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rosacrucianismo

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Por que somos


Rosacruzes?
V por RALPH M. LEWIS, FRC

A
pergunta quanto ao porquê de ponderou sobre esta questão. O ser humano
sermos Rosacruzes poderia apre- tem pressuposto e sinceramente acreditado
sentar muitas respostas diferentes. possuir um vínculo com o Infinito. Acredita
Poderia haver tantas respostas dis- haver energias intangíveis, uma inteligência
tintas quantos são os Membros da AMORC. psíquica que o liga à causa primeira de tudo.
Porém, por trás das diversas respostas há uma Além disso, o homem tem mostrado propen-
causa comum, e essa causa se expressa em ou- são a considerar a mente superior à matéria.
tra questão: Por que estamos aqui? Toda pes- Tem, em geral, contestado a noção de que a
soa reflexiva, de qualquer idade, alguma vez totalidade da mente humana seja um subpro-

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duto da matéria em movimento. O homem
tornou-se capaz de empregar a mente para O homem conhece a
levar forças físicas da natureza a obedecer a certeza da morte, do fim
sua vontade. A mente tornou-o causativo em
seu mundo.
da existência física. Supõe,
Consequentemente, pareceu coerente ao espera e acredita haver
ser humano que uma inteligência correspon-
uma continuação da vida
dente, porém superior, se encontrasse além
de toda a realidade. Parecia ilógico que o
Cosmos fosse desprovido desse poder de que
o próprio homem tanto se orgulhava. Por
após a morte.

resultou na pergunta quase universal: Por que
conseguinte, o ser humano concluiu que uma estamos aqui?. Ao buscar sua resposta, o homem
Inteligência Infinita, que tudo criara, também busca a segurança. Necessita de uma certeza
o impregnaria. O homem estabeleceu ideais pessoal que lhe possibilite a paz de espírito.
para si mesmo. Conduz seu organismo no Há homens que pensam que a vida, como a
sentido desses ideais. Acredita, portanto, que vivem, lhes foi predeterminada. Creem neces-
a Inteligência Infinita, Transcendental ou sário submeter-se às vicissitudes da vida. Para
Cósmica deva também ter um propósito final eles, a existência é como uma bola de bilhar,
superior em relação ao homem. rolando e desencadeando eventos à sua passa-
Porém, é difícil para este conciliar as gem. Esperam que nalgum ponto do caminho
experiências humanas com a crença num caiam na caçapa certa de uma jubilosa vitória
propósito divino. Não há caminhos bem de- na vida; se não o conseguirem nesta existência,
finidos que conduzam a ideais concretos de consegui-lo-ão na vida após a morte.
felicidade. O caminho da vida é entremeado Outros há que acreditam que a felicidade
de eventos variados. Alguns abrigam o bem; e a paz de espírito constituem responsabili-
outros, o mal. A sorte humana varia quase dade exclusiva do próprio homem. Adotam o
diariamente, como um cata-vento na tempes- ponto de vista de que não há certeza cósmica,
tade. Milhões de homens e mulheres se têm mas apenas possibilidade. Existem fatores
lamuriado como o antigo filósofo epicurista, tanto de miséria quanto de felicidade. Tais
Lucrécio. Lamentava este: “Por que trazem pessoas creem que compete à mente humana
doenças, em sua passagem, as estações do determinar valores e relações corretas. Estão
ano? Por que a morte prematura em toda convencidas de que somos nós próprios, ao
parte espreita? A criança recém-nascida en- vivermos os mistérios da vida, que podemos
che o quarto de lamentos tristes. Bem o faz, responder à questão “Por que estamos aqui?”.
que seu destino será andar pela vida através Quem assim pensa são os Rosacruzes. Se não
de numerosos infortúnios”. pensamos deste modo, não somos Rosacruzes
no sentido tradicional.
Como Rosacruzes, portanto, devemos
aprender a estabelecer um propósito sensato
Por que para nossa vida. Este propósito depende do
nosso discernimento das relações que temos
estamos aqui? com o Cósmico. Consiste também na desco-
Será o homem, afinal, apenas um produto de berta dos vínculos que temos com as forças
forças mecânicas não-pensantes do universo? da natureza, que também são Cósmicas.
Deve ele andar pela vida aos tropeções, tentan- Consiste, enfim, em aprendermos como es-
do agarrar as saias do destino? Se há uma mis- tabelecer um relacionamento proveitoso com
são para seres como o homem, qual será? Isto nossos irmãos humanos. Há dois caminhos

