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Capítulo V – Gases

Capítulo V – Gases

5.1. Generalidades

Num gás a densidade é baixa e, portanto, as moléculas estão em média muito


afastadas umas das outras. As suas interações são muito fracas, porque as forças entre
moléculas decrescem muito rapidamente com a distância. As densidades
suficientemente baixas, todos os gases se comportam da mesma forma, isto é, o volume
V que ocupam é inversamente proporcional à pressão p e diretamente proporcional à
temperatura T e à quantidade de substância n. Estas relações constituem as conhecidas
leis dos gases, que foram muito importantes no desenvolvimento da Química. A
relação entre V e p, a chamada lei de Boyle, é conhecida há muito mais tempo que as
outras duas. Ao contrário de quantidade de substância e temperatura, pressão e
volume são grandezas de que temos uma noção intuitiva e que foi, portanto, possível
medir muito antes daquelas.
A quantidade de substância, decorrente das noções de átomo e molécula, é uma
idéia recente. A temperatura, por sua vez, só lentamente se autonomizou da noção de
calor. A sua medida é realizada sempre de modo indireto, como no termômetro de
mercúrio, em que se mede a altura (o comprimento) duma coluna de líquido.
A escala de temperatura adotada pela IUPAC (União Internacional de Química
Pura e Aplicada) como referência para medida é resultante da aplicação da equação
dos gases perfeitos (p V = n R T).
Quando se representam num gráfico volume–temperatura várias retas
correspondentes a diversas quantidades de gás para a mesma pressão ou diversas
pressões para a mesma quantidade, todas se intersectam no ponto (V=0, T=–273,15°C).
Este valor de temperatura é tomado como o zero da escala absoluta de temperatura,
cuja unidade é o Kelvin (K).
A medida de temperatura através do volume dum gás é muito complicada de
efetuar e só alguns laboratórios nacionais de padrões de pesos e medidas os possuem.
Na prática mede-se temperatura utilizando qualquer propriedade que varie de forma
regular com T, tal como o volume de alguns líquidos (o mercúrio ou o álcool, e não a
água), ou a resistência elétrica dum fio metálico. A variação destas propriedades não é,
no entanto, rigorosamente linear, pelo que todos os termômetros práticos precisam ser
calibrados. A IUPAC tem vindo a definir, com intervalos de cerca de vinte anos (1948,
1968, 1990), escalas práticas de temperatura, que consistem numa lista dos melhores
valores de temperatura na escala do gás perfeito correspondentes a acontecimentos
físicos que decorrem sempre à mesma temperatura (como, por exemplo, as
temperaturas de fusão do gelo e de ebulição da água, à pressão de 1 atm).
As propriedades de estado mais utilizadas para descrever as misturas de gases
são em número de nC + 4 e estão representadas na tabela 5.1; nC é o número de
componentes independentes e neste capítulo será sempre igual ao número de
substâncias químicas nSQ.

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Tabela 5.1 Propriedades de Estado (P.E.) utilizadas no estudo dos gases.


Extensivas: massa e volume

123
Quantitativas ou

1442443
mensuráveis
n.° = 4
Intensivas: pressão e temperatura
P.E.

123
Qualitativas ou
não mensuráveis Componentes do sistema
n.° = nC

As equações empíricas que correlacionam as propriedades de estado constituem as


expressões matemáticas das leis gerais dos gases ou equações de estado do sistema
considerado. Iniciaremos o estudo para situações em que o número de componentes é
igual a um, generalizando-o a seguir para as misturas de gases propriamente ditas.

5.2 Leis Gerais dos Gases

5.2.1 Lei de Boyle:

A primeira destas leis foi estabelecida por Robert Boyle em 1662 e diz que "o volume
de uma dada massa de gás mantida a temperatura constante é inversamente
proporcional à pressão":
1 1
Volume ∝ ou , simplesmen te , V ∝ (1)
pressão P
cons tan te
PV = cons tan te ⇒ P =
V
em que V é o volume e P é a pressão.

Se V é uma função de P (lei de Boyle), o que pode ser representado por ƒ(P),
então P é função de V, ou seja, P = g(V). Esta função g é chamada função inversa de f e
pode ser representada por P = ƒ-1 (V). A expressão matemática para esta função inversa
pode ser obtida de (1):
cons tan te
PV = cons tan te ⇒ P = (2)
V
Esta expressão pode ser parcialmente entendida desde que se aceite os
fundamentos da teoria cinética dos gases: "As moléculas movem-se ao acaso e em linha
reta e ao atingirem a parede do recipiente que as contém, sofrem colisões perfeitamente
elásticas."
Durante o intervalo de tempo em que molécula e parede ficam em contato, a
molécula sofre uma variação na velocidade, de forma que ao se desligar da parede a
direção e o sentido desta velocidade acham-se alterados (figura 5.1). Neste intervalo de
tempo a partícula fica sujeita a uma aceleração, a qual é a responsável pela mudança na
componente vx da velocidade. Molécula e parede comportam-se como uma mola que é
comprimida e a seguir volta a seu formato original. Logo, a parede do recipiente exerce
uma força sobre a molécula durante o tempo de contato molécula-parede. Pelo
princípio da ação e reação, esta mesma força é exercida, durante o mesmo tempo, pela
molécula sobre a parede.
A figura 5.1 ilustra a ação exercida por uma parede, rígida e fixa, sobre uma

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bola elástica em movimento inercial e a chocar-se com a parede; a flecha aí


representada durante o contato bola-parede, representa a força exercida pela parede
sobre a bola. Este modelo presta-se a simular o que ocorre em nível molecular e ainda
que existam fatores outros, pode-se, num primeiro estudo, desprezá-los a bem da
simplicidade.

