício na SEFAZ


aquele servidor que esteja à disposição naquela Secretaria e, ainda, o que venha
a ser colocado à disposição de entidade jurisdicionada àquela Secretaria. Com
isto, abre-se a possibilidade de alguém que jamais tenha percebido a Gratificação
de Participação em Resultados percebê-la sob o nome de Vantagem Pessoal
Nominalmente Identificada.

II - Em ambos os casos previstos nos incisos do art. 2º, a manutenção


de uma vantagem remuneratória sem a correspondente permanência do
Programa que a justificou traduz-se na irrazoabilidade da vantagem, com
infringência aberta ao disposto no art. 5º, inciso LIV, da Constituição da República.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ação direta de


inconstitucionalidade 1158-AM, assentou a existência do princípio da
razoabilidade como contido no devido processo legal, estampado no artigo
referido:

E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI


ESTADUAL QUE CONCEDE GRATIFICAÇÃO DE FERIAS (1/3 DA
REMUNERAÇÃO) A SERVIDORES INATIVOS - VANTAGEM PECUNIARIA
IRRAZOAVEL E DESTITUIDA DE CAUSA - LIMINAR DEFERIDA. - A
norma legal, que concede a servidor inativo gratificação de ferias
correspondente a um terco (1/3) do valor da remuneração mensal, ofende o
critério da razoabilidade que atua, enquanto projeção concretizadora da
cláusula do "substantive due process of law", como insuperavel limitação ao
poder normativo do Estado. Incide o legislador comum em desvio etico-
jurídico, quando concede a agentes estatais determinada vantagem pecuniaria
cuja razão de ser se revela absolutamente destituida de causa.

(ADI 1158 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, TRIBUNAL PLENO,


julgado em 19/12/1994, DJ 26-05-1995 PP-15154 EMENT VOL-01788-01
PP-00051)

Posteriormente o princípio da razoabilidade foi reconhecido no texto


constitucional em diversos outros julgados, dos quais exemplifico com o prolatado
na ação direta de inconstitucionalidade 1975/MC-DF:

ADI 1975 MC / DF - DISTRITO FEDERAL


MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE
Julgamento: 20/05/2001
EMENTA: I. Promoção e progressão funcional: desconsideração ordenada
por lei (MProv. 1.815/99, art. 1º) do período de um ano (março de 1999 e
março de 2000) para os fins de promoção ou progressão dos servidores do
Poder Executivo, salvo os diplomatas: plausibilidade da argüição de
inconstitucionalidade. 1. Fragilidade da alegação de ofensa ao art. 246 da
Constituição no trato da matéria por medida provisória, uma vez que - salvo
para carreiras específicas (CF, 93, II, e 129, § 4º) - nem o texto original da
Constituição, nem o que hoje vigora, por força da EC 19/98, cuidam da
antiguidade como critério de promoção ou progressão funcional de servidores
públicos. 2. É densa, porém, a plausibilidade da alegação de ofensa ao
princípio da igualdade na lei - e, também, se se quiser, do substantive due
process of law - uma vez que, sem abolir a promoção e a progressão por
antiguidade, a norma questionada, só para determinada parcela do universo
dos servidores públicos - eis que dela excluídos, além dos diplomatas e os
militares, do Executivo, e os funcionários do Legislativo e do Judiciário -
manda desconsiderar um ano de seu tempo de serviço: discriminação
arbitrária. II. Abolição do adicional por tempo de serviço (MProv. 1.815/99):
argüição de inconstitucionalidade de menor consistência. Implausível a
alegação de ofensa ao art. 246, uma vez que, das inovações da EC 19/98, a
única que tem a ver com o tradicional adicional por tempo de serviço - o novo
art. 39, § 4º - não favorece a tese da ilegitimidade de sua abolição, mas, ao
contrário, ao possibilitar sempre que a lei opte pela remuneração de
determinada carreira pelo regime de subsídios.

II.1) A razão da existência do PPR, criado na Lei 16382/2001, residia


no incremento da arrecadação tributária do Estado. Por esta razão parte dessa
arrecadação foi distribuída, calculada sob o nome de Gratificação de Participação
em Resultados (GPR), individualmente a cada fiscal ou servidor da SEFAZ, bem
como aos servidores que estivessem, à época, lotados naquela Secretaria.

A verba em questão nunca foi prevista como passível de percepção


em caráter permanente, tanto é que o art. 4º, § 10, da Lei 16382/2008 dispunha
textualmente não se incorporar a GPR nem ao vencimento nem à base de cálculo
de proventos ou de pensões.

II.2) Pois bem. Extinto o PPR, os efeitos pecuniários individuais deste


persistiram. Isto é precisamente a ausência de causa, a ensejar o vício de
inconstitucionalidade.