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para alcançá-lo. Primeiro, a eliminação dos alegria e bem-aventurança. Todavia, não


valores negativos. Por negativos entendemos há acordo, nestes sistemas, quanto ao que
ideias, noções e crenças que inibem nossos deveria constituir o código espiritual terreno.
poderes e funções naturais. A ação é o posi- As religiões e as filosofias morais, nos seus
tivo. O negativo é a inércia correspondente. escritos e sermões sagrados, se contradizem
Nem toda ação, naturalmente, é boa, como umas às outras.
também nem sempre o controle e o refre- Milhões de pessoas vivem temen-
amento são errados. Porém, se algo há que do as conseqüências posteriores à morte.
devemos realizar cósmica, moral ou social- Perguntam a si mesmas se terão merecido a
mente, e não o realizarmos, isto constituirá, bem-aventurança que esta vida não propor-
então, uma atitude adversa, negativa. cionou, ou se haverão de sofrer um tormento
Entre os grandes negativos que devemos superior a qualquer experiência terrena. A
combater encontram-se os temores associa­ vida inteira dessas pessoas é temerosa, uma
dos à morte. É natural que o homem tema a confusa preparação para um futuro de incer-
morte. Esta significa o exato oposto da vida, teza. Por que deveríamos crer que o homem
a cessação de toda a atividade de que consiste devesse andar desamparado, aos tropeções
a existência. Permanentemente, há em nos- pela vida temporal? Por que ele teria de adi-
sa subconsciência o inelutável impulso para vinhar o que uma deidade, um Ser Supremo
ser, para viver. A mente consciente é sempre desejasse ou tencionasse que ele fizesse? Por
sensível a esse impulso, a essa inclinação. Por que dissociar da existência terrena as leis
conseguinte, a morte geralmente parece um cósmicas e seus efeitos? Por que relacioná-los
fim, uma porta que se fecha para qualquer que apenas a um remoto paraíso?
seja o sentido que tenhamos atribuído à vida.
O homem conhece a certeza da morte,
do fim da existência física. Supõe, espera e
acredita haver uma continuação da vida após O ponto de
a morte. A filosofia e a religião cultivam a
disciplina da escatologia – que compreende a vista místico
investigação ou o estudo dos fins últimos da O místico entende que a lei cósmica, o poder
existência humana. Tais sistemas procuram divino, se manifesta em qualquer nível da
explicar a vida após a morte em termos de realidade total. Deus, o Cósmico, atua em
nossa experiência mortal e terrena. Atribuem todas as manifestações. Todas as coisas,
à vida após a morte testes e provações a que animadas e inanimadas, são componentes da
se encontra sujeita a personalidade humana. Consciência Universal. É aqui, nesta Terra,
Estendem para o outro mundo valores mo- que nos decidimos por viver em harmonia ou
rais como bem e mal. Admitem a existência em desarmonia com o Cósmico. Aqui é que a
de castigo, de punição, prescrita segundo o personalidade aprende. Não devemos pensar
mal que o homem tenha cometido. apenas no indivíduo, mas na humanidade,
coletivamente. Um indivíduo pode parecer
encontrar felicidade aqui, e outro, não. Um

Haverá parece livrar-se da punição, enquanto outro,


não. A espécie, porém, a humanidade como
recompensa? um fluxo contínuo, sofre sua compensação,
seu carma, se não nesta geração ou nesta
Argumentam, por outro lado, que a conduta época, então numa outra.
terrena adequada será recompensada após Coletivamente, elevamos ou baixamos o
a morte com prazeres quase sensoriais de nível de consciência da humanidade sobre a

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nunca direta­mente como causa. A percepção
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desse poder superior cria imagens em sua


consciência subjetiva. Essas imagens são
interpretadas pelo homem de acordo com seu
nível de consciência, com a profundidade do
seu discernimento.
O homem se esmera em dar forma ou
expressão a essa percepção cósmica. Para
alguns, esse poder transcendental é antro-
pomórfico, um ser com aparência humana e
atributos humanos. Ou seja, esse ser ama, é
zeloso, terno e protetor como um pai. Para
outros, esse poder transcendental apresenta-
-se como um juiz, sábio, severo e inexorável
em seus mandamentos. De acordo com os
que assim creem, esse divino juiz estabeleceu
leis às quais toda a humanidade está sujeita.
Porém, a humanidade pode, sob certas cir-
cunstâncias, a ele recorrer. Ainda para outras
pessoas, esse poder superior é mente absoluta,
apenas. Ou seja, concebem esse poder como
Terra. Pelo modo como vivemos, determi- uma consciência impessoal onipresente.
namos as recompensas ou punições que a Colocar-se em harmonia com essa cons-
humanidade viverá no futuro. O que estamos ciência significa alcançar a mais profunda
vivendo é o carma que por nós mesmos foi visão do Eu e da natureza, obtendo, com isto,
criado. Nós provocamos, de acordo com nos- domínio pessoal e paz duradoura.
so bom ou mau emprego das leis cósmicas,
nossas compensações aqui e agora. Com esta
compreensão, nós, Rosacruzes, libertamo-nos
do medo negativo, relativamente à morte, que Uma concepção
sufoca a mente de muitos.
Para descobrirmos nosso propósito na pessoal
vida, não somente é necessário que nos liber- Para os Rosacruzes, um ponto é de suprema
temos de conceitos negativos, porém, como importância. Esse Deus, essa Mente Divina
Rosacruzes, que também assumamos deter- ou Cósmica, como queira o leitor, é sem-
minados pontos de vista positivos, que nos pre uma experiência pessoal transcendente
devem parecer tão evidentes que despertem e imanente, isto é, íntima. Tal experiência
nossos poderes e capacidades pessoais. Essas jamais pode ser tornada uma ideia comum,
perspectivas positivas devem fortalecer-nos aceita sob todos os aspectos por todos os
para todas as provações na vida. Devemos homens indistintamente. Ela constitui um
acreditar que existe uma força transcendental sentimento no santuário da alma. Assume
a que pode o homem recorrer. Não deve- uma aparência característica de acordo com
mos pensar que o ser humano seja arrastado a mente finita do indivíduo. Por conseguinte,
numa corrente de forças mecanicistas. Esse não é possível uma definição que estabeleça a
poder superior pode revitalizar o homem, mesma configuração da consciência cósmica
emocional e fisicamente. Porém, o ser huma- em todos os homens. Por esta razão é que
no percebe esse poder superior como efeito, os Rosacruzes devem sempre se referir ao