Figura 5.1 – Explicação no texto

A força total (ou resultante) exercida pelas moléculas do gás, num instante t, sobre
a unidade de área do recipiente, é a pressão P. Ou seja, P = F/A, em que F é a força
resultante agindo sobre uma área macroscópica A. Estatisticamente p independe da
área A escolhida para a medida de F e do tempo considerado. Aumentando-se o
volume V do sistema o percurso que cada molécula deve efetuar, até chocar-se com a
parede do recipiente, aumenta, diminuindo o número de colisões na unidade de tempo
e, conseqüentemente, diminuindo a pressão p, o que está em acordo com a equação (2).

5.2.2 Lei de Charles:

A lei de Charles (1781) diz que "o volume de uma massa fixa de um gás, mantido a
pressão constante, é diretamente proporcional à temperatura absoluta":

Volume ∝ temperatura ou , mais simplesmente , V ∝ T (3a)

em que T é a temperatura absoluta.

Uma expressão semelhante resume a variação da pressão de uma amostra de


gás sob que e aquecido em um recipiente de volume fixo. A pressão varia linearmente
com a temperatura. Pode-se, então, escrever

Pr essã ∝ temperatura ou , simplesmente , P ∝ T (3b)

A lei de Charles, à luz da teoria cinética dos gases, permite-nos conceituar a


temperatura de uma forma diferente da tradicional ou clássica. Pela lei de Charles,
mantendo-se a massa, a espécie química, o estado gasoso e a pressão, e aumentando-se
o volume, a temperatura deve aumentar. Ora, mantendo-se a espécie química, a massa

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molecular mm permanece constante e, portanto, a molécula-grama (M) não se altera.


Mantendo-se a massa, o número de moléculas (ou de moles) permanece constante.
Aumentando-se o volume, o percurso que cada molécula deve efetuar até chocar-se
com a parede do recipiente aumenta. Se a velocidade molecular permanecesse
constante, o número de colisões por unidade de tempo diminuiria e seria de se esperar
uma queda de pressão. Como a pressão permanece constante, admitimos que a
velocidade molecular aumenta. Percebemos aí uma relação entre velocidade molecular
e temperatura, o que nos induz a pensar em temperatura absoluta como uma medida
da energia cinética molecular média de um conjunto de moléculas. O conceito de
temperatura absoluta torna-se claro e o zero absoluto representaria o repouso
molecular (translacional).
Tanto a lei de Boyle quanto a lei de Charles referem-se a transformações que
ocorrem em um sistema gasoso fechado, ou seja, no qual a massa não atravessa as
fronteiras do mesmo.

5.2.3. Lei de Avogadro:

A lei de Avogadro (1811) diz que "volumes iguais de gases de natureza diversa,
nas mesmas condições de pressão e temperatura, contém o mesmo número de
moléculas". Da forma como está exposta, a lei de Avogadro refere-se à comparação
entre sistemas gasosos. Interessa-nos explorá-la de uma forma mais ampla, qual seja,
adaptá-la a determinadas transformações que possam ocorrer num sistema gasoso
constituído por um componente (não obrigatoriamente fixo). Para tanto, vamos antes
definir volume molar.
Volume molar, Vm, é o volume ocupado por um mol de uma substância química
qualquer. O volume total pode ser expresso por:
V
Vm = (4)
n
Para um sistema homogêneo, V m é uma propriedade intensiva e, portanto,
independente do volume considerado.
Imaginemos agora um sistema constituído por um gás I em equilíbrio. Num
determinado momento adicionamos um reagente R de tal forma que a reação entre I e
R resulte na extinção completa de I e na formação de um gás II mais um produto de
reação P (figura 5.2).

Figura 5.2 - Explicação no texto

A obtenção do gás II na sua forma pura (eliminando-se P e o resíduo de R), nas


condições originais de pressão e temperatura (P1 e T1), nos fornecerá um volume V2 não
obrigatoriamente igual a V1. Seja, por exemplo V2 > V1. Pode-se imaginar o sistema
agora constituído pelo gás II, como sendo formado por duas frações: uma com o

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volume igual a V1 e outra com o que falta para V2 (figura 4, vide representações
volumétricas em cinza). Pela lei de Avogadro, o número de moles (ou de moléculas)
contido na fração de volume V1 é igual a n1. O volume molar do gás II (VmII) será igual
nas duas frações, podendo ser determinado, com o auxílio da equação (4), tanto através
da fração V1 como do volume total V2 do sistema: VmI = V1/n1 ou VmII = V2/n2.
Igualando estas duas expressões chegamos a:
V1 V2
= (5)
n1 n2

Substituindo n1 e n2 por valores obtidos através da equação n=m/M:


V1 M 1 V2 M 2
= (6)
m1 m2
As expressões (5) e (6) podem ser escritas na forma:
cons tan te ⋅ m
V = cons tan te ⋅ n e V = (7)
M
em que A é uma constante. Podemos então dizer que "o volume de um sistema gasoso
constituído por um único componente (não obrigatoriamente fixo) e mantido a pressão
e temperatura constantes, é diretamente proporcional ao número de moles". Esta nada
mais é senão uma outra maneira de enunciarmos a lei de Avogadro, agora em analogia
com as leis de Boyle e Charles.
A equação (6) subentende como variáveis de estado a massa e o componente.
Diferentemente das expressões das leis anteriores vemos que: 1.°) Se a massa é
variável, pelo princípio da conservação da matéria o sistema deve ser aberto (a massa
atravessa as fronteiras do mesmo); 2.°) Se o componente é variável, deve ter ocorrido
uma reação química, a menos que o transporte de massa tenha sido total (substituição
de I por II). O componente é uma propriedade de estado qualitativa; vemos agora que
a molécula-grama (M) é uma variável de estado que representa quantitativamente o
componente.
Um exemplo da reação da figura 4 é a oxidação da glicose formando gás carbônico e
água:
C6H12O6 + 6O2 → 6CO2 + 6H2O
Neste caso particular, n1 é proporcional a n2, pois os gases reagente e produto
transformam-se na proporção de 1:1 moléculas; portanto V1 será igual a V2. Verifica-se
pelo exame desta reação que ocorre um transporte de matéria para o sistema gasoso, o
que se traduz por um ganho em carbono.

5.3. Intervalo Matemático. Gráfico de uma Função

A temperatura em grau Celsius é função da temperatura absoluta:


t°C = ƒ(TK) = TK − 273,15
e a função inversa será:
TK = ƒ-1(t°C) = t°C + 273,15.
Numa transformação tipo Charles temos:
V = g(TK) = constante⋅T.
Logo:
V = g[ƒ-1(t°C)] = constante (t + 273,15).
Vamos então estudar graficamente um caso particular dessa expressão, aquele em que
C = 0.6. A expressão será então:

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V = 0,6t°C + 164 (8)

O gráfico de uma função definida por


V = F(t°C) é uma representação
pictórica da função, o que pode ser
obtido demarcando-se, num sistema de
coordenadas retangulares, os pontos
definidos pelos pares de números (t°C,
V) ou [t°C, F(t°C)]. Se (8) for a expressão
matemática para essa função, o gráfico
obtido será aquele mostrado em
vermelho na figura 5, ou seja, uma
reta. A função é dita linear.
Uma variável é função linear de outra
quando ambas estão relacionadas por
uma função da forma

V = at°C + b (9) Figura 5.3: Gráfico da função V = at + b em que a =


0,6 e b = 164
em que a e b são constantes. Para o
exemplo da figura 5, a = 0,6 e b = 164.

A equação (9) e a figura (5.3) nos mostram o significado de a e b:


1. b é o valor de V quando t é igual a zero;
2. a é igual à relação (V-b)/t°C e verificamos que para qualquer ponto P do gráfico é
possível construir um triângulo retângulo tal que (Vi-b)/ti, em que i = 1, 2, 3, …,
seja a relação entre o cateto oposto e o cateto adjacente ao ângulo α formado entre a
reta representativa da função e uma paralela ao eixo de t (vide figura 5.3).

Portanto:

Figura 5.4 Gráficos da função de Charles

a = tg α (10)

e a é chamado coeficiente angular ou inclinação da reta V = at + b.


A função de Charles V = constante⋅T é um caso particular de função linear do tipo V =
aT + b, em que b = 0 e a = constante. A figura 6 mostra o gráfico de várias destas

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funções, que diferem entre si pelo valor de C, ou seja, pelo coeficiente angular. Como b
= 0, quando T = 0, teremos V = 0 e, portanto, todas as retas passam pela origem.
Como a transformação de Charles é a pressão constante, é costume chamar tais
retas de isóbaras, correspondendo cada uma delas a um valor de P.

5.4 Equação Geral de Estado

As leis gerais dos gases nos fornecem três equações de estado úteis para o
estudo de transformações de estado particulares. Interessa-nos obter relações entre
propriedades de estado para uma transformação qualquer. A situação mais geral é a
transformação de um sistema constituído por um gás nas condições p1, V1, T1, m1 e M1
em outro também constituído por um gás, porém nas condições p2, V2, T2, m2 e M2. A
maneira como a transformação ocorreu não nos interessa. Interessa apenas estabelecer
relações entre as propriedades no estado inicial (1) e no estado final (2). Para tanto
podemos utilizar um artifício supondo que a transformação global tenha ocorrido em
três etapas a respeitarem, em cada uma delas, uma das três leis gerais que estudamos
no item 5.2. A figura 5.5, apresentada a seguir, fornece esse raciocínio de maneira
esquemática.

Figura 5.5 A procura da equação geral de estado.

Substituindo o valor de V' dado pela lei de Boyle como apresentado na figura 5.5, na
expressão da lei de Charles, e substituindo-se o V'' assim obtido na expressão da lei de
Avogadro, chegamos a uma relação entre todas as variáveis de estado consideradas
para os estados 1 e 2:
P1 V1 M 1 P2 V2 M 2
=
T1 m 1 T2 m 2
Esta é a equação de estado procurada. Lembrando que n = m/M, e generalizando a
expressão para um estado qualquer, temos:

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PV = cons tan te × nT
PV
=R
nT
ou, como é mais conhecida:
PV = nRT (11)
em que R é a chamada constante dos gases.