Quanto a uma suposta violação do princípio da irredutibilidade


remuneratória, o Procurador-Geral de Justiça aponta a pacífica jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal quanto à possibilidade de corte de gratificações,
mantido o valor da remuneração, que se define como o somatório das verbas
remuneratórias incorporáveis ao vencimento:

Direito adquirido. Gratificação extraordinária. Incorporação. Servidora


estatutária. Cessada a atividade que deu origem à gratificação extraordinária,
cessa igualmente a gratificação, não havendo falar em direito adquirido,
tampouco, em princípio da irredutibilidade dos vencimentos.” (RE 338.436,
Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 2-9-2008, Primeira Turma, DJE de
21-11-2008.)
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
POLICIAIS MILITARES. GRATIFICAÇÃO ESPECIAL. REDUÇÃO. OFENSA
AO PRINCÍPIO D A IRRED U T IBIL ID AD E D E VENCIMENT O S.
INOCORRÊNCIA. O entendimento neste Tribunal é pacífico no sentido de que
inexiste direito adquirido a regime jurídico. Sendo assim, o Supremo tem
admitido diminuição ou mesmo supressão de gratificações ou outras parcelas
remuneratórias desde que preservado o montante nominal da soma dessas
parcelas, ou seja, da remuneração global. Precedentes. Agravo regimental a
que se nega provimento.
(AI 555262 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em
21/03/2006, DJ 20-04-2006 PP-00021 EMENT VOL-02229-08 PP-01444)

II.3) Sob esse aspecto, ainda mais grave é o ferimento à ordem


constitucional perpetrado pelo art. 4º.

Como descrito atrás, esse outro artigo impugnado cria uma ficção
jurídica, ao considerar passível de percepção do Ajuste de Remuneração, da
Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada – VPNI, da Gratificação de Função
Fiscal (prevista na Lei 16555, de 20 de maio de 2009) – que é devida aos
servidores fiscais, atualmente remunerados pelo regime de subsídio e que,
portanto, não é objeto desta fiscalização de constitucionalidade, o servidor que
estivesse à disposição de entidade jurisdicionada à Secretaria da Fazenda do
Estado de Goiás, bem como aquele que venha a ser colocado à disposição de
entidade jurisdicionada à SEFAZ.

II.3.1) Tem-se, aqui, uma aberrante inversão dos propósitos a que se


destinaram o Programa de Participação em Resultados e seu cálculo individual, a
Gratificação de Participação em Resultados. A Lei 16382/2008, ao instituí-los, foi
enfática ao determinar, em seu art. 4º, § 10, a sua não incorporação para o
vencimento ou à base de cálculo de proventos da inatividade e de pensões. De
igual modo, foi também enfática ao determinar no § 11 do art. 4º a não percepção
ao servidor, fiscal ou de apoio técnico-fazendário, que estivesse afastado a
qualquer título.

II.3.2) O art. 3º, inciso II, da Lei 16555, de 20 de maio de 2009,


estabeleceu um abrandamento quanto aos afastamentos dos servidores, de molde
a que aqueles que estivessem afastados de suas funções em decorrência de
férias ou de determinadas funções, todas ligadas à saúde do servidor, não
deixassem de perceber a GPR.

II.3.3) A Lei 16903, de 27 de janeiro de 2010, excluiu da percepção


da GPR os servidores que viessem a ingressar posteriormente em efetivo
exercício na SEFAZ, salvo quando esse exercício derivasse de aprovação em
concurso público.

II.3.4) Torna-se cristalino, a partir do cotejo histórico das legislações


que se sucederam, demonstrar que a norma do art. 4º implica a abertura de um
componente remuneratório a pessoal administrativo que, absolutamente, não fez
parte dos quadros fazendários em época em que existira um programa cuja meta
era o incremento de arrecadação.

Desenvolvendo-se a ideia descrita nos parágrafos anteriores,


constata-se que o único mote da disposição do art. 4º consiste em estender, por
via transversa, um aumento generalizado de remuneração, sem legislação que o
estabelecesse de modo claro. Com isto, resta violada a moralidade administrativa,
explicitada no art. 92, caput, da Constituição da República, dada o evidente
desvio de finalidade da norma impugnada.

III – Um parêntese deve ser aberto a respeito da parametricidade de


controle constitucional.

III.1) A Constituição do Estado de Goiás não contém cláusula similar


à do art. 5º, inciso LIV, da Constituição da República.

Assim, o parâmetro possível de fiscalização abstrata de


constituciondalide reside, em primeiro lugar, na cláusula de remissão aos
preceitos organizatórios federais (Constituição do Estado de Goiás, art. 2º, § 2º).
Em segundo lugar, há também parâmetro de fiscalização no caput do
art. 92, que prevê os princípios conjugados da moralidade e da legalidade, que
enfeixam a vedação ao desvio ético-jurídico do legislador referido no precedente
do Supremo Tribunal Federal.

É necessário que se anote que a figura da imoralidade decorrente no


desvio de finalidade é muito mais antiga do que a Constituição vigente, tendo sido
alçada, porém, àquela categoria. Desde 1940 o Código Penal contém o crime de
prevaricação, consistente na conduta de um agente público praticar um ato de
ofício visando a finalidade diversa da prevista na regra de competência; idêntica
figura existe, a título de ato de improbidade administrativa, na Lei 8429, de 1992,
no tipo do art. 11 (atos de improbidade administrativa que atentam contra os
princípios da Administração Pública), em seu inciso I.

