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Bering, Elaine Rossetti.

Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda


de direitos. 2ª. Ed. São Paulo, Cortez, 2208.

Capítulo 2: A formação do capitalismo brasileiro – interpretações do passado e do presente.

“No presente capítulo encontra-se uma interlocução necessária- teórica, histórica e política – que
ajuda a deslindar essas mediações na relação entre o capitalismoem geral e uma formação social
particular, que, de certa forma, filtram as determinações gerais. O objetivo é também realizar uma
discussão sobre a pertinência de algumas categorias-chave formuladas pelo pensamento social
brasileiro em sua interlocução coma tradição marxista, diante dos processos que estão em curso
hoje, tendo em vista desvelar a particularidade da constra-reforma do Estado Brasileiro na útima
década”p. 78

Capitalismo e democracia: traços e tensões da formação social brasileira

“A chamada questão nacional, que compreende a formação da nação e o processo de


modernização, diga-se, de constituição e consolidação do capitalismo, vem sendo enfrentada nas
ciências sociais, na literatura, na pesia , no cinema, exercendo um verdadeiro fascínio naqueles
que sobre o tema se debruçam (Ianni, 1992) (…) A interlocuçAo que se quer empreender neste
trabalho é com uma leitura dialética dos referidos processos, que permitia observar a discurdância
dos tempos, e quais são os fantasmas que voltam a nos assombrar (ou não) nesta passagem do
seculo XX, para o XXI. P.85

“Em Caio Prado Jr. Destacam-setemas como o sentido da colonização, o qual se delineia a partir
da intrincada e complexa articulação dadinâmica do mercado mundial com os moviemtnos
internos da economia e sociedade brasileiras… Assim, para Prado Jr., a acumulação originária, o
colonialismo e o imperialismo são momentos de um sentido geral: uma sociedade e uma
economia que se organizam para fora e vivem ao sabor das flutuações de interesses de mercados
longínquos . Outro tema central do historiador foi o peso do escravismo na sociedade brasileria,
marcando de forma deletériaacultura, valores, idéias, ética, estética e ritmos de mudança “p. 86

Enfim, um cenceito orientador de sua análise,… é o de desenvolvimento desigual e combinado…


O Brasil moderno seria, então, um `presente que se acha impregnado de v;arios passados’”(Ianni,
1992) (…) Predo Jr. Identificou a adaptação brasileira ao capitalismo a partir da substituição lenta
do trabalho escravo pelo trabalho livre nas grandes unidades agrárias, numa complexa articulação
de ‘progresso’(adaptação ao capitalismo) e conservação (a permanência de importantes elementos
da antiga ordem) “p. 87

“A interpretação dialética da formação social brasileira inaugurada por Prado Jr. teve sua
continuidade [não linear]… nas formulações do mestre Florestan Fernandes, especialmente em
seu A revolução Burguesa no Brasil(1987) “p.89 Tem em comum “a recusa da idéia de que
existia uma burguesia nacional com interesses antagônicos ao imperialismo, capaz derealizar as
tarefas democráticas inconclusas no pais, a defesa da utonomia das forças operárias e
populares”p.89 “Fernandes persegue uma caracterização de “como a sociedade brasileira confere
um estilo próprio à implementação do capitalismo em seu interior…O processo específico
brasileiro, em que pese alguns móveis do capitlismo terem sido introduzido no país no contexto
do estaturo colonial, e daí advém a importância da Independência”p. 91”… o poder deixa de
exercer-se de fora para dentro, para ‘organizar-se a partir de dentro’(Fernandes, 1987, p.31)
Entretanto, ao seu lado, coexistiam componentes conservadores, como propósitos de preservar
uma ordem social sem condições materiais e morais para engendrar uma veradeira autonomia,
fundamental par a construção da nação. Neste sentido, o elemnto revolucionário, largamente
inspirado no liberalismo, foi solapado pelo ‘predomínio de influências histórico-sociais que
confinaram a profundidade daruptura com o passado’,ainda que aquele fosse o ‘fermento
histórico do comportamento social inteligente’ (1987, p.33 diga-se uma espécie de
dinamizador.”p.92