Tabela 5.2 Casos particulares da equação geral de estado.


Lei Variáveis Constantes Equação de Estado
Boyle P, V T, m, M PV = mRT/M = B

Charles V, T P, m, M V/T = mR/pM = C

Avogadro V, m, M P, T VM/m = RT/P = A

As três leis gerais dos gases estão implícitas na equação (11) e os significados
matemáticos das constantes B, C e A estão representados acima na tabela 4. B, C e A
são constantes apenas para transformações específicas e seu valor depende do estado
inicial. Já havíamos admitido esta dependência para C no item 5.2.3, ao discutir a
figura 5.4. Vemos agora, pela tabela 2, que C é uma função de três variáveis: C = ƒ(m,
P, M). A e B são também funções de estado dadas por: A = g(T, p) e B = F(m, T, M).

Figura 5.6 Expansão isobárica, isomássica e isoquímica.

5.5. Significado e Valores de R

R é independente do estado e seu valor é constante para qualquer das


transformações que consideramos até aqui. Em virtude da importância que assumirá
em nosso estudo, convém que efetuemos a análise de seu significado físico. Para tanto
consideremos um gás contido num recipiente dotado de um êmbolo móvel e em
equilíbrio graças à presença de um corpo de massa m apoiado sobre o mesmo (figura
5.6a ao lado). O gás exerce uma força sobre o êmbolo igual a:
|Fgás| = P1⋅A

em que A é a área do êmbolo; e m exerce uma força sobre o êmbolo igual a:


|Fm| = m⋅g

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em que g é a aceleração da gravidade. Considerando-se a massa do êmbolo desprezível


e estando o mesmo em equilíbrio,
|Fgás| = |Fm|.
Portanto:
P1A = m⋅g (12)

Se o gás sofrer uma transformação isobárica tipo Charles (figura 5.6b) até um volume
V2, o corpo de massa m será deslocado para uma posição mais alta. Diremos que m
ganhou energia potencial ∆EP, tal que
∆EP = EP2 - EP1

Esse ganho em energia potencial é igual a


∆EP = m⋅g⋅h (13)

Sob o ponto de vista termodinâmico, o sistema (gás) realizou um trabalho ω, pois um


elemento de massa m exterior ao mesmo ganhou energia potencial. A medida do
trabalho realizado pelo gás é igual à variação em energia potencial experimentada por
m. Logo:
ω = m⋅g⋅h. (14)

Comparando-se (12) com (14) temos:


ω = P1⋅A⋅h = P1(V2 − V1) = P1⋅∆V. (15)

Aplicando-se a equação geral de estado à transformação realizada, temos:

Estado 1: P1V1 = nRT1 (16)

Estado 2: P1V2 = nRT2 (17)

Subtraindo (16) de (17):


P1∆V = nR∆T
e para R teremos:
p 1 ∆V
R= (18)
n∆ T
Substituindo p1∆V pelo valor dado em (15):
ω
R= (19)
n∆ T
No caso particular em que n = 1 mol e ∆T = 1K:
N
R=ω
ou seja, R é numericamente igual ao trabalho efetuado por 1 mol de um gás, numa
expansão isobárica tipo Charles, conseqüente ao aumento na temperatura de 1 kelvin.
O valor de R pode ser obtido através do seguinte raciocínio: O volume ocupado
por um gás nas condições normais de pressão (1 atm) e temperatura (0°C = 273,15 K),
pela lei de Avogadro depende apenas do número de moles. Para um gás que obedeça
às leis gerais dos gases, este volume é igual a:
V = 22,414n litros

em que 22,414 litros é o volume molar nas condições normais de pressão e temperatura

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(CNPT) como veremos no item 5.9.3. Resolvendo-se a equação geral dos gases (11) para
1 mol, nestas condições, temos:
R = (1atm⋅22,414litro)/(1mol⋅273,15K) = 0,08206 (atm⋅litro)/(mol⋅K)

Outras unidades úteis são:


R = 8,3144×107 (g⋅cm2)/(s2⋅mol⋅K) [erg/mol⋅K]
R = 8,3144 (kg⋅m2)/(s2⋅mol⋅K) [joule/mol⋅K]
R = 1,9872 (cal)/(mol⋅K)

Figura 5.7. Medida da pressão atmosférica.

A transformação de pressão em atmosferas para unidades fundamentais pode


ser efetuada através do conhecimento que a pressão de 1 atm equilibra uma coluna de
mercúrio de 760 mm de altura. Logo:
1 atm = 76 cm Hg.

A pressão exercida por uma coluna de mercúrio pode ser dada por:
PHg = F/A = mg/A = dVg/A = dgh (vide figura 5.7)

em que d é a densidade do mercúrio (d = m/V) e h é a altura da coluna (h = V/A).


Portanto, a pressão exercida por uma coluna de mercúrio de 76 cm será:
1 atm = 76 cm de Hg = 13,6 g/cm3 × 980cm/seg2 × 76cm =
= 1 012 928 g/cm × s2 (bária)

cálculo este que é aproximado em virtude das aproximações efetuadas para d (13,6
g/cm3) e g (980 cm/s2). O valor de R em unidades térmicas pode ser obtido através da
igualdade:
1 cal = 4.184 joule.