No âmbito constitucional, o art. 5º, inciso LXXIII prevê a figura da ação


popular como remédio constitucional vocacionado a corrigir atos lesivos ao
patrimônio público ou à moralidade administrativa. Em seu desenho, o art. 2º, 'e',
combinado com o parágrafo único, 'e', da Lei 4717/1965, explicita verificar-se o
desvio de finalidade “...quando o agente pratica o ato visando a fim diverso
daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência”. Se, hoje,
a ação popular remedia os atos viciados por qualquer desses vícios, está claro
que o ato com finalidade desviada, ainda que não lese o patrimônio público no
contexto pecuniário, o lesará no âmbito de moralidade.

III.2) De outro lado, também o art. 94, § 1º, I, da Constituição do


Estado de Goiás, que repete ipsis litteris a redação do art. 39, § 1º, I, da
Constituição da República, determina que a fixação de quaisquer componentes do
sistema remuneratório obedeça à natureza, o grau de complexidade e à
responsabilidade do serviço desempenhado pelo servidor.

De um lado isto se perde quando se autoriza o pagamento a


servidores que não participaram do PPR, porque ainda não investidos na
repartição pública então incumbida de tal programa.

De outro lado, perde-se quando paga a vantagem a servidores que,


embora participantes, não tinham direito à incorporação. O pagamento, embora
não tenha recebido o nome de incorporação, traz o mesmo efeito prático.

IV - Da necessidade da concessão de medida cautelar

Pelas razões expendidas e face à afronta direta e indireta a


dispositivos e princípios da Carta Estadual, respectivamente, artigos 2º, § 2º e 92,
caput, da Constituição do Estado de Goiás, está demonstrada a plausibilidade da
argüição de inconstitucionalidade ora articulada, o que traduz o fumus boni iuris
necessário à concessão da medida suspensiva.

O periculum in mora também ressai transparente e justifica a


concessão da medida liminar para a suspensão imediata dos normativos ora
impugnados, pois, caso contrário, estes preceitos inconstitucionais
continuarão produzindo seus efeitos, propiciando, repetidas vezes, o pagamento
de vantagem remuneratória indevida, cuja repetição será virtualmente impossível,
dada a boa-fé dos servidores e o caráter alimentar de que aquela se reveste.

No que pertine ao perigo na demora, o Ministério Público faz juntar


cópia das informações prestadas nos autos 340233-91.2010.8.09.0000 de
mandado de segurança, impetrado por Bruno Mendes Dias e outros 27 servidores
da Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás, atualmente com vista a esta
Procuradoria-Geral de Justiça.

É necessário apontar que, conforme os apontamentos trazidos aos


autos pela Procuradoria-Geral do Estado, o impacto financeiro decorrente da
implantação do Ajuste de Remuneração e da Vantagem Pessoal Nominalmente
Identificada – VPNI é incalculável em termos precisos.

A contestação prestada naquele writ vem instruídas com a relação


dos valores nominais percebidos individualmente pelos servidores técnico-
fazendários, que aponta para um valor global de R$ 5297967,71 (cinco milhões,
duzentos e noventa e sete mil, novecentos e sessenta e sete reais e setenta e um
centavos). Ao cabo de um ano, por exemplo, ter-se-á ultrapassado R$ 60 milhões,
com facilidade.

Restam, portanto, demonstrados o fumus boni iuris e o periculum in


mora, que são suficientes para justificar a concessão da medida cautelar pelo
Órgão Especial desse Egrégio Tribunal, nos termos do artigo 46, VIII, “a”,
combinado com o artigo 60, § 5º, da Constituição do Estado de Goiás, com o fito
de suspender a eficácia dos arts. 2º, 3º e 4º da Lei 17030/2010.

V - DOS PEDIDOS: ao teor do exposto, o PROCURADOR-GERAL


DE JUSTIÇA requer:

a) a concessão da medida cautelar para a suspensão dos a r ts. 2 º,


3º e 4º da Lei 17030, de 2 de junho de 2010;

b) a solicitação de informações, no prazo de trinta dias, ao


Governador do Estado de Goiás e da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás,
nos termos do artigo 6º, da Lei Federal nº 9868/99;

c) a citação do Procurador-Geral do Estado para defender o texto


impugnado, de conformidade com artigo 60, § 3º, da Constituição do Estado de
Goiás;

d) a volta dos autos ao Ministério Público para o pronunciamento


final;
e) a juntada do procedimento administrativo nº 2010000012157, do
qual consta cópia integral das Lei Complementares Municipais ora impugnadas;

f) e, por fim, que seja julgado procedente o pedido inicial, para


declarar, com efeito ex tunc, a inconstitucionalidade dos artigos impugnados, por
violação aos artigos 2º, § 2º, 92, caput e 94, § 1º e incisos I, II e III, da Constituição
do Estado de Goiás.

Goiânia, 16 de dezembro de 2010.

EDUARDO ABDON MOURA


PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
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