“Na verade, para Fernandes, o liberalismo é filtrado pelas elites nativas por meio de uma lente
singular: aequidade configura-se como emancipação dos estamentos e realização de certo status
desfrutado por eles, ou seja, sem incorporação das massas…Fernandes vai mostrando o
significado da independência e de seu componente cultural liberal para a formação da sociedade e
do Estado nacionais: de como o senhor colonial metamorfoseia-se emsenhor –cidadão, elemento
exclusivo da sociedade civil, na qual os outros não contavam. Assim, a democracia não era uma
condição geral da sociedade: estava aprisionada no âmbito da sociedade civil, da qual faziam
parte apenas os estamento”p. 93 (…) tratava-se de um estilo muito próprio de modernização: sob
o controle e tutela dos estamentos dominantes, numa espécie de despotismo esclarecido, via
segura para o ‘progresso’.”p.95

“O Estado Braileiro nasceu sob o signo de forte ambiguidade entre um liberalismo formal como
fundamento e o patromonialismo como prática no sentido da garantia dos privilégios
estamentais…Fernandes cosntata que a automização do país incia-se como fenômeno político.
Porém dinamiza tendência de integração, diferenciação e crescimento econômico, numprocesso
que não estabelece ruptura com o passado recente, escravista e patrimonilista”p. 96

“Portanto, a independência cria as condições para o florescimento do espírito burguês… sem


romper com o entrosamento congenitamente heterönimo com o mercado externo, do que decorre
uma não equiparação entre autonomização econ^mica e autonomização política… Nessa
polaridade, a noção de capitalismo dependente, se aplica, segundo o autor. … Até porque se há
uma metamorfose dos estamentos, no sentido de seu aburguesamento, esta é acompanhada de
uma aceitação dos controles estrangeiros na vida econômica do país”p. 96

“Sua idéia central é a de que,ao ser incorporadaem contrxtos histórico-sociais e socioculturais


arcaicos, a comrpetitividade concorre para manter o passado presente. Daí resulta umaoutra
conexão fundamntal: a de valores conservadores, particularistas e eleitistas e a cordem
competitiva. Para Fernandes, portanto, na nova ordem, na qual o burguês moderno renasce do
senhor antido, ‘além da desigualdade de classes, conta poderosamente o privilegiamento dos
privilegiados na universalização da competição como relação e processos sociais (Fernadnes,
1987, p.168) p. 99

“Fernandes caracteriza o drama crônico típico do capitalismo à brasileria, no quaal … ‘Como não
há ruptura com o definitiva com o passado a cada passo este se reapresenta na cena histórica e
cobra seu preço (…) p. 100Fernandes fala de uma consolidação conservadora da dominação
burguesa no Brasil, especialmente se se observa a imposição desta sobre a classe operária,
marcadapela repressão ou pela cooptação/corrupção: ‘Isso faz com que a intolerância tenha raiz e
sentido políticos; e que a democracia burguesa, nesta situação, seja de fato um democracia
restrita, aberta e funcional só para os que têm acesso á dominaçào burguesa’”(1987, p.2120 p.
101

“Fernandes então dá um salto histórico para o contexto mundial do capitalismo monopolista e da


guerra fria…sobreturdo a partir dos anos 1950, e aburguesia brasileira aderiu ao intitulado
‘desenvolvimento comsegurança’… Para Fernandes, o golpe de 1994, a ‘solução’ político-militar
desses conflitos, [e a aglutinação da burguesia em tornodeuma contra-revolução autodefensiva,
que veio para resolvê-los- pela força- e desencadear a aceleraçaão e aprufundamento
daacumulação capitalistano Brasil. Com apacidade do regime militar, abriam-senovas condições
para as eleites associarem-se mais intimamente com o capital financeiro, reprimirem a subversão
da ordem e se apropriarem literalmente do Estado”p. 102… “O comportamento particularista e
egoísta da burguesia brasileira associada ao capital internacional engendrou uma exclsuão parcial
ou total dos não-possuidores do circuito capitlista, nào universalizando o trabalho livre [não
houve pleno emprego] e não integrando o mercado interno”p. 103

“Fernandes periodiza o desenvolviemento do capitlismo brasileiro em três fases. A primeira é de


eclosão de um mercado capitalista especificamente moderno, que iria da abertura dos portos até
meados dos anos 1860… segunda fase é a da formação e expansão do capitalismo competitivo,
na qual o sistema enômico se diferencia, inclsuive com a fixaçÃo das bases para a
industrialização, e que vai da década de 1869 até a década de 1950. A terceira fase é a fase de
irrupção do capitlismo monopolista, marcada pelas operações comerciais, financeiras e industriais
das grandes corporações no país, que se acentua nos anos 1950 e adquire caráter estrutural após o
golpe de 1964”p.103