5.6. Mistura de Gases

Consideremos um conjunto de s gases de natureza distinta, com massas variáveis,


porém à mesma temperatura T e ocupando um volume igual V (figura 5.8).

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Capítulo V – Gases

Figura 5.8 Conjunto de s gases de natureza diversa, a T e V iguais.

A pressão desses gases será dada pela equação (11):


n RT n RT n RT
p1 = 1 ; p2 = 2 ; L ps = s (20)
V V V
ou, genericamente:
n i RT
pi = (21)
V
em que i = 1, 2, 3, ..., s.
Se os gases 1, 2, ..., s forem misturados, de tal forma que a mistura ocupe o
volume V na temperatura T (figura 5.9), e admitindo-se a não ocorrência de reações
químicas entre os mesmos, a pressão p da mistura será dada pela lei de Dalton (1820):
"A pressão exercida por uma mistura de gases é a soma das pressões que cada um
exerceria se ocupasse, sozinho, o volume da mistura na temperatura da mistura." Logo:
p = p1 + p2 + ... + ps (22)

Figura 5.9. Mistura de gases de natureza diversa.

Conservação da Matéria:

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Capítulo V – Gases

S
m = m1 + m2 + L + mS = ∑ mi
i −1
Lei de Dalton:
p = p1 + p2 + ... + ps

Substituindo p1, p2, L, ps, em (22), pelos valores dados nas equações (20):
RT RT RT
p = n1 + n2 +L+ ns
V V V
ou
RT
p = (n 1 + n 2 + L + n s ) (23)
V
ou
S
pV = RT ∑ n i (24)
i−1
a qual é a equação geral para uma mistura de gases.

A lei de Dalton, associada a dados de ordem experimental, permite a


introdução de um novo conceito em nosso estudo: o de pressão parcial. O enunciado
da lei já permite a aceitação de um conceito abstrato para pressão parcial: seria a
pressão pi que o gás i exerceria "se" ocupasse isoladamente o volume da mistura na
temperatura da mistura. Experimentalmente nota-se que se um manômetro for dotado
de uma membrana permeável apenas a um dos gases componentes da mistura (i), e se
este manômetro for colocado em contato com a mistura, a pressão registrada será igual
a pi ao invés da pressão total p; portanto, a pressão parcial é uma entidade física e não
puramente matemática, podendo ser determinada por métodos físicos sem a
necessidade da abstração implícita à lei de Dalton.
Para o caso de dois gases 1 e 2, nas condições P, V, T, n1 e n2, as equações parciais de
estado são:
RT RT
pi = n i e p2 = n 2 (25)
V V
e a equação geral de estado é:
RT
p = (n i + n 2 ) (26)
V
Dividindo-se as equações (25) pela equação (26):
p1/p = n1/(n1 + n2) e p2/p = n2/(n1 + n2)

e lembrando a definição de fração molar, xi = ni/n:


p1 = x1p e p2 = x2p

em que xi é a fração molar do gás i. Se, por exemplo, a pressão parcial do gás 1 for
igual a 3 atm e a pressão total da mistura dos gases 1 e 2 for igual a 4 atm, teremos para
as frações molares:
x1 = 3/4 = 0.75 e x1 = (p - p1)/p = 1/4 = 0.25

significando que 75% das moléculas da mistura são do gás 1 e 25% são do gás 2.
Decorre da própria definição de fração molar que:
x1 + x2 = 1

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Capítulo V – Gases

Generalizando as expressões que relacionam pressão parcial com fração molar para
uma mistura de s gases como a da figura 5.9, temos:
pi = xip (27)
e para a relação entre as frações molares:
x1 + x2 + ... + xs = 1
ou
S

∑x i =1 (28)
i −1

O número de variáveis independentes num sistema constituído por s gases é


igual a nC + 2 (vide equação 23). Conhecendo-se duas variáveis quantitativas gerais
(por exemplo, p e T) e nC (nC = s) variáveis quantitativas específicas (mi ou ni ou xi), o
sistema estará definido desde que se conheça qualitativamente o mesmo (através do
conhecimento dos componentes e, conseqüentemente, e através de tabelas
especializadas, de Mi). Se a variável xi for a escolhida, deve-se observar que apenas n-1
destas são independentes, a última sendo dada pela equação (28); torna-se necessário
então, para a resolução da equação, a escolha de mais uma variável, a qual pode ser m
ou outra qualquer. O número de variáveis quantitativas independentes num sistema
em equilíbrio é chamado variância ou grau de liberdade e para um sistema homogêneo
seu valor é igual a nC + 2.

5.7. Reações Químicas entre Gases

Encontramos, no item 5.6 a equação geral para uma mistura de gases de


composição constante (equação 23 ou 24). Os i componentes são constantes e o número
de moles de cada um também é constante. Logo, a expressão
S

∑n i = n 1 + n 2 +L+ n S (29)
i −1
é constante. Um sistema mais geral é aquele onde ocorrem reações químicas e portanto
ni e/ou i são variáveis e a expressão (29) é variável. Se o sistema for aberto (m
variável), a generalização estará completa para o estudo dos gases.

