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Os velhos lobos do mar

As gaivotas

De sol e nuvens, um céu de ouro e sangue, o arrebol do entardecer. Os gritos melancólicos, de


solitárias gaivotas, sobrevoando as carcaças dos barcos. Parecem dizer que o tempo a tudo
trespassa, e tudo se esgota. Parecem gritos de alerta, que o dia cessa e se aproxima a hora
escura. Parecem avisar que ali vem as sombras a cobrir o mundo e fechar as portas. Parecem
deduzir que vão cerrar-se as cortinas dos quartos, que vem a noite por cima estender-se e
cobrir a nudez dos corpos. Parecem gritar que a hora é essa, que a vida é só essa, não há outra.
Parece que a vida vai sair pela porta dos fundos, o coração a saltar pela boca. Gritam as
gaivotas, e serão outras ao amanhecer, com o mar a derramar-se de peixes mortos. Na manhã
do mar profundo, com as mortes do mundo.

Os homens no BARco

Os homens envelhecem no bar, bebendo as palavras salobras da noite e cuspindo o zinabre


corrosivo do tédio. Na longa travessia das horas, destiladas pelos copos, sabem o cansaço dos
corpos, os vincos nas faces vulneráveis e a vida moída pela mó do inexorável. Sabem nesta
hora o íntimo silêncio em que os gestos se anulam, os olhos no vazio vagam, e cada homem diz
a si mesmo coisas uns aos outros indizíveis. Sabem agora a solidão sozinha do lobo ferido no
ermo do mundo, e os inevitáveis borrões vermelhos da sangria própria do que é vivo e dói. E
morrem os homens, à mesa do bar, barco de náufragos no mar de espuma da última cerveja.

Valdivino Braz nasceu em Buriti Alegre (GO), em 23 de novembro de 1942. Formado em


Jornalismo pela UFG (1984), é membro da União Brasileira de Escritores – Seção de Goiás
(UBE-GO). Publicou dois livros de contos, um romance e dez livros de poemas, seis dos quais
premiados em concursos. Entre eles, “A trompa de Falópio” (Prêmio Nacional Cidade de Belo
Horizonte, 1992), de onde foram extraídos os excertos publicados acima.

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