“Fernandes reconhece que houve uma ccrise do poder burguês no início dos anos 1960,mas que
resolveu a apartir de três eixos: aarticulação entre a iniciativa privada interna e o mercado
mundial; a capacidade de mobilização social e política burguesa como classe possuidora e
privilegiada; a conversão do Estado em eixo estratérgico da reconstituição do poder burguês…O
resultado? A configuração política de uma versão tecnocrática dademocracia restrita, que
Fernandes qualifica como autocracia burguesa, via pela qual o capitalismo monopolista se
consolida no Brasil”p. 105

“Em síntese, segundo este estudo, completa-se o trânsito para o capitalismo, mas comoos traços
da condição periférica, que são: uma forte dissociação pragmáticaentre capitlismo e
democcracia; a extrema concentração da riqueza; a drenagem para o exterior de significativa
parcela do excedente econômico nacional; a persistência de formas pré-capitlistas de trabalho e a
depressão do valor do trabalho assalariado”p. 106 Ou seja, trata-se da consolidação do capitlismo,
mas mediado, filtradopor traços e tensões fundamentais da nossa formação social, o que remete
ao conceito de modernização conservadora, cuja origem está em Moore jr (1983), e que foi
largamente utilizado para caracterizar nosso processo de transição para o capitalismo”p. 107

“Interpretações do Brasil fundamentadas e inspiradas em Gramsci corroboram também o


raciocínio presente nas linhas anteriores”p. 110 a autora cita Carlos Nelson Coutinho como
principal representante: “Neste sentido, Coutinho propõe relacionar o coneito de revolução
passiva ao de modernização conservadora, bem como trazer o conceito de Estado ampliado, para
pensar o Brasil como uma formação social de tipo ocidental”p. 111 “Para Coutinho, o conceito de
revolução passiva é um importante critério de interpretação de momentos decisivos da formação
social brasileira. A revolução passiva encerra duas causas-efeitos destacadas pelo autor, com base
em Grasmci: o fortalecimento do Estado em detrimento da sociedade civil, donde decorre o
predomínio de formas ditatoriasi da supremacia, em contraposição a hegemônicas; e aprática do
transformismo. “p. 111

“Em busca de uma adequada interpretação marxista da sociedade brasileira, para situar o
potencial explicativo do conceito de Esatado ampliado par o Brasil, Coutinho identidica traços de
‘ocidentalidade’(Estado laico, existência de partidos políticos, orientação liberal, ainda que
muitas vezes formal como se viu; a existência de sidicatos); e outros de ‘orientalidade’(Estado
forte, sociedade civil gelatinosa; o instituto da escravidão). No entanto, pela via da
revoluçãopassiva ou modernização conservadora, o Brasil vai consolidar um perfil ‘ocidental’,
segundo Coutinho, particularmente no plano econômicao, e bem relativamente no que se refere a
socialização da política”p. 112… “portanto, tudo indica, a sociedade brasileira não está em
transição, mas vive de forma plena seu moderno e `ocidental` presente, no qual o passado se
representa como tragédia e farsa”p. 113

O Brasil dos anos 1990: contra reforma e destruição

“A partir dos anos 1990, o Brasil adentrou num período marcado por uma nova ofensiva
burguesa, mas uma vez adaptando-se às requisições do capitalismo mundial. É ummomento
histórico com caraterísticas diferentes de pós-64. Mas, certamente, configura-se como uma
contra-reforma social e moral, na perspectiva de recompor a hemonia burguesa no país”. (Mota,
1995 e 2000).