Figura 5.10. Transformação geral de estado

A figura 5.10 mostra uma transformação geral deste tipo na qual um sistema
passa de um estado 1 para um estado 2 através de uma ou mais reações químicas e/ou
transporte da massa φm do exterior para o mesmo. A equação geral para uma mistura
de gases (24) pode ser aplicada a cada estado isoladamente:

Estado 1 Estado 2

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RT S RT r
p1 = ∑ n 1i p2 = ∑ n 2j (30)
V1 i − 1 V2 j − 1
em que
S

∑n 1i = n 11 + n 12 + L + n 1 S
i −1
e
r

∑n 2j = n 21 + n 22 + L + n 2 r
j− 1

Igualando as expressões (40) através de R:


p 1 V1 p 2 V2
R= S
= r
(31)
T1 ∑ n 1 i T2 ∑ n 2 j
i−1 j− 1

chegamos à expressão (31) que é a equação geral para o estudo considerado.


Genericamente podemos escrever:
S
pV = RT ∑ n i (32)
i−1
expressão esta que é idêntica à (24), porém agora válida para condições em que i e/ou s
são variáveis.
A tabela 5.3 mostra o caráter geral da equação (32), notando-se que as equações de
estado estudadas até aqui são casos particulares da mesma.

Tabela 5.3 Equação Geral dos Gases - Casos Particulares


S
EQUAÇÃO GERAL: PV = RT ∑ n i
i−1

CASOS PARTICULARES

SISTEMA VARIÁVEIS CONSTANTES EQUAÇÃO DE ESTADO

S
R
QUALQUER nC ≥ 1 P, V, T e ∑n
i −1
i

Aberto, sem reações


S
químicas. R
nC ≥ 1
P, V, T e ∑n i S
i −1 PV = RT ∑ n i
i−1
Fechado, qualquer P, V, T e s R e i
nC ≥ 1

Fechado, sem reações


P, V, e T R, i e s
químicas
nC ≥ 1
ni = constante3⋅V
V e n e/ou i P, R e T
Aberto, tipo Avogadro. (i = 1 ou 2 e constante3 =

227
Capítulo V – Gases

nC = 1 P/RT)
S
Fechado, qualquer P, V e T R e n ∑n i = n PV = nRT
nC = 1 i −1

PV = constante1
Tipo Boyle P, e V T, R e n
(constante1 = nRT)
nC = 1
V = constante2⋅T
Tipo Charles V e T P, R e n
(constante2 = nR/P)
nC = 1
P, V, T, R e
Em equilíbrio S
 
nC ≥ 1 ∑n
i −1
i

5.8. Gases Reais

As leis gerais dos gases, embora traduzam com relativa precisão o


comportamento dos mesmos em transformações que ocorrem entre estados não muito
afastados das condições ambientais, não têm o caráter rigoroso que se pretendeu
outorgá-las há alguns séculos atrás. Na realidade, são "leis aproximadas", verificadas
apenas em certas circunstâncias; ou melhor dizendo, são leis com campo de aplicação
restrito.
O comportamento dos gases reais não é tão simples quanto possa parecer pela
análise dos itens precedentes; e os fatores responsáveis por esta complexidade são
fundamentalmente três:
1. As moléculas ocupam lugar no espaço;
2. As moléculas apresentam forças de atração entre si (interação);
3. As forças intermoleculares dependem da distância de separação entre as moléculas.

A primeira destas afirmações já implica numa limitação à lei de Charles: no zero


absoluto de temperatura, o volume não pode ser igual a zero; logo, as retas da figura 6
não podem passar pela origem, e o gás real não obedece a lei de Charles (V =
constante⋅T). À medida em que o volume molecular passa a ser desprezível em relação
ao volume total do gás, este fator torna-se de pouca importância.

As forças de atração entre as moléculas têm .


resultante próxima a zero para moléculas situadas no
interior do gás, porém esta deixa de ser nula para
moléculas próximas às paredes do recipiente (figura
5.11). O efeito resultante se traduz na medida da
pressão do gás. À medida que diminui o número de
moléculas por unidade de volume, este efeito passa a
ser pouco pronunciado, não só pela diminuição do
número de moléculas que interagem mas também
pela diminuição da própria força de atração entre as
mesmas, a qual é dependente da distância de Figura 5.11. Forças de atração
separação. intermoleculares

Os desvios entre o comportamento dos gases reais e aquele que seria de se esperar pela
observância da lei dos gases, têm sido exaustivamente estudados à partir dos trabalhos

228
Capítulo V – Gases

de Amagat e Regnault, levados a efeito durante o século XIX. Um meio de se efetuar


esta comparação pode ser obtido pela definição de um fator Z igual a:

pV
Z= (33)
nRT

Para um gás que obedeça as leis gerais dos gases, Z = 1, pois PV = nRT.

Figura 5.12. Gráfico Z = ƒ(P) para o hélio e o oxigênio a 300 K.

Observando-se experimentalmente o comportamento de um gás real através da


medição de P, V e T, para um n conhecido, obtém-se, para a função Z = ƒ(P), gráficos
como aqueles apresentados na figura 14 para o hélio e o oxigênio, em que T e n são
constantes. Nota-se, por este gráfico, uma tendência para Z aproximar-se de 1, à
medida que a pressão diminui. O prolongamento do gráfico corta o eixo das ordenadas
no ponto em que Z = 1. Ou seja, o comportamento dos gases reais aproxima-se da
condição de obediência às leis dos gases à medida em que a pressão tende a zero. É
importante perceber que nestas condições os três fatores limitantes, acima enunciados,
tornam-se desprezíveis.
Esta tendência do gás real obedecer as leis gerais dos gases em determinadas
condições, como por exemplo, para a pressão tendendo a zero, representa o
sustentáculo mais consistente para que ainda hoje se consagrem as leis de Boyle, de
Charles e de Avogadro. Com efeito, elas não são apenas leis aproximadas, nem tão
somente leis com campo de aplicação restrito. Sua importância ultrapassa os limites de
um laboratório, ganha um conteúdo teórico intuitivo sem precedentes e retorna às
condições experimentais trazendo imenso auxílio ao estudo dos gases reais.
Em virtude desta importância, é costume definir como gás ideal ao gás hipotético que
obedece as leis gerais dos gases.

