ELE no Ginásio, ela no Admissão. Ele estudava à tarde, ela de manhã.
E de manhã, cedinho, ele se levantava para vê-la passar, a caminho da escola. No começo, via com a janela entreaberta; mas, aos poucos ele foi escancarando-a para, livremente, ver passar a estrela das suas manhãs. Guardava em segredo o sonho de ganhar o seu olhar. E quando ouvia os passos da mãe no corredor, saltava-se ao sofá e se punha a folhear a Contigo sempre na mesinha de centro. Aí não dava outra: a mãe saía à janela e ele esticava o braço e baixava o som da radiola, que tocava The Beatles sem parar. Isso porque a mãe iria elevar Anamaria entre as nuvens e os anjos: “Que chique é a Anamaria!” — dizia a mãe. — “Olha o camiseiro dela! Os punhos, a pala dos bolsos, a gola... Tudo a condizer com a risca mais clara. E olha a fita de cetim no rabo de cavalo... Gente do céu!”. E toda vez que ela passava, ele pensava no que fazer por um olhar. Pensava muitas coisas. Até em fazer em seus olhos castanhos o olhar azul de Paul Newman, ele pensava. Ele pensava muitas loucuras, pensa você que não? Por exemplo: queria ser James Dean, rodando um extravagante automóvel na rua onde ela passava. Pode umas coisas dessas?! Ah! E quanto se quis ser Roberto, e cantar “Eu Te Darei o Céu”, ajoelhado à frente dela, quando ela passasse! Mas os dias passam correndo. Os dias vão-se somando, e formam um bolo de dias, e outros bolos cresceram e se cobriram de bolor porque Anamaria já não passava na rua. Não passava, vírgula; passou. Foi num domingo de sol. Nesse dia não lhe foi preciso saltar-se ao sofá e folhear a Manchete com a Sandra Bréa na capa sempre na mesinha de centro. Também não lhe foi preciso esticar o braço e baixar o som do 3EM1, que tocava “Say You, Say Me” sem parar. Isso porque já não se ouviam os passos da mãe no corredor. Mas se os ouvisse, e se sua mãe saísse à janela, ela iria elevar Anamaria entre as nuvens e os anjos: “Que chique é a Anamaria! Olha a cintura marcada, e as fendas do seu vestido verde-lima... Nossa! Os acessórios são dourados, os olhos bem pintados e o batom castanho-escuro... Gente do céu!”. Ela, que não o olhava, viu-o. Foi o primeiro olhar. E ele que pensava em milhões de coisas para ter o seu olhar, jamais pensou que aquele momento ia- lhe doer tanto. Isso porque Anamaria, ao segurar o cabelo do vento, mostrou- lhe, involuntariamente, a aliança dourada que o sol fez brilhar aos seus olhos e coração. E, depois de se olharem por um instante, ela se foi. Ela se foi, deixando-lhe o tempo parado. Não que ela assim o quisesse. Foi o tempo em que eles deveriam trocar o olhar que esperou demais. E, cansado de esperar, parou. Então, ele se fez mais lógico e desligou a música e foi-se deitar. Não se soube, porém, a loucura que fez de não acordar.