“Veja-se o que Netto (1991) sintetiza da herança do período pós-64 e que pode ser retomado para
hoje, em linhas gerais: o regime político ditatorial-terrorista modelou um país novo, uma
sociedade distinta da que existia antes – mesmo reeditando características estruturais deste
“antes”. Esse processo teve articulação naquele momento com uma contra-reformapreventiva, no
sentido de evitar tendências socialistas no Terceiro Mundo e na América Latina”p. 113 “Assim,
em1964, instaurou-se pela força um pacto-contrarevolucionário e reacionário que visava conter
vetores de reversão desse fio condutor da formação social brasileira, expressos no final dos anos
1960, pelas “reformas de base”. Seja em seu momento reacionário e conservador, seja norumo da
antidemocracia militar, o golpe de 64 expressou uma continuidade das nossas piores tradições: a
heteronomia, a exclusão e as soluções pelo alto.”p. 114

No pós-64, em que pese o conservantismo político como elemento de continuidade, houve


uma transformação no parque industrial brasileiro, induzida por uma singular articulação
entre Estado, capital estrangeiro e capital nacional, este último num papel subordinado mas
cômodo (Oliveira: 144-134) Houve uma expansão limitada do mercado interno de consumo
de massas e uma expansão das políticas sociais (Cignoli, 1985)

Marco Aurélio Nogueira (1998) – “Para ele,há no Brasil revoluções sem revolução e que
prescindem de uma sociedade civil protagonista. Daí que nossa ‘revolução burguesa’vem se
fazendo sob o comando do Eatado. Neste estudo provocativo sobre as ‘possibilidades da política’,
Nogueira destaca a complexidade da dialática entre permanência e mudança no processo de
modernização do Brasil… p. 116… Seria uma modernização sem modernidade, já que elementos
decisivos desse encontro, numa acepção clássica, como a democracia e cidadania, estão pouco
presentes…. Nogueira observa a forçada permanência no país, e que o Estado atuou como um
protagonista ao mesmo tempo modernizador e reprodutor do passado, sempre sob hegemonia de
interesses consevadores. Para ele, reforçando o movimento realizado no item anterior, a idéia de
modernização conservadora combina-se a outras categorias com forte poterncial explicativo para
o Brasil, tais como a revolução passiva, categoria que Gramsci extraiu da realidade italiana,
marcada pela resolução de contradições sem rupturas clamorosas, ou o conceitode via prussiana,
haja visto o portagonismo estatal no processo de modernização, com a conciliação de interesses
de segmentos das classes proprietárias.”p. 117

Pós- plano real, anos 90, FHC – “Há, para Guimarães (1996), um fortalecimento quantitatico das
forças de mercado em relação ao Estado nacional, o que constituia principal diferença quanto aos
ciclos anteriores. O Estado como alavanca do processo não temamesma importância, ainda que
não a tenha perdido. Outra contradição que se articula à anterior refere-se à perda de autonomia e
soberania nacionais em função de uma maior intergração à ordem mundial.p. 116 (…) Os efeitos
destrutivos do Plano Real, … , são amplamente denunciados por Tavares (1999). Critica a
submissão do governo Brasileiro a esse processo, como uma contra-reforma conservadora…
Segundo ela, houve queda dos níveis deprodução nesse setor de 20%, acompanhada de um
aumento das importarções no mesmo, de cerca de 15%”p. 199
“Essa atitude de desmantalar o setor produtivo estatal lucrativo e sucatear ainda mais o setor
público de interesse social joga água no moinho de três tendências destrutivas: desequilíbrios
potenciais no balanço de pagamentos, crise fiscal premanente e desemprego estrutural”p. 121

Conclusão da autora – “Tudo indica que se esteve, ao longo dosanos 1990, em emio a
transformação que reeditam elementos do drama crônico de Fernandes ou do mito
fundador de Chaí, ou sejs, características recorrentes do nosso processo de modernização
conservadora ou revolução passiva sinalizada pro todos. Porém por outro lado, busca-se
qualificar o momento presente, criar novas caregorias de síntese, como ade ajsutamento
passivo, ou mesmo adjetivas a modernização conservadora. Como se houvesse uma
dificuldade de apanhar os elementos de continuidade e ruptura do momento presente, na
sua relação com o passado e construção do futuro”… “Mas é também um processo que se
realiza mobilizando os elementos de avanço da nossa modernização capitlista periférica e
dependente,sob sua direção, considerando que os processos anteriores moveram-se pela
lógica paradoxal restauração/revolução… No entanto, esta vem sendo manipulada
ostensivamente, donde decorre que o coneito gramsciano de transformismo, nos dois
sentidos, pode ser bastante útil para a abordagem da contra –reforma do Estado
Brasileiro.”p. 123

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