5.9. Intervalo Matemático. Limites

5.9.1. Conceito Intuitivo de Limite

Em virtude do que foi exposto no item precedente podemos dizer que à medida
em que a pressão de um gás tende a zero, o seu comportamento, frente a alterações em
suas propriedades de estado, tende ao do gás ideal. Outras condições particulares a

229
Capítulo V – Gases

cada gás existem em que o comportamento dos mesmos aproxima-se ao do gás ideal.
Em todos esses casos verifica-se que essa aproximação coincide com a obtenção de
valores para Z cada vez mais próximos de 1. E o inverso é verdadeiro: sempre que Z
tende a 1, o comportamento do gás tende ao ideal. É possível então definir o gás ideal
como o limite para o qual tende o gás real, quando Z tende para 1. Simbolicamente
podemos escrever:
gás ideal = lim(gás real )
Z →1
Raciocínio análogo pode ser efetuado para expressões matemáticas. Desta forma,
através da definição de Z (equação 1-42) podemos escrever:
PV
lim =R
Z→1 nT
Esta expressão encerra o comportamento dos gases reais e é, em síntese, o verdadeiro
enunciado para a Lei Geral dos Gases. A lei de Boyle seria um caso particular em que n
e T, sendo constantes, não afetariam intrinsecamente o resultado do limite, podendo
serem colocados em evidência:
PV 1
lim = lim PV = R ou lim PV = nRT = B
Z→1 nT nT Z → 1 Z→1

Analogamente teríamos, para a lei de Charles:


V
lim =C
Z→1 T
e para a lei de Avogadro:
V
lim =A
Z→1 n

Figura 5.13. Gráfico PV = ƒ(P) para o oxigênio a 300 K e n = 1 mol.

A figura 5.13 mostra o comportamento do oxigênio, num gráfico P versus PV


[ou PV = ƒ(P)], em condições de T e n constantes (T = 300 K e n = 1 mol).
Existem duas regiões do gráfico, vizinhanças de Ao (P = 0) e de Ai (P = i), para as quais
o comportamento do oxigênio a 300 K aproxima-se do comportamento do gás ideal e,
portanto, da obediência à lei de Boyle.

5.9.2. Conceito Formal de Limite

Analisemos com mais detalhes o gráfico da figura 15. Chamemos por Br (r de

230
Capítulo V – Gases

gás real) o valor assumido por PV = ƒ(p). Nestas condições podemos dizer que o
gráfico representa Br em função de P.
A figura 5.14 reproduz a figura 5.13 conservando apenas os detalhes que irão, por ora,
nos interessar.

Figura 5.14. Gráfico Br = ƒ(p)

Dada uma vizinhança qualquer de um ponto A (a, b) qualquer do gráfico,


corresponderá à mesma uma vizinhança Va de a no eixo de p e uma vizinhança Vb de b
no eixo de Br. "Se para qualquer vizinhança Vb de b, por menor que ela seja, existir
sempre em correspondência uma vizinhança Va de a, de tal forma que para todo p
pertencente a Va e P ≠ a, o valor correspondente de Br pertencer a Vb, podemos dizer
que:
b = lim f (P )
P →a
ou seja, o limite da função de p [no caso Br = f(p)] para p tendendo a é igual a b. No
caso particular do ponto Ai da figura 15 temos:
lim B r = B
P →i
e como p →i é equivalente a Z →1, e Br = PV, podemos escrever:
lim PV = B
Z→1
O mesmo raciocínio pode ser efetuado para o ponto Ao da figura 15, levando a:
lim PV = B
P →0 +
em que P →0+ exprime o fato de p ser sempre positivo, ou seja, fisicamente p somente
tende a zero pela direita do gráfico.

5.9.3. Aplicações Práticas

Figura 5.15 Determinação de R.

231
Capítulo V – Gases

Tomemos os valores das propriedades de estado obtidas experimentalmente para um


gás qualquer, fixando-se duas variáveis (por exemplo T e n), e coloquemos os mesmos
num gráfico PV/nT = ƒ(P), como mostrado na figura 5.15, tanto para o hidrogênio
quanto para o oxigênio. O prolongamento destes gráficos para a esquerda (P→0+)
fornece, no ponto em que P = 0, o valor de R o qual, para todos os gases reais é:
PV atm ⋅ litro
R = lim = 0 ,08206
P → 0 + nT mol ⋅ K

A partir do valor de R pode-se obter uma expressão para o volume do gás ideal:
nT
Vid = 0 ,08206
P

válida para T em K, p em atm e fornecendo Vid em litros. Tratando-se de uma


expressão para o gás ideal, é válida para qualquer pressão e temperatura. Para o
volume molar do gás ideal teremos:
Vid RT
Vid = =
n P

e nas condições normais de pressão (1 atm) e temperatura (273,15 K) seu valor será:
(0 ,08206 × 273 ,15 )
Vid = = 22 , 414 litro ⋅ mol − 1
1

Outra aplicação prática do comportamento limite dos gases reais reside na


determinação do peso molecular de gases e substâncias voláteis. Com efeito, sendo M
constante (ausência de reações químicas), podemos escrever:

Figura 5.16. Determinação de M(O2). T = 300 K.