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“Deus do meu coração”. Com estes termos, o discernimento humano. Não pode haver
os Rosacruzes querem dizer: Deus como verdades absolutas fora da experiência huma-
experiência pessoal, como algo que cada qual na. Se não forem aceitáveis para o homem,
pode entender. não serão, para ele, verdadeiras. A verdade,
Compreenda-se que o conceito pessoal portanto, é um valor estabelecido pelo ho-
de Deus de nenhum indivíduo é errado mem a partir da percepção e das conclusões
para si mesmo. Nem a imagem mental que da sua razão. Não o que possa ser uma coisa,
alguém faça de Deus é correta para todos mas o que o homem possa entender que ela
os outros homens. Ocorre-nos à lembran- seja – isto é verdade.
ça as significativas palavras do etnógrafo A realidade não é estática; a totalidade
Max Müller. Disse ele: “Jamais houve um do ser encontra-se em permanente mudança.
falso Deus, nem houve jamais uma religião A inteligência humana e o discernimento
absolutamente falsa, a menos que conside- interior estão, da mesma forma, em mu-
remos uma criança um falso ser humano”. dança. O homem percebe esta realidade de
Com uma perspectiva positiva como esta, os forma variável: hoje, de um modo; amanhã,
Rosacruzes não podem admitir a intolerân- de uma perspectiva diferente. As verdades
cia ou o preconceito religioso. Isto significa, de hoje não são as mesmas de ontem, nem
portanto, a eliminação de um dos maiores podem ser as mesmas de amanhã. Se fossem
conflitos da sociedade humana. absolutas as verdades, então a mente humana
A verdade sempre foi procurada por estaria inibida, condicionada. Não poderia
razões psicológicas. O que se mostra verda- haver nenhum progresso, pois nada poderia
deiro granjeia confiança, pois apresenta uma ultrapassar a verdade estabelecida, a chamada
natureza positiva que pode ser avaliada em verdade absoluta. Além disso, todas as ver-
relação a nós próprios. O que é verdadeiro dades relativas que o discernimento humano
apresenta uma qualidade distinta, que po- admite teriam de ser rejeitadas. O homem
demos aceitar ou rejeitar. Há dois conceitos não mais poderia confiar nos seus sentidos ou
genéricos com relação à natureza da verdade. em sua razão.
O primeiro é o de que verdade é qualquer Consequentemente, como Rosacruzes,
coisa que, para nós, apresente qualidade real. encontramos na ciência, na filosofia e no
Sendo a existência duvidosa, então não é ver- misticismo, aquilo que no momento não
dade, segundo esta concepção. O outro ponto pode ser refutado, e que, portanto, nos serve
de vista afirma que a única verdade é aquilo como verdade. Todavia, nós o rejeitamos
que é prático e útil. Algo que não tenha apli- sempre que a luz da mente humana revele
cação em nossa vida, em nossa inteligência é, uma verdade superior. Com este concei-
por conseguinte, considerado não verdadeiro. to de verdade, o Rosacruz jamais se torna
Estas duas teorias nos afirmam, de fato, dogmático ou limitado à tradição. Com o
que nada é verdadeiro, a menos que tenha a Rosacruz, a verdade se encontra sempre em
confirmação dos nossos sentidos receptores, processo de confirmação.
e que também seja para nós compreensí- As poucas razões aqui expostas res-
vel. Portanto, se podemos perceber algo e pondem à questão do porquê de haver
compreendê-lo, isto será potencialmente útil Rosacruzes. Com estas razões são formu-
para nós. Consequentemente, os Rosacruzes lados ideais individuais que conduzem à
entendem que nenhuma verdade se encontra felicidade pessoal. Nada é mais importante
fora da consciência humana. Nada é ver- na vida do que a felicidade perfeita. Porém,
dadeiro senão quando a mente humana o ela tem de ser conquistada. Não pode ser
compreende como tal. descoberta, nem constitui um capricho do
A verdade, portanto, está relacionada com mero ato de viver. Z

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