PV MPV PV mT mRT
R = lim = lim = M lim ou M = R lim = lim
P → 0 + nT P → 0 + mT P → 0 + mT P → 0 + PV P → 0 + PV

mRT
A figura 5.16 mostra o gráfico do tipo = f(P) para uma massa fixa de
PV
oxigênio a temperatura constante e igual a 300K. O prolongamento deste gráfico para a
condição em que P = 0 fornece o valor de MO2 e, portanto, o peso molecular do
oxigênio.

232
Capítulo V – Gases

5.10 Desvios ao Comportamento de Gás Perfeito

Um gás só se comporta rigorosamente como um gás perfeito no limite de baixas


densidades. Quando a densidade aumenta, por efeito dum aumento de pressão ou
duma diminuição de temperatura, o volume ocupado por um gás começa a afastar-se
do previsto pela equação (34). Este afastamento é devido às forças intermoleculares,
que, à medida que a distância média entre as moléculas diminui com o aumento de
densidade, se vão fazendo sentir cada vez mais. A forma mais clara de evidenciar estes
desvios é talvez através dum gráfico como o da figura 5.17.

Neste gráfico podem distinguir-se três regiões:


I- a baixas pressões (baixas densidades) o gás é um gás perfeito: pV/nRT =1;
II- a pressões intermédias, o gás tem desvios negativos em relação ao gás perfeito, o
volume ocupado é menor que o previsto: pV/nRT < 1;
III- a pressões altas, o gás apresenta desvios positivos, o volume ocupado é maior que o
previsto: pV/nRT >1.

Figura 5.17 Evolução do fator de compressibilidade (pV/nRT) de um gás com a pressão, a


diversas temperaturas.

Na região I, a zona do gás perfeito, as distâncias intermoleculares médias são,


como já vimos, suficientemente altas para que cada molécula possa "passear"
livremente sem "notar" a presença das outras. A identidade própria de cada substância,
que se traduz por moléculas distintas e, portanto, também, forças de intensidades
diferentes, não se faz sentir. Todos os gases nestas circunstâncias se comportam da
mesma maneira.
A região II já corresponde a distâncias médias menores entre as moléculas e
para as quais predominam forças intermoleculares atrativas. A atração entre as
moléculas origina naturalmente volumes ocupados menores do que os previstos pela
equação dos gases perfeitos, que são calculados para situações em que não há interação
molecular. Para temperaturas mais baixas, os desvios negativos a esta equação fazem-
se notar a partir de pressões mais baixas, porque se atingem mais rapidamente
densidades altas.
A região III corresponde a densidades elevadas, em que as moléculas estão
próximas e exercem entre si forças predominantemente repulsivas. O volume, para
cada valor de temperatura e pressão, é agora maior que para um gás perfeito nas
mesmas condições.
É de notar que os desvios representados na figura 6.1 dependem não só da
pressão e da temperatura, mas também da substância gasosa que se representa, isto é, a
cada substância corresponde um gráfico diferente. As forças intermoleculares diferem

233
Capítulo V – Gases

de substância para substância, porque dependem das características das moléculas que
as constituem, provocando portanto desvios distintos à equação dos gases perfeitos.
Assim e por exemplo, o vapor de água apresenta desvios pronunciados a densidades
muito mais baixas do que o azoto, porque, à mesma distância intermolecular, as forças
entre moléculas de água são muito mais intensas do que entre moléculas de azoto.

5.10.1. Equação de van der Waals

A primeira equação a introduzir de forma explícita o efeito dos dois tipos -


atrativo e repulsivo - de forças entre moléculas foi proposta por van der Waals em
1873. Este físico holandês introduziu dois termos corretivos à equação dos gases
perfeitos, dependentes de parâmetros característicos de cada gás. Para ter em conta as
repulsões que as moléculas exercem entre si a curta distância, van der Waals subtraiu
ao volume molar (Vm=V/n) uma constante b, proporcional ao volume molecular:

p = RT/ (Vm–b) (34)

[Daqui resulta:

Vm = RT/p + b (35)

ou seja, um volume maior do que o previsto para um gás perfeito, tal como dito acima].

Para contabilizar as forças atrativas, foi introduzido um termo subtrativo à pressão


dependente dum parâmetro a:

p = RT/(Vm–b) –a/Vm2 (36)

[Este termo tem que ser realmente subtrativo. A pressão exercida por um gás nas paredes do
recipiente que o contém resulta da soma dos impactos moleculares. A existência de forças
atrativas vai "puxar" para o interior as moléculas em viagem em direção às paredes, diminuindo
assim a sua velocidade e o impacto na parede].

É importante notar que a e b são parâmetros que variam de substância para substância.
Para se efetuarem cálculos com a equação de van der Waals, e ao contrário da equação
dos gases perfeitos, é portanto necessário determinar previamente o valor destes dois
parâmetros para a substância em questão.

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